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montesclaros.com - Ano 22 - sábado, 27 de abril de 2024


Raphael Reys    rphaelreysmoc@yahoo.com.br
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Por Raphael Reys - 10/4/2012 09:17:22
A história do menino pelau

Como até as pedras se encontram, estive no Quarteirão do Povo para dois dedos de prosa com a dupla dos setentões dessemelhantes de Moc City. Um, o lobo urbano Ronaldo Toffani, cobra mais do que criada na escola da vida. O outro, um exemplo de cidadania e de honradez, o pecuarista e cinéfolo Gegê Gomes.
Ronaldo, o mestre da ironia, cuca leve, dolce far niente (boa vida), pé de pano estilo canastrão de Roliude. Emérito dom Juan de alcovas tropicais, consolador de mal amadas e mal casadas, herdeiro natural e adepto da Lei de Gerson. Sempre vestido elegantemente. Como todo bom filho de Figueira, católico de dia, macumbeiro à noite.
Quando interage com algum interlocutor deixa transparecer na expressão, uma môfa!
Carrega no pescoço um patuá feito em Nazaré das Farinhas na Bahia e no bolso das calças bem talhadas uma reza de São Cipriano, fechando o corpo contra bala de namorado, noivo, amante fixo ou marido ciumento.
O outro, criador de gado da mais alta supimpitude, filho de família tradicional, mui digno executivo da Fazenda Larga onde a fartura é tanta que colonião dá mais alto que telhado de casa e caititus anda em bando e são abatidos de porrete. Mantém sempre na face um sorriso dócil e conciliador, que é a sua marca registrada.
Embora tenha nascido em berço de ouro se comporta e se veste com parcimônia. Polido, discreto, cortez, profundamente religioso. Chega a ser um simplista.
Tete a tete comigo, esses dois ilustres montes-clarenses, tão diferentes em personalidade o que reforça o dito da canção portenha: cada qual com o seu cada qual. Ou, cada alma com a sua missão.
Se algum dia, as companhias cinematográficas Metro Goldwin Mayer ou mesmo, como bem diria o saudoso Lezinho Lafetá, a Vinte Tê Agâ Centuri Fé Ô Xis, viessem a Moc City fazer uma longa metragem sobre a nossa verve campesina teriam dificuldades estruturais para compor o elenco, tal o farturão de artistas...
Acontece que aqui só tem estrela, galã de primeira e para fazer papel de bandidos e demais coadjuvante teria que vir gente das cidades vizinhas. Exceção do Brejo das Almas que, como em nossa urbe, só tem cabeceira.
E para concluir a crônica ao bom estilo Withimiano, uma história da mais pura poesia interiorana. Conta o nosso Gegê Gomes, que no início dos bons anos 50, quando ele ainda era um galalau, dona Yolanda, sua vizinha na rua Doutor Veloso lhe narrou à história do menino Pelau.
Acontece que o infante tinha um passarinho de estimação que veio a morrer de morte morrida. A cena final do filme tupiniquim é o garoto com o pássaro em de cujus na mão e no maior chororó. Outro menino, seu vizinho empático, para consolá-lo teria dito: Chora não Pelau que ele foi para o céu!.
O apelido Pelau dado pelo pai do curumim fora copiado de um personagem extraído das páginas de Camões.
E como diria o saudoso montes-clarense Deca Rocha:
- Nós aqui da roça, somos curraleiros, mas somos chiques!


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Por Raphael Reys - 2/4/2012 17:14:21
Novas rosas literárias no Jardim Acadêmico

Boca da noite encantada sob a límpida amplidão da Chapada de Figueira. Mercúrio na cúspide do céu, inspirando as letras e Vênus, em sintonia, emanando as artes no Centro Cultural Hermes de Paula onde está sendo formada a Academia Feminina Montesclarense de Letras.Dia Nacional e Internacional da Poesia!Serão conduzidas aos portais internos do sacro colégio: Cláudia Veloso Colem, Nayara Maciel do Carmo e Lara Araújo. Carmem Netto Vitório, nomeada correspondente e a grande homenageada da noite solene, a educadora Isabel Rebelo, uma guerreira fundadora da Fafil, raiz e base de onde surgiu a nossa universidade.Júpiter e demais deuses, empáticos, a tudo assistiam do Olimpo, enquanto a escritora Gloria Mameluque presidia a academia com as imortais, envergando a pelerine, emoldurada por uma rosa violeta e uma pena.A egrégora do ambiente combinava a fragrância das colônias com o natural voilá das acadêmicas, enquanto Nancy Andrade discursava sobre a mulher atual, suas conquistas e liberdade de expressão. Lembrou a magia feminina dos Orixás.A escritora Maria Câmara encerrou os discursos e foi efusivamente aplaudida em sua fala.A cantora Ana Luiza brindou a todos, com espirais sonoras extraídas do romantismo de Whitney Heppner, acompanhada pelo tecladista Tiago.Senhoras, meninas, mães, avós e bisavós, elegantemente vestidas. A escritora Mara Narciso, adornada em negro, combinando com os seus cabelos; Márcia Yellow, sempre ao sabor do vento, com um coque blond; e Virgínia de Paula, meditativa, em um costume de seda estampada.Muitos abraços, beijos, congraçamentos, comprimentos, sorrisos, lágrimas de contentamento, alegrias, clicadas pela mídia e pelas famílias das acadêmicas e homenageadas presentes ao evento.E viva os que promovem a educação e a cultura dos nossos Montes Claros!


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Por Raphael Reys - 19/3/2012 14:08:35
A ESCOLA DO GIBI.

Nos bons anos 60 e parte dos 70, o bar do Haroldo, fincado na esquina das ruas Corrêa Machado e Melo Viana, no Bairro Morrinhos, era o point da rapaziada e da turma de capoeiras. Muita cachaça curraleira, cerveja casco verde e os famosos Pfs e tira gostos de galinha caipira. Além do caprichado tempero, o molho e as mandingas do citado mestre cuca, sempre atraíram muitos clientes.
Lá no bar, a galera pulava e se assanhava como uma farândola de diabretes, quando havia jogo de futebol entre Cruzeiro e Atlético. As turmas de torcedores rivais se peiteavam, mostrando faixas e cartazes com slogans alusivos à contenda, cantando refrões provocativos. Era o maior auê!
Dentre os personagens mais animados, se destacava o Tipuka. Tipo exótico, conversa arrastada, mãos tortas, corpo torto, parecendo cavalo de umbanda incorporado na Escora. A bem da verdade, era cobra criada, um servente de pedreiro da turma do mestre de obras Roberto Pimenta, o maior 171 do pedaço. Esse criou fama como o mais esperto de Moc City. Dava uma de menino de creche para poder sobreviver.
Bem próximo dali e no passeio em frente ao Cine Ypiranga, trabalhava uma grande turma de engraxates com suas caixas características. Dentre muitos, Geraldo dos Beiços, Nego Tó, Luiz Pinguelo, João Finin, Artur Cegão, Carlai, e o memorável Nau Faquir, morto tragicamente no mundo do crime.
Como ferramentas de trabalho, pastas Nugett, escovas, flanelas e a tinta Fenomenal, usada para mudar a cor dos sapatos.
Por qualquer alegria ou fraco motivo baixava o santo na rapaziada. Aí todos enchiam a cara, engrossando a turma dos torcedores do Atlético, no Bar Destak da carnavalesca Dona Linda e os cruzeirenses, no Bar do Haroldo.
A galera daqui sempre foi muito criativa, unida, e como a alfabetização não chegou para todos os moradores da comunidade, apesar do progresso da nossa urbe, nasceu entre os frequentadores dos bares e do cinema, uma escola diferenciada. A Escola do Gibi!
A alfabetização era feita através do manuseio de revistas em quadrinhos e pela leitura dos que eram alfabetizados, com a memorização das falas dos personagens, textos e imagens pelos demais, surgindo, então, entre os aficionados por revistas em quadrinhos, os alunos do Gibi.
Clubes idênticos, onde ocorria a troca de revistas e o aprendizado somente da leitura, funcionavam também à porta dos cines Fátima, Lafetá e Coronel Ribeiro.
Como a didática ministrada à porta do cine se dava com os participantes em pé na calçada, desenvolveu-se somente a leitura e não a escrita. Nessa galera, figuravam alfaiates, aprendizes, serventes de pedreiro, operários, mestres de obra e serviço, artesões.
Nessa fase a bela professora Estelita Cardoso moradora da rua Melo Viana, matriculou uma boa parte da galera na distante Escola Vila Telma. Funcionava numa tapera com paredes de adobe, coberta de folhas de coqueiro a luz de gás e o sacrifício era irem a pé à noite com quase uma hora de percurso. Conseguiu alfabetizar centenas de jovens do Bairro Morrinhos e adjacências. A diretora do educandário coberto de palha era Maria da Glória Xavier.
Todo sacrifício em prol da educação dos jovens da comunidade! Aperfeiçoaram a leitura, aprenderam a escrita, matemática, geografia, história e os primeiros rudimentos de Moral e Cívica.
Dentre muitos, Pacuí, Pipiu, Lika Alfaiate, Cláudio, Aroldin, Lianão, Marquinho Kiko, Zé Maria, Eustáquio Perneta, Padeça, Hildebrando de Zefira, Zeca de Dona Linda, carregando o botijão na bicicleta cargueira. Lá estavam, além de muitos outros não citados, traídos pela memória e a nossa lembrança.


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Por Raphael Reys - 13/3/2012 17:50:26
UM PODEROSO OLHAR FEMININO.

Na mostra Olhar Feminino aberta no Centro Cultural de Montes Claros, tanto a aura reinante era da mais pura suavidade, como as obras expostas pelas artistas plásticas convidadas viajavam com o anjo diáfano de Felicidade Silveira, o cubismo de Eunice Ferreira, o tom colonial de Feli Lopes, a intensa tierra siena em pigmentos naturais da bela Márcia Prates ao gato Ne Blue de Guilemina Lúcia.
Zebras estilizadas entre a Medusa com cabelos de Anay Kondra de Adriana Freitas. Em prece, o Povorello de Angela Maia ao painel Mulheres Poderosas do anjo urbano Conceição Melo. Tudo clicado e iluminado pelo spot, organizado pela competente diretora Rita Maluf, vestida em um rendão branco com seus olhos de mistério, potencializados por uma sombra violeta.
Silvana Mameluque, toda sex appel, vestida para matar; Márcia Prates, em seda com motivos orientais e Maiza Rodrigues, a grande homenageada da noite, representando a mulher guerreira do Norte de Minas. Foi aplaudida e ganhou um enorme buquê de flores.
Márcia Yellow, felizmente voltou ao seu charme original, deixando a roupagem de A Estrela Sobe! Desfilava pelo salão em verdadeiro glamour. Uma tentação! Belezura PO, para a sustentabilidade das almas presentes.
No ar, a mistura harmônica das fragrâncias emanadas pelas colônias francesas, ao som doce de um violino que emitia espiral sonora de valsas dolentes. Agradáveis ao forno alquímico dos corações presentes.
Dado ao flagelo dos moto-assaltantes entregues ao insano jogo de rollerball pelas nossas ruas, notava-se a ausência de jóias nas beldades...
Uma noite de puro romantismo, sentimentos entre amplexos, ósculos e flertes trocados entre os presentes. Uma verdadeira nouvelle vague. A mais pura extensão sensorial...
Como a noite era de magia e com as almas femininas doando compaixão, encharquei-me de ternuras. Realizei o sonho em abraçar e beijar os cabelos de Felicidade Patrocínio, uma alma em enlevo. Márcia Yellow clicou o momento. Dei um abraço acochado e beijei os olhos inflamados da jornalista Sara Pará. Matei a vontade!
Das elegantes senhoras que estavam acompanhadas pelos respectivos maridos, beijei elegantemente as mãos. O que vale é a intenção.
Fui para os braços de Morfeu, o deus do sono, com a minha pobre e carente alma entre feliz e atormentada. Sonhei estar na Riviera Francesa em um enlace com a Brigitte Bardot! Quem não pode, pode sonhar!


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Por Raphael Reys - 6/3/2012 09:29:46
PURA CURRALEIRAGEM!

Zé Amorim contava um “causo” com sua verve em dramatizar pequenas tragédias do cotidiano, quando Toninho Rebello que participava da conversa o interpelou: “Porque os Amorins são todos assim conversadores e espirituosos?” Zé respondeu, na bucha: “Porque somos cópia do nosso pai, Pedro Montes Claros.”.
A bem da verdade, os Amorins são como mala de mascate. Vivem de tampa aberta e se enquadram no dito de Maria Célia: o “modus vivendi” de cavalgar sem arreio.
Apaixonado por fitas de faroeste, Zé chegou ao cine Montes Claros trazendo na garupa da moto BSA Lazinho Pimenta, para assistirem ao longa metragem “Era Uma Vez no Oeste”. Silêncio na platéia, Jacó botou o rolo para correr.
Na cena de abertura, o “cowboy” chegou a San Juan de La Puente, no Novo México, como se não quisesses nada e tocando uma gaita harmônica de boca, no bom estilo romântico. Desceu na plataforma, consertou o chapéu e deu uma cubada nos “paus mandados” do chefão que traziam os embornais de milho 44.
Desceu atento com uma bruaca de couro sobre o seu tórax, ocultando o Colt 44, de olho nos três bandidos na plataforma que o esperavam montados em seus cavalos, para enviá-lo à cidade dos pés juntos a mando do bandidão local.
O pistoleiro quebra faca do chefão adiantou a montaria e foi logo aplicando o maior agá, temendo que a vítima desconfiasse de algo, pelo fato de não terem trazido um cavalo sobressalente para transportá-lo.
- Na pressa, nós esquecemos de trazer o seu cavalo, companheiro. Mais na frente tem um bom de sela.
Como todo artista, o “cowboy” foi logo respondendo: “Não precisava, pois já já vão sobrar dois!”.
Sacou o Colt e meteu um peteleco bem no meio da testa de cada um dos bandidos!
Nessa altura do filme, Zé Amorim já suando a gola da camisa Volta ao Mundo, deu um pulo da cadeira e cheio de alegria gritou com sua voz de trovão: “Êita caboclo”! Já vou embora, Lazinho. Com a morte desses três F.D. P., pra mim o filme já valeu o que paguei!...


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Por Raphael Reys - 28/2/2012 15:58:40
RUBENS, O COMANDANTE ROXO.

Embora a aparente nobreza do nome, o nosso herói torto, quase nada tinha em virtudes. Baixote, tampa de binga, branco cadavérico, pintado como surubim. Os cabelos eram revoltos e a mirada de sampaku. Olhos de peixe morto.
Criado nas sarjetas e becos da metrópole. Ex-policial civil, ex-informante e outras escusas atividades de corredor. Terminava sempre expurgado das funções, dado a sua verve bandida. Morávamos próximos. A maioria dos demais vizinhos o evitavam.
Quando policial era um mestre em forjar flagrantes para incriminar alguém. Visado por muitos, usava um tresoitão vela, número de série raspado. Por índole, era vingativo e dado a maldades, embora fosse chegado a poucos que o tratavam com consideração e atenção.
Daí a nossa ligação ter sido cordial. Quando nos encontrávamos, trocávamos sempre dois dedos de prosa!
Ele era cobra das ruas, sabia das coisas, conhecia todo tipo de malandragem, um 171 urbano. Quando alguém planejava executar algum crime de vingança contra um desafeto, consultava-lhe. Ele armava o modus operandi da ação criminosa, sugeria a rota de fuga, forjava o álibi.
Por aderência cármica, casou-se com uma cria das sarjetas. Ex-garota de programa, com longa ficha criminal e histórica exógeno. Agressiva e ousada. Foram morar com duas velhotas solteironas, tias da sua cara metade. Essas viviam de aposentadorias e aluguéis de imóveis localizados no centro da cidade.
Quando os dois estavam de cara cheia, proclamavam em alto e bom som, esperarem o dia em que as tias otárias batessem a caçoleta. Eles ainda iam se dar bem!
Boca da noite, formava-se próximo a sua residência um ajuntamento de usuários e neófitos da cannabis. Era a reunião da Santa Federação dos Diambeiros. O produto visado para consumo especial, um alcalóide originário do chamado Triângulo da Maldita e conhecido como diamba roxa.
Quando ia pintar algum lote no pedaço, o Rubens era contratado para organizar e monitorar um grupo de até vinte utentes. Vestia a roupagem de comandante do barco da meia-noite. Traçava a logística do roteiro a ser seguido. Uma jornada arrepiante.
Formada a equipe, ele dava as palavras de ordem. Usava a avenida que beirava o Rio Parnaíba, do lado maranhense, na vizinha cidade de Timon. Iniciava a rota quase sempre às 22 h. Como bom condutor, campeava o gado humano do cabeçote trincado.
Como a droga dessa espécie produzia no usuário um efeito que durava em torno de oito horas, ele cuidava para que ninguém se desgarrasse da trupe. Era o arcano da noite de fantasias.
Seis da matina, todos com o guengo já arejado, faziam a reentrada na capital pela ponte de ferro.
Ao bom estilo delivery, o capitão da nau dos insensatos, entregava cada um dos seus comandados de porta em porta.


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Por Raphael Reys - 21/2/2012 19:19:19
CAFÉ DA DAMIANA

O cômodo feito de adobe, coberto com rústicas e velhas telhas, em oposição às estruturas de alvenaria da modernidade. Fincado com o costado do Mercado do Cajueiro, rua São João, centro da Capital, em Teresina (PI). Mais parecia uma câmara de retificação dos Hades.
No lance interior e posto no vão central, havia uma mesa de madeira com cadeiras de metalon enroladas em espaguete de plástico. Onde se tomava as cinco da matina o cafezinho fumegante, uma boa dose de cachaça Mangueira com tira-gosto de siriguela, acompanhados com a mística dos dois dedos de prosa.
À esquerda, penducavam três surradas redes nordestinas que serviam de cama para a tríade de habitantes. A líder Damiana, sua irmã gêmea uni vitelina Cosmiana e o ancião seu Firmo. À direita, um fumarento e improvisado fogão de lenha produzindo chamas e picumãs pendentes do teto. Um tambor de metal de 200 litros era o reservatório da água trazida do logradouro em potes, postos na ródia.
Tábuas sobre caixotes serviam de armário e guarda-roupas. Quem é do beco, assimila as configurações do beco.
Chegadas à metrópole nos idos da migração dos anos 40, oriundas do interior campesino, com suas roupagens de inocência e subserviente religiosidade, logo encontraram os arcanos das esquinas e quebradas da urbe panificadora. Foram logo induzidas a um lupanar da exótica rua Paissandu.
Como tinham o temperamento recluso, assustadas fugiram da vida noturna. Montaram uma cobertura de palha em um lote vazio, chumbaram latas de 18 litros com barro e forjaram um fogão. Toscos bancos de madeira serviam de mesa e assento. Ganhavam a vida vendendo prato feito, pinga, refrigerantes e cervejas, postos em tambor com gelo e serragem.
Afetivas e cuidadosas com a nova clientela de mecânicos, operários braçais, pessoal do caís do rio Parnaíba próximo, mariposas, cafetões, gente da fauna local. Logo alguém instalou energia elétrica e comerciantes doaram uma geladeira alemã.
Nos anos 90, na segunda morada nos Cajueiros, já há quarenta longos anos atendiam a feirantes, vizinhos, passantes e funcionários da Secretaria de Segurança Pública, vindos da Praça Saraiva.
Desde cedo já dava para saber, em primeira mão, das tragédias e desatinos da noite. Assim, víamos o nascer do inclemente sol dos trópicos escutando o trinado dos galos de campina em um viveiro próximo.


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Por Raphael Reys - 17/2/2012 10:07:03
DENÇO, ROUXINOL E AMARELÃO.

Batizado Lourenço, Denço nasceu nas águas de março, abençoado por São José e sob a proteção das almas ciganas. Um king curraleiro, filho do gênio da humanidade.
Cedo ainda, recebeu de sua avó, a velha Belmira Rezadeira, benzeções, contra-mandingas e as artes do catimbó. A matriarca era filha de escravos livres, nascida no final da era dos oito, na Cachoeira do Jaguar. Bahia de todos os Orixás.
Intuitivo, logo percebeu que os animais domésticos falavam a sua própria maneira. Bastava para isso, assuntar a sua linguagem corporal e a expressão dos olhos, janelas da alma.
Tinha o Amarelão, um cão mestiço de estimação que vivia na larga, a rolar na beira de currais e a lambuzar-se de lama nos córregos. Passava horas deitado no chão de terra batida da cozinha, na casa do patrão, a escutar o pipoco das brasas e as chamas da madeira que queimava no fogão de lenha.
Vivia espreitando o gato manhoso que se aquecia nas cinzas do borralho e a escutar os dois dedos de prosa das comadres e compadres, sempre de caneca esmaltada na mão esperando um gole de café moído no pilão e adoçado com rapadura. Amarelão aprendera a sentir as intenções dos humanos pela janela dos seus olhos.
Denço era alma liberta das coisas e peias do mundo. Vivia mergulhado em seu universo interior. O barro do qual foi constituído, fora avivado pelo vento doce do astro Taunay.
Sabia fazer reza catimbozeira, ficar oculto de alguém, passar em chuva sem se molhar. Afugentava cobras, escorpiões e marimbondos. Quando desafiado por algum menino desafeto rezava no pisado. O dito tropicava e batia as fuças no chão.
Assobiava e cachorro bravo vinha de mansinho lamber o couro das suas alpercatas.
Rouxinol, seu burrico branco, quase albino, mais parecia um unicórnio tupiniquim.
Aos onze anos, viajando pelas escarpas da Serra da Jaguatirica, em noite de chuva pesada, caiu em uma enorme fenda entre os paredões das rochas. O Cavaleiro da Lança Negra viera buscá-lo. Ele havia terminado a sua missão na terra.
Com ele caíram Rouxinol e Amarelão, que também estava na garupa. Bem que no dia anterior tivera um presságio. Perdera a sua medalha de São José e o coração pediu-lhe que adiasse a viagem.
Denço, Rouxinol e Amarelão foram-se ajuntar à boa alma da Belmira Rezadeira que cantava ponto na Roda de Aruanda, no Oráculo de Oxalá.


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Por Raphael Reys - 8/2/2012 08:09:38
O HERÓI DO BAIRRO SÃO JOSÉ OU OS GUERREIOS DE AGAMENON

Nos nossos Montes Claros tem de tudo, no mínimo uma versão diferenciada dos fatos. Cidade pólo, com população constituída na sua maioria de gente oriunda de outras cidades do Norte de Minas, muitos vieram para construir o futuro, estudar em nossas escolas, faculdades, conseguir trabalho nas nossas indústrias e comércio.
Como o mundo é composto, também aqui chegaram alguns para fazer e falar de guerra. Falo de dois cidadãos que se apresentavam como ex-combatentes.
Um deles, pequeno proprietário rural no município, movido pela alma da cachaça ingerida, pinta e porte de artista italiano, topete de galã, corpo musculoso. O outro, um magro amarelo por puro exercício de bazófia, medroso e sensível, construiu uma torre de marfim para nela se abrigar, defendendo-se dos males da vida.
O primeiro, no início dos anos 80 a pinga curraleira levou para os Quintos dos Hades; o segundo mui digno profissional liberal, hoje já aos 93 anos, balançando na sua rede de varanda no Bairro São José vive contando as suas notáveis façanhas na Segunda Grande Guerra Mundial.
O ex-combatente com pinta de artista (o primeiro citado), já saudoso, nos anos 70 frequentava restaurante de minha propriedade na Praça da Catedral (centro comercial). Quando chegava, a galera que bebia, fazia uma rodinha em volta, para sugar sua verve. Ele abria a caixa de ferramentas... Tome bala, tome baionetada em traseiro de comedor de chucrute!...
Caía dentro da bocada das trincheiras e matava adoidado os Hans e Fritz do Führer!
Como já havia adquirido habilidade na arte da narrativa, imitava teatralmente o som do matraquear das metralhadoras, o pipoco dos obuses e o ricochete das balas. Os aficionados faziam perguntas pertinentes para potencializar a ação. Dava gosto vê-lo narrando.
Um dia chegou um chato de galocha, desses funcionários de cartório que vive com a cara cheia, invejoso com o sucesso do nosso guerreiro e o ameaçou de processo por se apresentar, falsamente, como um heróico ex-combatente. O herói sumiu do mapa.
O outro herói/agamenon de guerra, oriundo da campesina Pedra Azul, continua vivo entre nós e zangado, relatava que, como ardoroso combatente, mudava rumos de batalhas. No curso da guerra, no teatro de operações, foi incorporado a um submarino da Marinha de Tio San, como operador de periscópio e, posteriormente, artilheiro de torpedos. Os seus disparos foram tão certeiros que fez um enorme estrago na armada de Hitler. Segundo ele, a Gestapo, a terrível polícia alemã, seletivamente negociou através da Cruz Vermelha a libertação de duzentos prisioneiros aliados em troca dele, o Porreta Artilheiro Montes-clarense Roedor de Pequi, para que, simplesmente fosse mandado de volta à terra do fruto amarelo, da Viriatinha, dos falsos ricos que andam de pernas abertas e da semântica libidinosa!
Complementada a negociação, e feita a troca, equilibrou-se a ação da Marinha do Eixo e a dos Aliados no palco das operações marítimas, e só assim a guerra no ficou pau a pau nos oceanos...
Ele ainda está por aqui entre nós, dando o seu passeio de leve no bairro, tranquilamente na sua cadeira de balanço lubrificando o seu mosquetão Mauser de estimação, afiando a baioneta matadeira de alemão, contando os buracos de bala no seu capacete de aço e mostrando a lista de baixas produzidas graças a sua incrível pontaria, além dos nomes dos navios abatidos pelos torpedos por ele lançados. Por conta da sua competência incomum, sempre acerta na mosca e, até hoje, estando no quintal da sua casa, para manter a forma, vez por outra abate um gavião que ousa fazer um rasante nos céus do Bairro São José...


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Por Raphael Reys - 2/2/2012 07:35:03
BOÇALIDADE

Reminiscências extraídas da nossa memória seletiva, a qual foi condicionada por manipulações do marketing religioso; versando sobre os fatos geradores da morte e crucificação de Jesus o Cristo, e que retornam a minha mente estimulada pelos sentimentos despertados, pelo período da Semana Santa.
Os registros iniciaticos dos Essênios relatam que: o mal compreendido e impopular Judas Iscariotes era na verdade um guerrilheiro, e membro atuante da contra resistência Judia. Um Maqui! Infiltrou-se aos seguidores de Jesus imaginando ser o mestre amado, um pretenso político com o objetivo de ser mesmo o rei dos Judeus.
Isso ocorreria com a queda das forcas de ocupação. Mas ao saber que, o mestre e o seu reino não eram deste mundo, fez o que faria qualquer quinta coluna: Partiu para a eliminação do empecilho, via delação. O que deu para a arvore deu também para o machado!
Idem, Idem, para Barrabás chefe da Contra-resitência do braço armado e retaliador dos Judeus. Um Robim Wood de então, que após uma reunião ultima com os lideres Judeus, e informados do reino dos céus, ficou decepcionado. Foi usado no julgamento, estrategicamente. Visavam desestimular os seguidores de Jesus. Os romanos sabedores dos fatos estratégicos, o eliminaram.
Fizeram como fazem as autoridades políticas dominantes de qualquer tempo da historia. Manipulam os fatos e as informações.
Ainda retrocedidos no tempo, e já nos Montes Claros de 1940, quando o nosso popular Leonel Beirão, que na época chefiava a turma conhecida como, os Quebra Pau, unidade paramilitar montada para garantir a segurança da cidade, durante o período da Segunda Grande Guerra patrocinou a seguinte cena cômica.
A unidade, tornada então retaliadora caçava pelas ruas da cidade, de forma subjetiva (impulsionados pelo efeito da cachaça ingerida em demasia) e, impunemente, estrangeiros, quaisquer que fossem aqui residentes, ou mesmo de passagem, para interrogá-los, já que certamente eram espiões e entregá-los, a autoridade imaginaria e supostas.
Armados de facão, porretes e garruchas, os da patrulha, a portas do Hotel São Jose exigiam a descida de um hospede estrangeiro residente na casa. Era um caixeiro viajante de origem judia, que informado dos fatos, desceu ate a porta de peito aberto. E aqui vai o dialogo travado entre ele e Leonel Beirão:
Leonel – (apontando à garrucha) Têje preso!
Judeu - (sem entender, por estarem àqueles homens bêbados) Por quê?
Leonel – Caçamos os inimigos dos Aliados!
Judeu - (pondo a mão no coração) Eu sou judeu e os meus patrícios estão sendo caçados pelos Nazistas, os senhores deveriam ter vindo aqui para me prestar solidariedade. Nos também somos aliados!
Gaiato bêbado – (enquanto Leonel baixava a 380`) Foram os judeus que mataram Jesus!
Leonel – (apontando novamente a garrucha) Têje preso!
Judeu - (estupefato) Mas isso foi há 1940 anos.
Leonel – (garrucha em riste) Não interessa, estou recebendo a queixa agora! Portanto acompanhe-me em nome da lei!
Este diálogo, que veio a fazer parte do folclore Montes-clarense, e por si só explica os efeitos do preconceito induzido à mente por vias subliminares.


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Por Raphael Reys - 27/1/2012 09:19:11
ASSOVIANDO BOLERO

Cowan, 1979. Zé Amorim, então diretor da indústria cerâmica andava de um lado para outro no pátio, arrancando os fios dos cabelos, cheio de preocupações. O forno contínuo estava parado há quinze dias. Produção zero, caixa em vermelho!
Uma engrenagem vital para o funcionamento do forno estava quebrada. A Retifica União avaliou o estrago e sugeriu enviar a mesma para São Paulo, onde havia mais recursos.
O Zé andando pra lá e pra cá, no pátio da Cowan, quando recebe a visita de Tico Lopes, notando a cena de sofrimento procura ampara o amigo desolado.
Toma a cena e fala: calma, Zé! Dê tempo ao tempo. Tudo vai se resolver. Já que o prejuízo é inevitável relaxa e toma uma Viriatinha vai comer uma farofa de galinha caipira na Zinha, aí em frente. Muda de ares e vai dar tudo certo!
Zé, moralmente severo, olha acusatoriamente para o Tico, aquelas alturas meio hippie, vestindo calças jeans rasgadas e sentencia ao bom estilo Amorim-Curraleiro:
Eu não sei é como você não endoida seu F.D.P! Andando para cima e para baixo com essa bolsa de couro de homossexual pendurada à tiracolo e cheia de fitinhas frescas. Cordãozinhos atravessados e babilaques. Cabelo iêiêiê... e cheirando à vodka.
Completando a sentença amorinciana o Zé conclúi: Tem trinta e cinco peões há quinze dias assoviando bolero no pátio! Eu to é lascado! E você desfilando com essa bolsa viadeira!...
Tico leva o Zé para passear no Mercado Municipal, visando desanuviar a cabeça do homem de negócios. O Zé sai à procura de laranja flor, sua paixão. Logo depara com um bruaqueiro rebuçando a beirada de um saco de aniagem cheio das laranjas.
Por cima do monte ensacado, três laranjas descascadas e com o tampo superior cortado e pendente. Zé arranca os tampos e, com avidez, suga as laranjas uma a uma deixando só a bucha. Ato seguinte cospe teatralmente os caroços retidos na sua boca, um a um, numa pontaria certeira, os lançando na lata de lixo.
O Tico pergunta três vezes: Tá doce? Na quarta vez que pergunta, o Zé responde: só falta uma mão de cinza e um tacho de cobre seu F.D.P!...


70203
Por Raphael Reys - 23/1/2012 13:53:26
CALÇA RASGADA

Diz Homero na Oitava Ilíada que: “Os deuses tecem infortúnios para que às futuras gerações não falte o que contar!”
Para que os negócios da Cerâmica Cowan andassem nos conformes, a empresária dona Célia Machado nomeou o mui digno Zé Amorim gerente geral e deu-lhe a necessária carta branca para ele segurar as rédeas na cabeceira.
Mão de ferro, severo ao extremo embora de fino trato e até mesmo amável com as pessoas, o Zé não admitia nada fora dos eixos.
Certa tarde quente e com a baixada refrescada pelos ventos de agosto, uma forte rajada bateu abruptamente a porta do gabinete do Zé travando a fechadura, tendo a chave caída do lado de dentro da sala estando o Zé do lado de fora supervisionando a empresa.
Foi, nesta hora, chamado urgente pelo Tonim da Cowan, que informava estar à patroa já nervosa, querendo, insistente e impacientemente falar com ele.
Como o aparelho telefônico de baquelita ficava dentro da sala do Zé Amorim, Tonim, preocupado com o nervo da enfezadíssima patroa, açulou o nosso Amorim que aflito, esbaforido, inventou de saltar pela alta janela para resolver a situação emergencial. Desajeitado, como sempre, e com o esforço inusitado, rompeu a costura dos fundilhos da calça, tornando explicitamente visível a sua branca cueca da marca Torre.
Ao telefone, madame instruiu o Zé para esperá-la à porta principal da cerâmica, pois logo mais passaria apressadamente de carro pela avenida, rumo ao Parque de Exposições e precisa falar-lhe. Que o Zé a aguardasse de pronto, no ponto combinado como sem falta!
Estando com os fundilhos à mostra o Zé “pregou” o traseiro na cadeira do seu gabinete evitando o ridículo ao se levantar, e instruiu o Tonin receber e convencer a patroa a entrar, e diante do seu momentâneo impedimento se dirigir até o seu gabinete.
Zé Amorim sentadíssimo na cadeira, eis que chega dona Célia que se postou em pé, no centro da sala. Tonim e Fernando Cezar Amaral, de “voyeurs”, só assuntando, doidos para ver no que ia dar de hilário. Estranhando que o seu gerente, sempre educado e solicito não a recebesse condignamente, não oferecendo nem ao menos uma cadeira para sua chefa tomar assento, ela chamou o Zé no curé.
- Veja Zé! Você está estranho hoje! Pálido, suando em bicas e com o traseiro pregado direto nessa cadeira! Não me recebeu à porta, como de costume, não me convidou para tomar assento e nem ofereceu a água gelada e o cafezinho na bandeja de prata! Deu para ser mal educado, agora? Está andando com más companhias? Nem de longe demonstra um comportamento que se espera de um filho de Pedro Montes Claros, um saudoso cavalheiro!
Tonim e Fernando se deliciavam com sorrisos irônicos pelo sufoco do amigo, o Zé, mesmo com o traseiro desapetrechado. Suava frio, dona Célia não ia embora e o vento de agosto insistia em entrar pelos fundos da sua calça de linho S120 branco, feita pelo alfaiate J.Pandu (o Craque da Elegância), ameaçando expor à vista e à galhofa o cuecão botão de pressão!
Não houve jeito! O Zé teve que relatar o ocorrido e a patroa enviou o seu motorista até a casa do Zé na Rua Altino de Freitas, no centro, para trazer uma calça reserva.
Essa nova peça, mais adequada, pois de tropical inglês, confeccionada pelo famoso Jerry Ronaldo, o “Agulha de Ouro Frufru”.


70127
Por Raphael Reys - 20/1/2012 10:31:34
CHOFER DE PRAÇA

Em meados de 1950, falava-se em chofer de praça e a profissão conferia status, já que o número de veículos em circulação pela urbe era reduzido e os profissionais de praça botavam banca!
O povo era pouco desenvolvido e andar de carro considerado quase viver uma aventura! Daí, alguns chofers se tornaram verdadeiros don Juans. O fato se dava porque algumas senhoras casadas traídas, para se vingar dos maridos procuravam um chofer para fazê-lo, dado à mobilidade que o veículo conferia além do natural e conveniente álibi de tratar-se de uma passageira...
Predominavam os veículos importados, verdadeiras relíquias do romantismo. Packard, com Elpídio Dourado, Ford Sedan, com David e Mário, Oldsmobile com Geraldo Colares e Osvaldo Preto e Chevrolet, com Zé Antônio.
Um Buick, com Jaime Estopa Suja e Júlio Antonio. O Ford Cupê 46 de luxo, com Leopoldo. Depois veio Gê Sanfoneiro com seu Ford Preto e a paixão pela música Asa Branca, cantada por Luiz Gonzaga.
Levando os nossos passageiros a passeio, sempre bem vestidos, dispunhamos, ainda, de João Brejeiro, com um Mercury, Leví Cheiroso e seu Sedan Chevrolet Passeio, além de Marquinhos, Pedro Vieira, Hélio de Rocha, Zé de Juca.
Havia, também, José Antônio, pai de Pedro Cantinflas, Zezinho Preto, Leví, Mário Nortista, Ferreirinha com suas cólicas de matar e Isauro, sempre muito alegre, que colecionava guarda-chuvas esquecidos e cantava Ave Maria em vez de buzina.
Alguns dirigiam caminhões, como o L -16, o V- 8 e o Bulldog.
Logo chegou a modernidade e Mariano era instrutor de direção, profissão que exerceu por cinqüenta anos. Aí vieram os Aero Willys, as Rural Willys, Os Galaxies, os Simca Chambords, as Pick Ups, e os Renault Dauphines, apelidados de “leite Glória”, pois desmanchavam sem bater... Seguiram-se os Gordinis e seus “40 HP de emoção”, época em que a população já tinha acesso a financiamentos e o chofer de praça passou a ser conhecido apenasmente como motorista de táxi.
Dentre os instrutores de direção, destacavam-se ainda Alcebíades e Moacir.
Quem conservava no capricho um carro romântico era Jair Amintas e sua Baratinha Alemã. Dominguinhos Braga tinha um Impala, Oscar Gabriel o Cadillac Rabo de Peixe, Leví Daltro um Simca Chambord e Romeu o seu luxuoso Willys Itamaraty.
Aos demais chofers do passado, que não citamos por lapso de memória, ou por falta de espaço, recebam aqui as nossas desculpas com carinhosa homenagem.


70110
Por Raphael Reys - 16/1/2012 09:11:24
171 DO VENTO QUENTE

O pastel, essa guloseima fantástica, nos foi trazido a este rincão tropical pelos nossos irmãos portugueses, nos primórdios do século XVIII. Os espertos japoneses tomaram por conta à mística e se travestiram de chineses, criando, assim, um marketing para o produto.
Pastel tem de todo tipo, tamanho e sabor! Aqui nos Montes Claros, cidade pólo do Norte de Minas na atualidade globalizada, o mais famoso é o pastel curraleiro do Café Galo, do empresário e lobista Jadir Rodrigues.
O saudoso ex-alcáide, Marão Ribeiro era um viciado em pastel. Quando estava no point, saboreava para mais de vinte, tomando cafezinho com leite!
A iguaria é servida com todos os tipos de recheio, tamanhos, feitos com diversas modalidades de óleos e frituras. Tem aquele grandão, especial para enganar gulosos seletivos. Esse, o pastel 171, só tem tamanho e nenhuma qualidade.
Na minha infância, as famílias serviam o pastelão. Assado ao forno em uma grande forma de alumínio e recheado com a mais autêntica galinha caipira. Adorávamos e comíamos de dar tristeza...
Como o matuto é tido como cabra esperto e cheio de treitas, conforme a sabedoria popular enquanto enrola o cigarro de palha, pensa em como enganar um otário boteniqueiro, no antigo Mercado Municipal, onde hoje se situa o Shopping Popular. Lá, o capiau aplicava na clientela.
Um deles, colocou um cartaz na entrada do seu bar. O reclame dizia que encontrasse recheio no pastel, ganhava um prêmio em dinheiro, na hora, de 200 duzentos cruzeiros!
Como a população dos anos 50 era ordeira, a palavra de um homem tinha o seu valor e fio de bigode servia de aval. Os inocentes, futuros logrados, faziam fila para degustar a iguaria recheada de vento quente.
O esperto comerciante, cujo nome omitirei, pois os familiares ainda vivos apresentam comportamento agressivo, encheu por muito tempo os bolsos de grana e a população a pança de vento quente!
Como diz o dito popular que castigo pega malandro o pasteleiro passou a encher o pandú de cachaça branquinha no ambiente de trabalho. E essa marvada não perdoa! Botou guenga por conta e passou a pagar rodadas de bebidas para amigos diletantes de copo e de cruz. A grana que entrava era tanta que chegou a se candidatar a cargo letivo
Morreu doido, bêbado, asilado, pescoço descascando e pés inchados. Sozinho em uma cama nos fundos da sua nova espelunca!


70083
Por Raphael Reys - 10/1/2012 17:49:10
ALTA VELOCIDADE

Transcorria o ano de 1976 nos folclóricos Montes Claros. Terminada a construção da BR 135, ainda sem a camada asfáltica, e os acidentes se sucediam; dada à poeira que se fazia, provocada pelo trânsito constante de veículos, indo e vindo rumo à Capital. A imprudência imperava, na emoção em se usar o novo.
Walduck preparara uma viagem a Belo Horizonte em uma caminhonete importada. O motorista escolhido fora Lincol Mesquita, conhecido corredor e maluco por emoções. Na ocasião insistiram em levar o Zé Amorim, com o restante da turma para que a viagem e a estada na Capital fossem agradáveis e divertidas.
Zé recusava-se a ir, alegando que não viajava com doido no volante. A turma, entretanto já combinara em não ceder, e acabaram por levá-lo, mesmo contra a sua vontade, já que sabia do risco que se fazia numa viagem daquelas. Referindo-se a Lincão, disse: Esse homem é um horror! Um perigo para a vida de um pai de família! Amorim desconhecia que Lincol já houvera alterado o velocímetro do carro, para que na leitura, mostrasse uma velocidade superior a real, tudo no intuito de provocar medo no Zé, que temia por correrias em estradas de terra.
Logo que saíram da cidade, o velocímetro marcou cem quilômetros. Todos olhavam disfarçadamente, e notaram já os primeiros sinais de contração facial do Zé. - Cento e vinte - alguém falou, já provocando: Olha, Walduck, a velocidade desse carro, é possível isto numa estrada desta? . Os dedos do Zé já penetravam no estofamento do banco, se agarrando. Cento e quarenta – Veja Walduck, que absurdo este rapaz correndo! – Walduck respondeu, - Eu já botei mais do que isto, e não aconteceu nada. O suor escorria pela testa do nosso saudoso Zé, ensopando a camisa. Os seus pés, torcidos. Mordia os lábios! Mas permanecia calado! – Cento e sessenta, disse alguém - Este carro vai capotar. Walduck respondeu – Eu, já botei cento e oitenta, e o bicho agüentou!
As provocações continuavam e o Zé, gélido de terror, suava as bicas, mas permanecia calado, evitando provocar os presentes, e os mesmos por inconseqüência, incentivarem ainda mais à correria.
Veio a provocação final! - Walduck falou... Bota duzentos Lincão que eu garanto! Se tiver problemas, eu aparo o cavaco! – O Zé explodiu!... - Manda botar trezentos, carroceiro! Já estou vendo a manchete no Jornal do compadre Jair Oliveira. Empresário morre na estrada que ajudou a construir! . Corpo de comerciante é encontrado a cento e trinta metros do local do sinistro. Viúva reconhece o cadáver do marido, pela arcada dentária. . . Demais ocupantes, viram mingau.
Logo a seguir, tiveram que parar o carro. Ninguém mais se agüentou de tanto rir.
O resto da estada em Belo Horizonte foi uma tragicomédia. Não conseguiram fazer nada. Era só lembrar do Zé e rolar de rir...


70044
Por Raphael Reys - 4/1/2012 13:17:08
BICICLETA SUECA “FAIADÊRA”

Florianópolis, Ponte Pênsil, 1973. Lincão Mesquita, ferido gravemente por disparo de arma de fogo de grosso calibre, em incidente de rua. Operado, por sorte, por uma equipe de especialistas que coincidentemente ministravam um Congresso Internacional de Cirurgia e Reconstituição na cidade.
O paciente em estado crítico, mas já teimosamente sentado à cama. Ney Mesquita, seu pai, emocional como era, estava em depressão. Encorujado e chorando a um canto do quarto. Inconsolável!
Recebe a visita inesperada de uma turma de montes-clarenses pesos pesado. Walduck Wanderley levou um magote de notívagos objetivando dar apoio moral e curraleiro ao amigo Ney. Dentre outros, o cavaleiro da verve Zé Amorim, Dácio Cabeludo, Mamoeiro, Tião do Banco, Zé Paraíso, citando apenas os cabeceiras.
Por milagre de Deus, a turma compareceu sóbria, em respeito à gravidade do quadro apresentado. Sentados, decentemente, ao lado do convalescente pitombado, quando uma tremenda loura, a Miss Santa Catarina, namorada da feliz vítima, deu entrada no quarto vestindo uma curtíssima mini-saia. Modelo Mary Quant, o chique da época!
Moda quente que expunha as suas calibradas coxas. A todo o momento abaixava-se, para limpar a secreção que saia do nariz do namorado, ocasião em que deixava à mostra a calcinha, à vista dos demais.
Exibia o seu volumoso traseiro modelo Deustschland, o que era apreciado com gosto pelo esquadrão de raparigueiros presentes. Ney, alheio à cena erótica, chorava copiosamente, quando Zé Amorim o chamou a um canto da sala, mas ainda ao alcance dos ouvidos atentos de Walduck.
Buscando consolar o depressivo, o nosso Zé, filósofo da vida e psicólogo das fatalidades do cotidiano, falou: para de chorar Ney! Esse fiduma égua do seu filho não vai morrer não! Ele tem o corpo fechado! Deixa de chorar e aprecie o panorama dessa bunda branca à sua frente, caboclo! Se esse cara tivesse que morrer, já tinha morrido. Bala dundun mata na hora.
Continuou a terapia de consolação, mantendo a mão sobre o ombro do choroso pai da vítima: Desanuvia a cabeça homem! Quando você chegar a Montes Claros compra uma bicicleta sueca ‘faiadêra”, daquelas com problema na corrente e na catraca.
Concluiu as observações falando: toda vez que você lembrar da pitombada que esse animal levou e do panorama dessa bunda branca, suba a ladeira do Alto São João com a bicicleta chiando rock... catrak...vupt...catrak...corrot...catrakt! Escorregando o pedal, “faiândo” e você suando frio!
Respirou teatralmente como um ator de estúdio curraleiro e concluiu a seção de psicologia aplicada, suspirando fundo abrindo os braços espaçosamente e sentenciando: quando você chegar ao Parque de Exposições, já terá esquecido a pitombada deste fiduma égua presepeiro. Vai se lembrar somente do panorama desse traseiro alemão, que está balançando pra lá, e pra cá!


69943
Por Raphael Reys - 26/12/2011 08:30:21
TÁBUA DE PIRULITO

Transcorria o ano de 1956, e o saudoso comerciante, o popular Zé Amorim, o mais notável e elegante da estirpe Amorim, resolveu fazer parte da turma de rapazes que aquela época usava possantes e grandes motos importadas.
Da galera de então, Heber Rêgo e o próprio Zé, Carrim e Luiz Benhur, Sargento Moura do TG 87, José Maria Relojoeiro, Júlio e Waldim. Cavaleiros da terra de Figueira que usavam motos BSA, ROYAL, e JAWA,
Zé como era caprichoso, desmontou a sua moto e mandou cromar as partes metálicas na oficina Niquelagem de João. Aproveitou e mandou dar acabamento nos puxadores e esquadrias das janelas da sua casa paterna.
Terminada a empreitada e estando tudo nos trinques, encomendou ao Baiano Branco oxidar o seu Colt Cavalinho 38, ficando, assim, como rezava a moda masculina da época do Romantismo.
Passado trinta dias e depois de seis idas e vindas à empresa niqueladora, o Baiano, entregue ao doce ofício de tomar todas as cachaças Viriatinhas que encontrasse, enrolava o Zé, dizendo: volta amanhã que estará pronta e não enche o saco!
Numa tarde ensolarada de um dia de cão, Zé entrou na niquelagem pisando alto, suando as bicas, com o colarinho da camisa Volta ao Mundo ensopado e a jugular prestes a estourar e falou: volto amanhã às 16 horas seu gambá. Se o revólver não estiver pronto, você vai se ter comigo. Após a sentença saiu batendo os pés no assoalho.
No dia e hora marcados, o Zé entrou e, batendo com a mão no balcão de encomendas disse: estou aqui caboclo! Cadê meu pau de fogo oxidado! Baiano Branco que naquele dia havia extrapolado nas doses de cachaça, já com o pandú cheio, respondeu: espera um pouco, seu apressadinho!
Sem que o Zé o visse, levou as seis balas 38’ no torno, extraiu as cabeças com um alicate, diminuiu consideravelmente a pólvora da munição, apertou a entrada com uma fita, municiou a arma e, em seguida saindo ao salão falou, já apontando o trabuco carregado com balas de festim para o assustado Zé: toma aqui seu apressadinho desaforado!
Disparou os seis tiros no apressado. O Zé caiu esticado no salão, e enquanto os presentes gritavam: Baiano matou o Zé Amorim! O Zé só conseguiu balbuciar: Minha boca está embolando o cuspe!
O nosso herói quando viu que ainda não havia morrido, saiu às pressas em direção à sua casa, entrou correndo e à vista da mãe, abriu a camisa teatralmente arrancando os botões de madrepérola e exclamou novamente: me fizeram de tábua de pirulito mamãe, olhe só a bagaceira!


69891
Por Raphael Reys - 19/12/2011 13:58:14
UM CLIMA DE CAVALO MANSO

3h30, finalmente saio do leito após uma noite insone. Vagando com o fluxo do Euripo, em uma transição entre os atributos da mente de vigília e os atalhos do inconsciente freudiano. Cai sobre a nossa urbe uma chuvinha fina e curraleira.
A aura do espírito natalino cria corpo de fraternidade universal, nesse mundo de corações partidos. Sopram os primeiros ventos benfazejos para aliviar as angústias dos entes humanos.
Plugado ao fone de ouvido, escuto Koko Taylor em um dueto com BB King em Someting You Got. As espirais do metal ferido comprimem o meu emocional e dão um ritmo de cavalo manso. Tudo fica como dantes no Quartel de Abrantes!
Os arcanjos aproveitam o tempo de amor universal que paira sob a terra e emitem os seus mantras e sopram um vento suave com cheiro de flor de marcela. Como a vida é bipolar; Lusbel, o Esplendoroso, um arcanjo decaído e usando o seu livre arbítrio, planeja nos seus boqueirões magnéticos tomar de assalto o nosso planeta.
O Ebanon 636, Terra. Mundo experimental e de atualizações das almas criadas. Inaugura mais uma faculdade para ensinar sofismas políticos e aprimorar a arte da heurística. Visa com isso influenciar a mente dos mandatários da banda podre que usam a mídia para lavagem cerebral dos ouvintes incautos.
A Festa do Pequi traz um pouco de alegria e incita os nossos sucos gástricos!
As hostes da abnegada Legião de Maria passaram a noite em missão socorrista. Amparavam os oprimidos, deprimidos, desamparados, carentes de amor e demais infelizes desse mundo globalizado. Todos eles são filhos do mesmo Deus.
O crack, barato sintético, ameaça dominar o quengo mole dos humanos. Os Homens de Negro, na contraparte da força, sorriem às bandeiras despregadas da escravidão mental produzida pela mídia marrom. Estilo Macunaíma.
O Hades continua profundo e em círculos. Lá, no fundo profundo, tripudia no portal uma bandeira com os dizeres: o estandarte do inferno avança!


69863
Por Raphael Reys - 16/12/2011 10:12:30
UM CLIMA DE CAVALO MANSO

3h30, finalmente saio do leito após uma noite insone. Vagando com o fluxo do Euripo, em uma transição entre os atributos da mente de vigília e os atalhos do inconsciente freudiano. Cai sobre a nossa urbe uma chuvinha fina e curraleira.
A aura do espírito natalino cria corpo de fraternidade universal, nesse mundo de corações partidos. Sopram os primeiros ventos benfazejos para aliviar as angústias dos entes humanos.
Plugado ao fone de ouvido, escuto Koko Taylor em um dueto com BB King em Someting You Got. As espirais do metal ferido comprimem o meu emocional e dão um ritmo de cavalo manso. Tudo fica como dantes no Quartel de Abrantes!
Os arcanjos aproveitam o tempo de amor universal que paira sob a terra e emitem os seus mantras e sopram um vento suave com cheiro de flor de marcela. Como a vida é bipolar; Lusbel, o Esplendoroso, um arcanjo decaído e usando o seu livre arbítrio, planeja nos seus boqueirões magnéticos tomar de assalto o nosso planeta.
O Ebanon 636, Terra. Mundo experimental e de atualizações das almas criadas. Inaugura mais uma faculdade para ensinar sofismas políticos e aprimorar a arte da heurística. Visa com isso influenciar a mente dos mandatários da banda podre que usam a mídia para lavagem cerebral dos ouvintes incautos.
A Festa do Pequi traz um pouco de alegria e incita os nossos sucos gástricos!
As hostes da abnegada Legião de Maria passaram a noite em missão socorrista. Amparavam os oprimidos, deprimidos, desamparados, carentes de amor e demais infelizes desse mundo globalizado. Todos eles são filhos do mesmo Deus.
O crack, barato sintético, ameaça dominar o quengo mole dos humanos. Os Homens de Negro, na contraparte da força, sorriem às bandeiras despregadas da escravidão mental produzida pela mídia marrom. Estilo Macunaíma.
O Hades continua profundo e em círculos. Lá, no fundo profundo, tripudia no portal uma bandeira com os dizeres: o estandarte do inferno avança!


69785
Por Raphael Reys - 7/12/2011 09:02:34
BALCÃO DO BAR DO CAPA V

Na manhã de hoje se faz um clima romântico. Chuvinha fina, entremeada de um sol malemolengo, com o baticum frenético das motos, verdadeiros cavalos de aço urbano que estrepitam suas ferraduras em um curso frenético de Rolerball. Chegam os primeiros notívagos do dia neste outono ainda imprevisível.
Zé do Gás, boêmio habitual, trás uma gamela com ovos cozidos. Quebra as primeiras doses de branquinha desdobrada e se espocam as borbulhas das louras espumantes e batizadas. A emoção é como um barril sem fundo: jamais se encherá.
Em espirais metálicas, Roberto Carlos canta os males do amor. A galera lê e comenta os tablóides dos periódicos com manchetes de corruptos, modelos femininas à venda e muita tragédia de suburbanos e minorias raciais.
No trecho onde se situa o Bar do Capa, surge a primeira moradora de rua exalando bodum, álcool e desespero. São os arcanos e duendes da modernidade globalizada. O planeta gira doidamente, a lusitana roda em seu sincronismo dervixe e os arcanos negociam o nosso carma no Tribunal de Aragana!
A bebida inebria os sentimentos e expele supostamente os ratos que habitam os esgotos do nosso inconsciente freudiano.
De mão em mão circulam as primeiras notas de cinqüenta reais recebidas na tarde anterior pelos pedreiros, mecânicos e demais oficiais artífice da prestação de serviço. Compram pão, leite, macarrão, carne e tomam cachaça batizada.
Semblantes se descontraem. Há um sofrer sem se dar conta e um dejá vu oculto no inconsiderado. Celulares tocam em expressivas espirais metálicas irrompendo no insólito, enquanto trinados digitais imitam pássaros já quase extintos.
Chegam as entregas de mercadoria oriunda dos armazéns de atacado em clima de cavalo morno. Avós passam carregando os netos para a escola e compram pacotes de alimentos industrializados.
Ninfetas com seus blue jeans e seus sonhos de trabalho e formação escolar passam pelo passeio.
Haroldo do Destak, chegado pela madrugada, vindo da Bahia de Todos os Orixás vem prestar cumprimentos a amigos de copo e de cruz. Avalia a bitola física de cada um dos presentes e nos brinda com a sua verve.
Espirais de fumaça, vindas de cigarros Paraguay trazem o cheiro da química mortal.
Bacana toma a sua segunda dose do dia e cochila no balcão, pescando uma piaba no grande rio do sono.
Pelo fone de ouvido, amorteço a minha alma plástica com o som de Koko Taylor cantando All Your Love. Um doce e urbano lamento vestido com a alma negra do blues...


69714
Por Raphael Reys - 28/11/2011 09:46:56
BALCÃO DO BAR DO CAPA IV

No bar, com seu universo de puro encantamento, tudo e todos se planificam. Sexta feira de manhã chuvosa, clima de final de semana, Zé do Gás chega e diz para o jornalista Reginauro Silva, que clicava os personagens do pedaço: Sonho com você quase todos os dias!
Capa, atrás do balcão, pergunta na bucha: E, por acaso, Reginauro é marca de cachaça? Vaguim pega o maior porre, cambaleia penducando o equilíbrio e os boteniqueiros o conduzem na sua bicicleta dando uma de transbebum. É a Fraternidade das Santas Almas do Boteco...
A Rádio 93 FM toca Cabedal em Flor e os donos de cabeças de touro do pedaço tomam mais uma das desdobradas Pé de Cova e Pêra Preta, ambas fubuias dos alambiques de tronco com gambá do povoado de Ermidinha.
Danilim Pisca ingere a primeira do dia, estala os dedos e diz: Senti firmeza! Logo fica tonto e sai relando a pintura da parede. Rodolfo Repórter esquece o envelope no batente da porta e Edmilsom Peneirão dá uma de enfermeiro fazendo um curativo com papel higiênico e fita adesiva no Show de Gole, que caiu e relou o braço.
A galera do bar combina um amistoso de futebol no campo do Ferro, contra a galera do Bar do Preto do João, logo ali perto na Avenida Bomfim. Para reforçar o plantel a turma do Preto contrata Zé Gota, Soin, Zé Pereba e Nilsinho Bagaço.
O vidraceiro Tafarel surge com sua recente careca usando um boné com pastilhas de espelho. Todo translúcido! Geraldo toma várias fubuias, fica tonto, se abraça a uma garrafa de licor de pequi e sentencia: Vou beber dessa aqui agora!
Como o salão do boteco é palco de vividas tragédias e comédias, Ro Besouro abre a sua caixa de ferramentas. Atormentado pelos males do amor, tirado a imitar Zezé de Camargo canta a toda altura: É o amôôôôô!...
Emboramente o enlevo de tanto romantismo, Rô abre demais a boca, a dentadura lhe cai no chão e ainda empena a haste!
Assim, não há tatu que agüente, né gente?...


69690
Por Raphael Reys - 25/11/2011 10:45:36
RITOS DE PASSAGEM... RELATÓRIO FINAL!

Como o canto do cisne é mavioso e longo, vai aí o relatório final dos meus já badalado Ritos de Passagem.
O retrato na lápide de mármore carrara será um pop art feito pela blondi Letícia Laz.
A terapeuta Maristela Kosinski, que tem uma anja de guarda polaca, fará o ensaio sobre a minha personalidade, ressaltando o traço emocional e a minha queda por mulheres de olhos mágicos. A poetisa Dóris Araújo fará um performance declamando os meus ritos.
O escritor e poeta Felippe Prates, o querido amigo do peito, meu guru e mestre/literato, um globtroter, com o seu grande coração de Rei Lear fará a crônica daquele momento, recheada de emocionalidade e dando uma bronca! O jornalista Paulinho Narciso, olhará para o cenário tupiniquim e dirá, ao seu jeito: É isso mesmo, esse menino?
Um bolachão de acetato com Roberto Carlos cantando Canzone per te. Para que possa me trazer a recordação daquela morena capricorniana que deflagrou as minhas emoções
A escritora Karla Celene com a sua graça e leveza dançará no salão um pas de deux com a sua alma gêmea Roberto, e o maestro Armênio Graça executando no piano de cauda O Bolero de Ravel.
Às guenguenzagens postas dentro do caixão de quinta categoria, que, de tanto peso já corre o risco de soltar o fundo, se acrescente ainda uma reza catimbó, de linha branca de Mãe Maria de Codó.
A presença do renegado Chiquinho Soldado, um paraibano acunhado, desertor das fileiras da PM, companheiro de viagens em serviço pelas tantas quebradas do Maranhão, Piauí. Passamos e escapamos de trizidelas de estrada; alegrias bebendo cachaça Mangueira e tiquira, aplicando quiriquitas em bares e lupanares, dançando forró, contando bravatas. Sorrindo a bandeira despregada!
Afinal, a alma serve mesmo é para os vãos dos andares da vida!
O mestre Luiz Federal do Cajueiro (se ainda estiver nesse mundo doido), com a sua verve de contador de causos e relatando as suas aventuras pela Terra de Iracema, região onde as mulheres mantêm acesa a libido mesmo depois dos sessenta na radiola.
A presença de uma lavadeira de roupas do Barra do Corda, no Maranhão, gigantes de ébano descendentes da Mãe África, com seus olhos azuis, resultado da miscigenação de negro, índio, franceses e holandeses. Um verdadeiro encanto exótico e tropical na Terra de Macunaíma.
E por cima da fuleiragem, botem um balaio com cagaita, marmelada de cachorro, panã, gabiroba, araçá, um tijolo de doce de buriti, outro de casca de laranja e uma caixa de fósforos cheia de carrapatos daqueles pequenos só para recordar da verve libidinosa do saudoso topógrafo Zé Sales (o devagar) e suas invenções eróticas.
Ele despejava os carrapatos na sua pele e pedia a parceira para catar um por um.


69648
Por Raphael Reys - 21/11/2011 11:00:29
171 PÁSSARO PRETO

Padre D`Ontonho, cabelos alourados já grisalhos, pinta de artista italiano, era filho de mãe baiana de Nazaré da Farinha e pai marinheiro alemão escorraçado, desses que deixavam um filho em cada porto.
D`Ontonho, fora criado nas cercanias do Mercado Modelo, cenário farto de aprendizado de 171, chavetas e contra-chavetas urbanas.
Quando novo de batina, era o terror das alcovas das suburbanas mal amadas. Como deitava e rolava nos lençóis, criou má fama. O Senhor Bispo o transferia de urbe para urbe, visando lhe dar canseira. Terminou indo, em definitivo, para o povoado de Amargosa, um interior bravo.
Logo que criou corpo, tirou da caixa de ferramentas o 171 emprestado. Diariamente aplicava a dois fieis, ovelhas selecionadas abastadas, a igual quantia de cinquenta cruzeiros em cada um. Na mais pura giriguitazem baiana!
Na hora do golpe, chegava na pressão, com a bíblia debaixo do braço e ia logo aplicando o bate seco: “ Compadre! O senhor tem duas de cinqüenta para trocar por uma de cem?” Na ocasião da aplicação do agá levava a mão cheia de anéis ao bolso, para que a vítima presumisse que lá estava o dinheiro.
O pato trazia as duas células de cinquenta, ele apanhava uma só e dizia: “Olha! Mudei de idéia. Não vou mais precisar trocar! Vou levar só esta perna e, logo amanhã, te devolvo!”
Amarrava no rabo do veado e adeus, neca de pitibiribas!...
Com essa operação, amealhava diariamente em torno de cem reais, direto para a sua poupança, lhe rendendo uns três mil reais por mês.
Posudo e metido a juiz, dava uma de conciliador entre partes adversas. Aplicava a lei do perdão para ambos e cobrava do devedor, ou do autor, uma quantia por ter evitado demanda judicial!
Mané de Juca, enrolado por um rabo de saia campesino e estando caído de bolso, aplicou em uma rés de um vizinho. Vendeu o produto do furto para o açougueiro e gastou a grana em presentes e adulos para sua prenda.
Como a noite tem mil olhos e mil ouvidos, o mal feito caiu na boca pequena. D`Ontonho chamou o malfeitor na igreja e exigiu que o mesmo se declarasse culpado perante todos os fieis presentes, inclusive o fazendeiro lesado. Alegou que, assim feito, Deus o perdoaria, além da urbe e do lesado.
Na missa de domingo, na hora do sermão, Mané já pronto para fazer a sua confissão, de esguelha viu o cabo e os três soldados do destacamento local entrando sorrateiramente à paisana. Logo sacou que o padre havia vendido a sua rendição para puxar o saco do fazendeiro.
Acontece que no banco à sua frente estavam sentadas três crianças do cabelo alourado. Ergueu a voz e disse, bem claro: “Gente, o padre D’Ontonho me pediu que eu fizesse uma confissão em público, e em seu nome e que só assim ele seria perdoado. Esses meninos galegos aqui na minha frente são filhos dele!”
Armada a confusão, enquanto o pau comia na igreja de D`Ontonho, Mané deu no pé, gramando o beco!


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Por Raphael Reys - 15/11/2011 10:21:53
RITOS DE PASSAGEM... COMPLEMENTO

Dado à exiguidade de espaço na minha crônica Ritos de Passagem, publicada recentemente na mídia local, em que trato do meu projetado e alegre funeral, redigi este complemento.
Naquela oportunidade, pretendo ser clicado pela suave Silvana Mameluque, pois só ela sabe tirar um pedaço das almas dos que são focados. Então, já serei um de cujus e o meu espectro emocional estará vagando alhures em frente ao portal de Dite, nos Hades, bradando: Ó vós que aqui estais, perdei todas as esperanças!
Que se acrescente ao fundo do ataúde, transformado em pequena biblioteca funérea/ambulante, o monumental Grande Gatsby. As cartas do Apóstolo Paulo às comunidades, um exemplar do Zend Avesta, o Livro Tibetano dos Mortos (que será apenasmente o meu GPS na jornada zinfática) e Inocência, de Taunay.
Transcrições de poemas de Florisbela Spanka; o Vestido de Noiva, do anjo pornográfico Nelson Rodrigues. Uma Kata curta de samurai da dinastia Odo (estive encarnado na época, por lá).
O meu Radar de Sétimo, do Povo Jaguar. A almofada do Sekinah do Oráculo, onde, de joelhos e sob a pressão da ponta da espada do Hierofante apontada contra o meu peito proferi o juramento de honra e recebi o meu nome iniciático a palavra de passe da Legião de Benefactor.
O clip que os Equitumans implantaram na minha arcada dentária e a bala 44 amassada no botão de aço da jaqueta do blue jeans, posto ali graças à intuição de minha mãe saudosa e que desviou a trajetória do impacto do que seria a minha morte física. A fantasia transparente de Bruxinha Malvada que aquela blond boazuda usou na nossa primeira noite de luxúrias tropicais...
Como sou epidérmico e sensível, um acetato de Mercedes Soza cantando Volver a los dezessete. Um dvd de Ernesto Borgaine interpretado em 11 Minutos. Gerinha Português narrando as sua valentias e bazófias. Presentes ao exótico e libertário evento, quero o sorriso doce e a aura de encantamento da artista plástica Felicidade Patrocínio.
O compositor e roqueiro Eltomar Santoro, cheio de goró, abraçado ao nosso poeta urbano Aroldo Pereira, mestre e mentor do Psiu Poético, cantando a saga das Damas do Bonfim, a nova versão do épico dos lupanares. Uma garrafa de Jack Daniels, uma água tônica de quinino com limão curraleiro e cubos de gelo de côco verde...
De Teresina, capital do Piauí, virão Géda de Federal e Carimbó Maluco, mestres benzefalas e Capitães da Guarda do Congo, para fazerem a percussão de Aquarela Brasileira. Eles aparam qualquer cavaco no coro do tambor. E que tragam na bagagem Jean Cantor, um bebum que compôs a música enredo da Escola de Samba Unidos da São João, onde foi homenageado como O Mineiro do Cajueiro.
Reinaldo Sanchez tirando espirais sonoras em blues de um pedaço de cano galvanizado, preso à concha de uma das mãos.
E para marcar a lembrança da primeira peruca de touro que recebi de uma namorada no calor dos meus dezessete anos, na Fazenda Cabeceiras a música de Lenon e Lílian que, desolado, cantei sob a tenda da amplidão:
“Rasgue as minhas cartas e/não me procure mais/assim será melhor meu bem/o retrato que lhe dei/a inda tens eu sei/mas se quiser... devolva me/deixe me sozinho/por que assim/eu viverei em paz...”
Nada como recordar um infortúnio...
Gravada a fogo na lápide de mármore Carrara, a transcrição do e-mail que a minha musa me enviou enchendo-me de prazer... Písciano considere-se um homem de sorte. Você acertou o meu lado doce de mulher e de luxúria...
Isso dito, sacramentou-se ad perpetum o meu savoir faire et vivre com a difícil alma das mulheres e seus interiores, plenos de desconhecidos e surpreendentes oceanos de pura magia!



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Por Raphael Reys - 11/11/2011 07:58:08
OS MÁGICOS OLHOS E AS CORES DE CONCEIÇÃO MELO

Serafins do Quarto Céu de Beatrice espargiam prana sobre as alegres cores da mostra da artística plástica, no Centro Cultural Hermes de Paula. Pura feminilidade, ventos em Astro Taunay, tons que lembram a mística de Matisse. A mestra vestia um quase transparente negro com variações de verde folha.
Um arrepio! Um luxo sobre aquele manequim escultural, um contentamento e os mistérios de mulher revelados nas suas telas.
Ela, como uma deidade do Olimpo, com a sua doce alma refletida através dos seus bonitos olhos. Um universo translúcido em fractais. Deus-Pai em sua onipotência, ao criar as mulheres belas e as artistas no seu Nicho de Nodim, na fronteira de Manifesto com o Imanifesto, às vezes exagera e propicia uma overdose. E viva o delírio dos urbanos!
Os presentes e eu, um vil mortal de alma bandida sorvendo o instante embriagador proporcionado pelo Joy de Vivre da musa sagitariana e sua mostra de arte.
Um magnetismo no salão de eventos com lindas mulheres enviadas pelos arcanos da arte, elegantes senhoras, celebridades, higt soçaite e a geração pão com cocada enchendo tudo de vitalidade. Um colírio para os olhos e um descanso para nossos corações.
Dos oráculos de Mercúrio, veio à jornalista Angelina Antunes, um sonho de morena, a aura de encanto de Silvana Mameluque que clicava tudo, tirando um pedaço das nossas almas. Luiz Carlos Novaes, senhora e filha, de chapéu e sem suspensórios.
Do portal das artes plásticas no Norte de Minas foram enviados Carlos Muniz, Felicidade Patrocínio (risonha e límpida), Afonso Belão - de suspensórios e chapéu mafioso- e outros ícones. Belezuras PO se fizeram presentes.
Dona Yvone Silveira, presidenta da Academia Montes-Clarense de Letras, a matriarca e hierofante de todos nós. Os escritores Petrônio Braz e senhora, Mara Narciso e filho com sua aura de bem com a vida, Karla Celene e a sua alma gêmea, Roberto. Outros mais estiveram an passant.
O elegante jornalista João Jorge e o seu sorriso de pura bondade distribuindo alegria para todos e apresentando a mostra. Presente também o decano dos jornalistas montes-clarenses, Magnus Medeiros e a sua nobreza de coração.
O escritor e poeta Aroldo Pereira, mentor do Psiu Poético e o compositor e roqueiro Eltomar Santoro, o mestre que cantou a saga das Damas do Bonfim.
O salão fervilhava de colecionadores, donos de galeria de arte, compradores. Tudo o que a Conceição Melo produz vira ouro.
Durante a notável mostra da artista, os Céus de Yemanjá deram um banho de fina chuva benfazeja na terra de Figueira o que potencializou a doçura do evento.
Fui clicado téte-a-téte com o rosto coladinho à face de beleza clássica da artista e próximo as janelas translúcidas, portal de um oceano onde quem ousar mergulhar, fará uma viagem sem volta.
E viva essa diva dos olhos mágicos!


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Por Raphael Reys - 3/11/2011 09:06:07
TERCEIRO ALMOÇO CURRRALEIRO

Com o Restaurante La Traviata em tarde de glamour, a Praça Savassi, sofrendo reformas e uma romântica e fina poeira nos fazendo dar espirros. Nossos corações fibrilando em frenesi e a junção da galera da República do Pequistão e as feras urbanizadas das Alterosas.
Santos anjos campesinos de barro torpe e filhos do dragão que cospem fogo! Na egrégora da descontração 9/16 PO, Coronel Tininho com sua doce Carine, o casal 20, Chico Ornellas e Raquel com seu panamá. Cynthia Bernis, a sardenta dos mágicos olhos azuis, paramentada pelo gostosão do pequi, Eduardo Lima e pelo seu ex Ademir Fialho. Ela chegou escorrendo gotículas de chuva pelo seu pescoço venuziano.
Paulinho Priquitinho, o sumido, elegantemente vestido, o escritor Leonardo Campos, o melhor especialista em louras poposudas da terra de Figueira. Os jornalistas Tião Martins do Hoje em Dia com a Genoveva Ruisdias, velhos amigos do Gatos e Gatas.
A Mulher ao Avesso, a escritora Cláudio Cardoso com seu olhar magnético e sua doçura, assim como Leonardo, autografando suas obras. O chame explosivo da musa Vera Rita, com o seu sorriso capricorniano de rasgar a alma. Ela tem overdose de paixão pela vida e pelo amor. En Passan, e com sua mirada de fada tropical, Cláudia, irmã de Murilo Antunes.
Ausentes de corpo, porém presentes em espírito Mary Alckmin, Tomm Maia. Quase chegaram Waldemar Euzébio com Renata Pelatti, Murilo não foi avisado e o escritor Augustão Bala Doce, molhando os seus documentos íntimos nas salgadas águas da Bahia de Todos os Santos.
Das montanhas geladas da Cortina Dàmpezzo na Itália e em espirais sonoras pelo telefone, Fernanda Belotti com seu sorriso que cura todos os males.
O scothc rolou, o Romãozinho da Savassi foi liberado e a galera picou o pau. Dois dedos de literatura, cultura! Caímos na larga do mundo e falamos até da vida alheia que é da conta de Raimunda e todo mundo. Falamos de alcovas e mesmo de sexo explícito. Na mesa tinha três especialistas práticos...
Falei da beleza do texto da escritora Mara Narciso. Sorrimos à bandeira despregada, libertamos os bichos que estavam escondidos nos porões do inconsciente quixotesco. Fluíram narrativas impublicáveis.
Deu coceira na libido da roça e aí foram relatados velhos amores. Corpos se buscavam em amplexos e ósculos úmidos de puro contentamento. Rolaram químicas de novos amores, todo mundo abraçou e beijou todo mundo. Uma puta fraternidade dos roedores de pequi e os bichos urbanos.
Recebi o selinho mais desejado da minha vida e saí pisando em ovos! Posto que o amor, apesar de ser infinito é chama. O próximo será no fim de novembro.
Quero morrer doce!


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Por Raphael Reys - 27/10/2011 08:40:00
RITOS DE PASSAGEM

Quando eu finalmente deixar este mundo bipolar, concluída em parte, ou em seu todo a minha missão, quero de sentinela no velório uma comitiva de amigos diletantes e lindas mulheres...
Paulinho Relojoeiro, o globtrotter do Quarteirão, com seu indefectível órgão eletrônico de quinta categoria executando a sua composição maior Li, Li, Li, na versão inglês e cantando com voz amacarronada, Só para ironizar a dita morte tão temida...
O notável escritor Augusto Vieira Neto, vindo das Alterosas, suando muito, a relatar a nossa última farra na noite belo-horizontina. As noitadas de tango que curtimos na Boate Papillon, com as Mariposas da Noite. E que deposite no ataúde uma garrafa de Viriatinha, das antigas...
Presente Tico Lopes, o venerável mestre benzefala, imitando respectivamente, Zé Amorim e Joanir Maurício, dobrado sob peso do trabuco na cintura. E que fale também de Darço Cabeludo e comande um lundu com a participação de todos os presentes...
Um côco de Zezinho da Viola, Samys Dave Junior sapateando a operata Porgy and Bess, Virgínia de Paula, uma bruxa charmosa, a relatar e lamentar que eu era um ser trágico e infantil... O poeta Felippe Prates, gentil, alardeando as minhas qualidades literárias...
Quero um cartão com uma mancha do batom carmesim da jornalista Genoveva Ruys e que esteja apenas escrito... Ele era lacônico! Uma lingerie negra de alguém que não direi o nome, puro encantamento, de quem mereci e a mim me dedicou um enorme carinho, enchendo a minha pobre alma de absoluto contentamento!...
Estarei usando uma camisa Prist listrada, um Sumer de linho S120 branco, sapato Sacatamachia de verniz e no bolso um lenço de organdi, tocado pela fragância do perfume Amariage, de Givenchy, usado por Letícia. Insisto, que haja, na ocasião, a presença de várias lindas e charmosas mulheres...
Os olhos azuis de Cynthia Bernis, a expressão magnética e embriagadora de Cláudia Cardoso, a misteriosa mirada de Denise, as fantásticas janelas da alma de Conceição Melo e de Márcia Prates...
Flavão Andrade na cabeceira da mesa de comando da Rádio www.pequi.net, executando a trilha sonora das exéquias em espirais metálicas. O solo da bateria de Sinatra em Homem do Braço de Ouro, Ray Charles cantando a sua versão de Eleanor Rugby, o álbum Sgts. Peper, Cauby Peixoto, interpretando, teatralmente, Conceição e Nelson Gonçalves em A Camisola do Dia... Koko Taylor em seu canto do cisne em Old Scholl, Chet Baker encantando com These Foolish Things. Waldemar Euzébio solando Malquenã, Geraldo Maurício, o Nenzão no seu pinho, em Garota de Ipanena e outras bossas do Beco das Garrafas...
E ao baixar à campa, que se ouça um solo no metal de Mardem Barros, em Sumertime...
Dentro do ataúde, confeccionado em tábua de caixote apanhado em porta de loja, vários objetos: um isqueiro Romson, uma carteira de cigarros Columbia, o meu Colt Cavalnho 38, o cordão de São Francisco e o patuá de Sete Nós da Roda de Aruanda, do gongá de Mãe Meninha do Cantois, ou um amuleto benzido por Didi, Afô de Ofonjá...
Forrando o fundo do dito Paletó de Madeira, quero a trilogia de Platão, o Germinal de Zola, os Manuscritos das Leis de Nodim, O Caminho do Meio, de Láo Tse, A Cidade de Nove Portas, de Sidharta, Gautama, o Gitá de Vhyasa. As Estâncias de Dzian, de Blavastsky, O Deserto dos Tártaros, de Buzzate, As Folhas da Relva, de Whitman...
E ao singrar o Letes, a bordo do barco de Caronte, quero ler os ensaios de Lampedusa sobre os Stean of Consciense de Joyce e, de quebra, o seu Leopardo...
Poemas de Tagore, O Corvo de Baudelaire e a epopéia Navio Negreiro de Castro Alves; O.Henry, Jack London, as Vinhas da Ira, de Steinberg, o América, de Kafka, as fábulas de Esopo, as narrativas de Kipling...
Por fim, quero uma cópia da Carta do Apóstolo Paulo a Rufo, bispo de Tortosa em que ele relata o trecho de uma confissão feita ao Criador : “Senhor! A minha alma voltou-se para o chão!”...
Deixo este mundo de manifestações e, embora seja uma alma/instrumento, busquei tão somente a Sustentabilidade...


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Por Raphael Reys - 18/10/2011 10:17:26
BALCÃO DO BAR DO CAPA III

Domingo chuvoso, sete da matina no Bar do Capa. Seis notívagos junto ao balcão curtem o som do álbum Ao Vivo com Tatuí, de Pena Branca e Branca e Tatuí. Degustam, dignamente, uma cachaça curraleira com rusarô, que Fogueteiro trouxe das barrancas do Velho Chico.
Ele tenta negociar cem garrafas do produto com o proprietário do exótico balcão, que, em decorrência da experimentação, já quebrou a ficha, tomou muitas e conversa abobrinha. Clientes soltam foguetes para comemorar a água mandada por São Pedro.
A música caipira flui em espirais sonoras, violando os corações, formando uma egrégora de alegria e descontração. Após a segunda dose tomada, regurgitam o retrogôsto da marvada PO. Sou convidado a sentir o oroma da boa pinga. Arrepio os pelos do braço e sinto defluxos às carradas!
Um apaixonado platônico toma a sua cana caprichada. Estala os dedos, corre água nos olhos. Vai até a porta da lanchonete próxima para sacar o bumbum gelatinoso da garçonete gostosona passante. No balcão, formam-se por similaridade de sentimentos compartilhados entre o boteniqueiro e o notívago Cloves, a dupla Cebolinha e Capa.
A galera sorri às bandeiras despregadas, ao me ver redigir essa crônica no bar, nessa manhã de Baco Tupiniquim. Um ébrio penduca o equilíbrio no batente do átrio do bar/oráculo. Olha para a tenda da amplidão nevoada desse domingo e, assim como Calderon de La Barca, se faz a famosa pergunta: Es la vida, um sueño?!
Entram as primeiras senhoras que compram o indefectível pacote de macarrão para o almoço domingueiro em família. A Comunidade Terapêutica do Bar do Capa, já excitada pelo álcool, pulula no salão, como uma farândola de diabretes.
Batem os pés no piso do salão e as mãos, sincronizadamente, no rítmo da música! A alegria é flagrante!
Luizim Cacete chega. Vira uma dose caprichada, medida na risca do copo americano. Passantes com suas sombrinhas multicoloridas cruzam o passeio com destino à missa dominical. Enquanto a Turma da Cebolinha Verde já curte a quarta dose...
Há um generalizado gosto de cabo de quarda-chuva nas bocas. Corre a notícia de um striking na orla fluvial do rio Vieira e um velho ébrio aparece no janelão do casarão colonial. Declama com toda ênfase as primeiras estrofes do épico Navio Negreiro, de Castro Alves.
O mundo gira, a Lusitana roda. Há, no ar, há um sofrer sem se dar conta, um padecer sem se entender o por quê....
Um rato travestido no inconsciente coletivo da galera mostra a sua roupagem de Dragão da Maldade Contra O Santo Bebum.


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Por Raphael Reys - 7/10/2011 19:04:59
JOANIR

1957. A terra de Figueira comemorava o seu Centenário e como uma das atrações principais houve apresentação do sanfoneiro Sivuca. A propaganda do evento artístico chegou até o nosso Joanir Maurício, pintor, caçador de mocós, sanfoneiro dos bons, seresteiro.
Ao receber a notícia do evento e por não conhecer o artista contratado, Joanir, consertando o chapéu Ramenzon XXX na cabeça ao estilo cowboy, desconsiderou. Torceu o nariz e falou: Quem? Sivuca! Mais quá!
Em cima do seu cavalo alazão, corpo torto pelo peso do Smith and Wesson 38, reafirmou a sua superioridade de sanfoneiro sobre o tal de Sivuca.
Ao interlocutor que ressalvava as qualidades do artista visitante disse: sou mais eu! Além de sanfoneiro sou desenhista, pintor, caçador dos bons e marceneiro. De um pedaço qualquer de madeira bruta faço um sanfoneiro marca Sivuca, com um pé de bode na mão!
Já ia rompendo quando voltou e completou o seu raciocínio: debaixo da minha sanfona de oito baixos eu respeito somente Luiz Gonzaga e olhe lá!
Dona Estela, sua esposa, que assistia ao diálogo, deu-lhe um ingresso para o show, caso ele resolvesse ir ver o tal de Sivuca.
No dia do espetáculo, boca da noite Joanir já tomava a sua Viriatinha quando deu a sapituca de ver o tal de sanfoneiro falado. O céu tinha cara de chuva e Joanir montou no seu fiel alazão, vestiu a capa Colonial três Coqueiros, calçou a sua bota Agabê, consertou o pau de fogo no currião e partiu.
Andando no seu pisadô manso, característico dos Mauricio, chegou ao Cine Montes Claros onde já acontecia o show perto do encerramento do mesmo. Tomou, sorrateiramente ao seu modo, o rumo dos fundos do palco, levantou discretamente uma beirada da cortina e se pasmou.
Sivuca, encerrando o show e para delírio da platéia que o aplaudia de pé, tocava no teclado da oito baixos os nomes das pessoas que eram lançados pela platéia. Dedilhava como os diabos e fazia a sanfona falar o que quisesse.A galera pulava como uma farândola de diabretes!...
Acabrunhado com o que viu, Joanir botou a sua sanfona no saco e gramou o beco de volta para casa.
Ao chegar em casa, apanhou a sua oito baixos, botou em cima de um velho pilão de madeira no quintal, tacou querosene no instrumento e ato seguinte efetuou seis disparos certeiros.
O fogaréu torrou a sanfona que chiava emitindo sons fantasmagóricos e desarmônicos.
Em seguida, o nosso Joanir tirou o chapéu em sinal de respeito ao sanfoneiro nordestino e encerrou aí a sua carreira de tocador de oito baixos tupiniquim...



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Por Raphael Reys - 1/10/2011 14:39:32
BALCÃO DO BAR DO CAPA II

Uma velhinha, vinda de Grão Mogol para exames médicos, apanha o moto-taxi do Geraldão Durães, que tomava uma crua no balcão. Rodou hospitais e laboratórios. Ao retornar ao ponto, agradeceu e foi saindo de fininho.
Geraldão, que estava doido para tomar uma gelada com o polpudo pagamento daquela corrida, foi logo dizendo: “Olha o pagamento, minha senhora!” A anciã, esperta, aplicou o 171 urbano. Mostrou a sua carteira de passe livre e disse: “Tenho mais de 65 anos! Não pago transporte, moço!”
Já Virgilão, um notívago posudo e malhado chega ao bar com as mangas da camisa arregaçadas para exibir os seus volumosos bíceps e dar uma sugesta na galera que habitualmente toma umas no balcão. Fez pose, tomou duas e ao sair à porta, levou o maior susto.
A malandragem de plantão nas proximidades não respeitou a exibição e, carteando marra, surrupiaram a sua bicicleta modelo 1967.
Na verdade, aqui no Bairro Morrinhos prevalece à máxima que é lei das ruas: “Malandro é malandro, Mané é Mané.”
Zé do Gás é um freqüentador do Bar do Capa. Ao longo do dia chega de tempos em tempos, pede uma branquinha e se justifica: “Bota essa, Sorin, que é para eu varrer o quintal!” E toma outras para se barbear, almoçar, espantar a tristeza, esperar a patroa chegar e mais outra antes de dormir...
Já o Bacana chega ao bar, sempre de mansinho. Pede uma dose da cachaça conhecida como Chorona. Na segunda lapada já está às lágrimas. João do caminhão, conhecido como Trovão Azul, chegou, bebeu várias e viajou até a localidade de Mandacaru.
Foi dar uma de zagueiro contratado, astro da pelada da roça. Mas, logo cometeu uma infração grave. O árbitro curraleiro que apitava a partida aplicou-lhe o competente cartão amarelo. Inflamado pela mística da alma da cachaça ingerida, Trovão tomou os cartões do juiz e lhe deu um vermelho. Em seguida, ainda botou Sua Senhoria para correr, ameaçando-o de lhe enfiar os cartões no forever!...
Sorin, o cabeludo gerente do balcão do Capa, vez por outra dá uma sapituca. Para manter o moral no pedaço, fala grosso. Abre os braços teatralmente e dá conselhos para os notívagos, pra Deus, Raimunda e todo mundo!
Como é sortudo, vez por outra abocanha um terno no jogo do bicho e fica estribado.


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Por Raphael Reys - 26/9/2011 16:46:15
FRINGE BENEFITS

Ser cronista é padecer de prazer e de surpresas no paraíso terrestre. Curtir o puro contentamento em ter como colegas de ofício o diletante e magnífico amigo Augusto Vieira Netto, nosso tão querido Bala Doce, o premiado jornalista Alberto Sena Batista, o gentleman e globetrotter Felippe Prates, sempre vigilante, candente nas broncas e nos elogios que, como o poeta Virgílio, me guia nos Hades do oráculo de Mercúrio.
É ser lido todas as manhãs por Tininho Silva, o sensorial bluzeiro de bem com a vida, o inteligente Geraldo Prates, pelos olhos verdes de pecado de Márcia Prates, ter como webmaster da República do Pequistão o competente Rogério Borges. Haja coração!
Ser cronista é sofrer de encantamento em escrever de parceria com a doce beletrista Virgínia de Paula, curtindo a sombra e os duendes irlandeses de um final de tarde na ramada do seu romântico casarão, palco de notáveis e inesquecíveis acontecenças de ontem e de hoje. É admirar os olhos de Virginia, que ficam ainda mais lindos quando brilham de alegria, emboramente neles sempre presentes um leve, charmoso e fugidio traço de ironia que a deixa, de óculos, simplesmente encantadora. É dela me despedir beijando as suas mãos macias, delicadas, a evolar um leve traço de Nuit de Noel!
É estar na redação do jornal e ter a coragem de mirar no fundo dos olhos fatais da editora Jerúsia Arruda e poder suplicar pelos seus abraços. É poder ter o carinho da poetiza Dóris Araújo e a satisfação de ler diariamente os textos inteligentes e precisos da escritora Mara Narciso. Ela escreve sem medo e com o coração aberto!
Ser cronista é abrir a caixa de mensagens bem cedo e se deliciar com um recado da escritora Cláudia Cardoso, reclamando por não ter lido uma postagem minha no facebook, como café da manhã! Cláudia me faz contar os minutos que levo redigindo o texto enquanto escuto, nos fones de ouvido, Ray Charles cantando “Alone In The City”.
É contar, nas cálidas manhãs, com o coração leonino e inflamado da jornalista Genoveva Ruiz a me enviar um beijo...
Saber que, um dia, poderei ver de perto os olhos lindos de Maristela Kosinvsky, de Letícia e, ao contemplá-los, aplaudi-los, enquanto ainda encarnado nesse delicioso mundo de provas e expiações; o talento e a beleza de Raquel Cruzoé, que lê os meus mal alinhavados textos e me dá a maior força.
Ser cronista é ter como nova amiga leitora, a leveza blondi e o sorriso angelical de Vanessa Leite que irá ler esse postado!
Poder contar, enquanto cantam os galos, com a curtição nos meus escritos da beleza morena de Ana Paula!
E ainda tem gente que considera esse mundo ruim e doido.
Ser doido é ser cronista e se deliciar com toda a maravilhosa verve do dia a dia. Certamente, o profissional da crônica quando “bate o pacau”, parte dessa é para uma pior, pois o melhor está aqui!
PS - Ser cronista é acreditar naquele trecho de uma rumba caribenha, que fala sobre os instrumentais para se alcançar a felicidade: “uma escalera grande, outra chiquita”!
Néco, néco, Papai do Céu! Deixa eu ficar nesse mundão doido...


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Por Raphael Reys - 22/9/2011 14:29:59
NAS RUAS DA VIDA

Alguém chegou a dizer que quem vive nas ruas tem a sua liberdade, em um mundo aparentemente sem cancelas, mas também sofre os castigos que lhe são inerentes. E quando o corretivo chega, o cidadão chia que nem roda de carro de boi...
A escritora Helena Parente afirma que a rua e aqueles que nela habitam, são dirigidos pelo governo ou pelo destino. É carma ou dharma. Fica por conta dos encontros que lhe reservam o destino e o inusitado.
A alma se delicia com o prazer proporcionado pela liberdade e sofre com os augúrios da dor, pois a existência e tudo que a faz são bipolares em constituição.
A literatura cria um universo próprio, vestindo esses aventureiros com roupagens romanescas e nos fazendo até invejar suas trajetórias e aventuras pelas diversas quebradas da vida. No fundo da alma, todos nós temos esse lado imponderado, bandido, de destino incerto, fugidio.
É o que nos sobrou de atávico das heranças trazidas da vivência nas savanas. O andante das vias é uma alma filha da luxúria e escrava do prazer. O álcool leva-o a julgar-se absoluto e por ser um voyeur, busca compreender as almas em suas manifestações.
O peregrino é um psicanalista do absurdo. Um faz de tudo que não se apega a coisa alguma.
A vida das alamedas é um mundo de paixões, medos, obsessões. O imprevisto e o insólito esperam em cada esquina ou encruzilhada. São movimentos, contrastes, luz e sombra. À noite, surgem os seus arcanos e mistérios desconhecidos. As paredes têm ouvidos e na escuridão mil olhos observam.
Por estar fisicamente exposto será quase sempre julgado pela subjetividade dos que o apreciam. O nômade das ruas vê o lado explícito e sofre a ação dos que passam centrados na suposta normalidade.
Quem vive ao Deus dará, sente o gozo do momento e a relaxação que se segue às superações das armadilhas vencidas. O existir pelas ruas e pela noite é um exercício pleno de oposições ao racional. Suores, excessos, delírios e uma corrida cega. Procura-se o lado mágico e o impossível.
A jornada do aventureiro é um prolongamento doentio, vazio. A busca da morbidez é adequada aos que vivem da e pela sarjeta.
Esse andante inesperado tem, entretanto, um lado superior, genial, pois com suas empatias e emocionalidades absorve e perdoa os males do mundo. À bem da verdade, vive buscando entender a alma e os seus propósitos e, como se fora o único ser vivente, ou sobrevivente, faz parte de um mundo repleto de contempladores.
Vive cada dia como se fosse o último e busca uma entropia em que todos e tudo se fundirão em um só instante do incondicional.
A vida, para ele, nada mais é se não um pensamento mágico e fugaz.


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Por Raphael Reys - 15/9/2011 08:22:30
NA VIA HARMÔNICA

Um jovem casal de funqueiros trafega pela avenida abraçadinhos e borbulhando como champagne em taça flute. Vão inexoralvemente dar nos costados do Lago Lesis. Reinaldo Sanchez faz uma concha com as mãos. Sopra o duto e imita o som do corneto na ópera.
A maestrina Clarisse Sarmento solfeja um trecho de uma ária de Puccini. Geraldo Maurício Nenzão, abre a caixa de reminiscências e sola no pinho Doralice. No etéreo, bem acima de nossas cabeças, Walmor de Paula, repousando no Terceiro Céu de Beatrice, imita Noel Rosa. Canta Conversa de Botequim, enquanto às ágeis mãos do estenógrafo Julião Prates garante a percussão batendo com os dedos no tablado da mesa do bar.
Há uma extensão sensória entre a consciência manifesta e os desejos que ficaram irredutivelmente fixados na memória, num clima de fad-aut, um desfazer em emoções sublimadas, uma angústia em perceber que a qualquer momento pode se dissolver.
Chet Baker arranha um bolachão de acetato dos anos 50 sob o céu de Dallas e um instrumentista mórbido dedilha, ao piano, Eleonor Rubby. Duas almas gêmeas se encontram nos Jardins de Nayades. Entrelaçam-se, bailam e terminam por volitar sob um bosque de azaléias.
Na Avenida Coronel Prates, Virgínia de Paula repousa a sua suave cabeça pensante num travesseiro de alvas plumas de ganso; logo, apenasmente, sonha estar transfixando a via demarcada da Abbey Road. O pêndulo de aço carbono do Big Ben, penduca o equilíbrio entre a direita e o levemente dextro-convexo.
No tanque do jardim, numa colônia, há um cardume de trutas multicoloridas. Produzem um feito caleidoscópio na minha retina. Pito um cigarro turco e bebo uma água tônica com limão e gelo. Na mesa da birosca de luxo, notívagos diletantes degustam uma garrafa de Santa Rosa. Tira-gosto: torresmo de papada de porca curraleira e lingüiça no palito com cobertura de povolone.
A escritora Mara Narciso surge como uma brisa suave. Veste um blue jeans, sapatilha de lona china chique. Está radiante! Os seus olhos brilham refletindo a sua alma sensível.
Lembra uma adolescente em domingo de sol.


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Por Raphael Reys - 8/9/2011 14:33:41
TOM

Rebento da terceira geração dos Amorim, eis que nos chega à verve de Marco Antonio, o Tom Amorim. Baixote, tampa de binga, rechonchudo (é um glutão), mais parece um lutador de sumô. Esperto que nem coelho joga nas dez e bate com vara de duas pontas! Cobra criada no burburinho da nossa urbe.
Elegante, posudo, como o seu tio Bem Pau Véi, traja sempre um bom terno e carrega uma vistosa valise de couro, tipo capitão de indústria. Andar apressado, gestos súbitos, olhar atento.
Teatral e tragicômico! É um descendente do patriarca Pedro Montes Claros.
Rompante e decidido, não despacha para o bispo. Tem a resposta sempre na ponta da língua e a sua missa é de corpo presente. Do seu avô, só não herdou o gosto de cavalgar em cavalos de raça pelas nossas ruas de antanho, calçadas em paralelepípedos.
Por onde anda, Tom Amorim é reconhecido e festejado. Conhece todo mundo. Quando chega, se bem recebido, abre a sua caixa de ferramentas e conta uma história engraçada, imitando o seu saudoso tio Sinval.
Se a galera o trata com alguma gozação ou disfarçada ironia, retruca a carta na hora. Em cima do pedido! Manda o interlocutor para os Quintos do Érebro de Dante!
Abaixo, um diálogo de sua mãe, dona Dinha Amorim e Quintiliano Maia, em visita à casa do nosso herói:
- Êita Quintiliano! Já cansei de pedir a esse povo do Lanchão para não servir tanto sanduíche para o Marco Antonio!
- Mas, por quê, gente?
- Ora, ele não tem bitola para comer tanto!


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Por Raphael Reys - 5/9/2011 08:23:32
AINDA FALANDO DOS ANJOS

Falando dos anjos, Veríssimo disse: “antigamente era mais fácil. Os anjos apareciam para as pessoas e lhes diziam o que fazer; ou o que ia lhes acontecer. Hoje, o anjo da anunciação não passaria do interfone do prédio. Quem é?”
“Eu sou o anjo do Senhor e...
Quem?
Um anjo do Senhor e trago...
Não é daqui não.”
Greeley disse-nos que, no outono, há quatro tipos de anjo: um padre, um psiquiatra, um policial e um amante. Pois foi um desses anjos que segurou o incêndio da escola Nossa Senhora da Graças, em Chicago, em 1958. Michelle McBride, uma sobrevivente, afiançou que também um deles a inspirou a escrever o livro “O Fogo Não Morrerá.”
Esses santos anjos criados pelo Senhor são assim. Quando menos se espera, lá estão eles, de novo. Encontrei, certa vez, um pedaço de papel escrito a lápis na Praça da Matriz. Continha uma oração dirigida a São Miguel, este um arcanjo e pedia que o mesmo nos defendesse na batalha contra o demônio, que nada mais é do que Luzbel, o esplendoroso, um arcanjo decaído, um ser celeste que, ao exercer o seu livre arbítrio, contestou a existência do Pai, dá para imaginar. Uma criatura contestando o seu criador. Pois foi assim!
Imagine só o troar da dita batalha, na imensidão do cosmo.
Nobres senhores e senhoras, Ana Maria achava que o seu anjo era mulher, mas, ao escrever um poema, disse assim:
- Príncipe de Vênus, me envolva nas solitárias noites de revolta/Príncipe de Vênus me acompanhe...
Uma questão de sintonia.
José Martinho de Melo relata que Felipe Semmelweis, o descobridor da assepsia, era um anjo disfarçado, pois impediu que a febre puerperal proliferasse, obstando a vinda de mais almas ao mundo de Deus, em missão.
Ontem, dormi pensando no anjo de guarda de Gisele Bunchen, que fez o que fez por ela, e ainda a levou ao Xingu, para receber um descarrego através da pajelança. Veja bem como são eles.
Aqui nos Montes Claros, Olindina, minha saudosa sogra, me disse que viu e conversou com um anjo, que parecia com sua avó, e que retornou em sonho e lhe ensinou onde encontrar Paulo Pereira, o seu irmão perdido em l938, no interior da Bahia, na grande migração, e que esse mesmo anjo lhe ensinou a voar quando estivesse dormindo.
Meu amigo Felippe Prates (hoje residindo na Barra da Tijuca) tem um anjo que adora um porre de scoth. Gosta, também, de uma boa cachacinha Santa Rosa, na garrafa arrolhada e de uma noite de tango em um lupanar, desde que a parceira seja capricorniana morena e dos olhos verdes!
Já o escritor e notívago Augusto Vieira Neto, o Bala Doce, ou Bala Brando, como se diz no facebook, piloto noturno com milhares de horas de vôos pelos caminhos diletantes de Baco e Vênus, tem um anjo de guarda que é atleticano!
Comenta-se nos bastidores musicais do Norte de Minas, que Tico Lopes já há muito tem acesso ao seu anjo guardião, um “Deimon”, recebendo do mesmo, instruções sempre precisas, de como bater na pele do tambor.
Eu, particularmente. Às vezes, faço uma tremenda confusão na minha cabeça latina. Fico sem saber se nós somos sombras e eles os originais, ou se somos verdadeiros e eles, imaginários.
Em 1976, dormitei debaixo de uma marquise, no Jardim Baccachere, em Curitiba. Num fim de tarde chuvosa, percebi a presença do meu anjo de guarda. Perguntei-lhe, então, assim como o fez também Calderon de La Barca:
- Es la vida, suenõ?
E, na mesma ocasião, solicitei que ele me instruísse na decodificação do Shefer Yethzherar, o livro da criação, que contém os segredos da Cabala e, consequentemente, a teoria da mecânica do cosmo.
Encerrando a crônica, relato o que disse o anjo da guarda ao poeta Guilherme de Almeida;
- E quando o homem, resgatado da cegueira, puder ver Deus num simples grão de argila errante, terá nascido neste instante a mineralogia derradeira...


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Por Raphael Reys - 27/8/2011 19:49:56
NOIR.DOC... SOB A PROTEÇÃO DOS ANJOS

Mais um entardecer imprescindível de puro encantamento nos Montes Claros, chapada do Arraial das Formigas, pisada por Gonçalves Figueira. O mundo gira globalizado, as lan houses, estão entupetadas de gente navegando no virtual. Surgem os notívagos com seus amigos diletantes.
Nivaldo Tip Top, no seu bar, prepara uma cheirosa carne de sol, servida com feijão tropeiro, mandioca da Lagoinha e farinha Morro Alto. Beto Rocha toma uma loura estupidamente gelada com amigos na mesa externa. Peré Novais, Denarte Dávila e Nazareno Dias devoram um grande prato de lingüiça no balcão interno, “quebrando” uma Viriatinha corada.
Augusto Vieira Neto, o Bala Doce, narra para Reinine, uma história do poeta Cândido Canela, seu pai. Na mesa, Virgínia de Paula e Márcia Yellow, que fotografa tudo.
Seresteiros amadores acompanham em coro o Grupo de Seresta João Chaves, que encanta e enleva no salão térreo do Automóvel Clube em noite de lançamentos e recordações mágicas, tão caras e tão gratas à nossa lembrança...
Muitos dos presentes destramelam suas almas e choram na pura emoção.
Dona Fina de Paula, emboramente os seus mais que 90 anos, firme e inspirada, ao microfone canta afinadíssima, dando a sustentabilidade do magno evento. Dona Yvonne Silveira, aos 96, acompanha e aplaude com prazer, irradiando alegria em seu sempre belo rosto.
Puro encantamento!
Terezinha Jardim canta como um rouxinol, sob o acordes do cavaquinho de Mafalda.
Na mesa central, a família Chaves, comandada pela divina Lola, participa da cantoria e das comemorações.
Há uma aura suave que cobre a noite trazendo às nossas almas sofridas pelos embates da urbanidade opressora, o doce alento que nos leva a sonhar acordados. Alguns casais dançam embevecidos. O grupo canta, canta e encanta com as modinhas de ontem, revivendo sucessos e inesquecíveis momentos dos tempos das vovós e dos vovôs.
Cai sobre a turma uma onda mágica. Rasgando o peito, oferecem a performance uníssima!
O scotch rola solto, nas versões on the rocks e cowboy, do bufê requintado e farto muito bem servido pelo pessoal de Joãozinho Prates.


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Por Raphael Reys - 24/8/2011 08:01:58
Nenén de Pain

Haroldo Santos, também chamado pelos íntimos de Neném de Pain, ou Haroldo da Escola de Samba, era gerente do bar Destak na rua Melo Viana, aqui nos Montes Claros interior das Minas Gerais. Solteirão convicto e, fiel devoto de São Jorge Guerreiro.
Portava sempre na carteira ou no bolso do paletó, um santinho do seu protetor, na sua imagem lunar, entre crateras e a chuchar o feroz dragão com sua lança pontiaguda. Realizava as suas obrigações com o santo, acendendo as suas velas, e executando os rituais no seu sanctorum doméstico. Sarava! Meu santo Orixá.
Como é afro descendente, desde a tenra infância esteve ligado aos mandingueiros, terreiros, candomblés, amolôcôs, terecôs e bocas de cabaça que abundam neste Norte de Minas. Recebeu o seu Exé em um terreiro de Umbanda de Manhinha de Biriba em Livramento, na Bahia.
Lá não se dava importância à decisão Papal em se deletar o santo guerreiro da hierarquia celestial, atitude tomada pelo Vaticano em represália ao aumento de fé nas raízes afro, pelo Brasil de meu Deus!
Certa feita, juntamente com colegas de serviço e seus respectivos familiares, fretaram a baixo custo um velho caminhão Doge Cara Chata usado para carregar toros de madeira. O veículo os levaria morro acima. Iam para uma tradicional festa de santo na roça.
A dita elevação, só era vencida de Toyota com chassi modificado e caminhão modelo “toco” com correntes de aço nas rodas dianteiras, isso dado ao aclive e respectivo declive íngreme e constante que se fazia até o platô e vice-versa, alem do solo arenoso e escorregadio. Era uma via dantesca!
Às três da tarde terminada as festanças de roça, retornaram as origens. “Desciam morro abaixo no Cara Chata quando o motorista sentindo o frio provocado pelo óleo do burrinho mestre do freio que escorria no seu pé direito botou a cabeça para fora da boleia e gritou a pleno pulmão:” pula todo mundo que o caminhão está sem freio!”“
Todos pularam menos o Neném de Pain que permaneceu com os braços apoiados no Santo Antonio da carroceria. Entre os que saltaram para o chão, braços e pernas quebrados, pescoços torcidos, mortos e feridos.
O caminhão tendo só o nosso “Neném de Pain” como viajante se enganchou no primeiro barranco à direita do morro, levantando poeira. Nosso herói desceu da carroceria sem qualquer arranhão, e, ato seguinte, sacudiu o pó da roupa.
“Seguindo o dito de Shakespeare: cada terceiro pensamento passa a ser sobre nossa sepultura, um colega de viagem, irritado com o braço quebrado gritou para ele em represália:” você não pulou por que sua lesma?”No que ele retrucou: “sou devoto de São Jorge Guerreiro”!” O outro rebateu: “que F.D.P. de santo é esse que seguro caminhão Cara Chata sem freio, ladeira abaixo?”.
Neném de Pain tranquilamente tirou o santinho de papel do bolso do paletó mostrando-o ao interlocutor, identificando, assim, São Jorge Guerreiro, o protetor da sua devoção.
Acontece que na gravura exibida estava só o pesado dragão soltando fogo pela boca. O cavalo e o popular São Jorge, já haviam caído no bengo desde o grito de alerta do motorista, por via de dúvidas...
A boca era por demais quente, até para santo guerreiro!


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Por Raphael Reys - 19/8/2011 08:14:57
Só um 38

Nos bons anos 60, mestres no ofício em mecânica de autos da nossa urbe formaram uma Santa Federação dos Bons de Gole. Todos eles galãs de subúrbio e namoradores de jardins e praças.
Da emérita trupe tupiniquim, dentre muitos figuravam Dim Lampião - o valente -, Zé Augusto, Valdemar Peça Fina, Ivan Chulé - o indefectível -, Milton, João Isca e o notável Marcha Lenta.
Essa galera prestava serviços profissionais nas concessionárias da Ford do Seu Quinzim, Somar de Ubaldino Assis e na Willys Overland, do querido Geraldo Cursino. Ao longo das jornadas etílicas e de alcovas, outros diletantes apareciam, inclusive Pinga, chofer de praça com o seu bem cuidado Odsmobille.
Pululava preferencialmente na Praça da Matriz, footing das domésticas e suburbanas, onde encontravam farto repasto amoroso. Eram tempos românticos, de namoro com mãos dadas e beijinhos roubados...
Aquecidos os corações masculinos e sempre por volta das 23 horas, Dim emitia um assovio convencionado e a galera da graxa partia para os finalmente na Boate Maracangalha, oráculo de Anália com suas damas da noite e perseguidas profissionais.
Lá, o bolero rolava solto. Pares desfilavam ao som do conjunto musical animado pelo acordeom de Osias, a bateria de Zé Toco e a voz do rouxinol Din Canga.
Certa noite e ainda estando na Praça da Matriz, nossos “pastores da noite” se lembraram da festa de casamento dos irmãos Lúcio e Luciano, que comemoravam as bodas com suas esposas, também irmãs. As festividades ocorreriam logo mais na Malhada Santos Reis.
Lá, era uma comunidade conhecida pelos seus valentes e destemidos murrões da roça, onde pontificavam Negão da Titia e muitos outros integrantes da fauna local.
Dim Lampião sugeriu, então, que todos fossem às festas. Vai aí o diálogo:
- Peça Linda! Vamos logo para a Malhada que hoje tem a festa dos casamentos dos irmãos com as noivas irmãs!
- Não dá não, Dim! Lá é lugar de gente valente e perigosa demais!
Dim, chegando ao pé do ouvido do interlocutor, ponderou:
- Mas você não está levando um revolver na cintura?!
- To, sim, moço! Mas é só um 38!
Na Malhada de antanho, estranhos no ninho só eram respeitados se carregassem pra cima de uma Cintura Noventa e duas automáticas 45!


68461
Por Raphael Reys - 10/8/2011 07:52:20
Balcão do bar do Capa

Zé Pêra, emérito motorista de transportes coletivos toma todos os dias, religiosamente, umas e outras no Bar do Capa, confluência das ruas Clemente Martins com General Carneiro, no bairro Morrinhos. Volta e meia dá uma tirada digna de nota.
O médico que o atendeu no PSF, recomendou-lhe, dado à fragilidade temporária da sua saúde, que parasse de tomar bebidas alcoólicas. De volta ao bar, bateu no balcão e fez o pedido: “Me dá uma cerveja sem álcool!” Em seguida, complementou: “E bota uma pinga para acompanhar!”.
Um companheiro seu que lá estava tomando umas branquinhas, ao vê-lo pedir a pinga e sabedor das recomendações médicas, contou a sua prescrição: “Pois, comigo, o homem mandou moderar. Tomar uma pinga antes do almoço e outra antes da janta. Mas, como eu não entendi direito, passei a tomar uma garrafa de pinga antes do almoço e outra antes do jantar...”.
Douta boca da noite, estando o salão do bar sempre cheio, um notívago bebia umas e outras quando viu o seu médico parando o carro à frente, numa mercearia. Como o doutor lhe prescrevera um regime, gritou todo siligristido: “Doutor! Posso comer ovos?” Que lhe respondeu, na bucha: “Taca o pau!”.
Outro freqüentador que andava passando do limite no gole foi chegando e o Capa o advertiu: “Você está bebendo cachaça demais, companheiro!” Resposta: “Nem demais, nem de menos!”.
Chega mais um companheiro de copo já bastante chumbado e para puxar conversa foi logo comentando o que fizera no dia: “Gastei mais de cem reais! Paguei o IPVA do meu barraco!”.
Já o freguês da branquinha conhecido no trecho como Silicone, mui digno aposentado, de amores novos com uma morenaça que mora no pedaço e objetivando dar conta da escrita na alcova, seguiu o conselho de outro notívago e, para aumentar a potência, tomou indevidamente o medicamento Pramil.
Endureceu, mas foram as pernas!
Outro ilustre exemplar do trecho chegou cheio de paixão. Bebeu umas malditas e se pôs a cantar sucessos antigos de Roberto Carlos: ”Estou amando “locaumente” a namoradinha de um amigo meu...”


68411
Por Raphael Reys - 5/8/2011 08:03:26
Entardecer na Avenida

O segurança do Capo desce da caminhonete blindada portando uma pistola PT40 e dois pentes reservas nos coldres em ambas as axilas. O seu patrão se prima na máxima romana “Si vis pacem para bellum”. O contato transfixa o vão da avenida pitando um cigarro paieiro com cheirosa raiz de carapiá.
Em contrapartida, Maria Luiza Telles lavra em seu oráculo uma crônica que fala do amor universal. Um bêbado passa penducando o equilíbrio e diz que o mundo é composto. O criador em atividade no Nicho de Nodim, executa em essência as bipolaridades que logo se manifestam em aspecto trino.
Os arcanjos da Unidade Estrela Candente, guerreiam com as hostes de Lusbel no nosso cobiçado Sistema de Havona. O barraqueiro da esquina espia a saia cotó da garota suburbana, que inicia o seu trotoir numa noite de surpresas cármicas.
O fluxo das águas do Euripo deságua na contramão do Aqueronte e balança perigosamente o barco de Caronte, que transporta almas em retificação.
O cheiro do pão batizado com permanganato sai da chaminé da padaria e irrita as narinas dos transeuntes incautos que circulam no entardecer deste friorento mês de julho. Aroldo Pereira declama “O Corvo”, de Baudelaire” e a sua quase careca reflete as luzes de néon da fachada do portal de eventos.
Estevim continua entocado estrategicamente e o inspirado poeta Georgino Junior sai finalmente do seu quarto de fundos, onde escreve um romance erótico leve. Wanderlino Arruda lavra a lauda da sua milésima palestra mantendo a sua métrica virginiana. Contempla pela enésima vez a beleza dos olhos de sua Olímpia.
Miguel de Ducho passa exibindo o seu fisique du role de boxeador cucaracho. Fala sobre filosofia platônica e bate no couro esticado do bongô um bolero antigo.
Montes Claros entardece. Acontece uma cena explícita no Trevo do Sion: um executivo trincado contrata uma garota da noite e juntos viajam para Laquesis.
Armando Cabeceira Mardem extrai da alma de metal do seu saxofone, com enlevo, nada mais nada menos que “Summertime”...


68259
Por Raphael Reys - 21/7/2011 15:01:40
Balcão do bar da capa

Zé Pêra, emérito motorista de transportes coletivos toma todos os dias, religiosamente, umas e outras no Bar do Capa, confluência das ruas Clemente Martins com General Carneiro, no bairro Morrinhos. Volta e meia dá uma tirada digna de nota.
O médico que o atendeu no PSF, recomendou-lhe, dado à fragilidade temporária da sua saúde, que parasse de tomar bebidas alcoólicas. De volta ao bar, bateu no balcão e fez o pedido: “Me dá uma cerveja sem álcool!” Em seguida, complementou: “E bota uma pinga para acompanhar!”.
Um companheiro seu que lá estava tomando umas branquinhas, ao vê-lo pedir a pinga e sabedor das recomendações médicas, contou a sua prescrição: “Pois, comigo, o homem mandou moderar. Tomar uma pinga antes do almoço e outra antes da janta. Mas, como eu não entendi direito, passei a tomar uma garrafa de pinga antes do almoço e outra antes do jantar...”.
Douta boca da noite, estando o salão do bar sempre cheio, um notívago bebia umas e outras quando viu o seu médico parando o carro à frente, numa mercearia. Como o doutor lhe prescrevera um regime, gritou todo siligristido: “Doutor! Posso comer ovos?” Que lhe respondeu, na bucha: “Taca o pau!”.
Outro freqüentador que andava passando do limite no gole foi chegando e o Capa o advertiu: “Você está bebendo cachaça demais, companheiro!” Resposta: “Nem demais, nem de menos!”.
Chega mais um companheiro de copo já bastante chumbado e para puxar conversa foi logo comentando o que fizera no dia: “Gastei mais de cem reais! Paguei o IPVA do meu barraco!”.
Já o freguês da branquinha conhecido no trecho como Silicone, mui digno aposentado, de amores novos com uma morenaça que mora no pedaço e objetivando dar conta da escrita na alcova, seguiu o conselho de outro notívago e, para aumentar a potência, tomou indevidamente o medicamento Pramil.
Endureceu, mas foram as pernas!
Outro ilustre exemplar do trecho chegou cheio de paixão. Bebeu umas malditas e se pôs a cantar sucessos antigos de Roberto Carlos: ”Estou amando “locaumente” a namoradinha de um amigo meu...”
Raphael Reys


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Por Raphael Reys - 1/7/2011 15:12:37
A CIRANDA DOS IBEJÍS

Não são histórias de fantasma no sentido verdadeiro, mas uma coletânea de fatos que nunca tiveram explicações satisfatórias. R. Kipling.

Em 1904, quando se mudou para Burwash em Sussex, na Inglaterra, R. Kipling escreveu o conto Eles, O escritor indiano encontrava-se perdido com o seu carro em uma estrada e em busca de informações deparou-se com o sítio dos Howkin, que ficava em um morro na extremidade do distrito. Lá encontrou vários fantasmas. Uma velha cega duas crianças brincalhonas e uma gorda chamada Madehurst.
Dizem que ele escreveu essa história por ter lembrado-se do fantasma da sua filha Josephine, que falecera em 1899 e que volta e meia aparecia na sua casa. A nossa história abaixo, acontecida aqui nos Montes Claros, fui testemunha dos fatos e da via de fato e como os mesmos não tiveram explicações satisfatórias, assim como o escritor indiano os relata em crônica para a posteridade.
A coluna dos pequenos seres se formava sempre que a menina com a sua boneca de pano subiam à trilha do Morro do Jason do Caldo de Cana, na sua pequena fazendinha na Vila Oliveira, aqui nos Montes Claros até alcançar, no alto de um pequeno descampado, uma plataforma. Em 1995, entrevistei-a, juntamente com o seu pai, encarregado da fazenda e um vaqueiro cambono (médium masculino que não incorpora e exerce a função de conversar com as entidades incorporadas em outro médium presente) todos eles testemunhas dos fatos para-normais.
Ela tinha, então, seis anos, olhos grandes e brilhantes, era uma capricorniana cheinha, morena, os cabelos cortados tipo pastinha. O seu semblante irradiava; parecia um pequeno anjo do Senhor!
Ela era a figura central dos fatos extra-sensoriais, que aconteciam no morro; tinha também insights nos quais prescrevia remédios de ervas naturais, para cura de males físicos. Por uma tarde, acompanhado dos três, escutei os relatos, e percorri os locais onde ocorriam os fenômenos. O pai, buscando descobrir para onde ia à menina, passou a segui-la, e a viu subindo o morro, com a sua boneca de pano pendurada pelo braço, e os pequenos seres; todos vestidos de branco, almas de crianças (Ibejís), que iam engrossando a fila, à medida que ela subia o morro, rumo à plataforma.
Chegando ao alto, formavam roda, cantavam e dançavam, brincavam de pega, de cabra-cega, a menina e os pequenos seres vindos do mundo espiritual imediato.
Ao terminar a brincadeira, iniciavam a descida e a coluna, de maneira inversa, ia-se desfazendo. Na fazenda, havia uma construção antiga que fora usado como senzala. Local de castigos de escravos, na era dos oito. Ora servia de depósito e havia sido usada também para trabalhos de mesa branca, onde o dono da casa, médium de incorporação, assim como o encarregado, recebia as almas dos escravos mortos por lá, e que voltavam para serem doutrinados pelo vaqueiro cambono, já que pai da menina ficava incorporado.
Feita a doutrinação e a desobsessão, as almas dos escravos eram levadas para as mansões espirituais (Casas Transitórias). Todo o ambiente da fazenda emanava um ar de magia: a disposição dos acidentes geográficos, o córrego cristalino e borbulhante, com águas curativas, a plantação de cana-de-açúcar. Ao trafegar pela propriedade, tinha-se a impressão de se estar sendo observado.
Aquelas crianças que apareciam no morro eram antigos moradores do local, da época da escravidão, e que haviam sido impedidos de brincadeiras e folguedos, pelos donos da terra, e agora voltavam para brincar; acompanhando a energia da menina da boneca de pano. Esta relatava que os cânticos das crianças eram feitos em dialeto Ioruba. Voltavam para cobrar o que lhes foi negado.
Um elo transcendental com o passado distante.
No conto Eles, descrito no início da crônica, R. Kipling fez esses versos:

Vocês meninos, vocês meninas, venham brincar.
A lua brilha, que claro luar!
Larguem a ceia, larguem a cama,
Venha junto correr na grama!
Subir na escada, descer na parede-.


67994
Por Raphael Reys - 18/6/2011 15:43:53
O mundo é composto!

Homero relata que os deuses tecem desventuras para que os homens, nas gerações vindouras, tenham o que contar. Arremata o corretor Geraldo Mundial que o mundo é composto. Tem que ter de tudo um pouco.
Aqui em Montes Claros, terra do fruto amarelo e capital da recente República do Pequistão, acontecem coisas que até Deus duvida!
O grupo musical Prego de Linha, nos bons anos 70 foi animar um evento na vizinha cidade de Glaucilândia. Durante a viagem, encheram o pandú de cachaça branquinha. Chegaram ao destino campesino pela manhã, vestidos à moda hippie, recendendo a aroma de baú velho, cheios de babilaques e rumaram para uma escola pública onde solicitaram na Secretaria uma sala para a turma de bebuns dar uma morgada antes do show. Como dizia o saudoso Zé Amorim: “roncavam e babavam feito porcos”. Logo, chegaram à escola algumas professoras que desconheciam a cessão da sala para servir de dormitório aos músicos.
Ao se depararem com aquela corja de cabeludos roedores de pequi, bufando e empestilando de bodum o ar que respiravam os justos, chamaram um policial para botar ordem na casa e escorraçar aquelas figuras xexelentas e indesejáveis!
Chegou um policial militar, ajumentado no tamanho e nos gestos. Aproximou-se daquele que roncava mais alto e deu uma bicuda com o bate-bute na sola do pé do infame, totalmente entregue aos braços de Morfeu.
Como dizia Shakespeare, o pesadelo tem nove potros. O agredido abriu os olhos supondo ser aquela uma fase dantesca e onírica do sono e foi logo indagando: “Está dando um baculejo xará? Tô tendo uma visão, meu camarada!...”.
Tomando consciência de que a via de fato era real e em cores, foi logo falando em cima do pedido: “Dá uma olhada na minha brisa, cara! Vê se eu to dando alguma bobeira e saca direitinho, meu!”.
Aí o militar perguntou o que eles estavam fazendo ali deitados, esparramados de todo jeito em uma escola pública. O interpelado respondeu na bucha: “Nós estamos na maior, Ceará! Todo mundo caído de bolso!...”.
Em seguida, vendo o músico Tico Lopes deitado ao seu lado com os olhos esbugalhados de terror, falou no ato: “Veja só, cara! Quando vi esse meganha ajumentado me chutando, pensei que estava fazendo a maior viagem a Katmandú!”.
E arrematou, finalizando: “É... Parece que a morgada deu o maior bode!”.


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Por Raphael Reys - 14/6/2011 09:46:58
VENTO QUENTE

O pastel, essa guloseima fantástica, nos foi trazido a este rincão tropical pelos nossos irmãos portugueses, nos primórdios do século XVIII. Os espertos japoneses tomaram por conta à mística e se travestiram de chineses, criando, assim, um “marketing” para o produto.
Pastel tem de todo tipo, tamanho e sabor! Aqui nos Montes Claros, cidade pólo do Norte de Minas na atualidade globalizada, o mais famoso é o pastel curraleiro do Café Galo, do empresário e lobista Jadir Rodrigues.
O saudoso ex-alcáide, Marão Ribeiro era um viciado em pastel curraleiro. Quando estava no point, saboreava para mais de vinte, tomando cafezinho com leite!
A iguaria é servida com todos os tipos de recheio, tamanhos, feitos com diversas modalidades de óleos e frituras. Tem aquele grandão, especial para enganar gulosos seletivos. Esse, o “pastel 171”, só tem tamanho e nenhuma qualidade.
Na minha infância, as famílias serviam o pastelão. Assado ao forno em uma grande forma de alumínio e recheado com a mais autêntica galinha caipira. Adorávamos e comíamos de dar tristeza...
Como o matuto é tido como cabra esperto e cheio de treitas, conforme a sabedoria popular enquanto enrola o cigarro de palha, pensa em como enganar um otário boteniqueiro, no antigo Mercado Municipal, onde hoje se situa o Shopping Popular. Lá, o capiau aplicava na clientela.
Um deles, colocou um cartaz na entrada do seu bar. O reclame dizia que encontrasse recheio no pastel, ganhava um prêmio em dinheiro, na hora, de 200 duzentos cruzeiros!
Como a população dos anos 50 era ordeira, a palavra de um homem tinha o seu valor e fio de bigode servia de aval. Os inocentes, futuros logrados, faziam fila para degustar a iguaria recheada de vento quente.
O esperto comerciante, cujo nome omitirei, pois os familiares ainda vivos apresentam problemas psiquiátricos, encheu por muito tempo os bolsos de grana e a população a pança de vento quente!
Como diz o dito popular que castigo pega malandro o pasteleiro passou a encher o pandú de cachaça branquinha. E essa, não perdoa! Botou guenga por conta e passou a pagar rodadas de bebidas para amigos diletantes de copo e de cruz.
Morreu doido, bêbado, asilado, pescoço descascando e pés inchados. Sozinho em uma cama nos fundos da sua espelunca!


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Por Raphael Reys - 8/6/2011 09:19:15
A FALTA QUE NOS FAZ.

Os sabores, coisas e sons dos Montes Claros dos ainda românticos anos 50, seus caprichos e o seu comércio com atendimento próprio de compadres e comadres.
A geração moderna, comedores de carne de gado confinado encharcado de química e de petiscos industrializados não se deliciarão com o sabor da galinha caipira, na bacia de alumínio do bar do Calisto, o borbulhante guaraná Antarctica acompanhado do pastel delicioso da Leiteria Celeste, de Zé Priquitim, o café da manhã com o biscoito de farinha de Zim Bolão.
Não jantaram o Baião de Dois de Miguelzinho, na Mineira, o filé A Parmegiana do Restaurante Palhoça, a feijoada do Baiano, a carne de sol de João no Bar do Toco e nem se deliciaram com a surpresa de comer o pastel recheado de vento quente do Bar do Tiano nem saborearam a Vaca Preta com canapés de Josias Loyola, na Cristal nem comeram o PF de Leopoldo Cozinheiro.
Triste é morrer sem sentir o sabor do churrasco de Leon, o caldo de cana de Jason, a cachaça fubuia de Zé Saruê, o PF suculento de Pedro Granadeiro no mercado sem comerem como sobremesa de uma talhada de geléia do Artur. Não verá a paciência de Calisto Souza servindo cafezinho e nem verão Zezinha vendendo bilhetes, e cafezinho padrão em cima de um caixote de madeira.
Mais triste ainda é morrer sem no sábado tomarem o erótico caldo de mocotó da Natália, sem a farofa de jurubeba, de Jacinto Cozinheiro, o mexido de feijoada do Restaurante Intermezzo, também conhecido como Roupa Velha, que tinha até prego de tábua de chiqueiro misturada nos seus componentes, acrescido do torresmo crocrante de Juvenal. Deixaram de saborear a carne de sol no boteco de Pedro de Capitão Enéas, não comeram o PF da Zezé à porta do bar de Zé Saruê.
Não verá a catrumama bicicleta sueca de Adão Padeiro, entregando o pão alemão da Padaria Santo Antonio, no lusco-fusco das manhãs. Não comerá da pizza, no restaurante do Mário Torino, tomando uísque Cavalo Branco. Sem provar os roletes de cana caiana na talisca de bambu, ou pirulito de rapadura na tábua furada.
Não saberá das aventuras da Agulha do Gera, o requebro de Nilsinho, o tango da meia noite na Papillon de Afrânio, nem verá a esplendorosa beleza de Etelvina, dançando bolero na boate Maracangalha sob o prisma da luz vermelha e o efeito multicolorido das bandeirolas no teto. Não conhecerá os encantos de Kama-Sutra e as delícias de mil e uma noites, da alcova de Maria Bocaiúva e os seus olhos de mistério.
O cheiro do Rodoro de metal, no lenço nem ouvirão a voz de Dincanga embriagado cantando, Aurora de Flor nem apreciará O sex-appel de Boneca desfilando serelepe nas noites tupiniquins, a cachaça Subejo de dona Nieta, na casa Minas Gerais nem verão o seu efeito colateral fazendo Geraldo Tatu cantar o Hino Nacional de trás-prá-frente.
Uma caderneta de fiado, no Armazém Globo de Antonio Barreto e o picolé de groselha e água do Bar Sibéria. Jaú da Pensão, falando dentro dos ouvidos dos burros carregados com bruacas de rapadura e amarrados à porta do Mercado Municipal.
Não verá o seu avô amolando navalha Solinger na tira de couro e nem sentirão o perfume Nuit de Noel da sua avó, o vestido tomara-que-caia, amarrado com arame no busto, o maiô Catalina e as divinas coxas de Marta Rocha, nem ouvirá Cauby Peixoto cantando...

Conceição/ eu me lembro muito bem/ vivia no morro a sonhar/ com coisas que o morro não tem/ foi então/ que lá em cima apareceu/ alguém que lhe disse a sorrir/ que, descendo à cidade, ela iria subir/ se subiu/ ninguém sabe, ninguém viu/ pois hoje o seu nome mudou/ e estranhos caminhos trilhando/ só eu sei/ que tentando a subida desceu/ e agora daria um milhão/ para ser outra vez/ Conceição...


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Por Raphael Reys - 2/6/2011 17:16:09
Um olho fechado, outro aberto!

1957, Montes Claros aguardava ansiosa a comemoração do seu Centenário. O historiador Hermes de Paula organizava tudo, com a preciosa e decisiva ajuda do jornalista Newton Prates, pai do nosso poeta, cronista e grande amigo Felippe Prates, enquanto o alcáide Geraldo Atayde e o engenheiro Joaquim Costa tomavam as providências necessárias para deixar nossa cidade nos trinques.
Dom José Alves, o saudoso bispo, andava de lá para cá arrumando as igrejas quando recebeu a visita de Monsenhor Gustavo, a serviço. O mesmo relatou-lhe, assustadíssimo, que o forro da Matriz estava dando uns estalos gigantescos e aterradores, como se fosse desabar, fazendo gelar os corações!
Visando viabilizar a segurança do templo para as festividades próximas, o nosso bispo, em um momento de má inspiração, mandou chamar o mestre de obras Roberto Pimenta, cobra mais do que criada da Rua Melo Viana, para fazer o orçamento do conserto do teto da igreja.
Roberto se encontrava na ocasião dependurado com um papagaio enorme no banco de Seu Calixto, o Banco Comércio, já em vias de protesto. Sorrateiramente, como convinha a um mala sem alça, o citado mestre de obras, após afetada, posuda e meticulosa verificação, condenou o telhado e apresentou um orçamento bastante exagerado, visando forrar, de vez, os bolsos de grana e quitar o débito bancário.
Ato seguinte, aterrorizou o bispo com sua exagerada narrativa ficcional descrevendo um inevitável e próximo acidente com o desmoronamento do telhado, se a obra não fosse realizada com toda urgência, certo que o céu arriaria em cima das cabeças dos fieis em dia de missa com a igreja lotada! Como Kipling, narrou uma cena dantesca, cheia de dezenas de cadáveres entre os escombros! Simplesmente aterrorizante!
Chegou mesmo a prever magotes de pobres almas desencarnadas ali vagando no “post mortem” pelas escarpas dos Hades, no barco de Caronte do Rio Letes e até alguns deles, dado à vida pecaminosa, padecendo horrores na câmara de retificação da Judeca, mais conhecida como o terrível Sétimo Círculo do Érebro!
Dom José, de imediato, contratou o serviço. Ao iniciar a “necessária” e tão urgente reforma, tudo já sob controle, o empreiteiro Roberto levou em sua equipe de trabalho, alguns amigos igualmente malas, todos especialistas em aplicação de vários tipos de 171. Selecionou seis malacaus dos Morinhos: Chicão, Zé Mota, Zé Pedro, o valente Arnaldo da Hora, o ferreiro Tonicão e o farrista Aldair, esse último o único que ainda está vivo, mas já prestes a ser despachado aos zinfa...
Mantendo sua equipe cheia de goró, fartos tira-gostos de bucho e cigarros a vontade, incitava-os a subir e descer forro abaixo da igreja sempre arrastando pesos inúteis, retirando picumãs, restos de telhas, jogando-os para cima e baixo com estardalhaço, caindo mesmo sobre o altar pedaços de sarrafos, terças, caibros, pregos, caibral, etc. Ferramentas batiam no piso com grande barulho, dramatizando ainda mais o instalado clima de terror, o que era reforçado pelos gritos de ordem emitidos pelo “competente” mestre de obras, numa autêntica pantomima...
Terminada a obra, na hora do acerto, Dom José, bastante desconfiado de estar sendo vitima de um 171 urbano, quitou o pagamento do trabalho com o conteúdo de dois sacos de aniagem cheios de células mofadas, rasgadas, amareladas e remendadas com fita adesiva. Refugo de muitos anos de óbolo oferecidos por caridosos e espertos fiéis.
O empreiteiro Roberto livrou-se do pepino quitando a divida, ao forçar o banco a receber aquela bagaceira como pagamento, sob a cínica alegação de se tratar de “dinheiro bento e sagrado”!
Os bancários Bida e Luizão, coitados, emboramente inocentes nessa parada, é que ficaram com a rabuda de contar, colar e etiquetar as mal cheirosas notas...


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Por Raphael Reys - 29/5/2011 12:02:50
MONTESCLAREADAS

Nos anos 50, meninos viviam soltando arara na Praça Coronel Ribeiro, ou tomando um Guaraná Brotinho no bar de Nelson Vilas Boas. Lá, o notável professor Pedro Santana bebia a sua cerveja casco verde e falava de filosofia platônica. Sempre bem vestido, sorriso comedido, gestos largos e teatrais.
Pela rua Doutor Santos, passava os blocos de carnaval de rua com Dona Afra Bichara fantasiada de baiana, estilo Carmem Miranda. Nos salões do Clube Montes Claros, a foliona Nice David desfilava como a Rainha do carnaval de Montes Claros. Lazinho Pimenta comandava o grito carnavalesco gritando: “Evoê foliões!”.
As festas de santo e de fogueira na casa de Malaquias Pimenta eram a bossa do momento. Mesa farta e uma pinguela feita de tronco de árvore servindo como ponte para a travessia até o Roxo Verde. Meninos e meninas liam o Almanaque Biotômico Fontoura, que ganhavam na farmácia de Cica Peres.
No bar do Tiano, no Mercado Municipal, escutávamos uma vitrola RCA VICTOR tocando em um bolachão de acetato Cauby Peixoto cantando... “O amor é uma pérola rara/e tem a cor de um rubi...” Comíamos um pastel recheado só de vento quente e degustávamos o indefectível picolé gororoba de groselha (água pura!) do Bar Sibéria, enquanto Biô Mia e Carlúcio Ataíde tomavam uma cerveja casco escuro.
Afonso Salgado bebia e o seu cavalo o vigiava pela janela, Dulce Sarmento tocava elegantemente em seu piano de cauda, Bigode de Arame passava arredio rumo ao seu quarto nos fundos do Cine Coronel Ribeiro.
Maria Babona pedia esmola pelas ruas carregando um filho no colo!
Tuia, o folclórico escravo ainda vivo, era visto chupando bico no seu quarto de madeira na redação do Jornal de Montes Claros. A elegância de Benedito Gomes, João Ataíde, João Chaves e Píndaro Figueiredo vestindo ternos de linho S 120 branco. João Chaves de gravata borboleta e Píndaro com sapato bico fino duas cores, faziam sucesso.
Havia as bolachas tipo pastilha da padaria de Seu Tota, que grudavam no céu da boca, em frente ao estúdio de Godofredo Guedes. Na época, Patão era chamado Pé de Pato e Hélio Notinha já aplicava chaveta com figurinhas carimbadas.
Degustávamos os deliciosos salgados de Dona Zeny Priquitin, as caçarolas italianas de Duca e Nazaré. A laranjada queimadinha com bicarbonato ao lado da loja do russo, de Joel Stark.
As brincadeiras de Estrac Deixa, as brigas de rua com a turma de Odorico Mesquita no centro, de Zé Doido e Capa Preta na Igrejinha, Gabilera no Alto São João e Tatá Aquino na Rua Belo Horizonte. As guerras com caroço de mamona, estilingue feito de borracha de câmara de ar de bicicleta sueca.
Os roletes de cana caiana, as bicicletas novas na loja de Waldir Macedo, o álbum de fotografias com capa de madeira com a gravura de capa... Bem me quer, mal me quer...
A alegria das bolas G18 de capota e as peladas no campo de lama da rua Germano Gonçalves, briga com o time do Alto São João, Cinzano tomado escondido às margens do rio do Melo. Canivete Corneta, isqueiro Ronson, alparcatas Roda, pente Flamengo, Gumex no cabelo, corte Príncipe Danilo, óculos modelo Ronaldo, camisa Prist, botinha solado “new life” e o barulho sincronizado do motor do Simca Chambord. Um relógio Tissot Militar, meias Lupo, lança perfume Rodoro de metal, Aqua Velva no rosto, cheiro de sabonete Madeiras do Oriente. Camisas de gola buclê e banlon, garotas desfilando com modelos Bangu, picolés Esquibon da caixinha, a marchinha de carnaval... “Chiquita Bacana/lá da Martinica/se veste com uma casca de banana nanica/não usa vestido/nem mesmo calção...” E as balas de chocolate do bar de Adail Sarmento...


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Por Raphael Reys - 22/5/2011 15:30:02
O BODE DE CHICO PRETO

Desmamado em um catimbó do Maranhão, o citado caprino foi trazido como encomenda a nossa urbe, para servir aos ritos do Vodu da casa de santo do babalorixá Chico Preto.
Criado a pão de ló e com todo dengo que compete o seu “status”, tem a cama em que dorme dentro de uma camarinha. Como já participou de muitos e tantos ritos de Ebó, adquiriu a “subjugação” do ente chefe da casa.
Volta e meia e estando fora da função ritualística, apronta e faz bagunças na circunvizinhança do Bairro Doutor João Alves. Quando está na baixa veia libidinosa caprina, bota gente prá correr!
Certa feita, carente de mimos degustativos e melindres, o bode de Chico Preto, como é também chamado, foi parar em uma frutaria localizada na Ponte Preta (sob a linha férrea). Não sendo ente humano e como não carrega dinheiro de qualquer espécie, chegou na maior cara dura subiu na banca e devorou maçãs, peras e outras gostosuras.
O proprietário, sabedor das artes da além fronteira de onde o invasor é originário, tomou cuidado. Defendeu-se, colocando uma cesta de frutas em definitivo à entrada. Nela afixou uma placa: “Repasto do Zebedeu!” Ficava assim posta e em definitivo, para quando bem o aprouvesse e a sua disposição, a refeição “light” do respeitado personagem de chifres citado...
O fato mais notório, entretanto, se deu em uma boca de noite de um “Sabatto” na casa. O gongá preparado para a função, a hierarquia a postos, filhos e filhas de santo na roda quando entra um evangélico bramindo uma bíblia e ameaçando parar com tudo.
Desafiou o chefe do culto a lhe provar que aquelas almas invocadas existissem, produzindo uma manifestação. Uma via de fato!
O babalorixá exigiu respeito à casa, ao culto, ao livre arbítrio religioso, aos símbolos autorizados e registrados, o que eles representavam, aos presentes e convidados da noite.
O invasor, entretanto, estava possuído da macaca urbana, coceira no “fiofó” e não deu bola para o que disse o xerife da casa.
Mestre Chico acabou aceitando o desafio. Mandou buscar o Bode Zebedeu na camarinha e o colocou em frente ao desafiante. Ato seguinte iniciou o diálogo:
- Se o bode conversar racionalmente, o senhor se dá por satisfeito e vai embora, evitando até que eu perca a paciência e lhe dê uma vassourada na cabeça?
O enfeitado invasor, fazendo boca de muxoxo e ar de môfa replicou, em resposta: “Prá mim, está de bom tamanho!”
Ato seguinte, o caprino, atuado pela entidade do Ebó, ficou em pé sobre as patas traseiras, tomou uma postura arrogante e disse rilhando os dentes: “Se você demorar mais um minuto aqui, vou comer o seu terno engomado como sobremesa, seu palhaço enfeitado!”
O mijo quente e ácido, aliados a dejetos líquidos jorrou pernas abaixo do invasor, numa cena grotesca e laxativa!
Temido por uns, evitado por outros, quando circulava no bairro Doutor João Alves e adjacências, capitaneando e desfilando com um seleto séquito de quinze fêmeas popusudas.
Como era cabeceira e posudo “rompia na frente” do séquito, com seu grande e enrolado par de cifres. Abria caminho e provocava arrepios!
Certa feita resolveu bagunçar o coreto. Entrou em um armarinho próximo ao terminal Rodoviário e para pirraçar um comerciante, que era um tremendo chato de galocha, mastigou uma peça de roupa do mostruário.
O homem estava num dia de cão, com a bílis a flor da pele e, enfurecido, apanhou o treisoitão. Saiu porta afora e, espumando de ódio, despejou a carga de balas no famoso caprino de Ebó. Pois as seis pitombas de chumbo quente caíram sem força aos pés do bicho batizado no Vodu...
Dizem os iniciados nos ritos afro/catimbós que a grossa corda de sisal usada para amarrar o bode Zebedeu no pegí, durante os rituais, fora confeccionada nos Hades. Isso mesmo que os senhores leram: nos Hades! O artesão que a trançou é o mesmo que fez a corda que amarra o barco de Caronte às margens do Rio Letes.
Daí dá para ver que o bode não era pouca coisa!


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Por Raphael Reys - 17/5/2011 17:10:28
A Rua Melo Viana e suas atrações

O nome da rua teve origem em 1930, dado ao atentado, que teve como vítima, o então vice-presidente da República, Melo Viana, que aqui tombou baleado, batizando com sangue a via pública.
Artéria principal e símbolo do bairro Morrinhos, alma de capoeira, de samba, de malevolência, de sobrevivência e de malandragem.
O point era o bar Destak, ou bar de dona Linda, na confluência com a Rua Corrêa Machado. À sua porta reuniam-se a galera do morro, os capoeiras, os malandros e os sambistas, profissionais liberais, gente para dois dedos de prosa e mesmo a turma que rodava na pesada, tinha livre trânsito por aqui!
Considerando a via em sua extensão, de extremo a extremo, no começo, o bar de João da Hora, local de valentes. A seguir, o carteado do Hotel de Pedro Nu, o Bandeira 2, bar diuturno, escola de malandragem, quartel general de 1.7.1. Damas da noite, gente do beco e cavaleiros das sombras.
Pano verde de fichas, de tacos, de caçapas. Cobras, agás, otacílios e patos barrufados.
Transposta a via férrea, marco divisor do centro da cidade com o bairro Morrinhos, o Bardonato, com excelente tira-gosto e malandros escolados de plantão e grana emprestada a juros.
O gelado Caldo de Cana do Jason, a serraria do construtor Levi Pimenta, o salão dos Macaúbas, onde Zezinho barbeiro aprendeu a aplicar agamenon de sofredor. O café de Jorge, o taciturno, o homem que ganhou três vezes o primeiro prêmio da loteria federal e vende cafezinho requentado.
Na esquina, o bar do Amélio, onde o Negão Torresmo quebrava tudo, ele consertava, o Negão quebrava novamente. A galinha caipira no molho do bar do Cícero, o Destak de dona Linda, sede da Escola de Samba Destak. No balcão, Haroldo, Betim, e Zeca.
O gongá de dona Zefíra, suas magias e a carpintaria de seu Ernesto Zangado, sempre pronto a dar uma bengalada em quem o importunasse. Tem a sapataria e estúdio fotográfico do Var.
O salão Ruas, da família do saudoso Tone Barbeiro, a serralheria do seu Bil, o armarinho de dona Olindina com o gabinete dentário de Antonio Souza que anestesiava os pacientes com reza brava. O gongá de Belmira Rezadeira com suas benzeções e contra-mandingas e a bola de cristal de dona Lozinha.
O armarinho de dona Zó, seus parceiros de carteado e no alto da rua o cabaré de Pedrelina, os terrenos de Cizino o barraco de Manoel Quatrocentos, o homem da ferrada. A caixa dágua da cidade e a igrejinha colonial.
Resta esclarecer que as famílias tradicionais do morro, são ordeiras e estão por aqui a mais de setenta anos. A malandragem é obra dos estranhos que migraram, notadamente após o prefeito Toninho Rebello ter trazido nos anos 70, por força dos seus ofícios, as casas de tolerância do centro, para as nossas ruas.
Por aqui passaram blocos caricatos: o Feijão Maravilha, o Hong Kong do Negão Torresmo, a Escola Destak e a exótica gangue do Desaba. Assim como os freqüentadores das noites de luxúria do Cabaré de Zé Coco.
Perto, a funerária da família Beirão, quartel general da Boneca de Leonel.
Em 1970, o alcaide Toninho Rebello construiu o Mercado Municipal Sul, em 1978 o empresário Paulo Narciso instalou a Rádio São Francisco de Assis, 93 e 98 FM e logo veio a Intertv concessionária do canal 4.
O “boom” era o PF no bar do Haroldo, no Mercado Sul, o sortido do saudoso mestre Leopoldo já aos noventa anos de idade, o tira-gosto de Zeca, com o seu samba de mesa e serestas românticas. Escutar a percussão de Roy e tomar uma cachaça curraleira.
Atualmente a moderna padaria Sabor Caseiro, com um sortimento de delícias ao seu paladar, o bares de Vinin e João com a cerveja gelada nos fins de semana e o estúdio de Marquinho do Destak, sede da turma G4.


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Por Raphael Reys - 5/5/2011 18:13:17
CHAUFEUR DE PRAÇA

Em meados de 1950, falava-se em chaufeur de praça e a profissão conferia status já que o número de veículos em circulação pela urbe era reduzido, e os profissionais de praça, botavam banca!
O povo era pouco desenvolvido e andar de carro, considerada uma aventura!Daí, alguns chaufeurs se tornaram verdadeiros don Juans. O fato se dava porque toda senhora casada que queria se vingar do marido procurava um chaufeur para fazê-lo, dado à mobilidade que o veículo conferia além do natural e conveniente álibi de tratar-se de uma passageira...
Predominavam os veículos importados, verdadeiras relíquias do Romantismo. Packard, com Elpídio Dourado, Ford Sedã, com David e Mário, Oldsmobile com Geraldo Colares e Osvaldo Preto e Chevrolet, com Zé Antonio.
Um Buick, com Jaime Estopa Suja e Júlio Antonio. O Ford Cupê 46 de luxo com Leopoldo. Depois veio Gê Sanfoneiro com seu Ford Preto e a paixão por Asa Branca e Luiz Gonzaga.
Levando os nossos passageiros sempre bem vestidos para passeio, João Brejeiro com um Mercury, Leví Cheiroso com uma Sedã Chevrolet Passeio, Marquinhos, Pedro Vieira, Hélio de Rocha, Zé de Juca.
Havia também José Antonio, pai de Pedro Cantinflas, Zezinho Preto, Leví, Mário Nortista, Ferreirinha com suas cólicas de matar e Isáuro, sempre muito alegre, que colecionava quarda-chuvas achados e cantava Ave Maria.
Alguns dirigiam caminhões como o L -16, o V- 8 e o Buldog.
Logo chegou a modernidade e Mariano era instrutor de direção, profissão que exerceram por cinqüenta anos. Aí vieram os Aero Willys, as Rural Willys, Os Gálaxies, o Simca Chambords, as Pic Ups, os Dauphines, apelidados de leite Glória, pois desmanchavam sem bater... Os Gordinis, e a população já tinham acesso a financiamentos e os chaufeurs, passaram a ser chamados de motoristas de táxis.
Dentre os instrutores de direção, destacavam-se ainda Alcebíades e Moacir.
Quem conservava carro romântico era Jair Amintas e sua Baratinha Alemã, Dominguinho Braga e o Impala, Oscar Gabriel e o Cadilac Rabo de Peixe, Leví Daltro e o Sinca, Romeu e o seu Itamaraty.
Muitos outros chaufeur que não citamos, por lapso temporário de memória, ou por exigüidade de espaço, as nossas desculpas e o nosso respeito.


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Por Raphael Reys - 10/4/2011 16:25:27
SALVADOR II

Lembramo-nos, ainda, que o nosso Salvador (a grafia correta do seu nome era Yechuá), descrito na crônica postada anteriormente, era um judeu fugido da Gestapo de Hitler, aqui chegado no início da Segunda Grande Guerra, nos idos de 1939, era um mau jogador de damas e gamão. Quando perdia a partida se irritava e acabava desacatando o opositor. A galera levava isso na esportiva e jogava com ele era mesmo para irritá-lo e desafia-lo, homem frontal em tudo que fazia.
Gostava de tomar uma boa pinga da região, que servia para seus convidados acompanhados de um bom tira-gosto de berinjela assada e grão de bico. Dos hábitos adquiridos na vivência no deserto, sempre fervia a água para o chá ou café duas vezes.
Demonstrando a sua enorme resistência e força física, a fim de intimidar vizinhos inoportunos batia a cabeça no poste de iluminação, naquela época feito de madeira. Fazia isso repetidas vezes até que a lâmpada afrouxasse e caísse no chão, o que era festejado por ele e pela meninada que acompanhava a proeza.
Salvador era um alfaiate de mão cheia. Fabricava edredons, colchas, além de paletós e blazers. Costurava tudo à mão, com agulha e linha, para ele uma terapia, pois gostava de ficar a sós com seus próprios pensamentos.
Freqüentava o Bar Viena, de Willi, ponto de encontro dos estrangeiros residentes na nossa urbe. Lá, tinha uma mesa cativa que era chamada de “ONU”, local em que debatia com amigos inclusive política internacional, muitas vezes na companhia do judeu marroquino Willi, austríaco, Jonhy Koravisky, polonês, Jaroslav Rosulek, de nacionalidade russa, dentre outros.
Quando o assunto era a Segunda Grande Guerra, clamava por vingança e lamentava não ter tido a oportunidade de matar o carrasco Mengele com as suas próprias mãos, exibindo-as crispadas e trêmulas de emoção.
O advogado e escritor Leonardo Campos, neto de Sica Perez de quem Salvador era amigo íntimo, freqüentava a casa do nosso herói africano e, habitualmente, comprava os seus Lps, verdadeiros bolachões de acetato que ali eram comercializados, resultado de acertos de alugueis atrasados com alguns inquilinos de seus prédios comerciais no centro da cidade. Comerciantes que vendiam discos e costumavam saldar os débitos utilizando-os como moeda


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Por Raphael Reys - 5/4/2011 16:19:01
SALVADOR

O seu nome verdadeiro era Yoshua Rabib Perez, um judeu marroquino, vindo para o Brasil em 1939 durante a Segunda Grande Guerra, fugindo da Gestapo. Aqui chegou abarrufado de grana e se associou a outra família de semitas que tinham loja de móveis.
Foi morar na Rua Marechal Deodoro onde adquiriu um conjunto de 10 casas residenciais e uma grande propriedade urbana onde hoje está localizado o nosso Mercado Municipal e a área comercial em volta do mesmo.
Dotado de temperamento explosivo, aguerrido e sincero, logo entrou em desacordo com muitos inquilinos. Acabou fechando as casas e ocupando, pessoalmente, a primeira delas. Por toda a vida manteve fechados os imóveis.
Casou, constituiu família, desquitou, a família foi morar em Belo Horizonte e ele arranjou outra companheira. A sua moradia era simples, móveis toscos, apenas o essencial para viver. De hábitos frugais e disciplinados, habitualmente modestos.
Estatura média, caucasiano, careca, olhos esbugalhados, Salvador era ossudo e musculoso. Em Marrocos, onde nasceu e morou, foi de tudo: pastor de ovelhas, transportador de água potável pelo deserto. Dado a seu temperamento combativo, logo se alistou na Legião Estrangeira.
Personalidade explícita, não despachava para o bispo. A sua missa era de corpo presente. Falava o que tinha de falar, na bucha. Daí ser evitado pela maioria das pessoas.
Como fora criado no deserto, aprendeu com beduínos a arte de fazer chás, infusões, remédios naturais, além da aplicação de massagem e a prática de ventosas. Tratava a todos, sem custos, a quem o procurasse.
Meninos, moradores na proximidade enchiam a sua casa para assistirem à aplicação dos copos quentes no corpo dos pacientes. Era hilário. Alguns gritavam, urravam e chegavam mesmo a verter urina pernas abaixo, “sentindo” uma dor imaginária...
Mestre cuca de mão cheia e bom de anzol, era requisitado por empresários e políticos locais para tomar parte em grandes pescarias, quando, após tomar umas cervejas se emocionava e tocado pela saudade do rincão natal cantava e declamava poemas de amor ao estilo campesino.
No quintal de sua casa, havia um pomar de frutas cercado apenas de arame farpado, sempre visitado pela meninada vizinha que surrupiava o produto para deleite da pança e a alegria em ter desafiado aquele pequeno, valente e irritado gigante do deserto...
Tico Lopes, ainda infante e aproveitando as sombras da tarde, um dia lá subiu em um pé para retirar duas mexericas. Salvador já estava de campana montada para surpreender os pequenos gatunos e com uma espingarda polveira municiada de sal grosso, num tiro certeiro acertou os fundilhos do nosso homem show e mestre benzefala.
Ao ver a queda do pirralho no solo e escutar a gritaria da “vítima”, Salvador vibrou de satisfação, incitando o seu cão ao ataque:
- Acertei o F.D.P.! – Pega Tupã e acaba de matar!
Felizmente, a não ser o bom tempo em que Tico ficou sem poder sentar, não houve maiores conseqüências e nosso querido artista e “show man”, aí está vivo e fagueiro, com mais esta boa história para contar...


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Por Raphael Reys - 2/4/2011 06:55:52
MONTESCLAREADAS

Nos anos 50, meninos viviam soltando arara na Praça Coronel Ribeiro, ou tomando um Guaraná Brotinho no bar de Nelson Vilas Boas. Lá, o notável professor Pedro Santana bebia a sua cerveja casco verde e falava de filosofia platônica. Sempre bem vestido, sorriso comedido, gestos largos e teatrais.
Pela rua Doutor Santos, passava os blocos de carnaval de rua com Dona Afra Bichara fantasiada de baiana, estilo Carmem Miranda. Nos salões do Clube Montes Claros, a foliona Nice David desfilava como a Rainha do carnaval de Montes Claros. Lazinho Pimenta comandava o grito carnavalesco gritando: “Evoê foliões!”.
As festas de santo e de fogueira na casa de Malaquias Pimenta eram a bossa do momento. Mesa farta e uma pinguela feita de tronco de árvore servindo como ponte para a travessia até o Roxo Verde. Meninos e meninas liam o Almanaque Biotômico Fontoura, que ganhavam na farmácia de Cica Peres.
No bar do Tiano, no Mercado Municipal, escutávamos uma vitrola RCA VICTOR tocando em um bolachão de acetato Cauby Peixoto cantando... “O amor é uma pérola rara/e tem a cor de um rubi...” Comíamos um pastel recheado só de vento quente e degustávamos o indefectível picolé gororoba de groselha (água pura!) do Bar Sibéria, enquanto Biô Mia e Carlúcio Ataíde tomavam uma cerveja casco escuro.
Afonso Salgado bebia e o seu cavalo o vigiava pela janela, Dulce Sarmento tocava elegantemente em seu piano de cauda, Bigode de Arame passava arredio rumo ao seu quarto nos fundos do Cine Coronel Ribeiro.
Maria Babona pedia esmola pelas ruas carregando um filho no colo!
Tuia, o folclórico escravo ainda vivo, era visto chupando bico no seu quarto de madeira na redação do Jornal de Montes Claros. A elegância de Benedito Gomes, João Ataíde, João Chaves e Píndaro Figueiredo vestindo ternos de linho S 120 branco. João Chaves de gravata borboleta e Píndaro com sapato bico fino duas cores, faziam sucesso.
Havia as bolachas tipo pastilha da padaria de Seu Tota, que grudavam no céu da boca, em frente ao estúdio de Godofredo Guedes. Na época, Patão era chamado Pé de Pato e Hélio Notinha já aplicava chaveta com figurinhas carimbadas.
Degustávamos os deliciosos salgados de Dona Zeny Priquitin, as caçarolas italianas de Duca e Nazaré. A laranjada queimadinha com bicarbonato ao lado da loja do russo, de Joel Stark.
As brincadeiras de Estrac Deixa, as brigas de rua com a turma de Odorico Mesquita no centro, de Zé Doido e Capa Preta na Igrejinha, Gabilera no Alto São João e Tatá Aquino na Rua Belo Horizonte. As guerras com caroço de mamona, estilingue feito de borracha de câmara de ar de bicicleta sueca.
Os roletes de cana caiana, as bicicletas novas na loja de Waldir Macedo, o álbum de fotografias com capa de madeira com a gravura de capa... Bem me quer, mal me quer...
A alegria das bolas G18 de capota e as peladas no campo de lama da rua Germano Gonçalves, briga com o time do Alto São João, Cinzano tomado escondido às margens do rio do Melo. Canivete Corneta, isqueiro Ronson, alparcatas Roda, pente Flamengo, Gumex no cabelo, corte Príncipe Danilo, óculos modelo Ronaldo, camisa Prist, botinha solado “new life” e o barulho sincronizado do motor do Simca Chambord. Um relógio Tissot Militar, meias Lupo, lança perfume Rodoro de metal, Aqua Velva no rosto, cheiro de sabonete Madeiras do Oriente. Camisas de gola buclê e banlon, garotas desfilando com modelos Bangu, picolés Esquibon da caixinha, a marchinha de carnaval... “Chiquita Bacana/lá da Martinica/se veste com uma casca de banana nanica/não usa vestido/nem mesmo calção...” E as balas de chocolate do bar de Adail Sarmento...
São tijolinhos que construíram uma edificação de nome “saudade”!


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Por Raphael Reys - 24/3/2011 15:22:14
Outro final de tarde

Trafego "en passant" pela Avenida Sanitária e já ocorre o lusco-fusco do entardecer. A boca da noite tem uma atmosfera própria de permeio ao clima abafado que a envolve. Acontece sem um significado maior quanto ao poder dissolvente do tempo.
Pela borda da esquina próxima aparece o crepúsculo morno e sedutor como as mãos de uma mulher. Nas calçadas, estacionamentos, bares, restaurantes da moda já há uma suspeita de frenesi. Pelas ruas passam condutores apavorados, caronas tensas ora estáticas ora se balançando como o boneco João Bobo.
Janelas estão abertas ao hiper-realismo que proporciona a noite. Já circulam seres em busca de um calor e conforto etílico. Temporariamente reconfortante.
Através da transparência da porta de vidro do salão de eventos vejo os pigmentos naturais em uma tela de Márcia Prates. A arte sugere uma mística mexicana de Frida e uma eventual magia de Somoza.
Sinto olhos atentos a observar a minha frágil alma plástica através da janela dos meus olhos com olheiras. Um sorriso de um quase afeto e um instante surreal. Doris Araújo traz na cabeça uma tiara de flores artificiais e multicoloridas e canta uma rima poética.
Luis Carlos Peré com sua bolsa de “jaberrou” e o boa praça Reinine Canela, assinam a noite com um sorriso de bem com a vida. Teo Azevedo musica e metrifica os poemas esquecidos do bardo João Chaves: Moreninha, Triste Recordação e Divino Mestre.
O sax Stein de Armando Cabeceira Marden Barros, chora lágrimas de metal e deixa ver e ouvir “Stella by star ligth”. Coloca a minha pobre alma plástica a navegar em blues...
Tininho Silva de cachecol e chapéu malandro com seu sorriso mafioso escuta Astrud Gilberto cantar Doralice em um bolachão de acetato 38 rpms, sob o solo do saxofone de Stan Gets.
Pela avenida, ganidos de freios, reclames de camelôs e buzinas estridentes se misturam aos sorrisos afrescalhados e gestos leves de duas bibas que fazem trotoir na via quase expressa. Meus olhos acompanham o gingado de um bumbum que passa saracoteando sob a amplidão das estrelas.
A noite tem mil olhos e as paredes mil ouvidos e o côncavo insiste em buscar o convexo!


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Por Raphael Reys - 16/3/2011 16:00:13
Rio Serraria

Transcorria o abastado ano de 1968 e no bairro São José onde morávamos vadiávamos em turmas de adolescentes em incomensuráveis festas as quais eram realizadas na maioria das vezes na laje da casa de Durval Durães e Margarida Barbosa. Os piqueniques nos fins de semana aconteciam em nossa fazenda no Rio de Peixe, às margens do São Lamberto.
As caçadas e pescarias que fizeram história eram sempre nos fins de semana e feriados prolongados tendo como palco a fazenda de Tião Souto e Onofre Espírito Santo, no município de Jaiba.
Íamos os casais de namorados e éramos recebidos por Onofre, nosso vizinho de bairro aqui nos Montes Claros e companheiro de trecho, aventuras e dois dedos de prosa à beira das fogueiras.
Tempos de fartura, de Jovem Guarda, de Beatles.
As armas e a tralha de pescaria eram transportadas na caminhonete de Waltim Coutinho, um cabeceira sempre à frente nas aventuras. Companheiro de toda hora, Walter estava presente e a disposição para o que desse e viesse.
Na viagem, passávamos pela fazenda de Mário do Umbigo, irmão do prefeito de São João da Ponte, onde curtíamos o dia com mesa farta boas cachaças, muita conversa jogada fora e exercício de tiro ao alvo com revólveres, atividade que o Mário adorava! Hoje o local é o povoado de Marilândia, em sua homenagem.
À porta da fazenda de Tião Souto, duas lagoas garantiam a fartura com marrecos, ariris e patos em abundância. Muita mata fechada, pastagem de colonião para o gado de corte, um calor sufocante que propiciava até gestação de mula.
O Rio Serraria é formado de três cursos secundários de águas e estando no alto do morro, dava para vislumbrar as margens do velho Chico, ao longe.
Rio de águas fortes com corredeiras, pescaria difícil usando redes e melhor ainda com o uso do anzol com caçote para apanha dos dourados nas corredeiras. Grande quantidade de cobras venenosas descendo o rio fazia com que se tivesse um atirador de plantão posicionado em uma elevação. Uma cartucheira Boito 16 mocha sempre pronta para o disparo certeiro de Onofre, exímio atirador.
Certa tarde, um fazendeiro vizinho mandou uma encomenda solicitando o abate de uma vaca. Queria o fígado inteiro e uma banda da criação, pois estava para receber a sua família que residia em Belo Horizonte naquele feriado longo.
O fígado e a banda dianteira foram postos em sacos de estopa e amarrados na garupa de um cavalo. O vaqueiro encarregado da entrega refugou a viagem já na boca da noite, alegando o perigo de se deparar com uma onça na campana, mas acabou indo, pois não havia outro peão disponível no momento.
Não deu outra! Em certo trecho beirando a cerca, com precaução, a pintada deu o pulo e arrancou os sacos com a carne, deixando o traseiro da montaria rasgado pelo sulco das suas garras afiadas.
O vaqueiro conhecedor do terreno saltou da montaria, pulou a cerca sob a luz da lua e se refugiou em uma pequena ilha, no centro do rio.
Tarde da noite saímos montados a cavalo com uma patrulha organizada. Pela manhã o localizamos e o avistamos todo enregelado nas folhagens da pequena ilha. Deu trabalho para tirá-lo de lá. O homem estava em pânico e recusava-se a dispensar a segurança do local.


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Por Raphael Reys - 10/3/2011 14:33:02
O mundo é composto!

Homero relata que os deuses tecem desventuras para que os homens, nas gerações vindouras, tenham o que contar. Arremata o corretor Geraldo Mundial que o mundo é composto. Tem que ter de tudo um pouco.
Aqui em Montes Claros, terra do fruto amarelo e capital da recente República do Pequistão, acontecem coisas que até Deus duvida!
O grupo musical Prego de Linha, nos bons anos 70 foi animar um evento na vizinha cidade de Glaucilândia. Durante a viagem, encheram o pandú de cachaça branquinha. Chegaram ao destino campesino pela manhã, vestidos à moda hippie, recendendo a aroma de baú velho, cheios de babilaques e rumaram para uma escola pública onde solicitaram na Secretaria uma sala para a turma de bebuns dar uma morgada antes do show. Como dizia o saudoso Zé Amorim: “roncavam e babavam feito porcos”. Logo, chegaram à escola algumas professoras que desconheciam a cessão da sala para servir de dormitório aos músicos.
Ao se depararem com aquela corja de cabeludos roedores de pequi, bufando e empestilando de bodum o ar que respiravam os justos, chamaram um policial para botar ordem na casa e escorraçar aquelas figuras xexelentas e indesejáveis!
Chegou um policial militar, ajumentado no tamanho e nos gestos. Aproximou-se daquele que roncava mais alto e deu uma bicuda com o bate-bute na sola do pé do infame, totalmente entregue aos braços de Morfeu.
Como dizia Shakespeare, o pesadelo tem nove potros. O agredido abriu os olhos supondo ser aquela uma fase dantesca e onírica do sono e foi logo indagando: “Está dando um baculejo xará? Tô tendo uma visão, meu camarada!...”.
Tomando consciência de que a via de fato era real e em cores, foi logo falando em cima do pedido: “Dá uma olhada na minha brisa, cara! Vê se eu to dando alguma bobeira e saca direitinho, meu!”.
Aí o militar perguntou o que eles estavam fazendo ali deitados, esparramados de todo jeito em uma escola pública. O interpelado respondeu na bucha: “Nós estamos na maior, Ceará! Todo mundo caído de bolso!...”.
Em seguida, vendo o músico Tico Lopes deitado ao seu lado com os olhos esbugalhados de terror, falou no ato: “Veja só, cara! Quando vi esse meganha ajumentado me chutando, pensei que estava fazendo a maior viagem a Katmandú!”.
E arrematou, finalizando: “É... Parece que a morgada deu o maior bode!”.


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Por Raphael Reys - 8/2/2011 07:51:44
NO QUINTAL!

Lá pelo meio dos anos 80, Ricardo Popó assumiu a direção do Restaurante Quintal, sucedendo ao restauranteur Ênio.
Uma nova fase no etílico espaço diuturno de Moc City. Com o novo dono, veio junto às armas e bagagens a cachorrinha Pretinha, guardiã do pedaço. Mostrando serviço, ela não deixava estranhos adentrarem no recinto.
Nessa fase da noite montes-clarense é que começou a formação das chamadas mesas de diretoria, que agrupavam turmas de amigos. Costume que se estendeu até os dias atuais. Outra moda da época eram as chamadas listas dos ônibus dos chatos de galocha, uma invenção do saudoso Afonsinho.
Nelas, os nomes dos freqüentadores da casa, em uma projetada viagem, dispunham apenasmente de passagem de ida. O destino e parada final, sempre era tenebroso: Biafra, Guiné Bissau, interior do Piauí ou a cidade de Andirobal dos Crentes, no Maranhão. Chegavam ao requinte de colar foto dos participantes em uma maquete!
Dentre muitas mesas de diretoria, havia a de Marão, nosso querido prefeito. Nela, figuravam Odorico Mesquita, Cláudio Athayde, Cabeludo, Antonio Abreu, Geraldo Renã, Vicente Pãozim, Waltin, Pancho, Tico Lopes e muitos outros.
Da fáuna que circulava entre as mesas, tinha um jornaleiro mudo e Maçarico Santiago, vendendo suas rifas ilustradas e bilhetes de loteria.
O notável esculápio, poeta e escritor João Vale Maurício, um freqüentador, lá tomava o seu uisquinho. “Enxaguava o peritônio” e, relaxado, dizia: “Mais tô numa tranqüilidade!...”
Como os tempos ainda eram românticos, um final de tarde adentrou ao recinto um estranho. Pediu licença para subir no pé de carambola. Arrancou dois frutos maduros, sentou-se à sombra da árvore e os degustou chorando.
Indagado pelos presentes sobre o motivo daquelas lágrimas, relatou que ali, naquele local e em outros tempos, ocorreu o primeiro encontro com a sua mulher amada. E justo ali, naquela mesa, comeram carambolas e juraram amor eterno!...
Veio a mão do destino e a musa o abandonou ao Deus dará! Aquele momento de recordação era muito importante para ele...


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Por Raphael Reys - 2/2/2011 09:50:40
MONTESCLAREADAS

Nos bons 1960 vivíamos na larga e ainda não tínhamos a dita dura a endurecer nossas vidas. Leonel Beirão, empresário no ramo de funerária e reclames, cabo eleitoral e lobista político do PSD, a agitar pela cidade, notadamente onde houvesse aglomeração falando de política. Seu universo!
Ai, ele encontrava repasto grosso, entrava na briga por votos para o seu candidato e quase sempre o embate terminava em ameaças ou em via de fato. Acontece que Leonel não despachava para o bispo. A sua missa era de corpo presente!
Cabo eleitoral era propagandista dos reclames com sua famosa Boneca de Leonel. Era também garoto propaganda de uma cervejaria que promovia a venda de casco verde. Convidava os populares a beber de graça com ele e o botequineiro recebia de paga do fabricante duas garrafas por cada garrafa consumida na mesa, ou no balcão do estabelecimento.
Quando embriagado, falava aos gritos e chamava a atenção de todos pela sua boca porca. Como a sua funerária atendia a todos os convênios em voga, muita gente morria de inveja em vê-lo com os bolsos cheios de grana. Resultado do seu trabalho honesto!
Os invejosos e inimigos políticos, conhecedores do seu estopim curto e temperamento irritadiço, para aporrinhá-lo aplicavam trotes telefônicos às altas horas da noite, o acordando e o açulando, ao descobrir o mico.
Ligavam e quando ele atendia perguntavam: defunto sente frio? A resposta era sempre um impropério, seguido de um repertorio de palavras não publicáveis. Doutas feitas, perguntavam: defunto na janela molha a rua? Ai, ele dizia o que o defunto molhava na mãe do interlocutor...
Numa noite, o cão estava solto e após uns dez trotes Leonel atendeu a mais um telefonema e já enraivecido respondeu: é do Corpo de Bombeiros! Um instante de silêncio, e do outro lado, em espirais metálicas: aqui é que é do corpo de bombeiro! Quem fala aqui é o Tenente Felix! Deu qüiproquó com as resposta de Leonel.
Logo Leonel nomeou Dim Lampião para atender à noite evitando o estresse e a insônia provocados pelo desgaste dos trotes. Houve um telefonema a meia noite e Dim negociava um caixão de luxo com um suposto comprador que a pedido do mesmo, acordou Leonel para dar o desconto final. Do outro lado do fio a voz aplicou um trote.
Leonel arrebentou o telefone e foi para a cama já com insônia. Na manhã seguinte, ao abrir as portas da funerária, uma senhora do povo o esperava e foi logo falando: Vim aqui pedir um enterro de graça, para um menino de uma vizinha que não tem condições de custear as despesas.
Leonel, coçando a cabeça respondeu: na hora de fazer o menino vocês não me chamam. Na hora que morre é Leonel que enterra de graça!


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Por Raphael Reys - 26/1/2011 15:31:47
Apenas um final de tarde

Num final de tarde, circulo como um cronista voyeur pelos fundos da Cooperativa e vejo sentado num banquinho no janelão do Bar Sibéria o boa Praça João José, tomando uma gelada e degustando como tira-gosto um morango curtido na cachaça branquinha. O agrônomo Reinaldinho, que é dos Viriato e o arquiteto Cascão, que é dos Mota, comem espetinhos feitos no capricho.
Mais adiante, Arnaldo Brant, sério como sempre, fala de gado nelore e Wanderley Lopes conta o causo de João de Quirino, quando encontra Sinval Amorim depois de longo tempo sem se verem: “Uai compadre! Pensei que ocê já tinha queimado o fuzil...”
Wilsinho, sentado à porta do hotel, dialoga com o pecuarista Manoel do Bandeira 2. Gesticula, rilha os dentes e fala mal do atual sistema político. Uma discussão sem fim e tudo fica como dantes no quartel de Abrantes...
O empresário “cash and hand” Antonio Barreto, passa miudinho, no alto dos seus noventa anos, dirigindo um carro zero sem placas. Onofre Burarama trafega sempre com seu sorriso conciliador e de paz. Gerinha Português, uma lenda viva, vocifera impropérios, fala de Schmidt and Wesson e de bala dundum.
Mostra o seu braço costurado como uma colcha de retalhos e o tórax, cheio de pitombadas. Lincão Mesquita, quase não circula mais pela city. Deixou a barba (já grisalha) crescer ao estilo profeta do milênio e agora navega no Facebook escrevendo reflexões e saudades.
Patrícia de Paula, morando nas Alterosas com os seus olhos lindos e de puro encantamento, agradece o abraço que mandei. Geraldim Alcântara (completadas 73 bem vividas primaveras), cabelo pintado na cor prata, avisa que às 7 horas da noite já estará dormindo. Gosta da companhia de Morfeu, o deus do sono e dos cansados.
Voltou dos States trazendo uma câmara digital para Arnaldo Maravilha e ainda toma café com beiju e pita um cigarro de palha industrializado.
Chico Lopes, o conhecido cirurgião plástico, cheio de energias, fala das suas esculturas em cerâmica e apresenta uma tela em art naife com um gato estilizado. Aroldo Pereira, calvo como um personagem mágico de uma história infantil, circula apressado preparando o seu Psiu Poético.
Luiz Carlos Novaes, o Peré, recém chegado das férias, um pouco mais gordo e todo queimado de praia, mantêm o sorriso e já toma uma branquinha de leve.
Jerry Alfaiate continua se recuperando em casa e o tititi da galeria esquenta com Zezão Relojoeiro e Juninho de Salvador (esse é dose)
(Têm o sorriso torto de gato que comeu o canário do vizinho). Zé Mariani (já recebida a herança tão esperada) circula com os seus olhos esbugalhados procurando alguém, como agulha em palheiro, para conversar miolo de pote.
Zizi Rocha anda pelo Quarteirão do Povo com o manequim em postura dextro-convexa, lançando interjeições com a sua voz taquara rachada. Zé Romualdo, vestindo uma boa camisa de seda, passa com os seus 85 anos e é só alegria de viver.


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Por Raphael Reys - 25/1/2011 13:18:18
MARIANA

Somente agora, neste janeiro quase imprevisível de sol claro e águas esparsas é que fiquei conhecendo, bem de perto, os doces olhos de Mariana! Ela bem poderia se chamar Maria Clara, em contraposição à sua irmã Ana Clara, mas ficou bem assim como Maria Ana...
Rostinho redondo de lua, bem parecida com o pai, Tico Lopes.
Mediana, alva, cabelos negros azeviche, olhar atento e contemplativo, tem uma voz agradável, levemente rouca, sonora, quase introspectiva.
A vibração da sua fala se estende e penetra nos nossos corações. Veterinária por formação profissional é militante protetora dos animais. Lida com um abrigo para os nossos irmãos cães e gatos e para não dizer que não falei de flores... Mariana é devota do “povorelo” Francisco de Assis.
Assim, poderia ter o nome de Maria Clara, homenageando Santa Clara, irmã de Francisco, o santo protetor dos animais.
Vim conhecê-la melhor pela rede facebook, onde fala de emoções e dos nossos irmãos cães e gatos... Propõe, mesmo, junções de amor entre estes seres.
No pé esquerdo, mostra orgulhosa uma tatuagem de três estrelas com as leras MEL, como se fora uma retribuição de tanto amor que recebe. Dorme com Mel enrolada na sua perna, por cima da tatuagem com seu nome.
Levei Mariana para conhecer os ritos iniciáticos no Vale do Amanhecer, sob as bênçãos de Francisco de Assis o “Povorelo”. Sem o querer, agora ela é prata da casa.
Ao chegar ao templo, foi recebida pela energia da lua cheia, manipulada no ritual de Alabá. Ficou tonta ao sentir tanto alento e ver pela primeira vez as Ninfas missionárias Ciganas e Nitiamas com suas indumentárias multicoloridas.
Pensou se tratar de ternos de catopés e acabou recebendo as bênçãos do povo oriental. Lá, reviu vários amigos e fez novas amizades. Assustada, não bebeu das águas da cachoeira de Iemanjá.
À benção Mariana, filha de meu amigo Tico Lopes, Maria Ana, tão clara como Clara de Jesus.



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Por Raphael Reys - 21/1/2011 05:58:36
PELO TELEFONE!

Com o advento da famigerada repressão de 1964, vários cidadãos montes-clarenses, embora inocentes, foram denunciados por dedos duros locais. Uma parte se refugiou em locais distantes e não sabidos. Dentre eles, o notável comerciante Rui Pinto.
Na toca da Quinta Coluna e saudoso do arroz com pequi, cachaça Viriatinha e dos amigos de copo e de cruz, deu um interurbano para o Bar do Zimbolão, point no centro comercial, pedindo notícias. Vai aí o diálogo esclarecedor:
- Alô! É o Zim Bolão? – Sim! – Quem fala aqui é o Rui Pinto. Fale baixo aí viu! – Certo! Pensei que você tinha morrido caro amigo! – Não, tô vivo! Como vão todos por aí? E a turma? - Tá tudo sem novidades. Mas, onde é que você está mesmo? Rui, desligando o telefone: – Sai fora!!!!
Belém, garçom do restaurante Intermezzo, atende ao telefone:
- Restaurante Intermezzo! – Bom-dia, senhor! – Aqui é da Fábrica de Cimento! Bené, respondendo sem entender: – Aqui é do Intremezzo, mesmo!... E desligou. Era a secretária da empresa, objetivando contratar, para o staff, um almoço comemorativo do aumento de produção da indústria cimenteira.
O empresário e deputado estadual Lezinho Lafetá, atendendo ao telefone à entrada do seu Cine Teatro Fátima: – Alô! Donde fala? – É do Cine Fátima! - Quem ta falando? – É Lezinho. – Qual o filme de hoje, seu Lezinho? – É A Ponte do Rio Que Cai!...
Doutra feita, no dia da inauguração do seu cinema, lia num cartaz exposto à entrada do salão o nome do filme e o nome da companhia produtora do mesmo, à medida que informava aos espectadores que telefonavam: - Alô. É do Cine Fátima. Quem fala é Lezinho! – Qual o nome do filme de hoje, seu Lezinho? – O Cristo de Bronze! – E é bom mesmo? – É bom, demais! É da Vinte Têagá Centúri Fê Ó Xis!...
Sabedor de que o empresário do ramo de funerária, Leonel Beirão de Jesus, era irritadiço e tinha o estopim curto, a galera batia um fio: – Alo! – É da Funerária Leonel Beirão? – É! – Quem fala? – É Leonel! - Me diga, seu Leonel: defunto sente frio? – Quem sente frio é a P.Q.P. seu F.D.P!
Filomeno Bida, saudoso corretor de imóveis, que havia viajado até de disco voador, passando pelo Quarteirão do Povo, atende um telefone-orelhão que chama insistentemente. Era uma pessoa de São Paulo, que ligava aleatoriamente, buscando contatar o próprio Filomeno Bida para negócios.
- Alô! – Esse telefone é no centro de Montes Claros? – É! – Aqui é de São Paulo. Estou precisando urgente entrar em contato com um corretor de imóveis conhecido como Filomeno Bida. O Senhor o conhece? – Está falando com o próprio!


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Por Raphael Reys - 15/1/2011 05:35:02
MOMENTOS CAMPESINOS

Os fazendeiros, coronéis e manda-chuvas do Brejo das Almas, vez por outra promoviam uma festança para a população.
O ponto alto do evento popular era a uma missa celebrada pelo Padre Augusto. Gente local em uma grande fila com mães e rebentos para receberem o sacramento do batismo. Os coronéis e fazendeiros quase sempre eram os padrinhos. Muitos dos quais o próprio e omisso pai da criança a ser ungida...
Chegou a vez de certa menino e o pároco que checava a lista e fazia a chamada para a pia bastimal, perguntou: Qual o nome do moleque? – Fulano! – E o nome do pai ? A mãe vacilou, pois o gerador legítimo era o padrinho que se encontrava ao lado.
O sacerdote irritado com a demora da resposta açula a mãe: “Qual é o nome do pai do menino?” O fazendeiro/pai/enrustido, que atento assistia ao diálogo apertou o braço do oficiante e rilhou entre dentes: A sua missão é batizar e não ficar perguntando coisas indiscretas! – Batiza logo, siô!
O seguinte da fila era um menino de cor. Racista e estando irritado com a interferência do coronel, o padre perguntou à mãe: Qual é o nome do negrinho? – Primo! - Qual é... Nome de negro é Ambrósio! Em seguida, anotou no batistério: Ambrósio.
O menino, personagem do primeiro batizado ficou conhecido como Antonio Branquinho. Já adulto e dono de terras, consta que foi pressionado por conhecido fazendeiro e grileiro de propriedades rurais. Num bate boca acirrado com o invasor, partiram para a via de fato e Antonio lhe meteu uma cadeirada.
Dizem os comentários à boca pequena, que o nosso Antonio, em razão do acontecido, foi vítima de uma emboscada, tendo sido assassinado pelo pistoleiro Chico de Bela.
Já o Zé Braga, sacristão de Aparecida e estando a igreja abandonada após quatro anos de inatividade, organizou uma festa religiosa com celebração de missa. Ao acender as velas do altar, o calor gerado pôs para correr os escorpiões que infestavam a madeira oca e um bitelo lacrau, fugindo do calor, subiu pela sacristia. Assustado, Padre Gangana gritou: Mata o bicho, Zé! Supondo tratar-se do habitual, na hora Zé apanhou o cálice de vinho da sacristia e entornou...
Douta feita, o dito sacerdote não compareceu para celebrar uma missa encomendada por Capitão Enéas. Padre Silvério o substituiu. O capitão mandou assar uma pequena leitoa para presentear o zangado Gangana.
Visando a entrega do petisco suíno, o Capitão chamou Zé da Serra, sapateiro por disfarce e pistoleiro por direito e que se encontrava mais próximo. Vai aí o diálogo dos dois: Zé, você conhece o Padre Gangana? – Não, mas já tô com raiva dele!


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Por Raphael Reys - 10/1/2011 07:12:46
ROQUE BRAVO

Roque tinha a aparência de um guerreiro mongol, corpulento, barriga grande e dura, bigode assustador ao estilo mexicano, braços grossos, e andava e gingava como um lutador de sumô. A sua cara fechada impunha respeito. Dava medo à primeira vista.
Trabalhava na expedição da Fábrica de Cimento, onde circulava impune, sem ser cobrado. Na fila marcando o ponto, passava sozinho, ninguém ousava esbarrar no gigante. Dele contavam-se histórias de valentia e brabeza, de coragem suposta.
Citava-se ter ele em certa ocasião, amarrado a sua família na cerca de arame que circundava o seu barracão, tendo ainda os espancado, a golpes de pirata.
Um exercício de sobrevivência de um bruto, que com isto mantinha os seus vizinhos afastados, todos o temiam.
No pátio da expedição, só fazia o que queria; dormia após o almoço sem ser incomodado pelos chatos de plantão: Entretanto, a carreira do cavalo é curta! João Bosco o escolheu para ser o primeiro carregador de vagões no pátio de manobras e embarque, recém-inaugurado.
Treinaram bastante o movimento de apanha dos sacos na esteira rolante e o empilhamento dos mesmos nos vagões, que à tarde, esquentavam a mais de quarenta graus. Só foram escolhidos os fisicamente fortes. O serviço exigia.
Roque, entretanto, era um frouxo disfarçado! Aquela cara era para afastar os possíveis agressores, pois o homem era um frouxo que havia construído uma torre de marfim, em que se escondia de possíveis e imagináveis situações embaraçosas. Ao ser convocado, sentiu o drama e tentou sair fora, mas não conseguiu. Havia sido escolhido para servir de exemplo para a peãozada. A sua sorte estava lançada.
Nos primeiros vinte minutos de ensaio carregando sacos de cimento saídos da bica ainda quente a quarenta e cinco graus ambiente, Roque ficou tonto em vez de voltar após o empilhamento saiu pela porta lateral do vagão, que era usada para ventilação tombando, a grande altura no vazio e no pátio o seu corpanzil. Arrebentou-se todo. O homem não era nada do que se mostrava!
Desmoralizada a aura de valente, no dia seguinte, ao entrar na fila para marcar o ponto, o Willian da cantina, que vinha logo atrás, passou a mão no traseiro do Roque e ele, para surpresa de todos, que aguardavam uma reação violenta, disse: queta com isso moço! - deixa de passar a mão no meu traseiro - não brinca que eu não gosto!
Estava destruída a torre de marfim! Daí para frente à gozação foi tanta que não respeitavam nem mesmo a sua marmita de comida. O Roque não teve saída! Pediu demissão e se mandou da cidade.


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Por Raphael Reys - 3/1/2011 14:50:23
A VERVE DO ZÉ AMORIM

1970. Um bando de meninos pestinhas dos pés rachados, oriundos da favela que se formava nas olarias do bairro Interlagos, praticava danações nas imediações do trevo da Cowan. Dentre as traquinagens prediletas estava a de quebrar o vidro do medidor de energia da Cerâmica Cowan.
Zé Amorim, então diretor comercial da empresa, irritado com o constante repeteco do fato, quebra, conserta, quebra, conserta, desabafou com Diu Colares: “Se eu pegar um menino desses, vou cortar de gilete e botar de molho na água com sal!” Pura valentia inofensiva de um ótimo coração...
Quando era proprietário do restaurante Espeto de Ouro, Zé observava o notívago Daço Cabeludo saborear uma lauta refeição. Terminado o repasto, Zé chama o garçom Belém e solicita limpar a mesa. Logo ao verificar que não haviam sido deixadas sobras de comida, rilha os dentes, dizendo: “O fdp não deixou nada nem para o risoto”!...
Até o início dos anos 60, o nosso herói não conhecia nenhuma estrada asfaltada. Viajando com o empresário Moacir para Salvador e já próximo à capital baiana, se deparou com uma pista pavimentada. Zé pediu parada, desceu, agachou, tateou com a mão a “beira” do capeamento asfáltico e disse jocoso: “Êita fita isolante de primeira!...”.
Nos idos dos anos 70, o agrimensor Paulo Moreno estava por cima da carne seca e guardava dinheiro na gaveta do seu escritório. Sabedor do fato, o Zé foi acompanhado de Quintiliano Maia para verificarem a veracidade da informação. Lá chegando, sacaram os pacurús de notas enquanto ouvia o Paulo relatar o seu sucesso profissional e uma projetada viagem de férias ao exterior.
Para homenagear as “presenças”, o agrimensor pediu à sua secretária que servisse café capuchino aos visitantes. Aí, o Zé Amorim chamou Quintiliano à parte e falou a baixa voz: “Quem diria hein Maia! Um fdp desses, um “medidozinho de lotes” botando banca de rico!...”.
Internado para uma cirurgia no Hospital Santa Terezinha e já estando devidamente raspado e higienizado para o ato, recebe a visita de Iô Higino. À sua maneira particular, teatral e tragicômica, o nosso Amorim faz uma descrição da sua impressão a se ver nu, em pé e todo depilado na genitália: “Fiquei parecendo uma garrafa em pé”!
Recém casados, dois pombinhos tomavam sorvete na Cristal. Ao ver a cena romântica o Zé os abraçou por trás e falou no ouvido do marido: “Se você falhar, nego veio, eu mando te castrar!”.
Convidado para passar o fim de semana em uma mansão do megaempresário Walduck Wanderley, Zé, sentado confortavelmente em uma sala, observava pelo janelão de vidro várias modelos contratadas que se divertiam nuas na piscina. Walduck chega à porta e fala: “Vamos almoçar Zé!” – “Agora não, chefe! Só daqui a pouco, pois na situação que eu estou não dá para descruzar as pernas!...


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Por Raphael Reys - 31/12/2010 13:35:03
O NARIZ DE MADEIRA

Dentre as inúmeras serventias do nariz, uma delas está a de cheirar o fruto do cerrado, o pequi. Aqui em Montes Claros, certamente o lugar onde o notório nasal se faz mais atuante. A nossa marca registrada, a boçalidade campesina, nos induz a viver na lei do simulacro.
Na porta do extinto Bar do Edson Barrão, no centro comercial da cidade tinha rico que dizia criar 5000 cabeças de gado, entretanto, não tinha grana para pagar a conta do açougue na esquina de sua casa e nem o cafezinho que bebia no balcão do bar.
Outro bazofista desfilava com calça de veludo, botas Agabê cano longo, chapéu de massa aba larga, canivete na cintura, talões de cheques (sem fundos, ou sem folhas) sobressaindo no bolso da camisa e, vez em quando sumia do mapa! Internava-se em hospital psiquiátrico na grande BH. Endoidava por não ter como pagar o que consumia.
A o caso famoso de um notório tocador de saxofone, que em 1962, partiu de mudança definitiva para o USA, onde participaria do circuito internacional do jazz, Saint Luiz, Nova Orleans. Foi tocar com Gato Barbiere, a bossa nova de Stan Gaets, e para acompanhar Ray Charles, na montagem de Eleanor Rigby.
Pensávamos nele a navegar in blues ao longo das margens do Rio Mississipi.
Mandava notícias de supostos festivais na Europa, consertos do seu Jazz-band na animada Chicago. Na verdade a quarenta e quatro anos tocou como músico de intervalo em botecos, restaurantes, e quebradas noturnas da grande BH. Donde nunca saiu mais gordo! Deixou a nossa usina de sonhos, a fabricar e ver navios!
Casais programavam e projetavam a vista de todos, e em lugares da moda, férias na Europa, e passavam em fazendas de conhecidos ainda no Norte de Minas. Voltavam queimados do sol tropical de um país grande e doido, e falavam nas praias da Grécia, quando estavam na roça em Miralta, na Ermidinha...
Relatavam terem estado na bucólica Jerez de La Frontera, na Espanha. Na verdade, trocavam Paris por Patís, Londres por Lontra, Japão por Japonvar.
Estes hábitos de falsos coloridos pavônicos ainda imperam na nossa city curraleira, Capital Internacional do Pequi. A maioria aqui vive de roupagens fabricadas para vestir o ego. Sofismo e prática da erística (A arte de vestir e conduzir inverdades).
Alguns dizem ter mudado para BH, onde compraram a vista um grande e luxuoso dúplex (que se encontra sempre em reforma) em bairro nobre. Outro dia descobriu-se um desses por uma manobra do acaso. Localizado com a família no final do Bairro Céu Azul, morando em barracão de fundos, onde ensina violão para suburbanos. Quando estão por aqui, vestindo ainda as roupas que guardaram dos tempos das vacas gordas, deitam falação de dinheiro e mais dinheiro.
Quando estão de passagem e perguntados onde estão os seus veículos importados, respondem que os deixaram na revisão nas concessionárias especializadas em Curvelo.
São os Narizes de Madeira dos Montes Claros! De férias, para votarem, festas de Agosto, rapidamente acompanhando algum velório familiar; cressem o nariz de madeira e contam vantagens extraídas de suas imaginações. (saíram do mato, mas o mato ainda não saiu deles). Como a maioria hoje em dia vive de simulação, há uma tolerância recíproca entre os que praticam o exercício de alongar o nariz, e os que estão aprendendo ou se adequando à arte.
Alguns são tão bons, que tomam até dinheiro emprestado em agências de bancos locais, e os coitados dos avalistas pagam à conta nas ultimas, com terra desvalorizada, as quais foram recebidas como herança. Quase sempre produtos de espúrio.
Viva a curraleiragem!


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Por Raphael Reys - 26/12/2010 09:19:08
A ARTÉRIA

Nos anos 50, Montes Claros era uma mistura de romantismo da roça, personagens do coronelismo, política de currais, medo, preconceito e subserviência religiosa. A Rua Doutor Santos, o centro nervoso da área comercial, destacava-se como a principal via de circulação da cidade, por aonde todos iam e vinham.
Pavimentada em parte com paralelepípedos, que permitiam o estrepitar dos cascos das cavalgaduras rumo ao Mercado Central, por ela trafegavam deselegantes Ford Bigode e suas buzinas fon-fon, Virgínio Preto montado em algum alazão, Neco Santa Maria e os seus óculos modelo Ronaldo, João Athayde, sempre apressado, elegantemente vestido com terno de linho branco S-120, Deba de Freitas, destemido e temido coronel político, dono de muitas terras e currais. Muitas pessoas, ao vê-lo na rua, por respeito e temor mudavam de passeio. A qualquer hora, não se sabe vindo de onde, podia irromper um tiroteio entre componentes de partidos rivais ou pistoleiros a serviço dos mesmos.
Vei da Lilí e Ezupero ferrador, o famoso Bigode de Arame, eram os representantes da fauna campesina, quando as crianças ainda beijavam a mão dos coronéis em sinal de respeito!
Pela via circulava o hoteleiro Juca de Chichico, com panca de artista de Roliude, alegre, brincalhão. A garotada, ao vê-lo, gritava: “como vai, seu Juca!” Com gestos engraçados, ele respondia: “que aperta e não machuca!” Também Manoel Quatrocentos, com sua caminhada curta, gestos rápidos, raciocínio preciso, sempre vestindo roupas de muitas cores, meninos com suspensórios e meninas de boina nas suas bicicletas suecas.
Quando chovia, caminhões atolavam no lamaçal da Praça Coronel Ribeiro, um pouco acima. Aos domingos, desfilavam elegantes senhoras com xale preto no ombro, portando terços de prata e missais, nos seus longos e elegantes vestidos confeccionados em tecido estampado da Bangu, no atelier de Mercês Prates, o “must” da época, dona da Imperial Lojas.
Elas usavam grandes brincos balangandãs, broches e pulseiras em côco e ouro, num contraste com a rapaziada do Bairro Sessé, hoje Santo Expedito, passando descalços e com os pés rachados.
Teresinha Bom Bril, bonitinha e espalhafatosamente trajada “à moda” dos grandes salões das metrópoles, na versão tupiniquim, caminhava por toda a extensão da rua, distribuindo simpatia e atraindo clientes para o seu lupanar de luxo.
Em cada esquina, grupos de conhecidos trocavam dois dedos de prosa. Apreciavam os pastéis da Leiteria Celeste e bebiam cerveja casco verde no bar do Nelson Vilas Boas.
Viam-se caboclas com seus cabelos espichados à base do pente de ferro, esquentado com um aparelho de solda conectado à energia elétrica, ou mesmo no braseiro. Sem contar Leonel Beirão, com sua charanga e a grande boneca, fazendo reclame, que assustava a meninada.
Duas vezes ao ano, um ringue de madeira era armado na Praça Coronel Ribeiro para o festival de lutas de boxe. Na refrega principal, brilhava nosso Leônidas Halterofilista, enfrentando Lero Reis, o Gigante Branco, vindo do Rio de Janeiro. Nas preliminares, apresentavam-se lutadores novatos que criavam o clima e ajudavam a esquentar o ânimo da platéia.
No bar de Tiano, na esquina do Mercado Municipal com a Praça Doutor Carlos, uma velha eletrola RCAVictor de corda, movida “à manica” (manivela), tocava canções de Chico Viola, Dalva de Oliveira, Emilinha Borba e tangos de Gardel, enquanto cabos eleitorais do PSD e do PR tentavam conquistar novos eleitores.


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Por Raphael Reys - 21/12/2010 11:30:23
DOIS CÃES DA ROÇA

Diz o dito popular, que o cão é o melhor amigo do homem. O poetinha Vinicius de Morais, emérito notívago e apreciador de um bom scotch, fazendo uma analogia entre o cão e o uísque afirmava que o uísque é um cão engarrafado... Já Jack London, o famoso escritor norte americano do início do século passado, escreveu “O Apelo da Selva”, uma homenagem a um cão de nome Bruck.
Conto aqui um “causo” de um cão nascido na Tiririca e que era a própria malandragem canina. Criado em porta de boteco da roça, conhecia as treitas e suas adaptabilidades. De nome Xexéu, era branco e preto, orelhas murchas, mestiço. Meio pedra, meio tijolo! De tão sabido que era, dormia como coelho, com um olho aberto, outro fechado.
Cachorro glutão, sendo o seu dono sovina, se mantinha de barriga cheia surripiando ovos caipiras no quintal da casa. Dava o maior prejú para o roceiro, que andava atrás de solução para acabar com a mania do Xexéu em comer ovos.
Certa feita, um amigo de copo e de cruz lhe ensinou uma maldade para ser feita com o cão que levaria à solução do problema. Consistia ela em manter o animal trancafiado por um dia e uma noite sem alimentação. Findos os quais, se ferveria um ovo inteiro que seria servido ao animal, em seguida, ainda soltando fumaça.
O dono sovina, seguindo instruções do amigo malvado, ofertou o ovo em ebulição ao seu cão que o abocanhou. Ato seguinte segurou-lhe as mandíbulas forçando, assim, o Xexéu a queimar a goela.
Esperava, com essa rude lição, que o bicho viesse a partir de então, a ter medo de ovos, cessando, portanto o seu prejuízo financeiro. Um ledo engano, pois mais dia menos dia e os ovos continuavam sumindo!
O roceiro montou uma campana próxima aos ninhos das suas penosas e logo que escureceu, viu o Xexéu se aproximando de fininho. Chegou ao pedaço, cubou a redondeza e como tudo parecia sob controle, agachou-se e passou a soprar o ovo mais próximo de sua grande boca faminta...
Na outra amostragem, o Antônio da veia Pulú foi visitar o seu amigo Ambrósio, a quem não via há muito tempo. Chegou à cancela de entrada da propriedade e bateu palmas. Logo o cão Fedegoso acordou de sua madorna e correu ao seu encalço na maior velocidade e cheio de valentia.
Prudentemente, o Antônio subiu em cima da cerca. O Ambrósio veio correndo e vendo o compadre naquela situação vexatória, iniciou o diálogo:
- Pode descer daí, compadre, que o Fedegoso é capão!
- Eu não estou com medo dele me comer não, compadre Ambrósio! Estou com medo é de ele me morder!
Nós somos da roça, mas somos chiques!


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Por Raphael Reys - 14/12/2010 16:04:16
ÊITA, CABOCLO!

Volta e meia vem à baila histórias e causos do saudoso cavaleiro da verve, o sempre bem lembrado Zé Amorim. Autêntico filho dos nossos Montes Claros, capital da recém criada República do Pequistão.
Desta feita, a lembrança é do querido empresário Armando Barros, cidadão porreta e emérito, da nobre estirpe dos Barros e filho desta terra de Figueira. Relata-nos ele que Samir, para não viajar sozinho até a casa do seu irmão em Ilhéus (BA) e objetivando que a jornada fosse prazerosa, convidou e levou junto às armas e bagagens o nosso saudoso Zé Amorim.
Lá chegando, para bem receber o alegre convidado, foi preparada no capricho uma pituzada à baiana. Zé, como era caboclo de hábitos chapadeiros, ficou enfunada à mesa, contemplando aquela iguaria estranha à sua interpretação visual, paladar e olfato.
Notando a catopezada do nosso Zé e para potencializar o apetite do mesmo, Samir incitava o convidado a devorar o prato. Zé, emburrado, e o anfitrião logo açulou: “Não vai comer não, capiau de Montes Claros? Deixa de ser besta e come logo! Vâmo jacú! Deixa de ser jurão! Um prato beleza desses e você com xibungagem!”
Ferido nos brios montes-clarenses, o Zé retrucou em cima do pedido: “Isso aqui no prato tá parecendo é plástico, seu ariri! Macho da minha terra come é arroz com pequi, carne de sol e andu. De sobremesa, doce de cagaita! O resto, é bestagem!”
Quando era gerente da Cowan, o Zé, vez por outra se dirigia ao Palácio da Borracha, do empresário português Armando Barros, seu amigo, para dois de prosa. Ia comprar correias e demais artigos necessários à sua indústria cerâmica.
Desta feita, em pleno mês de junho, um frio chapadeiro de rachar o cano e o Zé se queixando da inclemência do clima. Armando, como fora criado nas intempéries climáticas da Europa, alegava que, independente do tempo, por hábito, tomava diariamente banho frio.
Ao saber da extravagância, Zé retrucou:
- Êita, caboclo! Pois lá em casa nós tomamos banho é com a água fervendo! Sai tanto vapor que, tem dia, que o poste de luz em frente chega curvar!


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Por Raphael Reys - 7/12/2010 08:58:08
João Doido

O personagem era contínuo da agência do Banco do Brasil na nossa urbe. Tipo bastante popular, cheio de vontades próprias, emérito pescador. À bem da verdade a pescaria era o seu universo.
Dono de um nariz arrebitado, posudo, andava de peito estufado, pisando alto e dava pouca ou nenhuma atenção ao mundo à sua volta. Julgava-se absoluto! Volta e meia tomava umas e outras e aprontava com borra. Era a sua marca registrada.
Certa feita arrumou uma pescaria e levou amigos de copo e de cruz para uma lagoa na fazenda de Crispim da Rocha. Entrou cerca adentro sem pedir licença, a cachaça correu solta e, não demorou, o bando de notívagos pescava e avacalhava o ambiente se postando nus.
Como a lagoa era de águas límpidas e sendo a fonte de abastecimento da propriedade veio um serviçal apanhar água. Ao se deparar com a cena daqueles homens nus e temeroso de sofrer alguma agressão, retornou sem encher o carote de madeira.
Sabedor dos fatos, Crispim apanhou uma carabina e botou ordem na corja de pelados. Mandou que eles se escafedessem de suas terras. Acontece que a lagoa fazia divisa com uma fazenda vizinha, de outro proprietário. Sabedor dos fatos, João, desaforado como era, pulou a cerca com os companheiros.
Para irritar o fazendeiro e já que não mais estavam em suas terras, continuaram a esculhambação. Dançavam despidos e pulavam como em uma farândola de diabretes.
Como o destino é irônico, na segunda-feira seguinte, Crispim da Rocha procurou o José Alves, gerente do Banco do Brasil, visando obter um grande empréstimo rural.
Sendo o gerente novo no pedaço e sabedor do conhecimento do João Doido sobre as fazendas da região, o chamou para prestar informações pertinentes à propriedade do cliente solicitador.
Ainda injuriado pela suposta desfeita na lagoa, João baixou a sola na avaliação e desclassificou a fazenda e o cliente. Revelado o fato, Crispim o procurou na agência exigindo explicações, já que as suas terras e pastagens eram das melhores na região.
Indagado, João Doido como era irônico e debochado riu do fazendeiro e falou: “Você manda na sua fazenda. Aqui no banco mandamos nós!” Deu o maior quiproquó!
Noutra pescaria, tendo como companheiro de aventuras Carlúcio Atayde, chegando próximo ao barranco do rio, viu um pequeno jacaré que dormia ao sol. João preparou a Kodak e posicionou Carlúcio para clicar o instante. Ato seguinte montou nas costas do bicho. O jacaré, assustado, desceu barranco abaixo e jogou o João em uma moita de espinho agulha.
Ficou mais furado do que tábua de pirulito...


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Por Raphael Reys - 2/12/2010 14:19:32
SEGURA ESSA!

Nos bons 1965, o valente Leônidas, um destemido comerciante de peles de animais silvestres reinava como valentão na terra de Figueira! Um metro e 80 de músculos adquiridos na fisiocultura com halteres. Prática essa que lhe rendeu a lenda de modelo másculo, de então.
Calça apertada, camisa preta comprida, empunhadeiras de couro cravejadas com metal alpaca nos pulsos, botinha importada, olhar desafiador e impune. Metia medo nos passantes do Mercado Municipal, onde tinha o seu comércio clandestino de peles e animais.
Como era um fanfarrão protegido de uma autoridade pública e no exercício de sua bazófia botava todo mundo para correr. Era só tomar umas e o bicho pegava! Certa feita foi contratado por um empresário proprietário do imóvel onde se encontrava instalado o restaurante da rodoviária.
Severino, um nordestino o inquilino, que explorava o ponto mediante contrato estava ficando rico de tanto movimento. O dono do imóvel queria dobrar o aluguel na marra, mas o contrato o impedia. Mandou o valentão dar um susto no comerciante, prevendo que o mesmo ficaria com medo e entregaria o imóvel.
Munido de uma metralhadora Ina, enrolada em um saco de estopa e posto na bagageira da bicicleta sueca, o valentão parou à porta do restaurante, desembrulhou a metralhadora e chamou o comerciante pelo nome. Como as paredes eram de espelho, o homem viu a arma apontada, abaixou-se e gramou o beco.
O valentão para completar a história ao bom estilo hollyhwoodiano deu uma rajada de balas nos espelhos. Ato seguinte, quando viu a besteira que havia cometido, se refugiou na sua casa à rua Belo Horizonte 413, confluência com a rua Coronel Antonio do Anjos.
Um efetivo policial militar deu cerco ao imóvel e um sargento ao megafone pediu a rendição do acusado e a entrega da arma de uso exclusivo da PM. O homem cercado, além de valente era esperto. Apanhou uma onça viva que estava em cativeiro em uma jaula no quintal da sua casa e levou-a para próximo da porta de entrada, já entreaberta.
Anunciou a sua rendição, mas exigiu que os policiais abaixassem os fuzis. Abriu a portinhola da jaula e cutucou o traseiro da pintada com o cabo de uma vassoura.
A bicha feroz pulou para fora, deu uns altíssimos esturros e afugentou o efetivo que bateu em retirada em decorrência do inusitado da ação!
A rua ficou forrada de fuzis e capacetes e a meninada que aplaudia da esquina correu com mijando de medo, pernas abaixo! Foi um festival grotesco e laxativo!
O animal assustado foi se esconder em uma mata que ficava nos fundos da sede do DER, no Bairro São José próximo. Chamado, o comerciante Waldir Macedo, caçador profissional, preparou a sua matilha de cães de caça, e ajuntou amigos caçadores. Deram o cerco à pintada, os cachorros uivando, acuando e quando o animal moveu-se recebeu uma saraivada de tiros de espingardas Boito 16 e carabinas do papo amarelo, morrendo, sem chance.
Nós somos da roças, mas somos chiques!


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Por Raphael Reys - 27/11/2010 14:24:09
PELOS MUITOS CAMINHOS DAS ALTEROSAS

Dia17 de novembro de 2010. Percorremos as vias de BH para exames cardiológicos no Laboratório de Marcapasso do HC. Monitoramento sob a batuta da simpática doutora Licia Valadares e equipe nota dez do referencial consultório. Alberto Sena e Sílvia me receberam no seu apê no Santo Antonio.
Quarta braba, tardinha, a chuva deu uma trégua e saboreamos um café ligth com pães integrais e outros mimos. Esquecemos o fator tempo e o dois dedo de prosa correu até altas horas. Anos 60, as praças rococós, o footing com suas beldades e galãs.
Causos da nossa infância mágica o encanto dos Montes Claros de antanho e sorríamos às bandeiras despregadas. Falamos da mídia escrita da terra de Figueira, o Jornal Montes Claros e o mestre Osvaldo Antunes que formou uma esplêndida geração de jornalistas: Robson Costa, Lindenberg, Paulinho Narciso, Alberto Sena entre muitos.
Alberto falou sobre os anos 80 e suas matérias que entusiasmaram a muitos, levando-os, com sucesso, à campanha da lei de preservação do pequizeiro. Na divulgação e sustentação do tema, Luiz de Paula, Teo Azevedo, Darcy Ribeiro, Cândido Canela, Hermes de Paula e a palavra final de Antonio Gonçalves do IBDF.
Falamos da literatura de João do Rio em sua obra “Dentro da Noite” e” Histórias de Amor”, de Rubem Fonseca. Alberto lembrou sua última entrevista com Darcy Ribeiro, cheia de calor humano e da verve escrachada do ilustre escritor.
Na quinta, saboreamos um delicioso almoço preparado no capricho por dona Sílvia. Comentamos o novo álbum “Match”, de Mateus Duarte, filho de Alberto que reside em Curitiba.
Viajamos no tempo e nos recordamos dos personagens populares que pululavam e coloriam as ruas da nossa urbe, os segredos da Terra de Figueira e as reportagens de então, incluindo as que não foram escritas ou publicadas.
Falamos da farsa da Revolução de 64, um engodo dos nossos generais aculturados pelo serviço militar Norte Americano e pela CIA.
Cutuquei a biblioteca do anfitrião e entre tantas e selecionadas obras deparei-me com uma edição antiga do ‘Livro de Areia”, do portenho Borges. Uma viagem fantástica ao universo da ficção e da metafísica.
Embora houvéssemos programado voltar de carona com o escritor Augusto Vieira Neto, um imprevisto de última hora nos privou da presença do Bala Doce nas comemorações dos cem anos de “Amo-te Muito”.


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Por Raphael Reys - 23/11/2010 19:27:51
NA ROCINHA...

Dentre as muitas atividades que produzem felicidade nesses Montes Claros, está a de passar uma tarde trocando dois dedos de prosa com o notável jornalista/empresário, Américo Martins Filho, em seu éden tropical, a agradável Fazenda Rocinha.
Ambiente de pura magia, entre árvores, plantas, pássaros que a todo o momento emitem miríades de trinados, valorizado pelo frescor da fonte e a incrível matilha de cães, os melhores amigos do homem. Dentre eles a cadela Branquinha, o carinho em quatro patas.
Mesa de reunião posta sobre a tenda da amplidão!
Fomos acompanhados do lendário repórter policial Zé Maria e tendo como guia nos caminhos da vida o escritor Petrônio Braz. Uma empreitada etílico/literária, regada a um bom uísque Passport e frios. O anfitrião, impecável, companheiro, alma aberta e coração incomensurável!
Ao servir o uísque, disse: “Sou vegetariano, mas bebo um bom uísque porque a bebida é vegetal!” Falou sobre as grandes frases e máximas e seus efeitos nas almas das pessoas. Logo uma guinada e surgem várias opiniões e debates sobre filosofias, crenças e mitos. Américo narrou a inquietude de sua alma e a busca filosófica.
Petrônio discursou sobre o conceito Deus, o Big Bang, a entropia do macrocosmo, enquanto desenhava gráficos elucidativos. Pura kabala! Debatemos o agnóstico, o uso da razão e descrevi uma tese de Konstantin Kristoff sobre a origem do universo. Descambamos mesmo para a metafísica judaica, enquanto Zé Maria, atento ao diálogo, dava o seu sorriso de gato que comeu o bicudo do vizinho.
Ameriquinho, como carinhosamente é chamado o extraordinário jornalista, descreveu as suas viagens culturais ao EUA e comentou o uso da prece como comunhão. Petrônio discorreu sobre o mito Jeová e a adoração do Bezerro de Ouro. Américo salientou a importância da aparição de Fátima e debatemos as bases do Cristianismo e as cartas do apóstolo Paulo nos anos 70 da nossa era. A importância da Bíblia (O Livro), como fonte de revelação e história. Aventamos sobre o efeito das crenças religiosas na mente humana. Tudo isso, enquanto a cadela Branquinha pulava de colo em colo e distribuía o seu carinho. Na pauta, comentou-se a falta que faz o escritor Georgino Junior nos meios culturais da terra de Figueira.
Entre filosofias, metafísica e mitos, o jornalista Zé Maria, como é repórter investigativo, passou a maior parte do tempo de olhos fechados ou fazendo disfarçadamente a leitura corporal dos filósofos da mesa. Pura técnica de campana policial. Usando o seu sexto sentido adquirido no campo profissional, acertava a toda hora o nome de quem chamava nos nossos telefones celulares.
Uma manhã/tarde memorável na aprazível Fazenda Rocinha, sorvendo a verve do homem/alma Américo Martins Filho. Marcamos outras reuniões de serviço.
Quem viver, verá!


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Por Raphael Reys - 19/11/2010 13:38:26
Jurãozada

Campesino aonde vai leva o mato junto. Ele pode até sair do mato, mas o mato não sai dele. Sempre apronta uma quando vai a Belo Horizonte. Andando em dupla ou mesmo participando de bando em algum buzu fretado. Quando chega à metrópole é logo notado, pois é um estranho no ninho.
Quase todo capiau dos nossos Montes Claros bistunta assistir um Cruzeiro e Atlético no Mineirão. Lá, acaba cometendo sempre uma presepada.
Carlão Alcântara, saudoso corretor de imóveis dessa terra de Figueira, bolsos abarrufados, levou o mestre de obras Roberto Lopes, cobra criada da Melo Viana, para assistirem o clássico. Terminada a partida, se desencontraram em meio à multidão deixando o estádio...
Capiau quando vai a Belô, tem que estar amarrado ao guia por uma embira! Perdido, Robertão saiu indagando de raimunda a joão, a tudo mundo: “Você viu o Carlão por aí? Aquele que freqüenta o bar do Zimbolão!”.
Por sorte, encontrou um montes-clarense já urbanizado. Pelo serviço de alto-falantes do estádio, Carlão foi localizado e o nosso Roberto pode retornar à habitual fuleiragem e ao 171 dos Morrinhos.
Noutra jurãozada, um trio de cruzeirenses: os saudosos Wanderley Fagundes e Lazinho Pimenta, acompanhados do novo carioca Odorico Mesquita. O mesmo Mineirão como cenário, o estigma da roça e o veículo estacionado do lado contrário à torcida cruzeirense. Destino projetado.
Ao encontrarem a galera azul encheram o pandú de cerveja e esgoelaram durante o jogo. Cruzeiro... Cruzeiro! Terminada a peleja, cadê achar o lugar onde deixaram estacionado o fusquinha!
Ficaram na murrinha até as quatro da matina e como só restou o carro deles no estacionamento, só então deu para retornar à Moc City, capital do Pequistão...
Já o desportista Xerife, integrava a comitiva do nosso querido Ateneu de Dona Albertina, que cedo chegou ao Mineirão e foram todos conduzidos para tomarem o desjejum.
Como havia duas filas distintas, uma para pessoas ditas normais, e outra para portadores de diabetes, chegando a vez do nosso Xerife na fila, o recepcionista fez a natural pergunta: “O senhor é diabético?”.
Imaginando tratar-se de uma gozação preconceituosa, típica das crias suburbanas da Capital de todos os mineiros, o nosso homem gol estrilou: “Qual é cara! – Que chave magra é essa! – Eu sou é Ateneu!...”.
Gente, nós não somos fácil! Só nos enfrenta quem agüenta...


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Por Raphael Reys - 12/11/2010 13:34:23
OS GUERREIROS DE AGAMENON

Nos nossos Montes Claros tem de tudo, no mínimo uma versão diferenciada dos fatos. Cidade pólo, com população constituída na sua maioria de gente oriunda de outras cidades do Norte de Minas, muitos vieram para construir o futuro, estudar em nossas escolas, faculdades.
Como o mudo é composto, também aqui chegaram alguns para fazer guerra. Falo de dois cidadãos que se apresentavam como ex-combatentes.
Um dele, movido pela alma da cachaça ingerida, pinta de artista da roça, topete de galã. O outro, por puro exercício de bazófia, medroso e sensível, construiu uma torre de marfim para nela se abrigar, defendendo-se dos males da vida.
O primeiro, no início dos anos 80 a pinga curraleira levou para os quintos; o segundo, mui digno profissional liberal, já aos 90 anos, balançando na sua rede de varanda no Bairro São José vive contando as suas notáveis façanhas na Segunda Grande Guerra Mundial.
O ex-combatente com pinta de artista, já saudoso, nos anos 70 era freqüentador do meu restaurante na Praça da Catedral. Quando chegava, a galera que bebia, fazia uma rodinha em volta, para sugar sua verve. Ele abria a caixa de ferramentas e tome bala, tome baionetada em traseiro de comedor de chucrute!...
Caía dentro da bocada das trincheiras e matava adoidado os Hans e os Fritz do Führer!
Como já havia adquirido habilidade na arte da narrativa, imitava teatralmente o som do matraquear das metralhadoras, o pipoco dos obuses e o ricochete das balas. Os aficionados faziam perguntas pertinentes para potencializar a ação. Dava gosto vê-lo narrando.
Um dia chegou um chato de galocha, invejoso com o sucesso do narrador e o ameaçou de processo por se apresentar, falsamente, como um heróico ex-combatente. Sumiu do mapa.
O outro, “from Pedra Azul”, ainda vivo e ainda zangado, relatava que, como ardoroso combatente, mudava rumos de batalhas. No curso da guerra, foi incorporado a um submarino da Marinha, como operador de periscópio e, posteriormente, artilheiro de torpedos. Os seus disparos foram tão certeiros que fez um enorme estrago na armada de Hitler. Segundo ele, a Gestapo, a terrível polícia alemã, seletivamente negociou através da Cruz Vermelha a libertação de duzentos prisioneiros aliados em troca dele, o porreta artilheiro montes-clarense, para que, simplesmente fosse mandado de volta à terra do pequi!
Complementada a negociação, equilibrou-se a ação da Marinha do Eixo e a dos Aliados no palco das operações marítimas, e só assim a guerra no mar ficou pau a pau...
Ele ainda está por aqui, tranquilamente lubrificando o seu fuzil de estimação, afiando a baioneta matadeira de alemão, contando os buracos de bala no seu capacete de aço e mostrando a lista de baixas produzidas graças a sua incrível pontaria, além dos nomes dos navios abatidos pelos torpedos por ele lançados. Por conta da sua competência incomum, sempre acerta na mosca e, até hoje, estando no quintal da sua casa, para manter a forma, vez por outra abate um gavião que ousa fazer um rasante nos céus...


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Por Raphael Reys - 8/11/2010 18:23:24
É GOL!
Fazendeiro, campesino, biótipo médio, amorenado, cabelo liso. Vestia sempre um terno de brim Triunfador amarelo, Chapéu Ramenzoni na cabeça, bota cano longo. Encoberto pelo paletó, um Smith and Wesson 38, cabo de madrepérola. Montado em seu cavalo alazão, esse era Simão Campos. O manda chuva de São João da Ponte nos anos 40, 50 e 60.
Criador de gado nelore de boa cepa, dono de grande fortuna e um sortido armazém tem tudo. Pai do ilustre político Olímpio Campos.
Na sua casa, na cidade, estrategicamente disfarçada no quarto, sala e escritório, uma boa carabina Winchester, Papo Amarelo, sempre municiada. Em cada cômodo restante, um treisoitão no ponto!
Certa tarde, no campo da cidade, os locais jogavam futebol tendo como adversário contumaz o time do Varselândia. Eternos rivais. Jogo empatado, final do segundo tempo e o ponta de lança do Varzelândia faz um tremendo gol. A torcida local invadiu o campo, cercou os adversários, ameaçaram o juiz.
Exigiam a anulação do gol.
Atraído pelo alarido, vem chegando à trote Simão Campos. Vai aí o diálogo travado entre ele e um torcedor próximo à cerca divisória do campo:
- O que é que está havendo aí, menino?
– É a torcida nossa que está querendo anular o gol na marra!
– E o que é que é esse tal de gol?
– E quando uma bola de couro passa entre dois paus fincados no campo.
– E a tal bola passou mesmo entre esses dois paus?
– Passou, sim senhor e então é gol!
O jogo terminou e o Varzelândia ganhou o campeonato!
Doutra feita, acompanhando o seu filho Olímpio em uma reunião para tentativa de coligação política com a oposição, visando um objetivo, a situação, com o ego inchado e em cima do sapato alto, não fechou acordo.
Já retornando, Olímpio diz:
- Mas que coisa, pai! Os nossos não aceitaram o acordo que era benéfico para as partes.
Simão, no alto da sua sapiência de vida sentencia:
- Eu bem que te disse que eles tinham supice!


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Por Raphael Reys - 1/11/2010 14:25:28
NOSSOS LOUCOS!


Diz a sabedoria popular que de palhaço, de rei, de médico e de louco, todos nós temos um pouco. Isto indica que a vida tem duas faces diversas.
Muitos são os autores falaram do tema da loucura ao longo da história. Guerra dos ratos e das rãs, o Mosquito, Ulisses e Grilo. E um ilustre desconhecido que escreveu o diálogo de um porco chamado Grúnio Corocotta.
Os loucos, ou tantãs, como eram chamados e ainda o são, povoaram a nossa infância. Barulhentos, apalermados ou agressivos, circulando no centro comercial, na Rodoviária e na Estação Férrea dos Montes Claros de antanho. Maria Babona, Requeijão, Galinheiro, João Doido, Geraldo Tatu, Sete Capangas, Beto Bruto, Requeijão, Alalaô, Mila, Maria Pé de Pão, Betão, Ariranha, Brucutu, Tião Cadê Meu Carneiro e tantos outros que me falha a memória.
Vieram trazidos de outras cidades, donde foram expulsos sem direitos e lançados nas nossas ruas. Sem piedade, como um lixo humano.
Muitos deles construíram, e mesmo fizeram parte da nossa história, alguns foram até eleitos para cargos públicos, de paletó e gravata. Povoaram de medos e temores a nossa infância. Pude compreendê-los ao ler o Elogio à Loucura, de Erasmo de Roterdã. Dei-me conta de que a insanidade mental pode ser sinal de genialidade, de coerência, e mesmo de sabedoria. Relata-nos Fromm: As vítimas de doenças mentais realmente arruinadas encontram-se entre os que parecem normais.
Os loucos vão da terra para a lua ao sabor das suas imaginações.
As janelas do meu inconsciente foram abertas ao ler as histórias fantásticas de Poe, e o poema épico dos tibetanos; As Estâncias de Dziam, em que consta a loucura do Criador, ao fazer manifestar e nos legar este planeta globalizado e insano, no qual habitamos em nome da evolução.
Eles, os chamados lelés da cuca, ficavam nas entradas das fazendas dos Montes Claros de antigamente enquanto transcorria a era do romantismo e eram considerados patrimônio da casa onde moravam. Podíamos vê-los desfibrando a tenra palha do milho para pitar o cigarro paieiro. Tomando café com rapadura no interior das cozinhas, onde escutavam, sem entender no racional das suas mentes, os relatos da vida íntima dos donos da casa, com suas loucuras e as máscaras de falsidade dos que se diziam normais.
Na reflexão dos Estóicos, entretanto, ser louco é deixar-se levar pelas emoções.
Pela doideira da vida, tentando dominar temores e medos, aprendi a decodificar as loucuras alheias, observando o semblante das pessoas. Erasmo diz que; tudo que o louco trás na alma está escrito no rosto.
Já adulto observo um mundo de loucos buscando um panegírico milagroso, Um planeta onde pululam dependentes exógenos, que carregam dentro de si a Bela e a Fera.
Uma geração entorpecida pela pedra e pelo pó, inebriada pelo álcool, sob o estupefaciente dos alcalóides, entupida de ansiolíticos e barbitúricos, construindo verdades falsas, aparências, e sob o calor das emoções efêmeras e das roupagens multicoloridas do Ego-Cambaleante.
Dormimos, enquanto a química dos medicamentos hipnóticos ingeridos nos conduz a portais dantescos, a realidades oprimidas pelo pensamento seletivo, a mundos construídos de bolhas coloridas. Bem razão tinha Calderon de La Barca, ao se perguntar: a vida, sonhos são?
A loucura é o boom de nossa civilização moderna e atormentada.
Encerro a crônica com a observação de Erasmo: A loucura é que governa a seu bel-prazer o universo.


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Por Raphael Reys - 26/10/2010 15:44:47
A BALADA DE GAU

Estatura alta, tez mulata, corpulento, musculoso, carrancudo e generoso, um galalau. De nome, Olegário Maciel, este era Gau. Amigo do peito e empregado da fazenda Lagoinha de propriedade de Biô Maia. Derrubava uma rês no muque!
Alpercatas de couro, canivete Corneta, palha macia e fumo de rolo goiano, um boque com acendedor de pedra e ferro, calças de Triunfador amarelo, camisas de riscadinho. Vestia-se sem cuidado, igual aos lírios do campo. Na bainha uma lambedeira 12.
No peito um patuá dependurado em um cordão de algodão com sete nós. Coisas de sua origem campesina e ligadas a ritos afros. Presente que recebeu quando menino de sua avó Belmira cadomblezeira.
Meio desligado das coisas deste mundo bobo, meio desatento. Seu espírito passeava no etéreo e ele caminhava na realidade opressora desse mundo doido. Empregado da Fazenda Lagoinha, Sancho Pança do Dom Quixote Biô (Gabriel da Silva Maia), proprietário das terras, assim era Gau.
Nos bons 1950 ele vinha à cidade buscar a menina Quita Maia (irmã mais nova de Biô) para passar uns dias na fazenda Lagoinha no Cedro. Imitando Ford Bigode, ele botava a cunhã pendurada na sua costa e saia com as mãos suspensas segurando um guidom imaginário e guiando feito carro pelas trilhas da Malhada, até a propriedade. Pisava tão macio que a menina chegava dormindo no destino.
Em 1965 com a venda das terras, seu único rincão, veio com o seu amigo e patrão, morar no apartamento de Quita Maia, já adulta e casada, na Rua Dom Pedro II, no centro de Montes Claros. Não ficou embora tivesse cama, mesa e banho. Detestava modernidades, não misturava o seu barro humano ao barro das gentes da cidade.
Chegou a comprar uma alpercata Roda para passear a noite com Biô no footing da Praça Coronel Ribeiro. Assustou-se com a mistura de aromas dos perfumes usados pelas meninas moças. Nuit de Noel, Lorigan, Chashemere Bouquet. Estava acostumado ao cheiro de suor e da brilhantina Glostora!
Na morada nova havia escadas e os botões do elevador para apertar. Ele não sabia mexer em botões! A solidão da urbe agregou à sua alma o peso da saudade. Quando se botava a beber a cachaça, sorvida na meiota, aliviava. Às vezes, duas meiotas. Era difícil subir todos aqueles degraus variando o guengo com os parietais pegando fogo e as pernas bambas.
O bom mesmo era morar no plano, no chão de Meu Deus, lá na Lagoinha, onde tinha canário cantador sob a amplidão dos céus, as lagartixas comendo inseto nas palhas.
A modernidade trouxe a telefonia automática e, com ela, o aparelho de baquelita preta da Siemens. Chamado para receber um comunicado do patrão, vindo em espirais metálicas pelo telefone e como o berço não lhe embalara a retórica, exclamou no dialeto pé-quebrado, estando espavorecido!
Ué! Como é que cabe seu Biô aqui dentro desse trem preto! Ato seguinte arrancou os tentáculos e artérias daquele monstro grudado na parede. E com sua violência em nome do pudor, quebrou tudo visando libertar o patrão, possivelmente espremido ali na barriga daquela instrumenga.
Voltou para a Fazenda Lagoinha e foi morar numa palhoça de taipa, um pau-a-pique com telhado de sapé e chão de barro batido no pé do morro Dois Irmãos, figura símbolo da cidade de Montes Claros. Debaixo da ramada, uma rede feita de palha de tucum, um toco servindo de banco um pilão velho e umas cabaças ocas. Morada de pequenos viventes da chapada!
Dizem que criou uma pendenga com o novo dono das terras!
Não tinha mais Biô para dois dedos de prosa, agora conversava com os duendes, com o espírito da serra e com o caipora das florestas. Assoviava para os fogo-pagô que pulavam no capim nativo e usando um apito de madeira imitava canário-pardo, sabiá, bicudo, e galo de campina, esse foragido da gaiola do vizinho. Pássaro trazido de Campo Maior no Piauí.
A noite se botava no sereno a escutar o choro da mata no anoitecer e o chiado do chocalho da cascavel marcando presença. Nos serrotes de pedra, uma lapa, morada de um gato maracajá que urrava imitando onça. Pura técnica de sobrevivência!
Assistia o sol nascer, via as sombras do lusco-fusco e as assombrações da chapada. Dizem que chegou a ver um Saci-Pererê de gorro vermelho pitando um cachimbo cotó.
Vento de agosto, o mês do desgosto. Uma lufada de ar atiçou uma faísca do fogão de barro e a Salamandra do pé da serra pôs fogo na palha do casebre.
Naquela noite, Gau, tinha tombado no chão de terra batida, vencido pela cachaça branquinha, saída da cabeça do alambique e ingerida sob a égide da tristeza. Há controvérsias!
E aí, foi fogo no lombo de Gau! Ficou que nem tição! Virou cinza. Retornou às cinzas de que viera e como uma Fênix, sua alma alçou vôo com as asas de Pteros.
Gigantes, efebos e homens-menino, quando morrem vão para o Olimpo.


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Por Raphael Reys - 23/10/2010 16:38:50
OS ÓCULOS DE ALARICO

Nos dourados anos de 1964, fim do Romantismo e início da Dita Dura, falecia no Brejo das Almas o abastado fazendeiro da região Prata, Chico Lima.
Alarico, emérito carcereiro local estava naquela fase de dar uma de autoridade e tomar todas as cachaças do mundo. Vivia rosnando que nem bicho felino. Inchava o tórax, andava de pernas abertas e por qualquer motivo “fofava” o Schmidt and Wesson 38.
A galera local evitava o confronto com a suposta ‘ortoridade” municipal. Coisa de campesinos...
Na hora do enterro do Chico Lima e à porta do campo santo, Alarico chegou cheio de goró e de razão. Postou-se exibidamente à frente do cortejo apoderando-se da alça da cabeceira do caixão, tomando o lugar que cabia aos parentes e aderentes do “de cujus”.
Metido à valente e parrudo, foi puxando o séquito rumo à morada final, destino projetado de todos nós. Na hora de baixar o féretro nos sete palmos cavados na terra bruta, ele tomou a frente para cumprimento da tarefa final. Passou uma corda em volta do caixão, apoiando os pés um em cada borda da cova e foi curvando o corpo e, conseqüentemente, o ataúde rumo aos finalmente. Rosnou, gemeu,fungou, babou e chiou que nem lenha verde, face ao esforço despendido.
Cumprida a tarefa tétrica e descomunal, endireitou o corpo e logo passou a emitir palavras de ordem: bafejos, interjeições e impropérios. Eis o falatório:
- Tava mesmo na hora de você ir! Também já estava todo esculhambado e de pernas abertas! Não servia mesmo nem para enxergar direito! Vai para o fundo do poço, que é melhor!
Os presentes estavam estupefatos e temerosos de se desencadear uma briga de socos e pontapés ali, naquele campo santo. Aí, um gaiato, que também estava com o pandú cheio de cachaça, chamou o carcereiro à razão. E disse:
- Cê ta ficando doido, Alarico! Onde já se viu esculhambar com um defunto desse jeito? – Vâmo respeitar a memória de quem merece!
Alarico esfregou os olhos e respondeu, em cima do pedido:
“Eu estava esculhambando era com os meus velhos óculos aro de tartaruga, que caiu no fundo da cova na hora que me abaixei para descer o finado! Aquela porquêra deve estar todo quebrado por baixo do esquife do compadre Chico Lima!”


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Por Raphael Reys - 18/10/2010 15:23:16
DIN BOLERO (atendendo a pedidos)

Batizado Waldir Alves, era conhecido na noite como “Din Canga”. Walduck Wanderley, companheiro de serestas e de noitadas, foi seu fã número um, o chamava de ”Din Bolero”. Sempre generoso, ajudou-o e o protegeu de todas as formas, tendo custeado seu enterro. Morava com sua mãe, dona Joana Pedro, na pensão da família na rua Altino de Freitas, centro da cidade de Montes Claros.
Mestre do tango na pista sintecada da boate Maracangalha, de boleros e rítmos tropicais, “crooner” com ou sem acompanhamento, possuía uma bela voz e foi uma atração da noite, vivendo em “dolce far niente” nos Montes Claros dos anos quarenta a oitenta.
Bom de bola na adolescência, jogou como centro avante no juvenil do Ateneu nos anos cinqüenta, sob o comando de Milton Ramos.
Era conhecido como O Rei do Rádio no programa de Alceu Queirós, da Rádio Sociedade Nortemineira-ZYD7, levado ao ar no Cine Ypiranga.
Nos anos 50, Din teve uma paixão platônica por Cecí, uma profissional do pecado e mestra da luxúria, a mais linda mulher que desfilava e trabalhava no Cassino Minas Gerais. Sob a permissão de João Pena, que assumiu a direção da casa depois de Sinval Amorim, Din Canga varou noites cantando “Aurora em Flor...”, homenageando a amada, mas não conseguiu amolecer seu coração. Dizia ela que não o queria como amante, namorado e nem mesmo com freguês! Imitava Cauby Peixoto, interpretando cálidas canções, enquanto sorvia doses generosas de “scotch”. Tudo em vão.
Abraçado aos amigos e habitués das rodadas no místico pano verde, curtia embriagado sua paixão, num atroz sofrimento por tanto desprezo. Nesse tempo, fins dos anos 50, o cassino já tomara uma característica de lupanar, perdendo o status de casa de jogo, criada por Sinval.
Tipo caucasiano, barriga proeminente, cabelo acaboclado, rosto de lua cheia, com papadas, vermelho pimentão, gestos largos e calculados, voz forte e persuasiva, Din jogava nas dez e batia com pau de dois bicos! Foi um autêntico boêmio.
Um mestre da sugesta, do contra-agá. Era bem recebido em qualquer ambiente, inclusive casas de família e sempre se dava bem. Chegava liso e voltava com grana no bolso.
Na sua caixa de ferramentas, tinha boa disposição para circular diuturnamente, alma escrava da luxúria, boca de glutão, verve inspirada, gargalhada sonora, garganta sempre pronta para cantar “Maria Helena”, pensando em Ceci. Mãos hábeis, para jogar sinuca e rodadas de baralho no cassino com amigos diletantes.
Deus Pai o mandou para o nosso meio e o próprio Deus Pai o levou, quando quis! Afinal, “cada alma que aqui vem, o faz em missão, cada qual com o seu cada qual!...”
Adotou como filosofia de vida, a frase escrita em letras garrafais na parede do salão da sinuca do Augustão: “A vida só é vivida, depois que você se envolve na vida de uma mulher da vida!”
E estamos conversados!
Nos mundos mágicos de meu Deus, onde ora Din Canga certamente habita, com sua alma alegre e vivaz, um dia nos receberá cantando: “Maria Helena és tu/ A minha inspiração/ Maria Helena vem ouvir meu coração/ Na minha melodia eu ouço a tua voz/ A mesma lua cheia há de brilhar por nós/ Maria Helena lembra do tempo que passou/ Maria Helena o meu amor não se acabou/ Das flores que guardei uma secou/ Maria Helena és a verbena que murchou ..”.


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Por Raphael Reys - 13/10/2010 13:46:43
O TECO-TECO INGLÊS

Agosto de 1960. Houve uma ventania de dar gosto nas chapadas de Coração de Jesus, terra do emérito Pedrim de Araujo e um Teco Teco transportando empresários ingleses faz um pouso mais ou menos forçado em uma estrada próxima à cidade.
O piloto deixara o seu mapa e plano de vôo na cidade de Barreiras- Bahia e pousara para viabilizar a sua projetada viagem. Estavam urrando de fome e sede, já às 3 da tarde e necessitavam encontrar alguém que falasse a língua da Rainha, tomar umas e beber várias cervejas casco verde. Afinal, ingleses são chegados e apreciam...
Se precavendo contra as intempéries da natureza, amarraram a leve aeronave com uma corda a um pé de mulungu. Rodaram a cidade toda sem encontrar um intérprete e foram parar na mesa de uma birosca do Mercado Público.
Enquanto tomavam umas e degustavam a contragosto o arroz com ovo servido na espelunca, espalhou-se pela cidade o boato de que aqueles estrangeiros eram compradores de fazendas e carregavam uma fortuna em dinheiro vivo, oculta, certamente, no estofamento ou em algum lugar do avião.
Logo logo alguém localizou um advogado que falava inglês, oriundo da Capital em viagem de negócios e o encaminhou até os filhos da Rainha, para entretê-los numa conversa bem demorada.
Com o boato da grana fácil, formou-se em pouco tempo uma corja de garotos pestinhas na praça central, prontos a executar uma ação retaliadora. Dentre eles, Walfrido, Nenego, Dêma Boca, Din Surubim, Raimundo Sete Voltas, Noca, Murilo, Biê e muitos outros.
Desamarram a aeronave, a empurraram e esconderam em um matagal próximo. Munidos de canivetes e facas rasgaram todo o estofamento e desmontaram o que foi possível em busca da cobiçada fortuna. Fuçaram tudo, no maior arregaço e nada encontraram.
Os ingleses, atônitos, após localizarem o Teco-Teco seqüestrado, registraram o boletim de ocorrência na Polícia, com o delegado Camilo Lelis, que partiu para as investigações. Localizou a farândola de diabretes e solicitou a presença dos seus pais e responsáveis na delegacia.
O pai do nosso Walfrido o encontrou jogando no campo de pelada e deu-lhe uma dura: “Nêgo, venha cá cabra safado!” Agarrou-o pelos cabelos e o conduziu até a presença da autoridade, entregando-o nas garras da lei.
Foi aplicada uma multa de trezentos contos em cada um dos participantes, mas, no frigir dos ovos, somente o pai do Walfrido (um pernambucano durão) pagou!
O delegado requisitou todo o estoque de esparadrapo do Posto de Saúde da cidade, utilizado para quebrar o galho, fazendo uma gambiarra no interior da aeronave. Os súditos de sua majestade, de cabelos arrepiados, voaram em direção a Moc City, Capital da Republica do Pequistão, onde aplacaram o estresse tomando uma providencial Viriatinha...


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Por Raphael Reys - 1/10/2010 18:16:07
GENTIL, QUINCAS E CASSIANO

Gentil Queiros, emérito fazendeiro e criador de gado de boa cepa no Rebentão das Veredas, tinha uma verve própria. Andava sempre bem vestido, com terno em cor clara, chapéu Panamá e uma boa botina Testa de Touro. No bolso trazeiro da calça, um amarrado de palha tenra, um naco de fumo de rolo e, na algibeira, um canivete Corneta amolado.
Abordado na rua por pesquisadores que perguntavam o que o entrevistado levaria na bagagem numa viagem para a lua, respondeu: “se desse para levar três pacotes de cigarro Roliude, três garrafas de pinga e três rameiras boa de cama, seria bom demais!”
Doutra feita, saiu para beber uísque Cavalo Branco com o amigo puritano Carlúcio Ataíde. Encheram o guengo em um bar do Alto São João. Dormiram escornados na mesa do bar e ao acordarem na plena atividade noturna do lupanar, se depararam com o vai e vem de damas da noite circulando pelo salão em trajes menores.
Carlúcio, assustado, pergunta: “Gentil do céu! – Onde é que nós estamos?” Gentil retruca, na bucha: “Onde nós estamos eu não sei, mas vou saber logo! – Só sei que aqui tá bom de mais!”
Já Quincas Queiros foi convidado por João Galo para servir de companheiro em uma viagem a Grão Mogol. Abastecido o veículo no posto do Armando Português, Quincas indaga: “De que vamos falar nessa viagem, João?” João sintetiza: “Da vida alheia, que é a melhor coisa do mundo compadre!” E durante o percurso tacaram o bambu em quem merecia!
Na volta, já entrando em Moc City e passando próximo ao mesmo posto de combustível, Quincas fala de súbito: “Virge, João! – Nós falamos de todo mundo e nos esquecemos de falar do Darcy!” João manobra o veículo e entra no posto. Em seguida, pede para completar o tanque.
Surpreso com a manobra súbita Quincas indaga: “Ué, João! Prá que abastecer se acabamos de chegar de viagem!” João Galo responde, em cima do pedido: “É para fazer nova viagem inteirinha falando só dele!”
Já Cassiano, grande criador de gado e ex-prefeito de Brasília de Minas, estava em uma roda de prosa com fazendeiros falando sobre o nascimento predominante de fêmeas nos rebanhos, diminuindo assim o lucro, que seria maior com novos machos.
Chegando sua vez de falar na rodinha, Cassiano afirmou: “Pois lá em casa o ano que nasce macho é só macho. O ano que nasce fêmea é só fêmea!” Um curioso, indagou: “E como é que você controla isso?” Cassiano retorna: “É fácil. Eu só tenho uma vaca no plantel...”


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Por Raphael Reys - 28/9/2010 15:32:40
BOCA DE MENTIRA

Segundo o poeta Ferreira Gullar, não se devem desmentir histórias inventadas, pois a fantasia excita bem mais do que a realidade. E o que é a verdade? Neste mundo grande e bobo de ilusões efêmeras a própria realidade é um engodo. Um jogo de fractais!
No pórtico da pirâmide de Guizé encontra-se gravado em baixo relevo o axioma: Decifra-me, ou devoro-te! E o escritor espanhol Calderon de La Barca pergunta: a vida, sonhos são? A vida é, portanto, um enigma. A mente humana é atraída pelo mágico, pelo transcendente e as nossas emoções são um joguete do nosso atávico e do que foi indevidamente codificado no subconsciente.
Sidney Miller relata que: metade de minha vida eu vivo, a outra metade me contam! A mentira e a fantasia produzem uma ação tão intensa que chega a criar e destruir mitos. Tenório Cavalcanti, notável político da baixada Fluminense de antanho, conta em suas memórias que: tudo o que fez para construir a sua aura de valentão e destemido foi projetado por ele mesmo, por antecipação, com intencionalidade.
Carregava o seu revólver com balas reais e de festim, alternadamente. Para dar o seu show e dizer que tinha corpo fechado na Bahia, apontava para um obstáculo e disparava acertando-o. Ato seguinte apontava e disparava com a bala de festim para a sua própria mão. Todo mundo acreditava! Gente é bicho besta. Diz um estudo que em cada 10 mil pessoas, uma só tem inteligência emocional e capacidade de pleno discernimento.
Dentre os boca de mentira da nossa terra, começando pelo cronista que escreve este texto tem de todo tipo. Alguns ouvindo de outro saem falando, outros dizem terem ouvido contar e vendem pelo mesmo preço que compraram, uns dizem terem ouvido e visto e por isso contam. Há os que ouviram no Café Galo no Kentura Kente ou na sauna do AC e só por isso saem contando.
Aqui na terra de Figueira tem local que só dá boca de mentira. A barraca do Ceará, na Praça da Matriz é freqüentada pelos mentirosos que têm a testa enfeitada. Na porta do Shoping Popular, encontramos pacientes geriátricos que tomam comprimido azul, sem efeito, e mostram os pacotes de preservativos. São os falsos roedores de pequi!
O antigo pátio da REFFESA tinha um Pedro que era campeão. De tanto mentir os seus lábios engrossaram e a sua boca ficou levemente torta. Os freqüentadores da porta da galeria gay no quarteirão fechado da rua Simeão Ribeiro, ouvem Jerry Alfaiate contar uma mentira e Zezão Relojoeiro desmentir e contar outra, ao mesmo tempo em que falam da vida de Paulinho Relojoeiro. Enquanto isso, Nenga Ourives rola de tanto rir.
Quase nos esquecemos de citar o próprio Paulinho Relojoeiro. Esse já desceu rio nas costas de jacaré, pilotou avião em parafuso e conversou com extra-terrestes no alto dos Morrinhos. O maior de todos, entretanto, é um moto taxista vendedor de lanches, da cabeça branca que tem apelido de fruta tropical e mora na Vila Guilhermina. Ele viaja de helicóptero com o governador, é assessor de Lula no Norte de Minas e supervisor do SINDACTA 1!
Nós temos história, somos da roça, mas, somos chiques!


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Por Raphael Reys - 23/9/2010 18:05:03
A LISTA

Em crônica recentemente publicada, citei alguns nomes dos montes-clarenses que serão convidados a integrarem a população da Banda Fofa, gente finíssima, após a esperada separação do planeta Terra em duas partes, conseqüente ao novo Big Bang, a formidável e fantástica explosão cósmica que, pelos registros de profetas, adivinhos e intelectuais, brevemente voltarão a acontecer.
A outra metade será a Banda Dura (contrário de Fofa).
Assim como fez o herói Tartaran no seu Tarascon, foram selecionados apenasmente os bons, os puros, filés e cabeceiras, a critério e ad referendum de uma Comissão de Notáveis.
Dom Denílson De Arruda e Cuba, naturalmente irá para alegrar a todos com o seu alto astral e a gargalhada sonora.
No bojo da nave transportadora, para cuidar da nossa TV, seguirá Felí Tupinambá, com a sua presença suave e o seu sorriso dócil. As charmosas artistas plásticas Conceição Melo e Márcia Prates, sagitariana e capricorniana, respectivamente, levarão cores, finesse e beleza para a nova Escola de Artes Andrey Kristoff.
Zezão Relojoeiro também vai, para comer mexido de feijoada e torcer pelo Atlético. Carneirinho e sua treita leve torcerá pelo Cruzeiro. Jerry Alfaiate e seus auxiliares “frufrus”, lançarão a moda de calça masculina sem pregas. Estevim será o editor de um jornal underground e fará oposição besteirol do tipo “Tem governo? Sou contra!”
A socialite Rita Maluf integrará o gerenciamento da iniciativa com sua elegância discreta, educação refinada e o sorriso angelical.
Haverá um Jardim Suspenso de rara beleza, onde se poderá conversar com as poetisas Dóris Araujo, Amelina Chaves, Karla Celene e muitas outras encantadoras intelectuais.
Ouviremos na Rádio Fofa AM/FM, as vozes dos Eduardos, Lima e Brasil, com comentários do velho “GD”. Zé Vicente fará o programa “Gente Fofa da Gente” e a escritora Maria Luiza Teles será a nossa conselheira para assuntos espiritualistas.
O poeta maior, Georgino George, será devidamente exorcizado e afastaremos da sua cola o “espírito da moita”, que há muito o persegue. Fernandinho Boca de Louvor, o único cabo eleitoral que irá só para botar fogo em toucinho na barroca.
O jornalista e gentleman Magnus Medeiros, coordenará a nossa embaixada, enlevando corações ao interpretar boleros e bossas dos anos dourados. Felipe Gabrich fará parte do rol.
Para cuidar bem da nossa saúde, levaremos de porteira fechada a equipe nota 10 de profissionais médicos, enfermeiros, auxiliares, técnicos, pessoal de serviço, preceptores, todo o staff do Hospital Universitário Clemente de Faria. Lá continuarão, com a mesma eficiência, a prestar os ótimos serviços de sempre.
Aroldo Pereira viajará após fazer implante de fios capilares, junto com o Mega Psiu Poético. Mirinha Maciel, como boa discípula de Whitman, cuidará da nossa sustentação ecológica. Levaremos os Grupos de Serestas João Chaves e Lola Chaves, para, como de hábito, nos encantarem com as canções e modinhas da nossa Terra.
Das Alterosas, viajarão os escritores Augusto Bala Doce Vieira, Mary Alckmin, Carmem Neto, Iara Tribuzzi, Tinin, Alberto Sena e para cantar as lindas composições de Godô, os Guedes Beto, Gabriel e Ian. Do Rio de Janeiro, levaremos Felippe Prates, Carlos Alberto Prates Correia e Paulo Henrique Souto.
Dentre muitos e muitos que certamente estarão a bordo em companhia dos selecionadíssimos passageiros da nave dos cabeceiras rumo à Banda Fofa, contaremos com a presença certa do jornalista Haroldo Cabaret, para, juntos, compormos a balada desses novos heróis.
Aviso aos navegantes: Já começou o peditório. Tenho sido procurado por pistolões buscando incluir pessoas não habilitadas a viverem na Banda Fofa. Em vão, sem a mínima chance, pois o critério seletivo baseia-se apenas e tão somente no alto merecimento das pessoas.
Portanto, como diria o saudoso coleguinha Ibrahim Sued: “Sorry, periferia! A Banda Dura os aguarda. De leve...”


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Por Raphael Reys - 20/9/2010 08:20:48
BOBEIRA...

Estimados leitores: Essas histórias a seguir, nos foram relatadas, confidencialmente, pelo boa praça Wilson do Destak. Notório mestre de baterias e carnavalesco. Segundo ele, George, emérito e dorminhoco comerciante, dono de uma bodega na Rua Melo Viana, é conhecido no trecho por vender café requentado, pão de doce, biscoito fofão e outros “gueguéus”. Expediente que mantém há 50 anos, ininterruptamente. Carrega em suas costas um estigma e um enigma. George já ganhou duas vezes o primeiro prêmio da Loteria Federal. Mesmo assim, volta e meia comete uma vacilação e cai do cavalo. A malandragem local sabe do lance do sono e não perdoa. Mais dia, menos dia e estão fazendo (operando) em cima dele, novamente. A bufunfa que ganhou na loteria sumiu! Ele não sabe para onde foi como foi e não sentiu nadinha. Só sabe que a grana sumiu. Escafedeu-se! Alguém aplicou nele tão bem aplicado que George nada notou durante o ato. Só deu conta do presépio, quando zerou o caixa forte. Já entregou tudo para Deus que é nosso Pai, tomar de conta! Dia desses, pescando uma piaba no balcão, na hora da sexta, já bambo de sono e para não dormir, ligou o rádio portátil, sintonizando no programa “Gente da Gente” do radialista Zé Vicente. Chegou um freguês, uma mala do pedaço, caído de bolso, sacou o vacilo, agachou na frente do balcão, não sem antes zerar o volume do papagaio elétrico e, então, imitando a voz de Zé Vicente, falou: “Prezados ouvintes da gente! – Em virtude da falta de energia programada, pedimos apagar o rádio por cinco minutinhos. – Findos os quais, solicitamos novamente a atenção dos amigos da gente!” George caiu no golpe do Malandro Morfeu. Aproveitou a pausa programada e tirou mais um cochilo longo. Não deu outra: o rádio mudou de proprietário e virou grana na receptação de plantão... Doutra feita, no mesmo horário da sexta tropical, chegou um vizinho, também vigarista e aplicador. Deu uma de abrir a boca bocejando. Sentou-se à mesa da birosca e fez um agá que estava morrendo de soneira àquela hora. George comeu a sugesta de “Indução e Empatia por Modorra”. Pescou uma enorme piaba no rio do letargo e quando acordou, havia desaparecido de dentro do balcão um saco de biscoito fofão, que abasteceria a espelunca por uma semana. Já Zeca do Destak, nascido e criado no meio da vadiação do Bairro Morrinhos, cobra mais do que criada no Butantã da rua Melo Viana, carnavalesco e atleticano doente, viajou para Bom Jesus da Lapa (BA). Objetivo: Cumprir promessa, visando com isso, lavar da alma os pecados cometidos no pé do morro. Reciclar o lado espiritual do barato dessa vida doida e globalizada. Caiu na mão dos malandros baianos, filhos de santo e crias do axé. Na hora de subir aquela via crucis que leva ao Morro da Cruz, apareceu um cidadão o incentivando a andar ligeiro. Empurrava-o pelo traseiro o impulsionando rampa acima. O sujeito era um punguista do pedaço e bateu a carteira do Zé, barrufada de dinheiro, deixando-o na maior mão de calango! Olho vivo! A malandragem está monitorando tudo e a todos, em busca de bobeiras. Vacilou, nêgo velho, dançou...


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Por Raphael Reys - 15/9/2010 07:59:20
A BANDA FÔFA

Notícias recentes, alarmantes e oriundas do noticiário internacional, nos dão conta de aterrorizador vulcão, localizado ao norte dos States. O dito, um verdadeiro “big bam terrestre”, morada do Romãozinho, é um Cracatoa ampliado. O bicho papão vem apresentando constantes e super elevadas “pressões internas”.
Dizem os sismólogos, especialista em vulcões, que essa fera se manifesta, ou entra em erupção, expelindo tetra quintilhões de litros de lava incandescente num ciclo com intervalos de 600 a 800 anos. Atualmente, tem 670 anos que ele se mantém aparentemente em repouso. É pura chaveta. Olho vivo!
Quando explode, o mega gigante é tão terrível e planificador, que em uma das suas erupções na pré história o calor foi tanto que mudou a temperatura do solo terrestre! Em razão disso, os dinossauros e outros monstros congêneres gerados após o fenômeno, nasceram todos fêmeas. Daí, além daquela geração só nasceu mais uma, a seguinte, e não havendo machos para a cobertura e fertilização das fêmeas, extinguiu-se a espécie.
Na atual modernidade, estamos entrando em um estigma semelhante. Uma grande maioria dos machos atuais está deixando de ser espadas. Nada de culpar algum vulcão, pois é pura frescura!
Domingo último, na tradicional reunião dos Poetas Quase Mortos, que acontece todos os domingos pela manhã na Praça da Matriz, em frente ao Centro Cultural, o professor Sebastião, marido da poetiza Dóris relatou-nos que após a próxima e esperada erupção do gigante, o mundo vai partir-se em duas bandas distintas. Será o maior papoco da história!
Como se prevê que o globo se fragmentará em duas partes, uma delas já está sendo chamada de Banda Podre. Para lá, pretendemos enviar depois de caprichada seleção local, os chatos de galocha, os sofistas, cabos eleitorais, xexelentos, a galera do “bas fond”, posudos, marristas, botadores de banca. Adeptos do “American Way Of Life”, viciados em Internet, vendedores da palavra do Senhor, fusos e demais membros das galeras dos Hades aqui representadas.
Estou preparando a lista dos montes-clarenses que irão para a outra banda, para a “Banda Boa”, ou Banda dos Fofos, para onde só irão cabeceiras. O rol será afixado previamente na parede do Café Galo, do meu amigo Jadir Rodrigues (que só irá para a Banda Boa, por deferência especial de Geraldim Alcântara. Mas, precisa levar um verniz na cara de pau).
Nela, (a Banda Fofa), os utópicos, cabeceiras, gente do bem. Márcia Yellow irá com sua teleobjetiva digital. O arquiteto Cascão, lá estará para comer galinha caipira e para enriquecer o projeto arquitetônico “Obelisco”, em homenagem ao campeão dos espadas montes-clarenses, o muito saudoso Walduck Wanderley. Que Deus o tenha!
Dentre os muitos e muitos que lá certamente estarão, inclui o escritor Augustão Bala Doce, capitaneando os poetas, escritores e os puros de alma. Levaremos o cardiologista Noasses Diamantino, para cuidar dos nossos corações.
Tico Lopes e Virgínia de Paula irão para nos falarem de folclore e de modinhas, na companhia de Rui Queiroz a bater caixa e bongô. A acadêmica Yvonne Silveira irá para nos encantar a todos, com a sua presença, seu elevado estado de espírito e a sua nata e inata graça.
Traremos o querido escritor e poeta Felippe Prates do Rio de Janeiro, e ele, além de valorizar e compor nossa patota com sua verve e muito talento, tomará “scotch on the rocks”, declamando, a pedidos, seus maravilhosos sonetos. Levaremos os cabeceiras nota 10, Eustáquio Repórter, Nilo Pinto, Miguel de Ducho, Paulinho Relojoeiro, Peré e os seus sapos, Hermano Konstantino para tomar fubuia e Haroldo Cabaret, para nos ajudar a escrever as crônicas do novo Shangrilá. “Poretinha” não irá, nem pintado de ouro!
Pancho Silveira irá representando o Brejo das Almas e os machos que tomam cachaça, jogam baralho e têm quengas por conta.
Na frente, seguirão incomensuráveis frotas de transatlânticos carregados até na tampa de cachaça Viriatinha, Santa Rosa na rolha e Havana, farinha Morro Alto, pequi e carne de sol de Mirabela.
Será a maior e a melhor curraleiragem da História!


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Por Raphael Reys - 9/9/2010 14:23:28
CURRALEIRAGEM II

Nos bons 1954, o Hotel São José, do figuraça Juca de Chichico, hospedava Juscelino Kubistchek, então governador do Estado. A propósito, de certa feita, em campanha para Presidente da República, por não ter cumprido antigas promessas eleitoreiras, JK foi vaiado por estudantes locais, capitaneados pelo saudoso jornalista Lazinho Pimenta.
Ducho Mendes, o barbeiro/livreiro tinha o seu salão de luxo montado no interior do hotel. Seu Juca criava pássaros de todas as espécies e matizes, em um grande viveiro montado próximo à entrada lateral. Fazia a alegria dos visitantes e da garotada.
Era a maior felicidade as mães nos levarem para ver de perto o viveiro e para dar risadas com as brincadeiras de seu Juca. “Oi, seu Juca!” – “Que aperta e não machuca...”
Na ocasião nos contava histórias de uma viagem que fez a Israel, durante a Segunda Grande Guerra Mundial, numa época em que Israel ainda não existia, conduzindo um “tubo” contendo documentos secretos de Getúlio Vargas para serem entregues ao Serviço de Inteligência Britânica.
Em outra ocasião, seu Juca notou que alguns pássaros haviam sumido de dentro do alfobre. Não encontrando a causa e estando a estrutura preservada, ficou grilado. Próximo, havia a oficina de conserto de rádios, dos técnicos Chico Ornellas e Manuel Borba. Manuel era tido como muito inteligente e esperto para descobrir as coisas.
Esse último foi chamado e chegando ao local rondou o viveiro e matou a charada na hora. Apontando para o alto do criadouro disse: “Veja, compadre Juca! Lá está o motivo do sumiço dos pássaros! Um enorme gavião todo gorducho!”
Juca de Chichico, vendo a mancada que dera, relatou que comprara aquela ave grandona na mão de um capiau treiteiro. O mesmo afiançara que se tratava de uma espécie exótica, inofensiva, oriunda da fauna do Amazonas, uma moda recente, entre os criadores da Capital. Como seu Juca era de boa fé, fora passado para trás.
O esperto Manuel Borba era pai do nosso apreciado cronista e escritor Afonso Prates Borba e nessa ida para resolver o mistério do sumiço dos pássaros o rádio técnico levou o seu filho adolescente Marco Antônio, o Alemão, que era o galã da cidade e fazia as meninas de então suspirar e sonhar. Lá no hotel estavam hospedadas duas morenaças retratistas vindas das Alterosas e a ocasião propiciou o início de mais um grande e curraleiro romance de amor do rebento de Manuel Borba, o arrasador de corações.
E aqui fica relatada e registrada para a história de nossa urbe, mais uma romanceada curraleiragem montesclarense!


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Por Raphael Reys - 4/9/2010 10:16:34
FICÇÕES... E UM RESTO DE NOITE...

Encostado á parede do restaurante de luxo, marco com o pé, o ritmo quente e assovio “Greem With Envy Blues”. Recebo a última réstia de luz da tarde na Avenida Sanitária que já entra no lusco-fusco. Assume o céu, um tom cinzento.
Uma excitação quase mórbida, e no dizer do poeta um frenesi de dar bananas. O Garden-Party retoca o seu smoking. A dama de azul turquesa toma o rumo do ao Automóvel Clube. E o garçom, usa um Summer de S 120 branco.
Um fascínio, um desencanto, um aroma de perfume. E no dizer portenho: um resto de tango e um assovio.
Ela comprou um pequeno e famigerado vidro de perfume Francês/Paraguai. Agora passa pela avenida pisando a trilha dos seus próprios pensamentos. Na via da sua imaginação, buscando fugir do momento objetivo da realidade presente. Concreto, e determinante. Apanha um táxi!
Ernesto Van transita lentamente assoviando “Doralice”, Virgínia de Paula copia do seu livro de bruxa irlandesa, uma receita com infusão de folhas e ervas e a poetiza Dóris Araujo faz mais uma composição, cheia de amor para dar. A escritora Maria Luiza se encanta com o meu Alento e sublima a poesia da sua alma em comunhão.
A acadêmica Karle Celene e a sua alma gêmea Roberto tomam um scoth, under the rocs no restaurante Quintal. Um galo de Campina canta numa gaiola de arame. São milhões de trinados! Uma vitrine isolada e desgastada reflete os lumens da luminária,e o espelho francês mostra a beleza clássica do rosto de Conceição Melo.
No banco da frente, um manequim de plástico, estático. Surrealista! No tórax está escrito em letras grifais Sou do Tico Lopes. No banco de trás, Amiguinho, com seu sorriso amarelo e gelado, a Boneca de Leonel, vestida de chita, a pirata cabo de prata, de Virgínio Preto, e os óculos modelo Ronaldo de Neco Santa Maria.
Ruas transversais e, por toda noite a luz brilhante de lâmpadas de néon. Vejo as linhas da palma de minha mão. Nelas estão registradas as rotas do meu destino carmico! Boquiaberto, peco um café espumoso na birosca moderna.
Há um incesto, uma tentativa de homicídio e um streeking, na orla fluvial do Rio Vieira. Uma cama giratória com Baco e Vênus. Um triunvirato, trivial simples. Uma velha senhora pede uma fubuia no boteco. O menino degusta um picolé saia curta.
A dama de azul passa por mim, discreta, entretanto, o seu decote mostra um par de seios siliconados. Os seus olhos são de Vaca Pidona. Na esquina próxima, uma cena de Felline. Corações juvenis cheiram cola de sapateiro e vagam pelos tortuosos caminhos do inconsciente pavloviano pediátrico.
O mundo gira e a lusitana roda. Há um íncubus no quarto daquela viúva macumbeira. Felippe Prates declama Fromm Glicose após a sexta dose de Jack Daniels no Restaurante do Armand`os.
Elthomar Santoro solfejando Rapariga do Bonfim e rescendendo “oroma” de curraleira!
Há um To be or not to be, numa esquina próxima. Um compositor conclui que os instrumentos da felicidade são: uma escalera grande, otra chiquita. Um literato sentado à janela rococó do sobrado colonial; lê “Éramos Felizes e Sabíamos” e me acena. Uma dama da noite passa gingado sensualidade e cheirando a mistério e Madeiras do Oriente.
Ela veste uma calca jeans cocote, já formando um culote, anda balançando o seu Bumbum Pratibumbum Burugundum. Um veículo moderno circula pela via e através da janela sai um bolero de Benvenido Granda. Um pederasta ativo e passivo arranja uma briga com um cáften na esquina! Um sapato branco e marrom fica no meio fio. Um filete vermelho interliga o calçado, o piso do passeio, o meio fio e a pista de asfalto.
Há um sofrer sem compreender, e um dar de si, sem conta.


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Por Raphael Reys - 1/9/2010 08:03:06
CATOPEZADAS

Rolim, que era rolinha só no apelido, um dançante de catopé de antanho, motorista de caminhão Dodge caixa seca, morador da baixada, tomador de fubuia no bar de Tiano e habitual prevaricador nos anos 50, foi curtir uma tarde de alcova tropical com uma mariposa do Beco do Marimbondo.
No dizer do escudeiro Zé Paraíso: “ele, o Rolim, tem a torneira muito grande!” Aí, satisfeito terminado a função genésica o nosso herói tirou da algibeira uma boa nota de um cruzeiro – estávamos no tempo da Tabela Price – e pagou a dama da noite.
A filha de Eros e Afrodite, indignada, retrucou em cima da fatura: “serviço de cama para ferramenta do tamanho da sua é negócio para cinco cruzeiros, no mínimo, seu Rolim”!
Já Maneco de Dona Gregória, antigo dançante dos Caboclinhos, andava variado pelo centro da urbe. Foi parado por Tico Lopes, que lhe perguntou: “Cê tá andando variado, Maneco?” O interlocutor responde: “Tô aqui pensando no tempo antigo em que tudo era bom! Na época atual, tá tudo de cabeça para baixo! Moço, tô que nem arara sem cordão...”
Já Rui Queiroz, conhecido no trecho musical como Zé Rui, ou mesmo Rui do Bongô, foi ao Shopping e levou como seu acompanhante, para assuntos aleatórios, o também mestre do tambor Tico Lopes, que no dizer de Eduardo Lima, o Goiabão, só anda como um dândi.
Foram comprar um supimpa vaso de plástico para um arranjo com plantas artificiais. Escolhida a peça, Rui pede à atendente que preencha o vazio do interior do vaso com aquelas aparas próprias. Bota uma, tira. Bota areia, palha, tira. Bota pedrinhas e isopor, tira. Bota arranjos vegetais, tira. Bota o escambal, tira!
Extenuada, com expressão cansada, a moça lembrou o dito do escritor Lampedusa: “desenha-lhe no rosto emaciado uma melancolia metafísica...” Pergunta, então, ao Rui: “por que o senhor não gostou de nenhuma das arrumações que fiz?” Rui do Bongô responde, no ato: “Porque está tudo catopezado!”
A balconista que era de outra região do estado, desconhecedora da nossa linguagem, pergunta: “E o que é que é catopezado?” Rui apontando para o Tico diz: “Ele entende mais do que eu de folclore!” Tico dá as solicitadas explicações e a balconista, meneando a cabeça, fala: “Bestage, moço. Ele quer é que eu dê um tcham no vaso!
Como é um cidadão cheio de detalhes, minúcias e quizongas, próprios de artistas e de músicos, Rui conclui o diálogo com uma pergunta bastante pertinente, endereçada ao companheiro: “E você sabe o que é que é tcham, chefe?”
Esclarecimento aos meus caros leitores: o montesclarino é um ser com alma e estigma próprios. Um capiau diferenciado, pois bota panca de rico viajado, mas, a bem da verdade, nada mais é senão um chapadeiro “fiduna”. Domina-lhe a semântica libidinosa do pequi, o “rusarô” da cachaça, a subserviência religiosa. Nós andamos com um terço no bolso, mas, para garantir, também com uma fita benta de catopé na carteira de notas e, ainda, por via das dúvidas, um patuá de macumba na algibeira...
Para nós, o gado mija pra trás, mas nos põe para frente.
Na avaliação do saudoso Deca Rocha, “nós somos caboclos curraleiros, cheios de truques e alguma falsidade...”


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Por Raphael Reys - 26/8/2010 16:03:37
NOITE QUENTE NO KENTURA KENTE

Sábado 21 últimos, área reservada do Restaurante Kentura Kente, point da noite e oráculo dos tomadores de loura gelada. Chego às 19: hs e encontro, já instalado no átrio o jornalista Paulo Narciso, paramentado de discípulo do mestre Zanza e acompanhado de sua alma gêmea, a escritora Raquel Souto.
Logo, Nenzão Maurício adentrou a nave de Baco com sua alegre Patrícia. Trazia armas e bagagens e os exemplares do nosso livro “Éramos Felizes e Sabíamos”. Joselito, o secretário executivo de Virgínia de Paula comandou a venda.
Um a um foram chegando os componentes da galera de escritores tupiniquins, filhos diretos ou adotados de Figueira, com seus familiares e convidados. Nilo Pinto e Amália Drumond felizes com a organização nos trinques.
Virgínia de Paula com um penteado chique arrasou com seu charme, vestida de preto para matar. Segundo o cabeceira tupiniquim Eduardo Lima, ela parecia uma debutante.
A noite era de acadêmicos, jornalistas, músicos, escritores, convidados.
Yvonne Silveira, a presidenta da Academia Montesclarense de Letras foi ovacionado ao chegar. Presentes os escritores Petrônio Braz, presidente da Aclesia (Academia de Ciência e Artes do São Francisco) e Dário Cotrin, presidente do IHGMC (Instituo Histórico e Geográfico de Montes Claros).
A imprensa marcou comparecimento em massa, atendendo ao nosso apelo e engrandecendo o evento. Luiz Carlos Novaes, editor do Jornal de Notícias e sua esposa, Hermano Konstantino, editor do Gazeta do Norte de Minas, Paulo Narciso e Raquel, da rádios 98 AM e FM e do site www.montesclaros.com, Angelina Antunes, editora do Caderno Mulher, do Jornal de Notícias, Márcia Yellow fazendo a cobertura fotográfica para o seu Dzai, Felicidade Tupinambá, coordenando a equipe da TV Canal 20 e muitos outros que logo se misturaram a alegria da festa.
Ambiente naturalmente descontraído de almas afins.
Amália Drumond abriu a solenidade e foi seguido pelo sociólogo e líder da trupe, Geraldo Maurício que discursou sobre a obra e saudou a todos. A acadêmica Yvonne Silveira falou de improviso e como sempre abrilhantou o evento. Efusivamente aplaudida.
Velhos amigos, velhos amores, conhecidos que se reencontraram entre muitas lágrimas, amplexos e ósculos.
Ucho Ribeiro, o pai da idéia literária, leu uma recente crônica publicada com a alma cheia de contentamento. Seu irmão Fred e familiares eram só alegria e animação. Presença maciça das famílias: Deusdará, Narciso, a acadêmica Milene Coutinho, capitaneando os Maurício.
Juquita Queiroz e seu Grupo de Chorinho Geraldo Paulista (Tião, Wanderdayk, Raphael, Jonathan e Kollek) com um repertório de bossa nova e balanço violaram nossos corações com recordações do puro som do Beco das Garrafadas. Instrumentistas, cantores, performances se sucederam, solo, dupla e trio. Pura magia curraleira!
Haroldo Cabaret com Tiupas, lembrando Os Brucutus, Nenzão, Geraldo Carne Preta, um show popular e luxuriento mostrou panca de artista. Cantaram bossa nova, Valéria Mascarenhas e Juliana Peres. O músico Yuri Popoff fechou a noite com chave de ouro.
A animação tomou conta dos corações e Antonieta Fernandes que alem de cantar em dupla com Nenzão Maurício, dançou um pá de deux tropical com Ademir Fialho (sempre de fogo e penducando o equilíbrio). Outros casais animaram a pista.
Numa mesa só de capa de revista, o reflexo da luz dos spots nos cabelos louros de quatro beldades de fechar quarteirão. A charmosa jornalista Angelina Antunes, a beleza grega da artista plástica Conceição Melo, o charme quase fatal de Márcia Yellow e a graça da socialite Mirian.
Em virtude das festas de agosto e com a cidade cheia de turistas, visitas e parentes vindos de fora, muitos telefonaram e passaram e-mail comunicando a impossibilidade de estarem presentes fisicamente.
Aviso aos navegantes. O livro será lançado brevemente no Rio de Janeiro, sob a coordenação do cineasta Paulo Henrique Souto. Logo estaremos editando o segundo livro da turma. Vem coisa por aí!


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Por Raphael Reys - 24/8/2010 07:52:54
CADEADO

“Os cronistas escrevem o caráter oculto da sociedade.”

Conhecido comerciante do centro, biótipo mignone, alegre, divertido, embora do tipo tampa de binga é tirado a conquistador de suburbanas. Sua carreira de abatedor de lebres sempre termina em fechadura e cadeado. Quando ele nasceu era tão pequeno que os pais só o registraram aos dez anos esperando que o mesmo tomasse corpo. Daí ele já ter sessenta e cinco, mas aparenta ter só quarenta anos. Como ele tem muitos amigos de papo, copo e cruz, volta e meia enche o quengo de gole, fica estabanado e sai para paquerar na noite. Dia desses, levou uma gatíssima para o motel e como tem a ferramenta pequena, costuma compensar a arte de alcova com um bom e erótico papo ao pé do ouvido da parceira. Como é pão duro, estava em um quarto de motel de péssima qualidade e baixo preço. Ao lado da janela, um pequeno matagal, do qual, sem que eles vissem, saiu uma pequena jaracuçu que entrou pela janela e atraída pelo calor dos corpos dos amantes foi parar no meio do ato libidinoso. Certa altura da via de fato, a parceira levou a mão para engarguelar e acabou pegando mesmo na cabeça da cobra verdadeira, ou seja, o ofídio intruso. Assustada, acesa a luz para checar de quem era aquela coisa grande roliça e cabeçuda a suburbana deu o maior pití. O bafafá foi tamanho, que teve até que ser chamado os bombeiros para aparar o cavaco.
Como é costume nos Montes Claros, os amigos correram e abafaram o caso, evitando que a matriz, cobra de outro gênero, cortasse a cabeça dele enquanto dormia, conforme já prometido. Outra noite ele saiu novamente. Na ocasião telefonou para a ‘Zinha’ e a encomendou arrumar uma profissional do seu tamanho, pois queria curtir uma tarde de similaridades, além de fazer uma junção de côncavos e convexos compatíveis (ele é cheio de detalhes...)
Estava na alcova tropical na maior aplicação de Kama Sutra, quando a gatinha mignone deu o maior estrimilique. Se contorceu toda, revirou os olhos e ficou babando. Convencido como ele só, ficou pensando ter provocado aquele suposto apogeu genésico com efeito neurológico!
Ledo engano. A profissional estava tendo mesmo era um ataque epilético!
Como ele não sabia identificar o distúrbio, ficou grilado temendo que a profissional batesse a caçoleta e ele fosse acusado de “homicídio por indução de apogeu genésico múltiplo sem intenção de matar!”
Deu Samu na parada e os amigos, todos comerciantes e profissionais liberais barrufados, mais uma vez acorreram, aparando o novo pepino. Quem tem amigo, não morre pagão!
Um conhecido profissional liberal que lida com escrita na nossa city, deu conselho a ele de agora em diante para acertar a escrita com a patroa em casa, que é mais seguro. Afinal, está provado que o bicho não nasceu para prevaricar...
Esse mesmo bem sucedido profissional chegou a filosofar, citando: “Se um carroceiro, estando perto da carroça, ler a história da vida desse frustrado mini Dom Juan, dinâmico e alegre comerciante, o burro cai no choro...”
Haja cadeado e tranca.


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Por Raphael Reys - 20/8/2010 08:27:41
MONTESCLAREADAS XVII

Cidade pólo da região Norte de Minas, Montes Claros conta entre seus tipos folclóricos com os banqueiros informais, também conhecidos popularmente como agiotas. A sabedoria popular relata de forma hilária a atuação dos mesmos no exercício da profissão. Chamam os mesmos de coração de pedra, carrascos, unha de fome, fuinhas, medonhos e outros adjetivos desagradáveis.
Um deles ia diariamente à casa de um devedor para cobrar os juros, em pequenas parcelas, já que o principal houvera sido resgatado. O devedor se desfizera de todos os móveis e utensílios da casa para fazer jus a esse ressarcimento diário. Como chegou ao auge da penúria, a sua cachorrinha de estimação era só o couro e o osso, de pura inanição!
O “cash man” chegou, como de costume, para a cobrantina, dessa vez exigindo o pagamento total do atrasado. O devedor abriu as portas da casa para mostrar que só havia sobrado a cachorrinha amarrada no quintal do barraco. Ofereceu a mesma como pagamento do débito.
O agiota entrou e constatou a veracidade dos argumentos e ao ver a cadela magérrima, recusou-a e exigiu outros bens quaisquer, como paga. O devedor argumentou que só tinha a sua mulher, que estava deitada numa esteira, no chão do quarto. O banqueiro popular foi até o quarto, verificou a oferta e voltou cabisbaixo com o que viu.
E para concluir em definitivo o ressarcimento, sentenciou: vou levar a cachorra mesmo!
Douta feita, o homem estava no Bar do Edson, na Praça Doutor Carlos, no centro. Um invejoso o vendo como sempre mal vestido e com roupas rasgadas, falou: Você, um homem milionário e vestindo roupa rasgada! Tome jeito e compre roupas novas! Os seus filhos andam todos no maior luxo!
O financista tupiniquim, todo relax, respondeu sem mudar a inflexão da voz: eles andam bem vestidos porque têm pai rico! Não é o meu caso, pois nasci pobre, de pai e mãe pobres e não tenho privilégios.
Abordado certa feita na Galeria Ciosa, por um devedor executado e do qual tomara a casa, o mesmo estando descontrolado, pois fora abandonado pela mulher após o infausto acontecimento, aos gritos avançou sobre o agiota, agredindo-o e rasgando a sua camisa. Foi contido por populares.
O irado executado gritava a todos os pulmões: “rasguei a camisa dele!” Tranqüilo, numa “nice”, respondeu a vítima: “rasgou minha camisa, mas perdeu a sua casa de morada...”
Outro agiota, em 1962, com atuação em bairros pobres, buscava receber vinte cruzeiros de um seu compadre também morador e vizinho, nos ermos dos matos entre a Vila Brasília e o bairro Santos Reis. O devedor vivia de pequenas criações e da cata de mangas e pequis.
Como estava sem arranjar serviço, sabedor que o compadre credor era caído por sua mulher, uma bela morena roliça, propôs dá-la em pagamento, com aquiescência da mesma, para saldar o débito. O negócio foi feito por acordo das partes e o devedor ficou com a mulher do credor, na catira batida.
Recebeu ainda, como volta, cinqüenta cruzeiros, uma porca parida e um canivete Corneta na bainha, dado à plena satisfação do credor com a dupla transação: no bolso e na cama...... O delegado Miguel Abdo tomou conhecimento da catira batida, por denúncia de um vizinho das partes, que ficara invejoso.
Infelizmente, uma negociação tão original deu para trás, pois, em diligência, a autoridade foi até o local e anulou tudo, alegando “moralidade pública”...


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Por Raphael Reys - 12/8/2010 08:11:16
MONTESCLAREADAS XVI

“ essa crônica é dedicada a nossa leitora a Dra.Fabla Vasconcelos,
Filha do nosso grande amigo Gerinha Português”

Refletindo o dito de Lê Carré, em fazer excursões acadêmicas pelo ministério do conhecimento humano, veio à minha memória algumas curraleiragens próprias de montes-clarenses saudosos.
Zé Amorim no bar de Edson Barrão conversava com o próprio quando viu dele se aproximar um conhecido fazendeiro todo posudo. Vestido nos trinques, sapato de pelica, relógio e pulseira de ouro, anel de brilhante no dedo. Zé aponta para o recém chegado e diz maliciosamente: “Aí tem coisa!”.
O Zé conversava com o delegado Guedes quando passa um conhecido. Esse, bastante pálido e apresentando sinais de decrepitude. O homem das “Amorincianas” fala, na bucha: “Nesse ponto em que o traseiro murcha é sinal seguro que logo vai dar cemitério”.
O arquiteto Cascão, por telefone, solicita um encontro com o Zé no Café Galo. O motivo é pedir autorização para preparar um livro contando os causos e verve do Zé. Cascão chega, um gigante de tamanho e dado à fria aragem de junho vestido com uma camisa de lã, manga comprida, listras ao estilo rural americano.
Do outro lado da rua o Zé vendo o candidato a escritor fala: "pode atravessar a rua lenhador canadense F.D.P. O livro sobre minha vida, só depois de morto. Já imaginou a patroa lendo histórias das minhas estripulias”.
Logo chega o Dácio Cabeludo e o nosso herói, vendo o ex-bancário João Lima ao longe pergunta ao Dácio: “Você conhece esse sujeito barrigudo com a sacolinha de frutas?” Cabeludo retruca: “Esse “fiduma” me fez passar a maior vergonha recentemente! Acontece que fui ao Banco da Lavoura pagar uma conta com urgência! Como a fila estava dobrando o quarteirão e ao ver o João chegando à boca do caixa, fui de mansinho e falei aos seus ouvidos: “Paga esse pepino para mim que é uma urgência”. O último prazo é às quinze horas de hoje!”.
Prosseguiu relatando: “O homem deu o maior esparro! Gesticulou, como um louco e disse: Você está doido! O pessoal da fila vai me crucificar!” Entregou-me de bandeja!
Em uma crônica publicada em jornal local, o saudoso médico, seresteiro e poeta João Vale Maurício fala de um diálogo que teve com alguém sobre o vetor do Mal de Chagas. No diálogo, o popular disse: “Fui picado por um barbeiro!” Maurício, esclarecendo, responde: “Barbeiro não pica. Barbeiro chupa!” Foi o bastante para que os oficiais barbeiros da cidade dessem o maior chilique!


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Por Raphael Reys - 2/8/2010 08:30:31
A Turma do Gibi
Nos bons anos 60 e 70, o bar do Haroldo, fincado na esquina das ruas Corrêa Machado e Melo Viana era o “point” da rapaziada. Muita cachaça curraleira, cerveja casco verde e os famosos PFs e tira gostos de galinha caipira. Além do caprichado tempero, o “molho” e as mandingas do mestre cuca, sempre atraíram muitos clientes.
Lá no bar, a galera pulava e se assanhava como uma farândola de diabretes, quando havia jogo de futebol entre Cruzeiro e Atlético. As turmas de torcedores rivais se peiteavam, mostrando faixas e cartazes com “slogans” alusivos à contenda, cantando refrões provocativos. Era o maior auê!
Dentre os personagens mais animados, se destacava o Tipuka. Tipo exótico, conversa arrastada, mãos tortas, corpo torto, parecendo cavalo de umbanda incorporado na "Escora". A bem da verdade, era cobra criada, um servente de pedreiro da turma do mestre de obras Roberto Pimenta, o maior 171 do pedaço. Esse criou fama como o mais esperto de Moc City. Dava uma de menino de creche para poder sobreviver.
Bem próximo dali e no passeio em frente ao Cine Ypiranga, trabalhava uma grande turma de engraxates com suas caixas características. Dentre muitos, Geraldo dos Beiços, Nego Tó, Luiz Pinguelo, João Finin, Artur Cegão, Carlai, e o memorável Nau Faquir, morto tragicamente no mundo do crime.
Como ferramentas de trabalho, pastas Nugett, escovas, flanelas e a tinta Fenomenal, usada para mudar a cor dos sapatos.
Por qualquer alegria ou fraco motivo baixava o santo na galera. Aí todos enchiam a cara, engrossando a turma dos torcedores do Atlético, no Bar Destak da carnavalesca Dona Linda e dos cruzeirenses, no Bar do Haroldo.
A galera daqui sempre foi muito criativa, unida, e como a alfabetização não chegou para todos os moradores da comunidade, apesar do progresso da nossa urbe, nasceu entre os freqüentadores dos bares e do cinema, uma escola sui gêneris.
A “alfabetização” era feita através do manuseio de revistas em quadrinhos e pela leitura dos que eram alfabetizados, com a memorização das falas dos personagens, textos e imagens pelos demais, surgindo, então, entre os aficionados por revistas em quadrinhos, a Turma do Gibi.
Clubes idênticos funcionavam também à porta dos cines Fátima, Lafetá e Coronel Ribeiro.
Como a didática ministrada à porta do cinema se dava com os participantes em pé na calçada, desenvolveu-se somente a leitura e não a escrita. Nessa galera, figuravam alfaiates, aprendizes, serventes de pedreiro, operários, mestres de obra e serviço, artesões.
Nessa fase a bela professora Estelita Cardoso moradora da rua Melo Viana, matriculou uma boa parte da galera na distante Escola Vila Telma. Funcionava numa tapera com paredes de adobe, coberta de folhas de coqueiro a luz de gás e o sacrifício era irem a pé à noite com quase uma hora de percurso. Conseguiu alfabetizar centenas de jovens do Bairro Morrinhos e adjacências. A diretora do educandário coberto de palha era Maria da Glória Xavier.
Todo sacrifício em prol da educação dos jovens!
Dentre muitos, Pacuí, Pipiu, Lika Alfaiate, Cláudio, Aroldin, Lianão, Marquinho Kiko, Zé Maria, Eustáquio Perneta, Padeça, Hildebrando de Zefira, Zeca de Dona Linda, carregando o botijão na bicicleta cargueira. Lá estavam, além de muitos outros não citados, traídos pela memória e a nossa lembrança.


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Por Raphael Reys - 31/7/2010 09:24:32
Pradinho da Serra

Mirinha Maciel, essa adorável filha de Figueira, é ariana acelerada e de uma figa. Pura energia cabeça, intelecto e memória privilegiados, coração universal e solto. Platônica, por aderência filosófica e a Simone de Boveauoir, por opção doutrinária.
Inovadora como ela só, construiu a sua Pasárgada tropical e a chamou de Pradinho da Serra. Logo se chamará Agrovila Uka Uka.
Montou esse oráculo na Chapada da Lagoinha, onde, surgindo do acaso, abelhas arapuás que irão se enrolar nos fios do cabelo, silvestres e embriagadoras cagaitas, “oromas” de panãs maduros, marmelada de cachorro enramado nas cercas, colônias de carrapatos ruduleros, grudados nas folhas do araçá e que se alimentarão do sangue de um pequeno ginete cor de burro fugido, que servirá para dar voltas em torno de um eixo.
Lá se acorda com o sopro do vento frio vindo da Chapada dos Pimenta, escutando miríades de trinados dos canários da terra, umas notas como as de um prelúdio de valsa, outras tão altas com tons na escala acima do dó central. Aqui, nesse Éden porreta e curraleiro, ela e os amigos, curtirão, numa boa, a sua merecida aposentadoria. E como a vida é bipolar, há de ser do jeito que Deus pediu e da maneira que o diabo gosta. Será um viver de rédeas soltas nesse mundo doido e sem cancelas...
Dividiu a sua terra em algumas chácaras e chamou os melhores amigos para fazerem parte da egrégora tropical. Alexandre e Maria, Miguel e Tânia, Buteco e Danusa, Virgínia de Paula e Tico Lopes, o artista benzefala da terra do pequi, entre os privilegiados. Virgínia já teve uma revelação mística no local e a sua parte vai se chamar Por (ou Esplendor) do Sol. Tico batizou a sua de Chácara do Tico Tico e foi justo e frouxo ali que recentemente caiu um meteorito!
O objeto cósmico veio com um rasto de fogo do Canadá até Moc City. A NASA diz que o fragmento é oriundo do planeta Capela, da Constelação do Cocheiro.
A galera da “Nova Era” já pintou no pedaço e já taxou o” lance da transação” de Altas Energias.
A dita Agência Nacional de Aviação em sua sapiência e malandragem ofertou (para quando for desenterrado o meteorito) ao Tico Lopes a bagatela de 200 mil dólares pelo “barato estrelar”. O nobre Tico e para desencargo de consciência, pensa em passar 20 por cento da bufunfa para sua protetora Mirinha Maciel, a matriarca do pedaço.
Com o restante da grana que veio na maior moleza irá montar uma trupe de músicos, tocadores, cantores, sapateadores de lundu. Será a “Tico Tico Lundu Company”. Farão uma turnê pelas cidades similares do mundo. Entre armas levarão na bagagem várias caixas de cachaça Viritatinha, requeijão de Salinas, farinha do Morro Alto, carne de sol dois pelos de Mirabela, pequi de Coração de Jesus e de Bocaiúva, levarão raiz de carapiá para dar cheiro no cigarro de palha.
Como proteção astral levarão patuás de Oxossi pendurados em cordão feito na Roda de Aruanda.
Começarão a excursão pelas cidades similares: de París - Patís. Londres - Lontras. New York - Nova Iorque. Japon - Japonvar.
Farei parte da trupe como cronista, conselheiro, consultor e como sou pedólatra (admirador de pés femininos), farei um estudo libidinoso comparando os pés alvos e delicados das filhas da Rainha com os pés rachados e escolados das "tomadeiras" de água do rio de Lontras.
No repertório musical da companhia e como atração maior, a música Rapariga do Bonfim, do excêntrico roqueiro Eltomar Santoro, o único artista montes-clarense que já foi abduzido (e devolvido) por extraterrestres!
Motivo: Eles não agüentaram a fubuia que o homem toma!


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Por Raphael Reys - 18/7/2010 09:46:50
Dois Ursos

Aqui na nossa romântica e preconceituosa Montes Claros, acontecem coisas de que até a Divindade duvida. Luiz Carlos Novaes, o Peré, editor do competente Jornal de Notícias, em sua sapiência jornalística afirma que faço parte da turma da Mocmenia. Ou seja, dos apaixonados pela história da nossa aldeia.
João Montes Claros, um fiel leitor, envia por e-mail a lembrança de um causo de Zé Mário, ou Zé Amaro e que era contado pelo gordo bancário Quitú Rosa.
Certa feita, em 1955, chegou a nossa urbe, uma parte desmembrada do internacional Circo Burney, o mesmo em que fora filmado “O Maior Espetáculo da Terra”, tendo Burt Lancaster como ator. Trazia como atração principal um dócil urso pardo de terceira geração circense. Ficou instalado na Praça Coronel Ribeiro, na época um descampado sem urbanização.
Fez a alegria da garotada e da população em geral, pois eram tiradas como lembrança, fotos de conterrâneos abraçados ao gigante bípede. Virou o chamego da ordeira população local e passou a ser chamado de “Papa Mel”. A chapa fotográfica, obtida como lembrança, era batida pelo nosso fotógrafo Coriolano Guedes.
Zé Amaro, como era "entrão" e próprio do seu feitio, rompante e agitado, furou a fila.
O momento único, clicado por uma Kodak visor plano, captava o cidadão abraçado à enorme barriga do colossal urso. Zé era tampa de binga, igualmente pançudo, extremamente agitado, falava gesticulando, gritando com voz metálica, gutural e cheio de interjeições e grunhidos. Acabou que o animal o confundiu com uma possível fêmea na versão tupiniquim e lhe sapecou um abraço acochado, dando-lhe um bafo quente no cangote...
Ficando a boca escura, o nosso barulhento herói comerciante de secos e molhados pulou fora. O urso, preso por uma enorme corrente de aço, fez um sinal com a mão chamando o Zé de volta aos seus braços peludos... Zé respondeu com os braços num gesto de “banana descascada” e pronunciou a frase que acabou virando moda na época:
“É Bebé! Mamar na gata você não quer, não é?...”
Já o internacional artista, nosso querido globetroter Tico Lopes, conta que o comerciante corjesuense Pedrim de Araujo, estava participando de uma pescaria às margens do rio Pacuí e comia uma feijoada original, daquelas que tem até prego de tábua de chiqueiro dentro, enquanto o seu folclórico cavalo Fenomenal pastava um bom colonião.
Pedrim tomava como guia uma boa cachaça......, quando surge em cena um enorme urso guarado, solto na larga da chapada. Corajoso e resoluto, Pedrim orelhou o gigante e falou grosso no seu pé de ouvido:
“Aqui não é sua região, seu bichão besta! Portanto dê o fora antes que eu te pele o saco e encha essa bocona de chumbo quente!...”




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Por Raphael Reys - 14/7/2010 13:27:44
ZÉ SARUÊ

Notório dono de boteco desta terra de Figueira nos anos 50 e 60. Construiu a sua história e fama em uma espelunca fincada no antigo prédio rococó do Mercado Municipal, onde hoje se encontra instalado o Shopping Popular. Tipo caucasiano, barriga proeminente, nariz de turco, andar apressado, afobado, galegado, glutão, destemido, olhar de gavião. Esperto que nem coelho, dormia com um olho fechado e outro aberto. Não despachava para o bispo e a sua filosofia de vida era trabalho, dinheiro no bolso e estamos conversados...
A casa era, ao mesmo tempo, bar, restaurante popular, guarda volumes, ponto de jogo do bicho, catira de objetos e jóias e no estrado de madeira posto acima do piso, como mezanino, um depósito, além de um quarto de aluguel para casais inflamados pela semântica libidinosa da roça. Ele jogava nas dez e batia com pau de dois bicos!
O PF servido em suas mesas era famoso pela suculência em gordura e temperos. Pimenta malagueta à vontade. Como o fogão era de lenha, sempre caia algum “picumã” do teto nas panelas. O que potencializava a rusticidade do prato!
Na área havia sempre uma morena popozuda por perto para fazer companhia a freguês nas mesas de bebidas e distrair o passante que sorvia uma cerveja Teutônia ou mesmo uma Pilsem casco verde. A cachaça, servida na garrafa arrolhada, era curraleira e deixava o usuário com as parietais pegando fogo. Quase sempre algum desavisado estando chumbado pelo álcool ingerido, caia ao solo quando descia os quatro degraus íngremes da porta de entrada. O Zé carregava o bebum para dentro, molhava sua cabeça com água fria, dava um copo de consomê e o botava para descansar em um canto. Ele era despachado. O negócio era prestar serviços, ganhar dinheiro e pronto. Não tinha coré coré!
Era comum ter em estoque e para vender, balas de todos os calibres, uma boa carabina Papo Amarelo, uma espingarda polveira para matar mateiro ou mesmo um treisoitão que o cliente comprava para pipocar algum desafeto por perto. Tinha uma visão apurada do futuro e como sabia das coisas da vida e conhecia o mundo e o submundo, tornou-se um conselheiro nato. Arranjava, sob encomenda, um advogado dos bons, um macumbeiro supimpa e mesmo um parrudo guarda costas...
Num sábado de sorte em 1965, joguei na sua banca do bicho e acertei a milhar 2376 na cabeça. Me ingrupiu no papo e como o montante ganho era bastante expressivo, alegou pouco capital de giro e levou quinze dias me pagando em parcelas até completar o total do prêmio.
Zé Saruê, a bem da verdade, aproveitou a minha grana e ganhou juros em cima, trocando cheques de pequenos valores e prazo curto dos comerciantes do logradouro.
Tudo o que caia na rede, para ele, era peixe, pois não dava murro em ponta de faca!


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Por Raphael Reys - 10/7/2010 11:17:55
A BANDA ROLÔ

No nosso Morrinhos tem de tudo! No mínino uma versão diferenciada de quase tudo. Tem coisas por aqui que até o próprio Criador duvida! Embora eu tenha o meu imóvel residencial a trinta e seis anos por aqui, só neste dezembro é que fiquei sabendo que aqui rola a Banda Rolô!
Para o cidadão afeito ao seu cotidiano de trabalho, vendo novelas na TV, falando mal do vizinho, tomando fubúia desdobrada e gritando Galo e Cruzeiro, a tal banda é um estigma. Um verdadeiro estado de espírito da galera local. Para fazer parte da banda o cidadão tem que fazer de tudo, ou quase tudo em matéria de conjunção carnal. Tem que traçar o que aparecer (como um condenado) tem que comer homem, mulher, fruta e às vezes até trocar. Esse é a temática dominante dos participantes. Afora a banda rolô e sua fuleiragem tropical, tem os personagens que vivem criando situações exóticas e aprontando presepadas. O notável Gasta Bala dava uma de lutador Shaolin na esquina da Melo Viana e encarava o saudoso percursionista Cí Baixim. Vacilou e levou uma porrada tão doida que veio a perder todos os dentes! A galera do Destak Bar se cotizou e pagou um par de dentaduras para ele. Aí o Gasta Bala de boca nova encheu o "toba" de fubuia, comemorando um gol do Atlético e gritava na porta de dona Linda: Galo... galo...! As próteses caíram no chão e um cachorro vadio abocanhou as mesmas e gramou o beco pela rua Melo Viana abaixo!
Doutra feita, o mesmo Gasta Bala indo para uma pescaria com a turma e estando liso, leso e louco surrupiou uma garrafada da sua vizinha. A toda hora mostrava a garrafa para a turma e dizia: essa é minha, vou beber sozinho! Não deu outra! Pegou uma disenteria braba acompanhada de expurgo de lombrigas tênia que saiam pelo nariz, boca, canal da urina e pelo anûs! A garrafada era um abortivo!
Zeca do Destak cozinhava uma panela de pressão de bucho e joelho de porco no seu bar, atendendo a sugesta de um jerico palpiteiro fechou a válvula da dita panela com cadeado para apressar o tempo de cozimento. Estourou tudo e os tira-gostos ficaram pregados no teto da espelunca! Aí a galera chegava pedia uma desdobrada e ficava olhando para cima esperando cair um naco de bucho...
Cí Baixim, que era flor que não se cheira, aplicou o 171 no capilé da Raimunda Paraibana com quem namorava. Alisou a valentona e caiu na gandaia gastando a bufunfa! A paraibana botou um revolver de brinquedo dentro da blusa para fazer o agá e cercou o Cí, no Beco dos Carijós. Batia no peito e gritava: sou mulher paraibana... Sou mulher macho.. Devolve-me o meu dinheiro... De tanto bater no peito intimidando, cabo do revolver saiu para fora e Cí sacando a sugesta aplicou na mesma um telefonema internacional nas orelhas!
Aí o Zeca foi para o desfile de carnaval na avenida com o quengo cheio de goró. O repórter que fazia a cobertura do evento televisivo o entrevistou: Zeca! Qual é o tema da Escola Destak para esse ano? Zeca em cima do pedido respondeu: O teimoso aqui é o Marquinho! Como esse ano ele não desfila está tudo calmo! Já o Vivi Peixe pirulitava na esquina da Melo Viana com Correia Machado altas horas bagunçando com um grupo e cheio de mé. Uma patrulha policial chegou e desmanchou a rodinha mandando todos irem para suas casas. Vivi fez que foi, entrou no Bar do Paixão, tomou outra e mostrando o dedo em riste para os policiais falou: aqui pró cês, óia! O comandante da patrulha bateu o coturno com força no chão gritando: pega ele!
Vivi ficou uma semana desaparecido! Gramou o beco e se escondeu no Alto Severo!


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Por Raphael Reys - 4/7/2010 15:49:13
O VALENTE E O CANÁRIO CHAPINHA

Nos anos 50, Montes Claros era uma urbe dominada pelo preconceito, boçalidade, subserviência religiosa e o coronelismo. A métrica dominante na psicologia dos habitantes era o critério subjetivo. Qualquer roupagem ou padrão desconhecido era imediatamente condenado.
Numa manhã, o lendário investigador de polícia Zé Idálio, fazia campana de rotina no pátio da Rede Ferroviária Federal. Passava a vista em possíveis passageiros desconhecidos que desembarcavam no terminal. Logo viu um cidadão bem vestido, sapato de pelica, chapéu de feltro e vestindo um colete de veludo sobre a camisa de linho.
Como essa peça de vestuário não era habitual por aqui, o chegante foi interceptado. Preso e conduzido à Delegacia de Polícia, que à época situava-se na rua Camilo Prates onde hoje se ergue o Fórum de Pequenas Causas. O cidadão ficou uma semana trancafiado com marginais. O motivo da detenção era o indefectível colete.
Viera de São Paulo para regularizar os documentos de um veículo adquirido inicialmente em nossa cidade.
Em 1955, o então governador de Minas JK veio à nossa cidade para campanha política. Hospedou-se no Hotel São José de Juca de Chichico. Logo irrompeu na praça Coronel Ribeiro uma passeata de estudantes do Instituto Norte Mineiro de Educação, fazendo o enterro simbólico do governador em represália pelo mesmo não ter cumprido anteriores promessas de campanha. Reivindicavam a instalação de geradores móveis para fornecimento de energia elétrica a nossa urbe. Ameaçavam entrar com a urna funerária simbólica porta adentro do hotel.
A passeata era capitaneada por Lazinho Pimenta, João Luiz de Almeida Filho e tendo como porta voz de desaforadas palavras de ordem o gordo bancário Quitú Rosa. O cabo Zé Idálio, valente e destemido como sempre, peitou a turba, manobrou o fuzil Mauser e fez disparos por cima da cabeça da galera, impedindo a invasão do hotel.
O capitão Coelho, comandante do Destacamento Policial local, em seguida e como complemento, efetuou uma rajada de metralhadora Iná 45 contra a parede de adobe do imóvel dos Pereira, numa demonstração de força, assustando o jovem político Edgar Pereira o mais agitado e empolgado da turma.
Em pânico, na correria que houve, Quitú Rosa gramou o beco e foi se esconder dentro de um grande forno de assar biscoitos. Como era gordo, ficou entalado e com o traseiro de fora e só a muito custo o livraram da incômoda situação, puxado pelo cabo Zé Idálio e mais quatro soldados. Uma cena digna de Fellini!
O lendário policial, hoje com seus 88 anos, firme que nem aroeira preta na queimada é morador da rua Melo Viana e meu vizinho aqui no bairro Morrinhos. Volta e meia sentamos à sua porta para relembrar histórias e causos dos nossos Montes Claros. Ele é um arquivo vivo, pois participou da maioria das tragédias de antanho acompanhando tudo como chefe de investigação.
No seu currículo policial consta ter feito papel, entre outros, de delegado de polícia e chegou mesmo a chefiar equipe de investigação da Polícia Federal em Belo Horizonte, dado à sua competência e destemor como profissional.
Certa feita, o meu ex cunhado o jornalista Leonardo Campos ofertou dez mil pratas por um conhecido e cobiçado canário chapinha do criatório do Zé. O dito pássaro brigador e campeão era originário da Bolívia. Fora adquirido em Araçuaí onde tinha status de cabeceira e cantador.
O Zé não vendeu o espécime ao jornalista, emboramente a vultosa oferta, alegando que estando a gaiola do canário colocada no corredor ao lado do seu quarto de dormir, nas cálidas manhãs era acordado por miríades de decibéis do trinado. O maravilhoso som entrava casa adentro, repercutia pelas paredes, fazendo elevar a alma e o espírito, num enlevo de pura poesia... Portanto, não o vendeu, pois o exemplar que inspirava e propiciava tanto encantamento não tinha preço, alegou, com toda razão!
Comentou, em seguida, que nenhum dinheiro do mundo compraria aquela pássaro que ensejava, diáriamente, um momento único de puro romantismo em contato com a natureza...
Não vale a pena deixarmos pelo caminho pedaços de nós mesmos. Afinal, o dinheiro paga mas não apaga a enorme falta que nos faz, além da angustiante saudade que nos deixa, tantas coisas simples, partes da nossa vida e que, eternas, são infinitamente mais importantes do que alguns trocados a mais...


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Por Raphael Reys - 30/6/2010 07:53:26
MONTESCLAREADAS XV

Montes Claros, terra de Figueira, cidade pólo, com seu centro comercial, educacional e referência em atendimento médico hospitalar. Por aqui se encontram representados e refletidos, ao vivo, todos os tipos humanos característicos da região Norte Mineira.
Nesta nossa semi-urbanidade, o campesino que chega veste as primeiras roupagens psicológicas no seu ego da roça.
Ao garimpá-los e retratá-los eles se tornam universais, pois, por aqui, no dizer do saudoso Deca Rocha, encontram o murrão da roça e a nossa curraleiragem.
Este nosso universo em microcosmo, tem desde o jurão até o capiau com cara (somente a cara) de besta. Do Loqui de chapéu, ao malandro vendedor de relógio micha. O fumador de cigarro de palha, que nada mais faz do que ficar imaginado um golpe no vizinho.
E como relata o atleticano doente Evandro Canzil, “tem contra-agá e agá-do-contra-agá”!
Tem até um clube de Pedólatras, ou seja, admiradores, aficionados e apaixonados por pés femininos, do qual tenho a honra de participar como “hors concours”.
Seguindo, pois, o dito de Gabriel Garcia Marques: “procuro na escuridão daquele baú sem fundo suas miudezas dispersas”, num garimpo dos tipos todos eles imprescindíveis que por aqui afluem.
Informa-nos o indefectível galã e conquistador do Quarteirão do Povo, Paulinho Relojoeiro (que recentemente retornou a Moc City vindo do Maranhão onde está montando empresa), que nas cercanias da sua terra natal, Mato Verde, tem um político folclórico.
Discípulo da Escola Georgiana Curraleira e sendo candidato a um cargo eletivo, foi fazer um comício politiqueiro no povoado de nome Bonito. Lá chegando, não encontrou como era de se esperar o palanque armado, pois a oposição sabotara.
Seguindo linhas traçadas que levam ao uso do alheio, uma praxe na classe, apanhou na moral dois tambores metal de 200 litros que se encontravam em uma carroça de carregar água e sob a guarda de um filiado da Santa Federação dos Carroceiros Mato-verdenses.
Armou o seu palanque atravessando sobre os tambores uma tábua de bom tamanho servindo como piso e iniciou o seu discurso sofístico, cheio de Agamenon e picaretagem tropical. Não deu outra! A galera curiosa que havia chegado foi saindo de fininho. À francesa.
Ao terminar o seu papo furado coletivo, a platéia estava reduzida a uma só pessoa. Chateado com o ocorrido, o discípulo de Górgias comentou com esse paciente e único assistente “que aquele povo não sabia prestigiar quem merecia”.
Ato seguinte, agradeceu a “vítima” pela presença. Para sua surpresa, o recém elogiado ouvinte respondeu, calmamente: “eu estava era esperando terminar o seu papo furado para levar de volta os meus tambores de apanhar água que o senhor apanhou e usou sem pedir permissão.
E temos dito!


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Por Raphael Reys - 22/6/2010 07:59:15
MONTESCLAREADAS XIV

“Depois de escrita a história, vale pelo que parece e não pelo que foi...” - Rachel de Queiroz.

Falando ainda de mandingas, ebós e macumbarias, me vem à recordação certo sargento de milícias aposentado da nossa urbe, meu amigo. Filho de santo mal resolvido aproveita o que aprendeu de magia para aplicar o 171.
Ele faz as suas rezas bravas e engana de Raimunda a todo mundo, principalmente os comerciantes locais. Como sou conhecedor da malandragem no trecho e para provocá-lo, perguntei se ele ainda estava na ativa com as forças escusas do além.
Fingindo não ter me escutado convidou-me a lhe fazer companhia até um açougue próximo à Praça de Esportes. Lá chegando, instruiu-me a prestar atenção enquanto ele entrava e com rezas iria sumir da vista. Cegaria o açougueiro e daria o cano na casa. Abri bem os olhos e pude ver quando ele desaparecia como se houvera entrado por trás de uma porta invisível.
Levei o maior susto e me arrependi em ter feito a brincadeira de mau gosto. Suei frio pelo impacto em mim produzido. Passaram-se cinco longos minutos e ele, da mesma maneira como desapareceu, voltou ao meu campo visual dando uma risada de ironia e môfa!
Trazia nas mãos duas sacolas contendo carne bovina e algum dinheiro em espécie. Ato seguinte, falou: “Você duvidou de minhas rezas. Aí está uma sacola com cinco quilos de carne para você. De quebra, tomei do açougueiro zuretado cem reais. Vou te dar cinqüenta”.
Fiquei perplexo e constrangido ao mesmo tempo e pedi desculpas por minha ironia. Devolvi a carne e o dinheiro, já que aquilo contrariava os meus princípios cristãos. Em seguida, perguntou-me “se estava de bom tamanho”.
O Romãozinho tem os seus protegidos e afilhados. Não se pode confiar em nenhum marmanjo hoje em dia
Não demorou tempo e nos encontramos, dessa vez na Praça Doutor Carlos, quando ele me apresentou outro seu igual, que com ele andava. Um baiano que está sempre por aqui fazendo mandingas e sustentando “demandas” para políticos.
O dito para se divertir faz filtros de encantamento, ou filtros de amor como são chamados para conquistar e levar para a alcova beldades suburbanas da nossa cidade.
Daí o meu aviso de advertência aos maridos, namorados e amantes, vítimas dos Ricardões amigos do além. Antes de culpar a sua amada pela triangulação, procure averiguar se ela não é mais uma das vítimas dos encantamentos e filtros de amor do “pé de pano” macumbeiro.
Para encerrar a crônica com chave de ouro, vai aí o meu conselho de conhecedor e iniciado, pois sou mestre em ciências ocultas e letras mal traçadas: Sei de um feiticeiro que atende nas proximidades da Rocinha e que vende Flamalial a quem interessar possa.
Os pequenos e diminúsculos entes, usados para fazer magia, são fornecidos aos compradores acondicionados dentro de um pequeno vidrinho com tampa de borracha. Daqueles encontrados antigamente em farmácias contendo penicilina. Lembram-se deles?
Aviso aos meus fieis leitores: Se alguém chiar na rampa e botar em dúvidas a minha informação e dicas é só me falar que abrirei a caixa de segredos e darei nome aos bois, ou seja, os seus habituais compradores. A missão do cronista é ver e relatar.
Para se livrar da ação desses mandingueiros tupiniquins, faça preces de esconjuro e se apegue ao seu santo de estimação. Cruze os dedos e diga: “Signo de São Salomão três vezes me livre dos catimbozeiros”!


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Por Raphael Reys - 18/6/2010 07:47:21
OS BEM LANÇADOS

“ Em homenagem ao figuraça Márcio Milo que nos deixou e deixou saudades”

No tempo da linha dura, de 1964 o point noturno da sociedade jovem montes-clarense era o footing da Praça Coronel Ribeiro. Relatei os fatos numa crônica publicada em dezembro último, na imprensa local.
Os rapazes bem dotados tinham o fã clube feminino, que era composto pelas bem lançadas moças da época; por levarem vida sedentária, resolveram jogar futebol de salão diariamente no Montes Claros Tênis Clube, a nossa Praça de Esportes.
Como a quadra era freqüentada por outros grupos de jovens e equipes de bancários e comerciários, logo se estabeleceram rivalidades. O fã clube das garotas sempre presente aos treinos, para aplaudir os rapazes componentes do time Showciete, apelidado de Os Bem Lançados.
Dentre muitas, hoje já avós, As irmãs Marly e Marci, que foram miss Montes Claros, Tetê Santa Maria, Valéria, Zione Drumonnd e outras beldades.
Moças usavam a fragrância de Chashemere Bouquet e os rapazes o romântico perfume Gardênia. Elas vestiam saia, anágua, blusa buclê, ou banlon, diadema na cabeça. Eles, calça jeans Roebuck, camisas Prist, ou Mac Gregor, sapatos Clark, Samelo, relógios Mido, cabelos cheios, isqueiros Ronsons Typon e cigarro Capri.
Bebia-se Martini Dry, Cinzano Rossi, Cuba Libre, Hi fi, vodka Smirnof, gim tônica, acompanhados com tira-gosto de canapés.
Comia-se baião de dois no Restaurante Mangueirão, tomava-se Vaca Preta e Vaca amarela no Bar do Cambuí, dançavam-se na Juventude em Brasa do Automóvel Clube, nas horas dançantes do Clube Montes Claros, da boate da Praça de Esportes além dos clubes volantes e na festa junina da Fazenda Quebradas, de Pedro Veloso.
Na equipe do Showciete, os bem lançados: José Eustáquio, Piondoba, que fechava o gol, Geraldo Renã, Fernando Etiene, Mimí, Márcio Milo,o galã do bairro São José dentre outros, atraiam a atenção da moçada da jovem guarda.
Alguns passeavam pelas ruas com modernos carrões Aero Willes, Simca Chambord, Dauphine, usando perfume Gardênia.
A tragédia levou alguns jovens da época. Tony Boy, no acidente da ponte da Cowan e Paulinho de dona Emília, no seu Chevete 74.
Lá pelas tantas da noite a galera caia na gandaia e ia farrear nos lupanares, que pululavam nas nossas noites tupiniquins. Românticos cabarés de luxo, onde se podia apreciar a beleza das estrelas de Vênus.
Verdadeiras deusas da beleza, a Aurora e seu sex appeal estonteante, Etelvina, Eliana e o desempenho de Maria da Lapa, uma potranca curraleira de longo fôlego, que pulava tanto que jogava o parceiro fora da cama!
Para encerrar a farra e já no lusco-fusco da manhã, era hábito degustar um bom baião de dois no Restaurante Mangueirinha, acompanhado de uma cerveja Malzbier, para produzir o efeito descarborizante.
Nós temos história, somos da roça, mas somos chiques!


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Por Raphael Reys - 13/6/2010 09:47:37
MONTESCLAREADAS XIII

1962, um nobre rebento figueirense, o Tico Lopes já era tirado a posudo e cabeceira. Como fora convidado para a festa de casamento de Dedé Lopes e dona Fiinha, esperava isso sim, em lá chegando, ser visto e admirado com destaque entre os curumins presentes.
Foi todo arrumado como gente. Cabelo cortado à moda Príncipe Danilo, topete grudado no Gumex, jardineira segura por um suspensório com presilhas douradas, lencinho de organdi no bolso superior, usando um moderno quedes e calçado com meias Lupo da melhor cepa.
Para sua surpresa e seu carma, o menino João roubou a cena. Como já sabia recitar uma pequena poesia o guri virou destaque principal. Posto em cima das mesas, carregado nos braços, pra lá e prá cá, a recitar... ”eu ganhei uma pêra/prá casá com Rany de Alcides Ferreira”.
Como se tornou a atração maior recebeu todos os cuidados e comeu do bem bom e do melhor. O nosso Tico Lopes relegado ao plano terciário, nem foi notado no ambiente! Ficou amarelo e babando de inveja enquanto o já desafeto, deitava e rolava atraindo os gemidos das meninas presentes.
Por esse pequeno verso o dito recitador gesticulava e fazia pose exagerada como se fosse o maior artista da paróquia.
Tico Lopes tinha em seu currículo já ter participado de uma encenação de batizado de boneca, no papel de padre oficiante e devidamente “batinado” em papel crepom. Julgava-se gabaritado e merecedor de um destaque na festa e não foi o que aconteceu, por ironia do destino.
No dito batizado de boneca a mestra Carlota Prates havia escrito e ensinado o Tico a declamar um verso alusivo: “Eu te batizo com água pura porque você é uma criatura.”.
Ao retornar da insidiosa festa e já no Jardim de Infância Presidente Bernardes onde estudava, Tico procurou o Crisógono e lhe relatou o seu infortúnio. Empático e enquanto escutava o relato do sucedido, Crisógono escreveu no selim da bicicleta sueca um verso para o invejoso mirim declamar na próxima oportunidade.
Textualmente, o verso dizia: “Eu batizei a boneca, com água benta e batina. Vou casar com a Vicentina”. A Vicentina, musa do rebento invejoso era, a bem da verdade, Clarete Gomes.
Agora diga meu caro leitor, se nós não temos poesia. Nós somos curraleiros, campesinos, preconceituosos, praticantes do murrão da roça, pitadores de cigarro de palha, degustadores de farinha Morro Alto, tomadores de cachaça Viriatinha, mas somos cabeceira!
Nós somos chiquérrimos!..


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Por Raphael Reys - 9/6/2010 07:43:51
O ANIVERSÁRIO DE CRISTINA TRINDADE EM BELÔ.

Quinta-feira, 03/06/2010, em Belô e Augustão me convida para o aniversário da bela geminiana no Godofredo Bar, o “point” da moda, em Santa Tereza, integrado à alma do Clube da Esquina.
Noite bastante fria nas Alterosas, todo mundo usando lã, cachecol e um desfile de lindas mulheres com botas elegantes, saltos Luiz XV. Cristina radiante e alegre como sempre, nos recebeu amável e gentilmente, com sua família presente nesse novo ambiente decorado ao estilo estúdio musical.
Gabriel Guedes dando uma de garçom, Iam Guedes com sua lindíssima Bianca, uma loira monumental estilo “Deutschland” (filha de minha amiga, a inteligente Mirinha Maciel). Silvana, esposo de Beto Guedes, com sua alma alegre e livre abraçando, contando piadas e se relacionando com todos os presentes.
Nas paredes, muitas fotos do Clube da Esquina e da família GG, de músicos, compositores e cantores. Uma sacada com vista privilegiada aos morros próximos, um piano, órgão e um ambiente onde está sendo instalado o museu Godofredo Guedes. Gabriel, Iam e Bala Doce deram performance ao piano acompanhado também por outros profissionais presentes.
Rolou muito som ao estilo Vinícius, João Gilberto e a mística do Beco das Garrafadas.
Uma noite memorável de pura bossa nova, gente famosa do mundo musical de Belô e as luzes dos morros de Santa Tereza fazendo pano de fundo. Para que a comemoração fosse perfeita, faltou a jornalista Marcinha Yellow, com os seus cliques e sua sensualidade estonteante.
Um evento de puro glamour com a comemoração do aniversário de Cristina, o desempenho artístico de muitos dos presentes com os corações transbordando de alegria.
À meia noite se formou um coro de vozes, todos com os corações em repique, quengos inflamados pelo ótimo “scotch”. Muita mulher bonita e um desfile de roupas de inverno ao bom estilo belo-horizontino. Hamilton Trindade, irmão da aniversariante, informou que voltará a residir em Moc City.
Fui à festa levado pelo enorme coração catrumano do Augustão Bala Doce e voltei de carona com a levíssima Mirian Souza. Mais uma amizade nova e uma alegria para meu sofrido coração biônico. Adoro librianas!
E viva nós, os dá roça, viva a bela Cristina, viva a galera dos Guedes, viva Patão e Godô no céu, viva a nossa curraleiragem!
Nós somos “très” chiques!


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Por Raphael Reys - 30/5/2010 09:30:46
A ALMA DA CADELA

Raphael Reys

- Esta crônica é dedicada ao notável jornalista Américo Martins Filho, em louvor de sua dedicação estremada aos cães.
Em uma crônica recente relatei a história da cadela Madona. Foi para o nosso convívio desde o primeiro mês de vida até a sua morte prematura. Todos em casa a consideravam tanto quanto a um membro da família.
Quando a encontramos na via pública bem pequena, estava sendo escorraçada por cães maiores que vadiavam ao deus-dará. Corpo esguio, pelo curto e amarelo, cintura delgada, focinho longo, olhar quase humano.
Temperamento dócil, embora assustasse pelo porte.
Chegava a ser meio indolente e contemplativa. Parecia estar sempre aguardando algo a acontecer. Observava as pessoas no ambiente doméstico e pela expressão do olhar parecia analisar suas reações.
Era tratada com muito carinho e à pão de ló, pois vivia deitada no colo das pessoas da casa, como se fosse gente. De temperamento recluso, na única vez que saiu porta afora, se perdeu. Quando a vislumbrei estava sendo levada pela carrocinha de cachorros do Serviço de Zoonose Municipal. Sob grande emoção de toda a família a resgatamos e houve festa na volta de Madona ao lar.
Mas o que quero relatar mesmo é um sonho, ou seria uma projeção astral, que tive após a sua morte física. No cenário da ação onírica, ou astral, cheguei ao local onde Madona se encontrava: Uma casa simples, cercada de jardins e muitas flores habitada por seres de aparência angelical.
Ao me avistar, veio correndo e me abraçou. Fui recebido pelas pessoas num cenário quase diáfano e logo se deu uma reunião em uma sala bastante formal e clássica na parte interna. Só que nessa oportunidade a cadela falava!
A conversa entre aqueles seres, a cadela e eu teve como tema a alma dos seres que vivem no nosso planeta Terra. Falaram da egrégora da alma de cada animal por espécie (uma grande alma), da subdivisão em alma bando e do animal que é tirado do bando e levado ao ambiente doméstico.
Assim, ao viver em cativeiro, o animal passa a fazer parte da história e do carma e darma da família que o acolheu, ou da pessoa que o levou para criar, tornando-se responsável pela alma individualizada do animal, que passa a ter uma personalidade própria.
A própria alma da cadela Madona e em separado, em outro diálogo, versou sobre a metafísica dos seres vivos na terra, falou dos animais que estão na fase perespiritual próxima aos seres humanos, tais como o cavalo, o elefante, o gato e o boi carreiro. Segundo o relato, a alma desses animais está no último estágio e quando reencarnarem novamente já serão seres humanos.
Em seguida, revelou-me que a Centelha que anima a egrégora da alma grupal dos animais é de origem divina e que eles, os animais, estão nesse mundo de provas em missão de renúncia. Vieram para ajudar a lapidar a personalidade distorcida dos humanos encarnados através das suas presenças.
Daí a importância da troca de afetos entre seres humanos e animais.
Consultem os seus sentimentos e tirem suas próprias conclusões. Somos seres encarnados em missão evolutiva e de aprendizado.


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Por Raphael Reys - 25/5/2010 15:44:29
Já que todos estão falando do cachorro de estimação, abaixo a minha crônica sobre MADONA a cadela de estimação da minha neta! O fato ocorreu em 2006.

MADONA

Só agora posso lhes contar sobre os meus temores, sobre a minha alma ferida, pela perda do cão da minha neta, a cadela Madona em 08/01/2006. Foram onze anos de convívio com todos aqui em casa.
A sua ida para o mundo superior nos trouxe uma dor irreparável!
E aí é que bate o ponto! Fui escolhido para levar a cadela para o final. Aí aconteceu, não queira, mas aconteceu:. Como nossos olhares se cruzaram numa despedida derradeira estava relatando, não devia, mas aconteceu.
Pelo seu olhar, ela me disse que sabia de tudo, da tentativa de lhe poupar de dores atrozes na sua condição terminal, da eutanásia (esta palavra, agora, me magoa).
Nossos olhares se cruzaram e as nossas almas se tocaram, numa apreciação final. Medimos um ao outro, num enlace. Foi tudo muito rápido!
Aquilo me marcou profundamente! Imaginei que, aos 58 anos, já tivesse estrutura para tanto, respaldado no meu suposto conhecimento esotérico, filosófico, e de convivências fraternais adquiridas prematuramente, desde os meus nove anos de idade, em escolas iniciáticas.
São 49 anos de iniciações, de aprendizado, de provas, de aplicações de leis em ações. Foram centenas de noites usadas, sem dormir, me submetendo aos testes insólitos, viagens de milhares de quilômetros para atravessar portais físicos e metafísicos, sociedades secretas, nos arredores do Recife, nos Lençóis Maranhenses, nas praias desertas do Ceará, nas caatingas de Pernambuco, no Himalaia. Pensei que havia aprendido a compreender a dor de uma perda.
Erro crasso! Usando as palavras do profeta Davi: A minha alma voltou-se para o chão! Caiu o meu aprendizado como mestre e prevaleceu a minha plástica e emocional alma písciana, feita, conforme dizeres do psicanalista e astrólogo Shullman: para reunir todas as dores do mundo.
Só agora, sem ninguém a me observar, covardemente embaço as lentes dos óculos. Não consigo mais definir os caracteres na tela do computador.
As lágrimas me dominaram! A minha alma está no chão!
Cedeu-se ao ingente peso do lastro emocional. Um amor de uma cadela.
Finalmente compreendi que os animais têm alma, são seres em evolução. Ou estão encarnado, em missão de renúncia, para ajudar a lapidar a nossa brutalidade instintiva, o nosso atavismo, o nosso alter ego cambaleante.
Confesso que Madona, em vida, conseguiu angariar a dedicação, o carinho e a dedicação de todos em casa.
Veja bem como são as missões de cada ser vivente encarnado. Como diz um trecho de uma canção portenha: Cada qual com o seu cada qual.
Foram necessários 58 anos de vida difícil, de privações, de provas, de missões, para que então eu chegasse ao olhar último de Madona, com o que caiu por terra o meu utópico conhecimento adquirido.
Fiquei planificado! Uma cadela de estimação e um olhar final! Tudo bem dentro da minha alma plástica.
Agora, no chão, sei (e que ótima sensação estou tendo) que sou apenas mais uma alma em descompasso... Em desalinho, um errante andejo neste mundo grande e bobo de expiações... De aprendizado, de sonhos!
Tudo, tudo mesmo no conhecimento (só agora sei) se resume ao que vai pelo coração... Pelas vias emocionais.
Bem razão tem os poetas quando choram!
Somos almas-instrumentos. Eles, os cães, o nosso melhor amigos, também o são.
Não existe o acaso. Todos os encontros são transcendentais! Agora, e por intermédio da cadela Madona, posso dizer: sou um ser emocional, sou uma peteca com coração, muito embora o mesmo já apresente distúrbios de F.A.
Não sei se, dado ao fato de ser eu portador de uma patologia crônica, tenha ficado sensível e fino ou se tudo foi uma grande iniciação no universo do meu interior! O tempo me dirá.
Dia seguinte à morte de madona e a escrever essa crônica e, em viagem de carro à Brasília-DF, onde mensalmente faço um retiro espiritual, um caminhão desgovernado na pista, me levou a uma manobra evasiva de urgência. Engavetei o veículo na lateral de uma carreta, fugindo do impacto frontal com o caminhão a 180 quilômetros por hora.
O carro entrou no efeito sanfona e o motor rachando absorveu o impacto. Rodopiamos engavetados na pista e paramos Saí sem um arranhão. A morte de Madona foi o mata borrão que sujou o Karma daquela minha Nona Hora.
Os animais são seres em missão de renúncia!


58603
Por Raphael Reys - 21/5/2010 09:49:28
MONTESCLAREADAS XI

Hoje ainda falaremos dos valentões da terra de Figueira, um verdadeiro ninho de cobras. No centro comercial e como amostragem da raça curraleira, havia quatro chapas de caminhão (carregadores) que bagunçavam o coreto. Mão de Onça e Leonel Estrelinha eram os cabeceiras.
Era só tomar umas e outras e o pau cantava na casa de Noca! O terceiro e ainda vivo é o nosso Brigadeiro. Impunha medo pelo seu físico avantajado e sua cara de mau. O Tiaozão era o quarto exemplar dessa amostragem e para se divertir metia o bofete em contendores ou em quem mais fosse, bastando não ir com a cara da “vítima”.
Já Leopoldo Cozinheiro, o primeiro gay assumido da cidade e falecido recentemente aos noventa e três anos de idade, era filho de santo em Umbanda. Quando estava “atuado” vestia roupa de Pomba Gira e rodava a baiana. Consta que chegou a enfrentar na mão limpa o efetivo de quatro viaturas policiais!
Para animar festas populares em bairro contratava-se o Fôfo. Emérito tocador de pandeiro, olhos esbugalhados, topete de galã. A festa sempre terminava em pancadaria. Já o “bookmaker” João Pena andava trabucado e para compensar aplicação de malandros na jogatina, volta e meia metia o Smith Wesson na boca de algum vagabundo.
No futebol de várzea também havia quatro valentões afamados. Efigênio Preto, treinador do Vasquinho que incentivava os seus pupilos gritando “baixa o pau”. Júlio Rabada, que por qualquer questãozinha metia o murrão da roça e o Godofredo, defesa do Tiradentes, que dava cabeçada dentro e fora do campo. O último bravo da várzea era o Ronaldo Troção.
Dêma Côco jogava baralho e freqüentava a rinha de galo de Zé Côco. Quando estava bronqueado botava fogo no circo. Benjamim do Otani era um gigante de tamanho e de presepadas. Vivia trocando lingüiça Maria Rosa por pinga. Puxava o dono do boteco pela gola da camisa e o obrigava a fazer a barganha, na marra!
Dentre os militares que atuavam no policiamento ostensivo, que ficou conhecido como SWAT, havia o Geraldo do Rapa, Wilson Fróes e o Luiz Batom. Não despachavam para o bispo e resolviam tudo na bordoada.
Dentre os brabos de antanho, destacavam-se os Mió, os mecânicos Vovô e Pau de Sebo e os gêmeos Sarará dos Morrinhos. Gavião e Nilo Carioca toda vez que se encontravam saiam na tapa, para deleite da galera de aficionados.
Diz a sabedoria popular que todo homem, na vida, tem direito pelo menos a quinze minutos de fama. Leonel Estrelinha acordou tocado pelo glamour do Romãozinho e resolvido a provocar um incidente que o colocasse em definitivo na história da valentia montes-clarense.
De pronto e por sorte do mau destino encontrou o Coronel Georgino, na lanchonete do Zimbolão. Oportunidade melhor não havia! Entrou na cara dura no recinto e cutucou a Fera falando grosso ao pé do seu ouvido: “Tem fogo aí, Negão!” Para sua sorte, ou azar da sua fama, emboramente um homem destemido e conhecido também pela sua incomum coragem, que jamais levou desaforo para casa.O nosso herói da revolução de 64 nesse dia não reagiu, pois se encontrava em estado de graça, saboreava uma caçarola italiana, feita por Duca e Nazareth Prates e sorvia um suco de laranja curraleira. Certamente o que deve ter acontecido uma única vez na sua vida.
Provocado, o valente militar, com britânica fleuma, apenas respondeu com um sorriso: “Desculpe, mas eu não fumo, cavalheiro!”
Depois de escrita a história vira História com “agá” maiúsculo e se torna universal. Relato, portanto, este conhecido incidente, que, no seu bojo, encerra o sonho de todo valente de Montes Claros de antanho.


58423
Por Raphael Reys - 17/5/2010 08:32:41
MONTESCLAREADAS X

O “Aedes Aegypty”, popularmente conhecido como mosquito da dengue, vem aterrorizando e sacaneando a humanidade desde tempos imemoriais. Papiros oriundos do Ministério da Saúde da 18ª. Dinastia do Egito, dão conta de que a rainha Nefertiti e o faraó Akhenaton foram picados.
Em seu costumeiro vôo rasteiro aqui nos Montes Claros o mosquito pica desde cruzeirenses, atleticanos até os Alvianil do saudoso Ateneu de Dona Albertina, que só não foi picada por beber muita cerveja, deixando qualquer inseto no maior porre...
A bem da verdade, muito se comenta sobre a tal picadura do mosquito. Nas mesas dos boêmios e notívagos da terra de Figueira, garante-se que todo macho (homem) que for picado fica com intumescimento permanente.
Afinal, quem pica mesmo? O mosquito macho, a fêmea ou os dois picam? Muitos indagam se a tal picadura produzida mosquito dói no começo, meio ou no final do procedimento. Se a mesma acontece na pele, poros, glândulas sebáceas ou se o “veneno” é diretamente inoculado na corrente sanguínea.
Comenta-se que o nosso estilista Jerry Alfaiate, que já foi picado (várias vezes), capturou recentemente em seu “atelier” um exemplar do Aedes macho, o pintou de vermelho e soltou janela afora. O resto da colônia, deu no pé.
O inusitado fato ficou conhecido como “Operação Mosquito Vermelho”. “Alguém chegou a intitular de “Mosquito Frufru” ou mesmo "Mosquito Jerry”.
Cauteloso, dado à sua formação investigativa, o biomédico Edmilson Carneiro fez pesquisa na área, objetivando a prevenção e nos sugere a seguinte receita de repelente: 1 litro de Álcool Etílico (92,8) – 2 pedras de Cânfora – 10 cravos da Índia – Deixar em infusão por 8 (oito) dias e usar com cautela dado à presença do álcool. Crianças deverão ser borrifadas pelos pais ou responsáveis.
Borrifa-se nos pés, pernas e braços. Tal repelente é fartamente usado em acampamentos militares e de escoteiros.
Falando em biomédico nos vem a lembrança o saudoso figuraça Virgílio de Paula. Folclorista e batizado mestre do tambor, era caprichoso e gostava de bebericar uma vodka russa da melhor cepa. Estando de fogo em uma festa, foi mordido por um escorpião urutu preto. Não deu a mínima!
Como o seu teor hematológico era mais vodca, o escorpião se deu mal e bateu a caçoleta.
Nas rodinhas que se formam no Café Galo e no Kentura Kente, se pergunta: “Quem tem medo de picadura de mosquito?”... E se ele, assim como a abelha, deixa o ferrão no local.
Fique atento!


58307
Por Raphael Reys - 13/5/2010 08:20:04
MONTESCLAREADAS IX

Montes Claros tem suas histórias de magia e mistério. Recentemente, aqui no “site” falei do Bode Zebedeu. Cabeceira do Vodu do gongá do saudoso babalorixá Chico Preto.
Desmamado em um catimbó do Maranhão, o citado caprino foi trazido como encomenda a nossa urbe, para servir aos ritos afros da casa de santo já mencionada.
Criado a pão de ló e com todo dengo que compete o seu “status”, tem a cama em que dorme dentro de uma camarinha. Como já participou de muitos e tantos ritos de Ebó, adquiriu a “subjugação” do ente chefe da casa.
Volta e meia e estando fora da função ritualística, apronta e faz bagunças na circunvizinhança do Bairro doutor João Alves. Quando está na baixa veia libidinosa caprina, bota gente prá correr!
Certa feita, carente de mimos degustativos e melindres, o bode de Chico Preto, como é também chamado, foi parar em uma frutaria localizada na Ponte Preta. Não sendo ente humano e como não carrega dinheiro de qualquer espécie, chegou na maior cara dura subiu na banca e devorou maçãs, peras e outras gostosuras.
O proprietário, sabedor das artes da além fronteira de onde o invasor é originário, tomou cuidado. Defendeu-se, colocando uma cesta de frutas em definitivo à entrada. Nela afixou uma placa: “Repasto do Zebedeu!” Ficava assim posta e em definitivo, para quando bem o aprouvesse e a sua disposição, a refeição “light” do respeitado personagem de chifres citado...
O fato mais notório, entretanto, se deu em uma boca de noite de um “Sabatto” na casa. O gongá preparado para a função, a hierarquia a postos, filhos e filhas de santo na roda quando entra um evangélico bramindo uma bíblia e ameaçando parar com tudo.
Desafiou o chefe do culto a lhe provar que aquelas almas invocadas existissem, produzindo uma manifestação. Uma via de fato!
O babalorixá exigiu respeito à casa, ao culto, ao livre arbítrio religioso, aos símbolos autorizados e registrados, o que eles representavam, aos presentes e convidados da noite.
O invasor, entretanto, estava possuído da macaca urbana, coceira no “fiofó” e não deu bola para o que disse o xerife da casa.
Seu Chico acabou aceitando o desafio. Mandou buscar o Bode Zebedeu na camarinha e o colocou em frente ao desafiante. Ato seguinte iniciou o diálogo:
- Se o bode conversar racionalmente, o senhor se dá por satisfeito e vai embora, evitando até que eu perca a paciência e lhe dê uma vassourada na cabeça?
O enfeitado invasor, fazendo boca de muxoxo e ar de môfa replicou, em resposta: “Prá mim, está de bom tamanho!”
Ato seguinte, o caprino, atuado pela entidade do Ebó, ficou em pé sobre as patas traseiras, tomou uma postura arrogante e disse rilhando os dentes: “Se você demorar mais um minuto aqui, vou comer o seu terno engomado como sobremesa, seu palhaço enfeitado!”
O mijo quente e ácido, aliados a dejetos líquidos jorrou pernas abaixo do invasor, numa cena grotesca e laxativa!


58160
Por Raphael Reys - 9/5/2010 10:06:48
MONTESCLAREADAS VII

Deba de Freitas, notável líder político de antanho, andava pelas ruas trupicando em seus próprios passos ligeiros. Arqueado sob o peso da sua incomensurável pança, um verdadeiro cemitério de galinha caipira.
Quando encontrava algum menino seu afilhado e eles eram muitos, tirava uma moeda de dois tões do bolso e dizia: “Toma para comprar bala Toffe no bar de Adail Sarmento, meu afilhado”.
O hoteleiro Juca de Chichico contava histórias da sua viagem a Transjordânia durante a Segunda Grande Guerra Mundial. Relatava também o causo da garrafa cheia de diamantes que afanara de um garimpeiro que nele confiara. Quando algum passante perguntava: “Como vai seu Juca?” Ele respondia, ao mesmo tempo em que fazia o gesto de trazer para si o interlocutor:” O que aperta não machuca...”
Já o emérito pecuarista João Athayde era circunspecto e de poucas palavras. Andava elegantemente vestido com ternos modelo Scaraveli, confeccionados em cazimira Aurora. Como seu xará, o também elegante João Chaves, usava gravatas borboletas feitas de seda francesa. Pouco aparecia em locais públicos e quando fazia presença, passava a passos largos, pisando de maneira determinada. O olhar sempre fixado à frente e para o alto.
Padre Agostinho Becaussen, pároco da Catedral no tempo em que um cemitério circundava a igreja, falava gritando impropérios. Quando alguém ou alguma coisa incomodava os seus botões, incorporava o bicho da cólera urbana e pulava e gritava como se estivesse numa farândola de diabretes. O seu olhar era impiedoso, o humor inflamado e a sua alma de répobro!
O babalaorixá Zé Fernandes, tinha um flamalial preso dentro de uma pequena cabaça que quedava pendurada no seu altar de santo por uma embira. Quando precisava de algum favor especial, soltava o ente com expressas ordens de só voltar após cumprir a missão.
Como bem relata o jornalista Tião Martins: “Minas tem coisas de que até Deus duvida”, haja vista o bode Zebedeu, folclórica figura caprina que faz parte do corpo ritualístico e do ofício religioso do vodu do Terreiro de Chico Preto. Inspira respeito e medo e quando vagueia pelas ruas do bairro Doutor João Alves a galera lhe abre caminho...
Dia desses, ao passar por um lote vago onde transcorria uma pelada, um morador desavisado apanhou uma pedra no chão com a intenção de arremessá-la no dito. O bode o encarou e disse entre dentes: “Joga se você é homem, seu xibunge!”.
O otário amarelou de susto e medo enquanto vertia água salgada pernas abaixo...


57989
Por Raphael Reys - 4/5/2010 08:01:36
SONHOS, DESAMORES E A LENDA DE ALBANY

- Esta crônica é dedicada a Albany Chaves, com seu ar de mistério!

30/04/2010, Amelina Chaves levou-me, novamente à tiracolo, ao encantado povoado de Boa Sorte. Como condutor e guia: Altair Fonseca. Fomos ao lançamento do livro sobre a saga de Baltazar Duarte, o desbravador do Éden tropical.
No Barreirinho, onde inicia o córrego Bandeira, com o outono já mostrando a sua face monótona, um festival aéreo de folhas em queda sincronizada caiam sobre nossas cabeças. Tocada pela aura poética do momento, Amelina solfejou... “Enquanto o vento dava/as folhas caiam/Siriri cantava/siriri caía...”
Um sofrê amarelo ouro com suas miríades de notas tão altas, encantou-nos com seu canto bem acima da escala do dó normal. Os temidos xinhêns voavam em formação desencontrada próprias de predadores a caçar calangos, teiús e coelhos nas áreas ainda não reflorestadas.
Ao longe, um expressivo matraquear de tucanos nas locas da serra e o leve estrepitar do burrico “Pequeno” sobre o caminho de pedras.
Com um “quantum” de sentimentos eriçados, as nossas almas epidérmicas ansiavam pelas flechas de Cúpido. Aí, nos veio a recordação do poetinha, quando dizia que a vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro nesta vida...
Estancamos o carro para observar o paredão de calcário onde Jacó, um quilombola, ousou alçar vôo com asas de palha catulé buscando a liberdade dos pássaros.
Já à frente da casa de Baltazar e Isabel saboreamos biscoitos de queijo, polvilho e formamos uma roda de dois dedos de prosa. Falamos de sonhos, premonições, fase REM, volitação da alma em sua condição perispiritual, duendes, ondinas e elfos. Comentamos a mania de dar nós de Albany, uma filha de Amelina, Marte noturno, afilhada de Plutão.
Baltazar, o guerreiro branco falou da história do poço da Barra do São Joaquim, o poço do côco da noite! Uma fábula relatada originalmente por Joaquim Rodrigues, que a recebeu de seu avô, que a recebeu de seu bisavô que por sua vez relata a ter recebido do seu tetravô na era do século XVII.
O côco do poço guardava em seu bojo a “noite”, com seus mistérios e magias acorrentadas. Um dia chega a Boa Sorte um estranho e curioso personagem. Talvez um elfo disfarçado e usando chapéu jaberrou, vindo não se sabe de onde e quebrou o tal côco.
Aí o tempo ficou bipartido. Dia e noite, cada qual no seu cada qual!
Durante esse tempo que durou sete dias e sete noites, o dia ficou em cima da Serra do Marimbondo e a noite sobre a Serra dos Caetanos.
Consta que Joaquim Rodrigues, o relator dessa lenda era catimbozeiro. Benzia até mordedura de serpente peçonhenta.
Albany, a filha do meio de Amelina, que nasceu entre sete rebentos acima e sete abaixo, falou do mito da Sereia Do Pente De Ouro, que ofusca com seus raios a visão dos campesinos moradores próximo à lagoa do Riachão. Falou também da grande Jibóia Da Cabeça De Boi, que é a guardiã daquele portal de mutantes e mistérios.
Logo mais as festividades de cultura do município, teatro infantil, ludoterapias, jogos, arrasta pé, discursos e muita emoção com os corações molhados pela chuva fina que caia e inflamados pela aragem que vinha da curva do rio.


57935
Por Raphael Reys - 2/5/2010 10:03:46
O ANIVERSÁRIO DE LOLA CHAVES

Comemorado no luxuoso anexo do Bufê Duca e Nazareth, como bem compete ao gosto requintado da aniversariante seresteira, tudo decorado ao alegre estilo havaiano, contentamento, música, congraçamento e dança sob o céu de outono, resultaram numa festa memorável.
Um verdadeiro festival de energia trocada entre velhos e novos amigos da musa acadêmica, valorizado pelo colorido das roupas, a beleza da decoração e o ambiente logo ficou lotado de gente amiga.
Silvana Mameluque estava linda, pois a sua roupa combinava com a cor do seu cabelo e o talhe europeu do rosto.
Lola, como sempre elegantemente vestida, postada na mesa de frente, atenciosa e divertida como de habito, recebia a todos com abraços. Refletia a sombra intermitente das lamparinas havaianas que saudava os deuses da noite.
A Seresta Lola Chaves encheu o ar de emoções e encantou os nossos corações com a magia nostálgica do seu famoso “pout pourri”. Deu de Chiquinha Gonzaga com a monumental Lua Branca, até o clima boêmio e romântico de Boate Azul.
O momento mais aguardado da festividade aconteceu: Lígia Chaves, um rouxinol campesino, irmã da aniversariante, cantou e encantou com “Guadalupe”. Foi demoradamente ovacionada e logo o palco se encheu de velhas amigas em afinado coro bastante uníssonas. Quem viu, encantou-se!
Entre os componentes da seresta, mestre Jesuíno, um "Lauzinho da Guitarra sem pecado”. O extenso muro caiado, posto lá no alto da elevação das laterais, conferia um clima de privacidade ao evento.
O colorido das roupas dos presentes aliado aos tons da luxuosa decoração, criavam um plano de contrastes com a cor prateada dos cabelos dos incontáveis amigos de Lola que iluminavam a festa.
Dentre muitos e tantos ilustres convidados, que o tempo e a exigüidade deste espaço não me permitem relatar, aconteceu à simpática presença do poeta e agora apresentador de televisão, o amigo Giovanni Santa Rosa e foi um prazer revê-lo.
Fiquei confortavelmente instalado tendo à mesa o casal escritor Haroldo Lívio (Maria do Carmo), meu mestre de letras e para que nossa felicidade fosse completa, ao nosso lado, a musa de todos nós, a admirável e queridíssima acadêmica Yvonne Silveira, presidente da Academia Montesclarense de Letras.
Na ocasião, dona Yvonne relatou que há oitenta anos, quando conheceu o seu marido, o saudoso escritor Olinto Silveira, compôs um poema intitulado “A Noite da Novena”.
O compositor Maya, também presente à mesa, foi quem musicou a obra:
“Cidadezinha nascente/ruas claras de luar/aonde os tristes seresteiros/ louvam ternos amores/nas modinhas a cantar...”.
Carinhosos parabéns e muitos anos de vida, querida Lola Chaves!
Poucas pessoas, como você, recebem com tanta classe, que lhe é congênita, bom gosto e naturalidade, bem à altura de sua nobre linhagem: os requintados e tão admirados Chaves.


57763
Por Raphael Reys - 28/4/2010 07:46:03
MONTESCLAREADAS VI

(Leia na minha pasta de colunista deste site a crônica intitulada “I Almoço Curraleiro de BH)” e JAZZ.)

O emérito guarda costas modelo anos 50 e homem de sociedade, Zé Paraíso, notívago de primeira água, companheiro de copo e de cruz, rodava com amigos diletantes pela noite carregando no coldre um inseparável Schmit and Wesson 38, sempre lubrificado e, por baixo do paletó uma tira de lingüiça fina servindo de currião.
Sapecava os pedaços da iguaria com cachaça queimada e degustava-a como tira-gosto.
Já o saudoso médico e folclorista Walmor de Paula, na mesa do bar Cristal bebia gim tônica, abotoava e desabotoava a pulseira do relógio Tissot, colocando o mostrador para baixo. Fazia palavras cruzadas enquanto solfejava Noel Rosa... ”seu garçom, faça o favor de me trazer depressa/uma boa média que não seja requentada...”
Juninho, o homem espoleta, em 1964 sorvia doses de cachaça Dominante com Jurubeba Leão do Norte no Destak Bar. Afetado pela mosca do amor fez um disparo de treisoitão no próprio ouvido, transfixiando-o.
O projétil, em sua trajetória acertou ainda uma radiola RCA VICTOR que na hora tocava um bolachão de acetato com Nelson Gonçalves cantando... “Violão eu estou muito triste/sem amor sem carinho/solitário na dor...” O cirurgião Crisantino Borém o operou no Hospital Santa Terezinha deixando tudo como dantes!
O pintor de faixas e conquistador de cozinheiras de bar Sales Preto, bebia uísque “cowboy”, escutava “Devaneios” cantado por Júlio Yglésias e quando o bico estava melado só falava em inglês...
Onofre Carne Preta, pai de Fernandinho Boca de Louvor e ex meio de campo do Flamengo, tomava fubúia desdobrada, penteava o cabelo molhado, discutia com os postes de iluminação e ao ver um “de cujus” no caixão dizia: “não falei malandro, que você ia primeiro do que eu!”.
O mestre de obras Adail quando saia para farrear só trajava linho S120 branco. Tomava banho de perfume Mistral e passava a noite batendo as cordas do seu pinho e cantando músicas de serestas.
O fazendeiro Biô Maia colocava uma caixa de fósforos atrás da lente esquerda dos óculos. Impedia, com isso, que os raios solares da manhã ofuscassem a sua visão. Passava o expediente do dia sentado em uma mesma mesa do Bar Sibéria. Ao lado da geladeira com os picolés de água com groselha e com o braço direito amparado na janela. O espaldar da cadeira lhe servia de “bureau”. Pelo vão, atendia e despachava os negócios da sua fazenda, determinava o manejo do gado, acertava expedientes financeiros e tratava até das incursões noturnas nos bares e lupanares com amigos diletantes e companheiros de copo e de cruz.
Na mesa ao lado, bebia o notável fazendeiro Afonso Salgado e vez por outra o seu cavalo de estimação e escudeiro que o aguardava do lado de fora, passava a cabeça para dentro do bar para se certificar que estava tudo Ok com o seu patrão...
Nós somos da roça, mas somos chiques!


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Por Raphael Reys - 27/4/2010 08:09:53
JAZZ

13: h sábado de pouco tráfego de veículos produzindo um monótono ir e vir chegamos ao apê do Chico Ornelas no Funcionários, em BH. Fomos recebidos pelo charme ligth da Dona Rachel e pelo metal de Miles Davis. Logo começamos a bebericar, a dois dedos de prosa.
Confortavelmente instalados, deu para escutar um velho álbum de Chet Baker, estrategicamente principiando com ”So what”.
Com a alma já assimilada pela egrégora da casa e enquanto se ultimava o regabofe, escutamos a mística de The Trumpet Player. Foi servida uma mandioquinha no capricho e fomos comentar o novo cd de José Eymard ‘Clássicos em Ritmo de Bolero”.
Apanhamos o coronel Tininho em seu apê no Baixo Santo Antônio e a lua foi acordada pelo blues de John Coltrane com “Slowtrain”. Apreciamos as gravuras de Georgino Junior, com a influência do forte traço do seu mestre Konstantin Kristof.
Em uma das gravuras, disfarçada pela genialidade do artista e embotada pela malícia de quem encomendou a obra, uma musa da nossa geração, com o seu cabelo de bruxa irlandesa. Não falo o nome nem que a vaca tussa! Muito embora Lê Caré tenha afirmado que o segredo é algo que é revelado para uma pessoa de cada vez.
Aproveitei o clima de magia “in blues” e junto com Dona Raquel discutimos o efeito iniciático, o tubo para o inconsciente de quem lê ’Alice no Pais das Maravilhas”. Tinin tomava scotch, Chico degustava o “rusarô” da boa cachaça “Canarinha” de Salinas e esse cronista tupiniquim, afastado dos prazeres de Baco, sorvia refrigerante com sofreguidão.
O delicioso almoço ultra ligth foi servido ao estilo clássico e eu e o coronel Tinin Silva repetimos a parada gastronômica. Fechamos com um café servido em conjunto de xícaras com gravuras de Miró.
Com a pança cheia, a alma diletante e com sintonas de coração partido pela já chegante saudade tomamos rumo ao apê de Tininho, para a segunda fase do encontro. Ao abrir a porta do oráculo deu pra sentir os duendes do coronel. Aí as nossas almas tomaram um rumo de cavalo manso...
Uma bem montada sala/estúdio onde dá para sentir a banda distribuída pelo ambiente (arte maior do Chico Ornelas). Após alguns experimentos, Chico nos colocou em posições estratégicas para melhor curtirmos a unificação do jazz na nossa alma plástica.
Tinin, como o dito de Kafka; como quem avança sobre a face da água, colocou o seu místico chapéu panamá para sacarmos os contornos distintos do jazz de Diana Kroll em Temptation. Deu para escutar numa boa o blues rondo de David Brubeck em Kathys Waltz.
Eis o traço, eis o laço! O jazz, o grande unificador transformando ralhas de arado em pontas de aço e ferindo os nossos corações, formando a junção das nossas almas suscetíveis. As reentrâncias do meu Eu foram preenchidas na plenitude.
Falamos ainda sobre a bruxa de Figueira. Falei de um amor que não consegui realizar e Tinin me passou uma citação de Willian Blake: “Aquele que deseja, mas não age, exala pestilência.”
Assistimos o especial de um ano da morte de George Harrison.
Com a epiderme eriçada pelo frisson causado pela alma de metal da clarineta, as emoções em desalinho pela presença imprescindível e inevitável do outono, ouvimos Al Green – “How can you mend a broken heart” - e marcamos o próximo encontro para junho.


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Por Raphael Reys - 26/4/2010 19:02:59
NINFAS ENCANTADAS NA PASSARELA DE LEY LOPES

Sexta 23/09, desfile da coleção Outono/Inverno de Ley Lopes, em parceria com a Secretaria de Cultura. Como sou cronista “voyeur”, no “make off” já estava e flagrei a (doce) jornalista Márcia Yelow ensaiando as 28 beldades de Figueira.
A socialite Rita Maluf, charmosa como sempre, dava os últimos retoques no evento de cores, alegria e moda. Sentei e assumi um clima de cavalo manso, para absorver com o mata borrão das emoções o “frisson” da coleção chiquérrima e das modelos que desfilavam sob as ondas encorpadas do rap.
Peças modernas, “teens”, manequins esguias, saltos Luiz XV estrepitando na frágil passarela em tom vermelho esmaecido. De repente, um rosto e um corpo de deusa. Camila! Duas Yasmins em tons diferentes, a beleza de Ana Luiza e as formas perfeitas e o estilo equilibrado de Carla. Deus quando quer, realmente exagera ao construir certas criaturas... Muitas outras beldades desfilaram.
Um corpete negro passa ante os meus olhos sugerindo as artes diletantes de Eros e Vênus. O charme das peças, trilhas de rap, pastilhas que brilham e refletem a luz insistente dos “spots”.
Saia de moderno bufo multicolorido, vestidos com estampas de folhas tropicais estilizadas e, de repente, sinto um frêmito em minha alma plástica e esmaecida: Izabelle! A beleza pura. Um anjo adolescente com os seus chacras umerais.
Estou sentado em triângulo literal artístico com duas musas acadêmicas: a escritora Amelina Chaves e Lola Chaves, a seresteira, que logo é saudada por Marcos Paracatu solando “Amo-te Muito”, composição imortal do seu pai, João Chaves. Igor Silveira, o Cartier Besson curraleiro, apaixonado por mulheres meninas, fotografou tudo para a posteridade.
Sentada em quadro cênico com as colunas rococó do Palácio Episcopal e tocada pelo azul de um “lad”, uma loura sugere uma cena cinematográfica de Feline. Garotas desfilam com tez das modelos de Modigliani, umas quase nórdicas, e passa uma gordinha com um vermelho e negro. A modelo de Stendhal. Outra pintadinha como a garota de Moscou desfila sob o solo frenético do pinho de Paracatu e o ritmo imprimido pelo “crooner” que deu “show” e engrandeceu a beleza da coleção.
“Mamas” atentas e presentes ao evento observam entre severas e estupefatas o glamour das suas crias que enchem de encanto a passarela. Umas modelos tão pequenas e tão frágeis que lembram bonecas de fractais em holograma 3 d.
Márcia Yellow, muito aguardada e aplaudida, “arrasa” na pista de moda com sua beleza natural, seu estilo solto e impactante. Encheu o meu pobre coração eletrônico de esperanças...
Figuras bruxuleantes, móveis e inconstantes na parede azul da Igreja Matriz em uma alegoria ao Mito da Caverna de Platão, que queda na eternidade, ou mesmo no “panteón” sem saber do fulgurante desfile!
Parabéns a Ley Lopes e a Secretaria de Cultura pelo evento.



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Por Raphael Reys - 22/4/2010 09:35:43
O IMPERADOR DAS ALTEROSAS

Relata Eustáquio Tolentino que: “Não existe em BH ninguém melhor cicerone e anfitrião do que Augusto José Vieira Neto, herói tupiniquim, filho de Mercúrio e Vênus e afilhado de Baco. Que me perdoe Dona Maria Helena, sua mãe biológica!”
Foi meu mestre e guia em uma empreitada litero-etílica-luxurienta pelos portais diletantes de magia noturna da capital de todos os mineiros. Percorreremos em missão literal, trilhas de sofreguidão dos filhos da noite.
Iniciamos o maravilhoso périplo às 8 e meia no Restaurante Linha D’Água, recebidos pelo garçom Vantuil, personagem das crônicas do Bala. Fomos servidos por dois garçons: Carlinho, de Porteirinha, e Raul, galã argentino oriundo do bairro La Boca, da Buenos Aires de Perón e Evita.
Curtimos o piano de Vicente e a bossa de Lívia que nos brindou com “As Time Goes Bye” e “Close to You”. As passarelas da casa já fervilhavam com a presença de executivos e o desfile de manequins e modelos. Predominavam as louras e blondes, além de algumas morenas de arrasar quarteirão. Só em nossa mesa de abertura havia quatro louras aquarianas estilo madame Chanel e bocas de volúpia.
Augustão, por onde passa deixa uma multidão de admiradores e amigos. Na casa já imperava a lei antifumo para desespero dos aficionados. Dali, rumamos para o Primo Prima Prime, há mais de quarenta anos sob a batuta do mineiríssimo Otávio Clementino, o “Rei da Noite”. Na casa, muitas celebridades do mundo das finanças com seus bolsos barrufados. Em destaque, Wanderley Luxemburgo, técnico do Galo e amigo do Bala. Abafou, sendo paparicado pelos inúmeros admiradores e admiradoras, que flechavam em cima. Deu o maior “frisson” e a boate fervilhou como um “night club da Broadway”. O “scotch” Buckanas correu solto, as luzes vestiram roupagens de penumbras e os desejos se manifestaram explícitos.
O Grupo Retro, com Eustáquio Augusto e o suingueiro Gilson Cruz encheu a noite de bossa e balanço.
As emoções subiram e as feras do Eu, contidas pelo social, se manifestaram. Ficou tudo planificado, a galera cantou, dançou e rolou na pista sintecada. Foram dados amplexos entre côncavos e convexos. Ósculos úmidos, selados ou sugados entre lábios que se buscavam na amplitude inusitada da noite de magia.
Às cinco da matina Augustão deu uma canja num moderno piano de cauda, tocando músicas de Noel Rosa e tendo como “crooners” Otávio Clementino e Wanderley Luxemburgo. As almas se tornaram afins e o embriagado coro dançou e cantou uníssono.
Estava aberta a porta que nos separava do vazio opressor da metrópole. Ao longe, as formas simétricas e desencontradas dos espigões de concreto armado, a fuga esmaecida das cores desgastadas, o baticum frenético dos veículos destramelados que ferem o vão entre os sólidos edificados. Os tentáculos da sobrevivência já nos abraçavam, sentia-se um clima de outono ainda imprevisível.
Na face, uma mancha “rouge” de baton, um fio de cabelo feminino entre os dentes e o palato, uma fragrância de perfume embriagador no cangote moreno, o sabor da epiderme dela, com um leve traço de “scotch”. A alma refletida no olhar embriagado...
A porta do carro é aberta, surge uma mão com os dedos entrelaçados apoiados em uma na coxa quente. Há um beijo sugado, uma promessa de orgasmos múltiplos, uma entrega, uma súplica de amor bandido!
Do rádio portátil do segurança da boate ouvimos um resto de tango, um fundo musical embasando a saudade do momento perpetuado nesta crônica.


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Por Raphael Reys - 20/4/2010 07:40:14
I ALMOÇO CURRALEIRO DE BH
(Relatório de Viagem)
Sexta, 16/04/2010, l4 horas, Mercado Central de Belô, Restaurante “Casa Cheia”, considerado um dos três melhores da cidade. Tão lotado que, mesmo tendo sido feita a reserva antecipada pelo figuraça Felippe Prates, habituê, amigo diletante e figura muito querida da casa, ficamos por algum tempo acomodados nos corredores do excelente local, muito paparicados e bem tratados e só às 3 e meia nos instalamos à mesa e iniciamos, por sugestão do “gourmet” Felippe, a degustação do tão desejado “Mexido Chapado”, campeão da Comida de Boteco. Uma delícia e sua fama é justíssima!
O ar da festividade ainda não transparecia e nós, os escritores da roça, Felippe, Augustão Bala Doce, o notável, o “coronel” Juventino Silva, o galã, conquistador e degustador de louras de duas pernas, meu ex-cunhado Leonardo Campos, com seu sorriso de gato que comeu o canário do vizinho, já viviamos ótimos momentos.
Integravam, ainda, nossa emérita patota o jornalista Alberto Sena Batista, detentor do Prêmio Esso de Reportagem, em sua discreta alegria, Chico Ornellas, o célebre, sempre polido, um mestre anfitrião e este cronista curraleiro, autor destas mal traçadas.... Tomaz Capiau, ausente, foi chamado para depor urgente na Cidade Maravilhosa. Coisas da vida.
Uma aura de encantamento e recordações entre esses sessentões e setentões filhos de Figueira, portadores da semântica libidinosa do homem da roça. Felippe nos recebeu calorosamente e surpreendeu pela sua elegante barba estilo lorde inglês. Eufórico, pois em outubro irá para Stratford-on-Avon, terra natal de Shakespeare,na Inglaterra, a ilha da Rainha, a convite e estará sob a direção da primeiríssima especialista no genial dramaturgo inglês em toda América Latina, Bárbara Helidora, hoje com 88 anos, também famosa e rigorosa crítica de teatro no Rio de Janeiro, que há quarenta anos comanda um grupo do qual Felippe faz parte, de “estudiosos e admiradores da obra de Shakespeare”. Anualmente, o “Imperial Department of Art” do Reino Unido, seleciona e convida grupos semelhantes do mundo inteiro para encenarem peças de Skakespeare na terra do autor inglês, tudo por conta da Rainha e com polpudos prêmios em libras esterlinas para os melhores. Felippe lá estará, interpretando o papel título da peça “King Lear” com barba natural e na certa brilhará como rei, esbanjando talento e muita competência! Ele já incorporou o personagem e está a cara e o jeito do puro rei inglês!
A pedidos, deu uma “palinha” e brindou-nos, no original, com uma fala do seu personagem: “A bebida trás três coisas: Nariz pintado, sono e urina. Ela provoca e “desprovoca”, porque dá apetite, mas prejudica o desempenho...” Leonardo Campos empolgou-se com a pose e o inglês cristalino do nosso artista e retrucou teatralmente, em cima do pedido: “To be, or not to be, this is the question!”
O jornalista Joaquim Maurício, o Nenzão, participou emocionado do encontro em espirais metálicas, pela telefonia móvel. Falou um pouco com cada um e pediu empenho na divulgação do nosso livro “Eramos Felizes e Sabíamos”, escrito pelos sessentões montes-clarenses que participaram da festa de congraçamento ”Dois Pra Lá, Dois Pra cá”, em 2008.
O lançamento ocorrerá no próximo dia 04/06, no Bar Viena, em BH. Apresentei dois livros eróticos da escritora brejeira Amelina Chaves, Leonardo autografou seu excelente último livro “A Inacabada Família Humana”, para vários leitores. Segundo o renomado crítico literário Felippe Prates, o livro do Leonardo é uma obra prima! Evento curraleiro da mais pura emoção entre aplicadores do murrão da roça.
Felippe, Augustão e eu roubamos a cena contando causos do maior escudeiro de Moc, Zé Paraíso e do cabeceira Zé Amorim. Alberto e Ornellas quase não degustaram o petisco, pois riam às bandeiras despregadas... Desopilaram o fígado “opilados” pelo natural estresse da metrópole.
Foram comentados vários livros dos presentes que estão no prelo, e outros sendo escritos e Chico cobrou o lançamento dos meus, versando sobre a história e personagens da nossa terra e que estão de molho, aguardando patrocínio ou dinheiro “cash”.
Alberto falou do seu jornalismo nas Alterosas e da campanha que faz, para devolver à nossa Praça Coronel Ribeiro o ar romântico e rococó dos anos 60. Tinin aproveitou e perguntou se eu, aos 62 anos, ainda mantinha o mesmo sempre invejado e notável intumescimento dos corpos cavernosos!...
Combinamos reeditar, duas vezes ao ano, outros encontros “lítero-etílico-libidinoso-gastronômico-tupiniquins” e, inicialmente, ficou marcada a próxima edição para outubro vindouro, em data a ser definida.
Vida longa aos inimigos, para assistirem de pé, a nossa glória!
Nós somos da roça, porém “très” chiques. Quem viver, verá!


57163
Por Raphael Reys - 13/4/2010 07:49:25
Almoço curraleiro, dia 16/04 sexta-feira 14h, restaurante Casa Cheia, Mercado Municipal, BH
Estaremos reunidos para o “Primeiro Almoço Curraleiro”. São saudosistas a recordar, com um exercício de dois dedos de prosa, a nossa Montes Claros de antanho. Estarão presentes, dentre muitos sessentões, setentões e oitentões, as TRÊS GERAÇÕES DE OURO da nossa urbe romântica, que democraticamente pagarão cada qual a sua conta. Lá estarão os montes-clarenses:
Augusto Viera Neto, acadêmico, escritor. Felippe Mattos Prates, jornalista, escritor. Raphael Reys, jornalista, cronista. Alberto Sena Batista, escritor, jornalista. Leonardo Álvares da Silva Campos, jornalista, escritor. Francisco (Chico) Ornellas, executivo, músico, intelectual. Thomaz Maia, intelectual, o famoso Thomaz, personagem referido nos filmes de Carlos Alberto Prates e que levará alguns janaubenses, ex moradores da nossa terra de Figueira, também saudosistas e que residem nas Alterosas. Aguardamos as participações dos jornalistas Carlos Linderberg, editor do Hoje Em Dia e Tião Martins, emérito escritor e cronista mineiro.
Falaremos dos bons tempos em que às três gerações freqüentavam as boates Maracanghália e a Casa de Roxa. Dançávamos tango a meia noite tomando White Horse cowboy extasiados ante a beleza das mariposas Ceci, Aurora, escutando Dincanga cantando “Marta/campolita del rosa/Marta, campolita flor/ Marta...”.


57111
Por Raphael Reys - 11/4/2010 14:52:18
MONTESCLAREADAS V

(“dedicada ao nosso querido Gerinha Português que recentemente retornou das Alterosas onde foi submetido a intervenções cirúrgicas com absoluto sucesso” - receba, pois a homenagem do cronista e do www.montesclaros.com.)

Biótipo mignoni, caucasiano, olhar atento, desconfiado e devastador. Andar rápido balançando os braços que nem pistoleiro da máfia. Para de repente e se volta para trás buscando surpreender alguém que o observe. Aí dá uma esculhambação no dito cujo. Sua missa é de corpo presente. Não despacha para o bispo.
Fez história em nossa urbe como valentão arrochado. Com ele é assim: treitou relou, incorpora o bicho e bota pra quebrar. Não tem coré coré. O murrão da roça come em cima do pedido. Afinal estamos falando do “chas and hand” Gerinha Português, que embora não aparente ser é um executivo das finanças.
Engana a todos por ser baixinho, tipo “tampa de binga” não tem porte de financista. Nos anos 60 era um verdadeiro romãozinho nas noites e dias dos Montes Claros. Líder da famigerada Trinca que levava o seu nome e bagunçava o coreto. Aonde ele chegava era sinônimo de quebra-pau.
No auge das suas "altas presopopéias" chegou a pegar garupa em traseira de teco-teco e foi vítima de vários disparos de arma de fogo, entre outros, do famoso valentão Walter Zorro. Estava carregando seu patuá e as balas desviaram do alvo, muito embora os disparos fossem à queima roupa.
Como tinha pinta de membro da Camorra Siciliana, alguém chegou a dizer que ele era um “capo”. Não se sabe bem se um “capo”, um “capo di capo” ou um “capo de tutti capi”. Ele tem o corpo fechado e faz da vida a métrica platônica: tragédias e comédias.
Quando jovem chegou a se cogitar atuar numa longa metragem chamado “O Chefão da Chapada”. Uma lenda viva!
Já sofreu uma boa dúzia de atentados. Bala comum, dum dum, faca, facão, foice e macumba feita em Nazaré das Farinhas. Foi mordido e rasgado por um valente cão policial, picado por escorpião urutu preto e por um casal de cobras jaracuçú-malha-de-cascavel, as famosas queixo-de-burro. Levou pancada com barra de ferro e soqueira.
Ele é blindado por fora e por dentro.
É um pequeno “capo” da terra de Figueira. Um chefão tupiniquim e, como leva a vida na maior ironia, mantêm sempre na face um sorriso de gato que comeu o bicudo de estimação.
Pai extremado e avô coruja anuncia-se para quando completar os setenta anos de vida receberá os amigos e a galera de admiradores numa festa de arromba que, segundo o escritor Augustão Bala Doce, vai balançar o Automóvel Clube. Para o evento, vem gente do país e das estranjas. Dos Mesquita, “entramiando” com aos Rocha, até os Wanderley.
Ele é o Capo do Pequi!


56956
Por Raphael Reys - 7/4/2010 15:25:48
MONTESCLAREADAS IV

Como até as pedras se encontram, estive no Quarteirão do Povo para dois dedos de prosa com a dupla dos setentões antagônicos de Moc City. Um, o lobo urbano Ronaldo Toffani, cobra mais do que criada na escola da vida. O outro, um exemplo de cidadania, o pecuarista e cinéfolo Gegê Gomes.
Ronaldo, o mestre da ironia, cuca leve, “dolce far niente” , pé de pano estilo canastrão de Roliude. Emérito dom Juan de alcovas tropicais, herdeiro natural e adepto da Lei de Gerson. Sempre vestido elegantemente. Como todo bom filho de Figueira, católico de dia, macumbeiro à noite.
Quando interage com algum interlocutor deixa transparecer na expressão, uma môfa!
Carrega no pescoço um patuá feito em Nazaré das Farinhas na Bahia e no bolso das calças bem talhadas uma reza de São Cipriano, fechando o corpo contra bala de namorado, noivo ou marido ciumento.
O outro, criador de gado da mais alta supimpitude, filho de família tradicional, mui digno executivo da Fazenda Larga onde a fartura é tanta que colonião dá mais alto que telhado de casa e caititus anda em bando e são abatidos de porrete. Mantém sempre na face um sorriso dócil e conciliador, que é a sua marca registrada.
Embora tenha nascido em berço de ouro se comporta e se veste com parcimônia. Polido, discreto, cortez, profundamente religioso. Um exemplo de cidadão. Chega a ser um simplista.
Tete a tete comigo, esses dois ilustres montes-clarenses, tão diferentes em personalidade o que reforça o dito da canção portenha: “cada qual com o seu cada qual” Ou, cada alma com a sua missão.
Se algum dia, as companhias cinematográficas Metro Goldwin Mayer ou mesmo, como bem diria o saudoso Lezinho Lafetá, a “Vinte Tê Agâ Centuri Fé Ô Xis”, viessem a Moc City fazer uma longa metragem sobre a nossa verve campesina teriam dificuldades estruturais para compor o elenco, tal o farturão de artistas...
Acontece que aqui só tem estrela, galã de primeira e para fazer papel de bandidos e demais coadjuvante teria que vir gente das cidades vizinhas. Exceção do Brejo das Almas que, como em nossa urbe, só tem cabeceira.
E para concluir a crônica ao bom estilo Withimiano, uma história da mais pura poesia interiorana. Conta o nosso Gegê Gomes, que no início dos bons anos 50, quando ele ainda era um galalau, dona Yolanda, sua vizinha na rua Doutor Veloso lhe narrou à história do menino “Pelau”.
Acontece que o infante tinha um passarinho de estimação que veio a morrer de morte morrida. A cena final do filme tupiniquim é o garoto com o pássaro em ”de cujus” na mão e no maior chororó. Outro menino, seu vizinho empático, para consolá-lo teria dito: “Chora não “Pelau” que ele foi para o céu!”.
O apelido “Pelau” dado pelo pai do curumim fora copiado de um personagem extraído das páginas de Camões.
E como diria o saudoso montes-clarense Deca Rocha:
- Nós aqui da roça, somos curraleiros, mas somos chiques!


56793
Por Raphael Reys - 1/4/2010 13:53:54
MONTESCLAREADAS III

O saudoso José Carlos Priquitim afiançava que o músico e “show man” Tico Lopes era um dos poucos montes-clarenses que conhecia as cidades similares do mundo: Paris e Patís, Londres e Lontras, Japon e Japonvar.
Os companheiros, Tico e Didú Tourinho com o quengo cheio de cachaça Viriatinha, antes de embarcar na última excursão a cidade luz combinaram que chegando ao destino iriam esvaziar as bexigas na estrutura metálica da Torre Eiffel. Dois berros dàgua tupiniquins!
Já o saudoso Ernesto, escudeiro de Zim Bolão encontrou no Quarteirão do Povo um grande prego caibral e o guardou na caixa registradora do bar. Chega Florisvaldo Kroger (Piloto), encarregado de serviços da Fábrica de Cimento e informa que fora capturada uma lagartixa gigante que vivia nos filtros Portland da companhia.
De tanto tempo estava lá que adquirira de tamanho de um jacaré.
Ernesto apanhou o prego caibral, deu ao Florisvaldo avisando: Leva o troféu que o primeiro lugar é seu!
Já o notável nervosinho Onofre Baixim, ou Onofre Bocaiúva atravessava distraidamente a avenida Coronel Prates, próximo a Santa Casa. Por um triz quase foi atropelado por uma bicicleta. Em cima da via de fato o ciclista descarregou a verborréia nervosa: sai da frente seu capiau. Decidido, Onofre deu um pulo e sugigou o paspalhão pelo pescoço, o esganando.
Evandro Alcântara, o popular Canzil Atleticano, vestido à caráter com as cores do clube, adentrou na Igreja Matriz quando o Padre Dudu iniciava o sermão na missa dominical. Foi ao altar e fazendo um sinal de OK! Falou: Tcham...
O reverendo mudou a retórica do sermão exortando a excomunhão dos ébrios e, clamando ao poderes celestiais a os enviar, na pós-morte, aos umbrais do Inferno de Dante. Terminado o esculacho doutrinário, Canzil virou-se para a patética assistência e sintetizou: dancei...
João Samba, em seu gabinete dentário, ministrou anestesia em uma paciente. Enquanto aguardava completar o competente bloqueio sensório, e para aliviar o estresse apanhou uma vassoura e saiu dançando um pas-de-deux pelo corredor ao som do rádio do vizinho que tocava Besame Mucho...
A paciente viu a cena e gramou o beco na carreira!

Nós somos assim, mas somos chiques!



56591
Por Raphael Reys - 26/3/2010 15:00:08
MONTESCLAREADAS II

Alguém chegou a dizer que o amor é o princípio de todas as virtudes e de todos os vícios. A sabedoria popular, em sua costumeira verve, nos adverte de que a teoria na prática é diferente.
Aqui na curraleira terra do pequi, Zé da Lagoinha era considerado o maior boca de mentira. Certa feito estando em uma mesa de boteco, próximo ao Clube Pentáurea, tomava uma salutar cachaça Viriantinha e jogava conversa fora relatando uma visita que fizera à cova em que estava enterrado um amigo, no Cemitério Santo Antônio.
Contou que da primeira visita encontrou a cabeça do “de cujus” aflorada na tumba! Seis meses após, na segunda visita, já aparecia o umbigo do amigo que batera a caçoleta. Na terceira, feita um ano depois, o dito morto estava sentado na terra fofa.
Quando ele, o mentiroso, veio a falecer, ao saber da notícia do passamento, disse a mãe do recém finado: “Já vai tarde esse mentiroso!”.
Já o competente e saudoso Miltinho Pintor, notório morador do Beco do Marimbondo, emérito tomador de gim tônica, amigo de Dim Lampião e funcionário da Oficina 212 que era gerenciada por Wanderley Leitão na Dulce Sarmento, pintava a porta do caminhão G 700 do valente Bolívar Batista, quando foi açulado por alguém.
Como a sua missa era de corpo presente, respondeu em cima da bucha provocativa: “Eu não sou da lagoa e não perco para sapo. Além do mais, estou acordado para mais de seiscentas nações!”.
O povo da nossa vizinha Chico Sá, vive dizendo que a sua urbe é, à bem da verdade, o bairro mais elegante de Montes Claros. Como são eméritos tomadores de cachaça, jogadores de baralho e sempre tem uma quenga por conta, nós, os filhos de Figueira, os consideramos irmãos da roça e cidadãos montes-clarenses.
Dia desses, conversava com um ilustre brejeiro, afamado fazedor de vida com as cartas e cavaleiro do pano verde e da campista, tecíamos reflexões filosóficas sobre o tempo e a eternidade.
Como essas, são questões metafísicas, não muito apropriadas a quem vive do expediente da noite e suas artes, respondi com uma tirada do portenho Jorge Luiz Borges: “A eternidade é um jogo, ou uma corrida de esperança!”.
E para não sair do “pisadô” borgiano, arrematei dizendo que o jogador de baralho é um ser isolado em sua abstraída concentração do alheio desenrolar da vida.
À bem da verdade, a nossa conversa era uma tremenda fidumaeguagem...
Nós somos assim, mas somos chiques!


56461
Por Raphael Reys - 23/3/2010 08:50:02
MONTESCLAREADAS

Refletindo o dito de Lê Carré, em fazer excursões acadêmicas pelo ministério do conhecimento humano, veio à minha memória algumas curraleiragens próprias de montes-clarenses saudosos.
Zé Amorim no bar de Edson Barrão conversava com o próprio quando viu dele se aproximar um conhecido fazendeiro todo posudo. Vestido nos trinques, sapato de pelica, relógio e pulseira de ouro, anel de brilhante no dedo. Zé aponta para o recém chegado e diz maliciosamente: “Aí tem coisa!”.
Conversava com o delegado Guedes quando passa um conhecido. Esse, bastante pálido e apresentando sinais de decrepitude. Zé fala, na bucha: “Nesse ponto em que o traseiro murcha é sinal seguro que logo vai dar cemitério”.
O arquiteto Cascão, por telefone, solicita um encontro com o Zé no Café Galo. O motivo é pedir autorização para preparar um livro contando os causos e verve do Zé. Cascão chega, um gigante de tamanho e dado à fria aragem de junho vestido com uma camisa de lã, manga comprida, listras ao estilo rural americano.
Do outro lado da rua o Zé vendo o candidato a escritor fala: "pode atravessar a rua lenhador canadense F.D.P. O livro sobre minha vida, só depois de morto. Já imaginou a patroa lendo histórias das minhas estripulias”.
Logo chega o Dácio Cabeludo e o Zé, vendo o ex-bancário João Lima ao longe pergunta ao Dácio: “Você conhece esse sujeito barrigudo com a sacolinha de frutas?” Cabeludo retruca: “Esse “fiduma” me fez passar a maior vergonha recentemente! Acontece que fui ao Banco da Lavoura pagar uma conta com urgência! Como a fila estava dobrando o quarteirão e ao ver o João chegando à boca do caixa, fui de mansinho e falei aos seus ouvidos: “Paga esse pepino para mim que é uma urgência”. O último prazo é às quinze horas de hoje!”.
Prosseguiu relatando: “O homem deu o maior esparro! Gesticulou, como um louco e disse: Você está doido! O pessoal da fila vai me crucificar!” Entregou-me de bandeja!
Em uma crônica publicada em jornal local, o médico, seresteiro e poeta João Vale Maurício fala de um diálogo que teve com alguém sobre o vetor do Mal de Chagas. No diálogo, o popular disse: “Fui picado por um barbeiro!” Maurício, esclarecendo, responde: “Barbeiro não pica. Barbeiro chupa!” Foi o bastante para que os oficiais barbeiros da cidade dessem o maior chilique!

(Crônica dedicada ao ilustre montes-clarense TETOR MAIA. Nosso leitor em Campo Grande!)


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Por Raphael Reys - 18/3/2010 07:41:12
CLIQUE CHARMOSO

Nos românticos anos 60 o charme do homem era ter flar play. Assumir um ar blasé, cigarro Columbia pendurado no lado esquerdo da boca, à moda francesa. Acendê-lo com o estalido de um isqueiro Monopol, que refletia a chama na superfície metálica e lisa.
Numa rodinha de amigos ou na mesa de um bar da moda, acendia-se o Lyberty Ovais com um moderno isqueiro Ronsom. Lançavam-se as baforadas em espirais para o ar, um caracol encaixando no aro do espiral anterior, à moda Humphrey Bougart. Provocava charme clicar um metálico Zippo no escuro da festinha e ver o brilho da chama nos olhos daquela gata linda de blusa banlon.
Tempo da figura clássica do velho garçom que tentava acender o cigarro da madame com a chama diminuta de um Cartier. Detetives ao bom estilo Ellery Quenn, mordendo o bocal da cigarrilha e acendendo-a com um Dupont folheado.
Ricos usavam Dupont de ouro maciço para acender os charutos Habanas puro!
Diplomatas internacionais e gangsteres de Chicago ou mesmo do cais de Marselha, usavam um colibri metálico com a imagem de uma Madona incrustada a ouro em baixo relevo. Aventureiros e escroques internacionais, jogadores e cupiers em cassinos de luxo, usavam um Zippo Saint Seiga, quando fumavam o seu cigarro turco do fumo adocicado.
Intelectuais, pintores e artistas famosos acendiam as cigarrilhas com um bom isqueiro Tibúrcio tendo na tampa gravado um motivo de Kama Sutra. Algum metódico acendia o seu cigarrinho com fósforo e devolvia o palito queimado para dentro da caixa. Puro detalhe.
Os aventureiros Don Juans, casanovas, lascavam o palito de fósforo russo no meio e lançavam a banda no cinzeiro com o impulso do dedo médio.
Criminosos usavam um isqueiro Zippo, que era municiado com uma bala calibre 22. Aptos a díspar um besouro sem asa na face da vítima quando estavam em algum beco.
Intelectuais dos Montes Claros, aqui no Norte de Minas, barranqueiros das margens do Velho Chico, foiceiros, vaqueiros, capatazes, personagens e leitores de Petrônio Braz, com sua magnífica obra “Pilão do Serrano Arcado” acendem o paieiro feito com fumo sergipano com um bom isqueiro “binga” ou mesmo um boque, com a “cornicha” com a faísca tirada de uma lasca de pedra atritada contra um pedaço de metal.
Produzia-se fogo com a binga, o pendente um longo cordão âmbar e a isca de pedra provocavam a queima do pavio de algodão.
Modernos executivos da Avenida Paulista, da Wall Street usam um Zippo modelo BLU a gás butano, ou mesmo um Silver Matcth-sm, com bico de lança chamas. Intelectuais modernos e leitores de Jorge Luiz Borges tinham um isqueiro Can-Pacific, modelo rococó.
Big Mam, Capos e mafiosos diversos, tuto bona gente, usavam um Calto Maltese quando não inventavam moda e acendiam o charuto com um palito de fósforo francês.
Não nos esqueçamos dos cow-boys da nossa infância, que riscavam o palito de fósforo na sola da bota Texana ou no traseiro da calça jeans, muitas vezes dos outros...
Cada qual com o seu cada qual!


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Por Raphael Reys - 12/3/2010 14:54:30
BOCA DE MENTIRA

Segundo o poeta Ferreira Gullar, não se devem desmentir histórias inventadas, pois a fantasia excita bem mais do que a realidade. E o que é a verdade? Neste mundo grande e bobo de ilusões efêmeras a própria realidade é um engodo. Um jogo de fractais!
No pórtico da pirâmide de Guizé encontra-se gravado em baixo relevo o axioma: Decifra-me, ou devoro-te! E o escritor espanhol Calderon de La Barca pergunta: a vida, sonhos são? A vida é, portanto, um enigma. A mente humana é atraída pelo mágico, pelo transcendente e as nossas emoções são um joguete do nosso atávico e do que foi indevidamente codificado no subconsciente.
Sidney Miller relata que: metade de minha vida eu vivo, a outra metade me contam! A mentira e a fantasia produzem uma ação tão intensa que chega a criar e destruir mitos. Tenório Cavalcanti, notável político da baixada Fluminense de antanho, conta em suas memórias que: tudo o que fez para construir a sua aura de valentão e destemido foi projetado por ele mesmo, por antecipação, com intencionalidade.
Carregava o seu revólver com balas reais e de festim, alternadamente. Para dar o seu show e dizer que tinha corpo fechado na Bahia, apontava para um obstáculo e disparava acertando-o. Ato seguinte apontava e disparava com a bala de festim para a sua própria mão. Todo mundo acreditava! Gente é bicho besta. Diz um estudo que em cada 10 mil pessoas, uma só tem inteligência emocional e capacidade de pleno discernimento.
Dentre os boca de mentira da nossa terra, começando pelo cronista que escreve este texto tem de todo tipo. Alguns ouvindo de outro saem falando, outros dizem terem ouvido contar e vendem pelo mesmo preço que compraram, uns dizem terem ouvido e visto e por isso contam. Há os que ouviram no Café Galo no Kentura Kente ou na sauna do AC e só por isso saem contando.
Aqui na terra de Figueira tem local que só dá boca de mentira. A barraca do Ceará, na Praça da Matriz é freqüentada pelos mentirosos que têm a testa enfeitada. Na porta do Shoping Popular, encontramos pacientes geriátricos que tomam comprimido azul, sem efeito, e mostram os pacotes de preservativos. São os falsos roedores de pequi!
O antigo pátio da REFFESA tinha um Pedro que era campeão. De tanto mentir os seus lábios engrossaram e a sua boca ficou levemente torta. Os freqüentadores da porta da galeria gay no quarteirão fechado da rua Simeão Ribeiro, ouvem Jerry Alfaiate contar uma mentira e Zezão Relojoeiro desmentir e contar outra, ao mesmo tempo em que falam da vida de Paulinho Relojoeiro. Enquanto isso, Nenga Ourives rola de tanto rir.
Quase nos esquecemos de citar o próprio Paulinho Relojoeiro. Esse já desceu rio nas costas de jacaré, pilotou avião em parafuso e conversou com extra-terrestes no alto dos Morrinhos. O maior de todos, entretanto, é um moto taxista vendedor de lanches, da cabeça branca que tem apelido de fruta tropical e mora na Vila Guilhermina. Ele viaja de helicóptero com o governador, é assessor de Lula no Norte de Minas e supervisor do SINDACTA 1!
Nós temos história, somos da roça, mas, somos chiques!


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Por Raphael Reys - 8/3/2010 18:53:46
A MÚSICA TEMA

Entre os anos 70 e 80, a nossa urbe não tinha uma rede de hotéis à altura de receber executivos, homens de negócios que por aqui aportavam. A nossa população flutuante sofria até com falta de água que na cidade era trocada por votos.
Aí, a Casa de Edna, conhecida empresária da noite, atendia a todos com sua natural elegância e colocava o visitante à vontade. Farta cozinha e diversão diuturna. Um portal de Baco e Vênus.
Na noite, os notívagos e visitantes tinham como opções o restaurante da Rodoviária e o Bandeira Dois, onde se encontrava os políticos, os comerciantes, os empresários e as autoridades da cidade, que ali estava por prazer e outros a serviço.
Funcionava de forma precária o restaurante Espeto de Ouro, O Mineirão e o tradicional espetinho de Bruno, servido à porta da casa de Edna.
Os nossos visitantes sofriam com as estradas esburacadas, com a falta de água, a pouca quantidade de ônibus a serviço das linhas que interligavam o norte de Minas a nossa cidade, que eram administradas pela subjetividade dos proprietários, nem sempre aptas à modernidade.
A casa der Edna, com seu bom atendimento, diversão garantida, fervilhava como um nigth club. A sua orquestra era composta por: Tião no baixo, Piuruleta na bateria, Tone Barroca no pandeiro e Lauzinho na guitarra.
Como o pianista Saches fazia em sua boate no Rio de Janeiro, ao chegar algum freqüentador ou freguês importante, Lauzinho solava na guitarra a música preferida do recém chegado. Era um código da noite, assim todos ficavam sabendo da presença do famoso.
Edna quando chegava, solava-se Menino da Porteira, os nordestinos João Nariz de Cachorro e Casimiro eram saudados com Asa Branca. Manoel do Bandeira 2, namorado de Edna, era recebido com a música A Distância, Geraldo Rego com Boemia de Adelino Moreira e João Pena com O Menino da Gaita.
Muito habitue e notívagos eram saudados com música internacional o que dava um colorido especial ao salão da casa. Outras músicas, quando tocadas funcionavam no código da noite, alertando sobre perigo da presença de algum presepeiro que adentrasse no recinto, assim como os otários abarrufados e os alcagüetes de polícia.


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Por Raphael Reys - 3/3/2010 08:31:50
O LIVRO “OS BARES NUNCA FECHAM”

Li a boneca do livro ‘Os Bares Nunca Fecham” da acadêmica Karla Celene Campos. Como uma câmera e a inspiração de Fellini, faz um longa metragem literário por botecos e espeluncas deste mundo doido e globalizado. Mostra-nos um universo encantado entre mesas, garçons, notívagos e o sabor horrível da cerveja “Nostradamus”, servida em Barcelona, na Espanha.
Trafega desde o Coxixo com dois “X”, dos bares geração Elite, onde se sorve o hidromel dos Orixás até um chope em Salamandra, terra de Sancho Pança. Passa mesmo por botecos em Januária, rincão onde muitos garantem se produz a melhor cachaça do mundo e no dizer do notívago Genival Tourinho, habitam as melhores raparigas do planeta.
Chega a encontrar o fluir das sensações de Leopold, um personagem da “Stream of Consciousness”, de Joyce, em seu paredão de granito “Ulísses”. Fala de Almeida, um tio boêmio e de escudeiros como Black. Cita as almas de bêbados que fogem dos Hades e retornam ao bar para sugar ectoplasma no “duplo-etérico”, que recende do “oroma” do álcool.
Faz-me lembrar o Bar do Toin, no Mercado do Cajueiro em Teresina (PI), onde a alma do professor Lamartine do Monte, antigo freqüentador, aparecia nas manhãs de domingo vindo do nada e dando gritos na galera que bebia cachaça Mangueira. Botava todos para gramar o beco, na carreira!
Comenta da vivência dos que freqüentavam a Cristal nos anos 70 com o seu globo transparente cheio de bombom Sonhos de Valsa, sonho de toda criança e o movimento estudantil nos tempos da opressão. Caminha desde os ambientes mais luxuosos até o caleidoscópio de arte da Cahaçaria do Durães, com gravuras de Frida Kalo e Diogo Rivera. Entre os freqüentadores circula o galo Flávio e a galinha Marieta.
Relata-nos os instantâneos fotográficos (momento único) pelos bares do mundo. Papo de boteco, viagens, amores, solidão, surpresas, confidências e novas amizades. Revela-nos a roupagem extrovertida da sua personalidade, o seu gosto pelas artes e vê o lado humano e epidérmico dos tantos personagens encontrados em mesas, entre bafos de cerveja, corações partidos e garçons de “summer” e gravatas borboleta.
Desperta em mim a memória do “bodum” que exalava do WC do bar Sibéria, onde Biô Maia bebia com uma caixa de fósforos presa à lente esquerda dos óculos, impedindo que os raios de sol da manhã ofuscassem a sua visão.
O livro está no prelo. Logo ocorrerá o lançamento.


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Por Raphael Reys - 26/2/2010 14:45:44
DUAS CURRALEIRAGENS.

1968. Em execução o tão sonhado asfaltamento da BR 135, ligando Montes Claros e outras cidades do norte de Minas a Belo Horizonte, e dali ao resto do país, seguia de vento em popa sob a coordenação do competente DER e, o topógrafo mor dessa terra de Figueira, Paulo Moreno, contratado para gerenciar o projeto de sinalização.
Próximo ao Restaurante da Cearense, enfincado na exata divisa da nossa cidade com a vizinha Bocaiúva, Moreno, tomou acento na caderneta de campo que ali se colocariam a placa de divisa dos municípios. Com base nesse indicativo, a palhoça de Geraldo Pezão ficaria localizada em Bocaiúva.
O Geraldo tinha o apelido de “Pezão” por calçar botinas 50, para ele fabricadas especialmente em Itu. Quando visitava amigos nas cercanias do clube deixava pegadas que mais pareciam rastros do Abominável Homem do Pentáurea...
Fazendo valer os seus direitos de cidadão chapadeiro, veio a Montes Claros, dirigiu-se ao escritório local do DER e solicitou uma audiência com o bom Paulo Moreno.
O diálogo foi curto e grosso! ”Seu Paulo! Aquela placa de divisa botou o meu barraco em Bocaiúva. Como não me dou com o clima dessa cidade, peço-lhe que bote a tal placa após a Cearense. Assim, fico nos Montes Claros mesmo!” Sempre sensível à voz do povo, Moreno atendeu ao pedido.
Já no Brejo das Almas, o “bairro” mais chique de Montes Claros, o notável Mário Isaac, filho do farmacêutico Valdevino Ruas era gamado por uma mariposa, a Rita Doida, que fazia parte do rol das estrelas noturnas do cabaré de Dona Loura.
Certa noite, tocado pela mosca da semântica libidinosa do homem da roça, encheu o quengo da malvada branquinha e arrebatou a Rita e a levou para dormir com ele no armazém do pai e que servia de comércio. Curtiram a maior alcova tropical sob as estrelas do Brejo e o efeito da Gameleira.
Bem cedinho, Valdevino preocupado com o não retorno do filho à casa paterna, saiu na campana e ao adentrar no armazém deparou-se com a inevitável cena: Rita Doida, nua em pêlo, toda descomposta com as pernas excessivamente abertas e ao Deus-dará.
Andando na ponta dos pés, acordou o filho e sussurrou ao seu ouvido: "Veja se cobre a Rita que ela esta toda arreganhada”.
E estamos conversados!


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Por Raphael Reys - 22/2/2010 07:42:53
HAROLDO CABARET

Dezesseis horas e a Festa dos Sessentões transcorria em alto astral no salão de eventos do Parque João Alencar Atayde. Degustávamos uma saborosa comida de boteco preparada pela equipe de Marilúcia Bufê, regada a muita cana, “scotch” 12 anos, caipirinha rolando a vontade e eis que entra no salão o último dos convidados, o indefectível Haroldo Cabaret. Atrasado, como sempre!
Para os leitores que não conhecem a história da nossa urbe nos anos 60, esclareço que esse garoto com pinta de artista da bossa nova, com seu boné ao estilo Jovem Guarda, descontraído, libertário mesmo, calça de moletom folgada, com a cabeça na lua, todo “relax”, para lá de Maraquesch e até de Bagdá. Um “ reaça”!
Ele foi o personagem jovem da sociedade nos fins daquela década, que, enquanto os seus pais viajavam promoveu a Festa do Cabide, aquela muito falada e que muita gente boa gostaria de ter participado. Na entrada, os convidados, todos, eles e elas, tiravam a roupa, penduravam num cabide e, em pêlo, completamente nus, entravam festa adentro, na base do vale tudo e do tomara que dure.
O maravilhoso festim baquiano Tupiniquim, infelizmente terminou mal, com a denúncia de invejosos não convidados, que, às escondidas, ninguém soube como, chegaram a filmar tudo, levaram a fita para o conhecimento da autoridade policial, com a lista de nomes dos alegres participantes, identificados, inclusive, de mão na massa! Como era de se esperar, deu o maior rebú!
Haroldo adentrou no salão da festa dos sessentões, foi recebido com beijos e abraços, falou com todo mundo e como o gole era 0800, tudo de primeira e ninguém é de ferro, encheu o pandú. Pegou um fogo de leve e ficou estabanado!Apanhou o microfone do Juquitinha, que dava o seu “show” e incorporou a alma dos românticos!
Fez o maior sucesso com vozes latinas e bossa nova e toda a galera o aplaudiu de pé! Em seguida, o cineasta Paulo Henrique Souto soltou a sua voz educada e cantou bossa nova do tempo do Beco das Garrafas, quando o saudosismo tomou conta dos que dançavam na pista e de todos os presentes. Haroldo, impagável, ficou fazendo fundo declamando e relatando pormenores da vida dos participantes, principalmente dos casais dançando e a galera adorou, ouvindo-se gostosas gargalhadas.
Haroldo revelou-se um verdadeiro “show man”, improvisando, imitando voz de cantores. Sob o foco do holofote, incorporou um artista do “Actors Stúdio” e colocou uma cadeira vazia ao seu lado e passou a dialogar com um personagem invisível. Enquanto muitos dos participantes bebiam e dançavam, os demais, atentos, curtiam o incrível “show” e foram observadas cenas de ciúmes de cônjuges presentes, incomodados com o reencontro de ex-namorados que viveram eternos amores enquanto durou, como diria o nosso querido Vinícius. Aí, tome choro, abraços, velhos conhecidos recordando velhos tempos, amores e desamores lembrados e suspirados, amigos de infância e adolescência matando as saudades e prometendo de pedra e cal novos reencontros.
E ninguém segurava o Haroldo Cabaret! Como estava incorporado, na medida em que se abastecia de bebidas a língua se soltava mais ainda. Contou até segredos de alcova e farras de boate dos presentes, com gente dançando nu nos anos 70!
Tudo numa boa, num ótimo clima e só então deu para perceber que a alma que incorporou nele foi de um dos sessentões já falecidos, que voltou dos Hades para fazer uma vingança, contando tudo, mas, vencido pela alegria e o entusiasmo presentes à maldade virou piada.
Não deu em nada e, muito ao contrário, ensejou muita gozação, muita curtição, que consagraram uma bela e inesquecível festa.


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Por Raphael Reys - 16/2/2010 09:50:57
ZÉ PAI DA MATA

Zé Pai da Mata, ou Zé da Mata como era chamado nos anos 50, foi um galante namorador da terra de Figueira. Montes Claros vivia no romantismo dos seus cabarés e do Cassino Minas Gerais, que atraiam jogadores e notívagos de toda América Latina. Nesse ambiente, cresceu e viveu Zé da Mata.
Era um galã ao estilo Marcelo Mastroiani, sempre bem vestido em tropical inglês ou linho S120 branco. Sapato de verniz em cromo alemão, cabelo penteado com Gumex e recendendo a Royal Briar. Oriundo do Brejo das Almas assim como o seu irmão Vicente Alves, ambos possuíam um talento natural.
Os cabarés e “dancings” das noites montes-clarenses, fervilhavam como um “night club” da Broadway. A Boate Alhambra, exibia dançarinas vindas da Espanha e Zé da Mata provocava suspiros nas damas da noite. Causava um autêntico “frisson”, quando chegava. A sua cara de mau, aliado ao seu charme e elegância, provocava suspiros e arrasava corações!
Como todo herói ou ícone tinha muitos amigos, mas, também, havia os invejosos que mordiam os lábios quando o viam passar. Com a chegada dos eletrodomésticos ao mercado em 1954, inclusive os modernos fogões a gás (até então só se usava fogão à lenha) e as geladeiras elétricas (as raras existentes eram movidas a querosene), Zé da Mata se tornou o maior vendedor dessas novidades eletrodomésticas.
De acordo com a tese balzaquiana: as mulheres amam por excelência as contradições, as incoerências e os maus sujeitos. Assim, o mulherio só comprava com ele intermediando e indo pessoalmente supervisionar a instalação dos eletrodomésticos. Como estava enchendo os bolsos de dinheiro e botando o seu patrão rico, a concorrência resolveu jogar pesado.
Contratou no submundo da cidade o pistoleiro João Tijolo, que passou a monitorar os movimentos da futura vítima. Aproveitando uma manhã em que Zé saiu do cabaré de ressaca e foi lavar o rosto na pia do bar de Nonda Lopes, o pistoleiro apoiou na calçada alta a mão armada e descarregou chumbo no nosso herói, matando-o.
Eu estava passando pelo passeio na hora e me aproximei para ver de perto ao vivo e em cores o atentado. Biô Maia, que também estava presente no ambiente, antevendo um possível tiroteio me jogou no chão e deitou por cima do meu corpo me protegendo, pois eu era uma criança.
Zé era considerado um valente e como atleta de ciclismo juntamente com o seu melhor amigo Budim Reis (atleta nadador de longa distância do Flamengo), eram contratados por um fabricante de bicicletas para fazerem demonstrações da marca e viagens de Montes Claros até Bom Jesus da Lapa.
O nosso herói era raçudo aceitava desafios. As lâmpadas que iluminam a cruz da torre da nossa Catedral eram trocadas por ele. A praça se enchia de meninos para ver o ato de coragem. Fazia o serviço sem nenhuma proteção, para ele uma demonstração de machismo!
O patrão do Zé, como era de personalidade forte, exibia pose de rico e era dado a encrencas, e sendo detestado por muitos foi acusado e julgado como culpado da morte do galã. A história, entretanto, na boca do povo sempre apresentou outra versão dos fatos. Alega a sabedoria popular que o condenado fora envolvido em uma trama urdida a poder do dinheiro pelo verdadeiro mandante, outro comerciante local.
Nosso Zé morreu e o verdadeiro contratante de sua morte nunca foi condenado. Um inocente pagou por um crime que não cometeu fazendo a sua família sofrer com essa desdita.
Há certas justiças que só acontecerão nos mundos espirituais. Lá se encontra o inocente que padeceu ao pagar pelo crime que não cometeu!


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Por Raphael Reys - 8/2/2010 08:38:00
A ROUPA DE JAMES BOND

Nos bons anos 60 e 70, os industriais Diu Colares e Walduck Wanderley eram sócios “fifty-fifty” na empresa COWAN. Sigla obtida da junção dos sobrenomes Colares e Wanderley. Zé Amorim era o gerente comercial.
Zé tratava carinhosamente a Walduck como “Carroceiro”, seu antigo apelido, dado ao seu aspecto severo, aparentando rudeza, rosto quadrado e corpulento. Ajumentado!
Diu Colares, sempre que viajava a serviço, levava consigo como carona o Zé Amorim. Em uma dessas viagens foram ao encontro urgente de Walduck, que chefiava o escritório e o “lobby” da empresa nas Alterosas. Diu levava o Zé como carona, para aproveitar da sua verve alegrando a viagem na rodagem cheia de poeira e buracos. Um horror!
Caladão, como era o seu estilo, durante o trecho inicial Diu escutava as queixas e sugestões curraleiras do Zé, sem responder. Zé falava: “Desamarra a cara Diu! Sua cara é muito amarrada! Deixa de preocupação demasiada e desanuvia a cabeça. Vâmo conversando besteira que é melhor...”.
Já próximo à cidade de Bocaiúva, à uma hora de percurso, Diu já limpava a garganta, pigarreando e procurando responder ao seu gerente comercial e companheiro de jornada. Em Sete Lagoas o empresário já conversava animadamente e a dupla ria às bandeiras despregadas.
O diálogo prosseguia com Zé Amorim realçando as diferenças flagrantes de personalidade entre os empresários seus patrões. Dizia o Zé: “Um, todo fechado. O outro aberto que nem mala de mascate!” E, asseverando, concluía o raciocínio fatídico: “Você vai morrer cedo, Diu! Não demora e estará nas mãos da funerária dos Beirões”!
Logo mais, completava: “Waldukão, aquele carroceiro, vai chegar aos oitenta, sadio, trabalhando e gozando a vida!”.
Chegando à Capital, mesmo sendo domingo e como o assunto era urgente, foram até o Iate Clube na Pampulha, onde Walduck praticava esportes aquáticos.
Ao chegarem ao píer do clube, o luxuoso iate do empresário já estava ancorado e ele trajava um macacão “Aqualung”, todo de borracha, propício à pesca submarina. Ao ver os dois empresários já conversando, o Zé sentenciou em alto e bom som:
“Êita diá! Um com uma preocupação F.D.P., o outro, nada! Ô responsabilidade fidumaégua!” Isso dito na bucha e em cima do pedido...
Posteriormente a esse fato, consta ter o Zé comentado com alguém: “O homem estava vestido com roupa de James Bond”, numa alusão ao macacão de borracha usado pelo ator Sean Connery em um filme da série 007, de Yan Fleming.


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Por Raphael Reys - 4/2/2010 14:00:10
NENÉN DE PAIN.

Haroldo Santos, também chamado pelos íntimos de Neném de Pain, ou Haroldo da Escola de Samba, era gerente do bar Destak na rua Melo Viana, aqui nos Montes Claros interior das Minas Gerais. Solteirão convicto e, fiel devoto de São Jorge Guerreiro.
Portava sempre na carteira ou no bolso do paletó, um santinho do seu protetor, na sua imagem lunar, entre crateras e a chuchar o feroz dragão com sua lança pontiaguda. Realizava as suas obrigações com o santo, acendendo as suas velas, e executando os rituais no seu sanctorum doméstico. Sarava! Meu santo Orixá.
Como e afro descendente, desde a tenra infância estava ligado aos mandingueiros, terreiros, candomblés, amolôcôs, terecôs e bocas de cabaça que abundam neste Norte de Minas. Recebeu o seu Exé em um terreiro de Umbanda de Mainha de Biriba em Livramento, na Bahia.
Lá não se dava importância à decisão Papal em se deletar o santo guerreiro da hierarquia celestial, atitude tomada pelo Vaticano em represália ao aumento de fé nas raízes afro, pelo Brasil de meu Deus!
Certa feita, juntamente com colegas de serviço e seus respectivos familiares, fretaram a baixo custo um velho caminhão Doge Cara Chata usado para carregar toros de madeira. O veículo os levaria morro acima. Iam para uma tradicional festa de santo na roça.
A dita elevação, só era vencida de Toyota com chassi modificado e caminhão modelo “toco” com correntes de aço nas rodas dianteiras, isso dado ao aclive e respectivo declive íngreme e constante que se fazia até o platô e vice-versa, alem do solo arenoso e escorregadio. Era uma via dantesca!
Às três da tarde terminada as festanças de roça, retornaram as origens. “Desciam morro abaixo no Cara Chata quando o motorista sentindo o frio provocado pelo óleo do burrinho mestre do freio que escorria no seu pé direito botou a cabeça para fora da boleia e gritou a pleno pulmão:” pula todo mundo que o caminhão está sem freio!”“
Todos pularam menos o Neném de Pain que permaneceu com os braços apoiados no Santo Antonio da carroceria. Entre os que saltaram para o chão, braços e pernas quebrados, pescoços torcidos, mortos e feridos.
O caminhão tendo só o nosso “Neném de Pain” como viajante se enganchou no primeiro barranco à direita do morro, levantando poeira. Nosso herói desceu da carroceria sem qualquer arranhão, e, ato seguinte, sacudiu o pó da roupa.
“Seguindo o dito de Shakespeare: cada terceiro pensamento passa a ser sobre nossa sepultura, um colega de viagem, irritado com o braço quebrado gritou para ele em represália:” você não pulou por que sua lesma?”No que ele retrucou: “sou devoto de São Jorge Guerreiro”!” O outro rebateu: “que F.D.P. de santo é esse que seguro caminhão Cara Chata sem freio, ladeira abaixo?”.
Neném de Pain tranquilamente tirou o santinho de papel do bolso do paletó mostrando-o ao interlocutor, identificando, assim, São Jorge Guerreiro, o protetor da sua devoção.
Acontece que na gravura exibida estava só o pesado dragão soltando fogo pela boca. O cavalo e o popular São Jorge, já haviam caído no bengo desde o grito de alerta do motorista, por via de dúvidas...
A boca era por demais quente, até para santo guerreiro!


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Por Raphael Reys - 27/1/2010 07:39:18
A CIA MONTES-CLARENSE.

Os “States” tem a CIA, os súditos da rainha o M -16, Israel tem a MOSAD, a Rússia a extinta KGB, nós, os filhos de Figueira, temos o Café Galo. “Point” central do comércio, política, políticos, jornalistas, lambões que escrevem e pagam para publicar, o “chas and hand” na hora, vendedores de rifas falsas e verdadeiras, olheiros, informantes, X9, lobistas. O lugar ideal para se soltar um balão de ensaio.
Dali se ajuda eleger ou derrubar algum candidato a cargo público. Tem também a turma do “pm” que já urina no sapato. Álbum e painel exposto com fotos dos que estão perto de bater a caçoleta, dos que bateram recentemente e foram, no dizer do notável jornalista Teodomiro Paulino, para o andar de cima.
Por aqui, se sabe em primeira mão, quem matou e quem morreu, como foi, onde, que arma foi usada, quem deu a fuga, quem organizou a via de fato, quem mandou e por que. Na fazenda de quem o criminoso está escondido, o celular deles. Quem deu o cano na praça e quem fugiu deixando o rombo em entidades, autarquias e empresas diversas. Quem é, e quem deixou de ser espada. E até quem virou o fio.
As notícias vêm em espirais metálicas pelo telefone do Jadir Rodriques, o dono do pedaço, ou trazidas por profissionais que saem do plantão e passam por lá para comer o delicioso pastel curraleiro, o carro chefe da casa. No Café Galo, você fica sabendo quem está na tábua da beirada, na malha fina da receita. Comenta-se desde a beleza das fotos de Márcia Yellow, do Cruzeiro do saudoso Lazinho ou do Galo de Zimbolão e Zé Carlos Priquitim.
Rolam diversos assuntos, desde política internacional, bacanais de Berlusconi, viadagens de Gugú, frescuras de Jerry Alfaiate, até a produção cinematográfica “in love” de conhecido relojoeiro do quarteirão. Comenta-se o vocabulário explícito e direto do escritor Augustão Bala Doce, a voz nervosa e “trés rapide” de Jorge Silveira, dos chapéus panamá do autor Haroldo Lívio e do boa praça Nonato Pampa. Fala-se até das feijoadas comidas por Zezão.
Cita-se da tapa na parede e do assovio do executivo primeiríssima Eustáquio Repórter, dos Aspones, do cheiro de Patchuli de Luiz Carlos, o Peré, da chatura e da baba do chamado “Assessor de prefeitos” e do falso jornalista que toma grana dos políticos para fazer matérias no canal de TV que ainda está supostamente a caminho.
Toda manhã bem cedo, a voz escandalosa de Arnaldo Maravilha que acorda, no prédio próximo, o bom Márcio Milo que dormia sonhando com a Romy Schneyder...


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Por Raphael Reys - 22/1/2010 08:20:08
MERCEDÃO!

Bastante alto, corpulento, agigantado, ajumentado e pesadão. Braços longos, musculosos e descomunais terminados em mãos que pareciam um aríete. Os nós dos dedos se assemelhavam a gomos de martelo. Borracheiro da empresa Tyresoles, ao lado da Praça de Esportes. Seu nome: Mercedão.
Vivia se exibindo no cotidiano do seu labor escorraçando os seus colegas de trabalho, disputando a comissão por serviço prestado, apanhando um pneu montado de carreta com uma só mão. Era um Golias atrapalhado e teatral. Um valentão exibido e bazofista.
Diariamente, após o fim do trabalho como borracheiro enchia a cara da “maldita” nos botecos e lupanares da baixada e no Beco do Marimbondo onde era o rei da noite. Falava em alto e bom som de suas “brabezas” e feitos para um sempre presente e fiel galera de psicóticos e defasados sociais, fãs que o acompanhavam na noite e o observavam durante o dia e o aplaudiam.
Em uma manhã de cão e já estando bastante alcoolizado e de ressaca da noite anterior, se exibia em um bar para o deleite de uma dama da noite que fazia ponto na boate Maracangalha. Por qualquer motivo distribuía "catiripapo" a torto e a direito, nos freqüentadores da casa.
Como lá ninguém reagia, ele passou para a via pública e dando prosseguimento à sua bazófia escorraçava pedestres, um dos quais chamou o sargento Bonfim que, a paisano e estando desarmado, fazia compras em uma casa de peças próxima.
O policial militar antes da abordagem, conhecedor da potencialidade agressora do meliante, solicitou ao comerciante telefonar para a Polícia buscando reforço à sua ação, pois previa confusão pesada, já que a platéia de curiosos aplaudia a iminente ação retaliadora, visando um final cinematográfico e sangrento.
Maliciosamente, os comerciantes solicitados não moveram uma palha visando proporcionar um possível final trágico para o Mercedão, já que a sua presença não era desejada naquela área comercial. O valentão estava agredindo um passante, quando o sargento lhe deu voz de prisão.
O militar estava no lugar e na hora errados. Mercedão vendo ali a sua maior glória, como destemido que era empurrava o militar e o lançava contra as paredes, tudo sob os aplausos da galera que se deliciava com o cheiro de morte anunciada!
O meliante tomou a Avenida Armênio Veloso rumo à sua moradia na Malhada Santos Reis, na época, um reduto inexpugnável de valentes. Dado à péssima fama do bairro, ninguém de sã consciência ousaria entrar ali sem ser convidado. Lá, o buraco era mais embaixo, de uma tribo com regras e leis próprias.
A todo o momento Mercedão batia os pés no chão e ameaçava correr rumo ao militar o que provocava um verdadeiro “frisson” na galera de curiosos aumentada a cada quarteirão. Quando percebeu que o valentão cruzaria a ponte de madeira entrando para o seu reduto maldito, o militar entrou "nos finalmente" e tomou a iniciativa conclusiva.
Mandou o bazofista parar e se engalfinhou com o mesmo. No princípio da luta, Mercedão dava murros teatrais, ainda gozando da vítima graças à sua superioridade física. Logo os dois corpos bateram no corrimão da ponte e foram parar na areia do leito quase seco do riacho com seu xirirí de água.
Silencio sepulcral caiu sobre a multidão! O anjo da sorte girou a roda da fatalidade e o sargento Bonfim, ao cair juntamente com o provocador dentro do riacho, deu com a mão direita em uma pedra de bom tamanho e, empunhando-a, acertou uma "traulitada" na testa do gigante.
Minha gente, “foi pá e bosta!”
Mercedão, o valentão desmaiado, agora "peiado" com cordas foi conduzido arrastado pela avenida até a chegada de uma viatura policial, que o trancafiou na cadeia.



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Por Raphael Reys - 17/1/2010 10:32:14
CONVERSA DE BOTEQUIM

10 da matina de uma quinta feira, fim de mês asilado, todo mundo sem grana nos Montes Claros. Acabara de postar na Internet, no portal Overmundo uma crônica intitulada “Os Olhos” onde falo dos meus males de amor. Dou conta ao mundo virtual do nome da mulher desejada. Uma escorpiana olhos de naja tropical.
Com as emoções em desalinho passo, em frente à lanchonete Cimentão Lanches na rua Coronel Antonio dos Anjos, ao lado do Shoping Popular, no centro. Minha atenção é atraída para a mesa de entrada do salão do bar-lanchonete-restaurante embora faça uma manhã de sol meio dengoso, a cena que vejo à mesa é romântica. Dois notívagos bebem sob forte comoção.
Saltam da mesa ao me verem passar e já me puxam pelo braço obrigando-me a tomar assento com eles. A súbita reação é motivada pela reciprocidade de pensamentos. Eles, assim como nós, estavam tocados pela mosca do amor! Por pura intuição ou sincronicidade de almas afins, me conduzem ao seu oráculo.
Naquele momento, um lugar sagrado e de padecimento etílico-emocional! As suas desditas!
Logo caem na real, ao se recordarem que não tomo bebidas alcoólicas e me ofertam um refrigerante para sacramentar a parceria. Para consolá-los falo da matéria que postei na Internet. Eles, por empatia emocional induzida pedem que eu volte a beber, apenas para estar com eles naquele momento mágico.
Expressam mesmo os seus descontentamentos em ter á mesa um adulto que não entorpece os sentidos nesse mundo de desilusões. Pode alguém viver sem se embriagar? Justifico que faço meditação há trinta anos. Esse é o meu vício, a minha fuga. Tenho o meu Sanctun onde supostamente atravesso portais diáfanos.
Informo-lhes que corro o risco de ao invés de um porto seguro encontrar o que disse Calderon de La Barca: Sonhos! Nos mundos onde transito volitando com o perispírito seres súperos me falam das Estâncias de Dziam e do Nicho de Nodim. Seriam metafísicas sem ancora da realidade?
Abrem à caixa de ferramentas e um depois do outro contam a sua desventura de amor. Após o expurgo e já consolados, estamos abraçados sobre a mesa. Os dois são velhos conhecidos.
Um cantor por profissão, o Edson Luiz, cobra mais do que criada no Butantã das ruas e quebradas do Rio de Janeiro, de tão malandro que é já virou bicho! Bebe por muitas fumaças de amor bandido. Bebe por beber, a sua alma inebriada navega no Rio Átropos.
O outro, um jovem e talentoso advogado criminalista, meu digno leitor, solicita fazer a crônica daquele momento em homenagem ao encontro de almas em padecimento de amor. Ele sofrendo ainda de uma recente separação, está comovido às lágrimas.
Prometo fazer à crônica, pois todos os encontros são transcendentais e aquele momento deverá ser eternizado pela escrita, mas eles já notam a minha pressa em sair. Justifico, pois, tenho que apanhar a neta na aula de inglês, no CCAA às 10 e meia.
Movidos pela mosca do amor ainda me seguram pelo braço. Sendo ambos compositores enquanto juntos fazem uma letra em homenagem ao momento etílico:
Eu sei desse grito amarrado na garganta/ Um dilema sem futuro/ Um amor inseguro/ Sem saber para onde vou/ Eu sou a metamorfose das palavras perdidas/ Nas noites e nas brigas/ Nas desilusões de um eterno amor/ Sou uma data vênia/ Sem caneta e sem alma/ Sou a palavra sincera/ Sou um crepúsculo dentro de você/...
Já me vou e, na despedida estando abraçado para selarmos, o comum infortúnio canto para eles de Noel Rosa “Conversa de Botequim,” sob o olhar estupefato dos clientes habituais que nos observam espantados:
Seu garçom,faça o favor de me trazer depressa/ Uma boa média que não seja requentada/ Um pão bem quente com manteiga à beça/ traga guardanapo e um copo dágua bem gelada/ Fecha a porta da direita com muito cuidado/ Que eu não estou disposto a ficar exposto ao sol/ Vá perguntar ao seu freguês do lado/ Qual foi o resultado do futebol/ Se você ficar limpando a mesa/ Não me levanto nem pago a despesa/ Vá pedir ao seu patrão uma caneta, um tinteiro/ Um envelope e um cartão/ Não se esqueça de me dar palitos/ E um cigarro pra espantar mosquitos/ Vá dizer ao charuteiro que me empreste umas revistas/ Um isqueiro e um cinzeiro/ Telefone ao menos uma vez para 34-4333/ E ordene ao Seu Osório/ Que me mande um guarda-chuva/ Aqui pro nosso escritório/ Seu garçom, me empreste algum dinheiro/ Que eu deixei o meu com o bicheiro/ Vá dizer ao seu gerente/ Que pendure essa despesa no cabide ali na frente/
Saio e os deixo às lágrimas!


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Por Raphael Reys - 13/1/2010 07:32:46
CACHORRO BONITO

Pulucena era uma espécie de madrinha das lavadeiras, no pequeno povoado de Santo Antônio, próximo ao Pentáurea Clube. Todas as terças e quintas-feiras reuniam-se bem cedo na praça da igrejinha e pelos caminhos que conduziam até o Poço Bonito e à medida que elas passavam, companheiras do ofício iam engrossando a fila indiana.
Era um festival de trouxas de todos os tipos e tamanhos enroladas em lençóis de todos os matizes e usos. Tinha trouxa de rico e de pobre, destes últimos com peças remendadas, originalmente compradas nas cercanias dos mercados, e em dias de feira e festa de santo. Algumas foram mesmo presentes dos patrões.
No poço, um ambiente exótico, cheio de pedras e flores silvestres de múltiplas colorações e tipos, uma pinguela feita de um tronco de árvore, completavam o cenário.
A confraternização entre elas, já havia rendido um repertório de músicas rurais de rara beleza, muitas das quais, vararam fronteiras e eram cantadas nos estados vizinhos. Esta harmonia estava prestes a ser quebrada.
No dia do fato, Pulucena como as demais lavadeiras, já se aproximavam do poço. Tinquin um pequeno cachorro mestiço que sempre as acompanhava, ia á frente. Era o guardião das comadres lavadeiras, diziam. De repente, Antera parou estupefata e chamando a atenção das demais, apontou para a pinguela dizendo: comadres olhem aquele cachorro bonito no tronco tão preto e tão bonito, como o poço.
Tinquin o pequeno guardião, já tremia, dando gemidos de cortar coração enrolado às pernas da Marialva. Logo repararam que ele havia se mijado todo. Pulucena replicou: vejam este cachorro na pinguela tem os dentes muito grandes! E completou: olhe que pêlo brilhante. Antera, já entendendo tudo, gritou: Isto é uma onça preta gente! É uma suçuarana, eu já vi uma foto na revista.
Foi um tremendo corre-corre e as trouxas ficaram para trás! Posteriormente, se deduziu que a espécie não sendo natural na região estava de passagem e parara para beber das águas cristalinas do poço.
Este incidente marcou para sempre a rotina daquelas campesinas. Perderam os clientes locais a disponibilidade da lavagem e a mística aura do pego, jamais foi a mesma, sem as canções que encantavam as participantes e tornavam vibrante aquele sítio.
As amigas nunca mais ali lavaram quaisquer outras roupas. Afinal, seguro morreu de velho...


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Por Raphael Reys - 6/1/2010 08:14:23
DUAS PROSAS COM PROFESSOR DÃO

O notável e saudoso intelectual tupiniquim, o professor Pedro Santana, sempre que podia marcava dois dedos de prosa com o seu colega, o professor Dão. Desses encontros, tocados pela marca da alegria, saiam sempre alguns trocadilhos.
Certa feita, Santana convida Dão para tomar assento à mesa do Bar do Nelson Vilas Boas, seu quartel general, ponto de apoio, convidando-o para degustarem uma cerveja Pilsen casco verde.
Professor Dão sempre muito espirituoso pergunta a Santana já respondendo indiretamente: quem tem bunda alugada, pode tomar assento? Santana o convida, então, para a festa a ser realizada, comemorativa do seu suposto noivado.
Dão agradece e fala: você pode fazer a festa do jeito que você quiser. Para mim, peço reservar uma gamela de capim. Demonstrando, assim, a sua certeza de que noivado daquele seu colega de profissão jamais aconteceria...
O notável engenheiro e historiador Simeão Ribeiro Pires, de certa feita partiu em missão juntamente com o professor Dão, para uma viagem de estudos em Barra do Guaicuí. Visavam pesquizar e localizar a sepultura do bandeirante Borba Gato.
Era a noite da passagem de ano de 1970 e estando eles na cidade de Pirapora hospedaram-se no luxuoso hotel Internacional, localizado na Praça Cariri, no centro. Na época, de propriedade de Pedro e dona Odália.
Tarde da noite, Simeão acorda com ruídos vindos da rua. Pela janela, constata que um grupo de jovens empurrava a sua caminhonete Rural Willys que estava estacionada em frente ao hotel.
A dupla de estudiosos desceu para a rua em trajes menores empunhando revólveres e botaram para correr a turma de notívagos que, na verdade, executava uma tradição daquela cidade.
Por falta de criatividade e de outras atividades festivas e culturais, aqueles jovens apanhavam tudo que podiam encontrar pela frente naquela noite e, em seguida amontoavam no pirulito da praça.
Executavam a brincadeira com tal arte que a pilha de objetos, incluindo veículos sobreposta e trançada, às vezes, levava de um a dois dias para ser desmontada.
Certa feita, Simeão Ribeiro e o professor Dão foram ao município de Joaquim Felício, onde empreenderam uma busca mato adentro, no lombo de burros, em busca de encontrar indícios da antiga fazenda de Manoel Nunes Viana. O tempo era chuvoso e estavam todos os dois cobertos de lama até os chapéus.
Foram até à cidade para adquirir mantimentos e continuar a busca. Era o dia sete de setembro, e ao passarem pela praça principal de Joaquim Felício, o prefeito discursava no palanque quando avistou e reconheceu os dois pesquisadores.
Chamados ao palanque em lugar de destaque permaneceram como dois espantalhos ao lado do prefeito e das demais autoridades presentes à solenidade, já que estava besuntada de lama dos pés a cabeça.


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Por Raphael Reys - 31/12/2009 15:02:13
UMA NOITE DE SERESTAS E MAGIA

Uma noite de serestas sob a batuta de Lola Chaves e o coro de lindas vozes do seu notável grupo de seresteiros! Uma beleza! O convite me veio em espirais metálicas pelo telefone celular que estava displicentemente desligado...
Lola com toda a sua elegância e simpatia, congênitas características dos Chaves, honrou-me com um convite pessoal. Ela carrega no sangue a nobreza, a elegância, religiosidade cristã, franqueza, talento artístico, traços peculiares e inerentes ao notável bardo, poeta, músico, advogado e cronista João Chaves, seu pai, emérito patriarca dessa família ilustre.
A imortal e brejeira escritora Amelina Chaves me fez companhia, forrozeira de primeira água e tiete de serestas e saraus. O encontro aconteceu no antigo chatô de Lola, na rua Doutor Veloso. Presentes vários membros da família Chaves, como sempre grandes anfitriões. Puro calor humano!
Logo, animados grupos se formaram emboramente as chuvas miúdas que caia sobre a terra de Figueira e, nos intervalos, rolaram muitos dedos de prosa sobre a história dos Montes-Claros, suas músicas e seu folclore. Na conversação foram lembrados os saudosos irmãos de Lola: Sidney, Raimundo e Henrique.
Em intervalos regulares os músicos do grupo de serestas acompanhavam alguns outros bardos que abriam o peito rompante e enchiam o espaço de beleza sonora. A noite transcorreu sob a égide da festejada curraleira cachaça Viriatinha, “scotchs”, louras geladas e salgadinhos supimpas bem temperados. O pastel estava divino!
Vestindo a camisa do Galoucura, Sisí rasgou o peito e brindou os convidados vindos do Recife com as nossas músicas. Um CD com a voz de Raimundo Chaves cantando a pérola composta pelo seu pai, João Chaves, “Amo-te Muito”, música considerada o verdadeiro hino da cidade, emocionou a todos. A galera presente fechou com um harmonioso coro de vozes e, emocionada, houve muitas lágrimas...
O Grupo de Serestas Lola Chaves, estava formado pelos seguintes integrantes: Sisí, Vitor, Zenaide, Manoel, Carmem, Pedro, Milton, Lucia, Belmiro, Zuino, Haroldo, Terezinha. Ausentes, Carlos e Lurdes.
Cláudio, o anfitrião, brindou-nos com o som do seu mavioso pinho e cantou acompanhado pela voz e solo de Zezé, composições românticas de Adelino Moreira. A noite era de graça e Vitor, com seu vozeirão nos trouxe antigos sucessos de Nelson Gonçalves, fazendo tremer as paredes.
Às 11 e meia foi servido um lauto jantar, no capricho, e, logo após, fomos todos nos maravilharmos com a linda voz de Lígia Chaves, que cantou “Sertanejo” com o coro dos anjos.
Aí, as nossas almas que já estavam sublimadas de contentamento, puderam sentir a fineza de sentimentos dos Chaves: Juntos, formaram uma egrégora ao espírito dos saudosos familiares da anfitriã, presentes ao refinado sarau de Lola.
E viva a nossa musicalidade, nossas tradições, serestas, canções e nossos afinados e imbatíveis cancioneiros!
Vida longa e mil vivas à inigualável e brilhantíssima Lola Chaves e ao seu não menos brilhante Grupo de Serestas!


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Por Raphael Reys - 26/12/2009 08:46:26
BREJEIROS.

Valdevino, negociante e o farmacêutico França eram eméritos moradores do Brejo das Almas. Compadre de festa de santo como manda a tradição local, molhavam os beiços com uma boa cachaça Parati. Às vezes tomavam uma Gameleira com “rusarô”, lambiscadas por Lincoln Silveira.
Estávamos em 1940 e as únicas novidades que chegavam eram notícias sobre a Segunda Grande Guerra Mundial, via Repórter Esso, na bela voz de Erón Domingues. Cansados do marasmo campesino, os dois compadres combinaram uma viagem à Canabrava. Rever amigos comuns, tomar uma branquinha, trocar dois dedos de prosa, essas coisas...
Matutaram a empreitada, arrumaram a matula, com uma boa farofa de carne de sol, cabaça de água, palha tenra para o cigarrinho, um pedaço de fumo goiano com raiz de carapiá. Pendente na cabeceira da sela, embornal de milho para as montarias e na cinta os Shimitão 38 Torre.
Logo estrepitava estrada afora os alazões pelos 17 quilômetros rumo ao destino projetado.
Chegando ao Riachinho, onde hoje fica a Penitenciária Federal, “apiaram” para tomar um gole de água cristalina, comer um punhado de farofa e, em seguida, pitar o cigarro de palha.
Rompendo pela estrada a uma boa hora de cavalgada, França deu por falta da sua pirata de estimação. Valdivino retornou, queixando-se e resmungando da distração do compadre França. Afirmou que ao retornarem ao Brejo, sendo ele farmacêutico, faria uma manipulação com fosfato para corrigir a falta de memória do compadre.
Ao se aproximarem do Riachinho, onde há pouco haviam feito a ponga, o França apontando disse: “Veja compadre! Tem uma pessoa sentada no lugar que apiamos. Vai ver, já apanhou a minha pirata!” O suposto personagem nada mais era do que o paletó amarelo de Triunfador que o Valdevino também esquecera no local. Deixara pendurado a um galho servindo de cabide...
Já Manoel da Vovó perdeu uma das mãos em acidente e para mudar o destino foi trabalhar na terra da garoa. Alguns anos após, já abarrufado de grana e com o quengo desanuviado, retornou à sua urbe vestindo terno de casemira Aurora.
Chegou pisando em solo pátrio calçado com sapato Faggione de duas cores e falando arrastado que nem paulista. Vendo um garoto na parada de ônibus foi logo perguntando: “Onde é a casa da Vovó?” Obtida a resposta, em seguida contratou o menor para carregar a sua mala de couro.
Chegando a casa e vendo as partes de um grande porco pendentes ao teto por fios de arame, foi batendo palmas e perguntando: “A casa virou açougue Vovó?” Ato seguinte virou-se para o carregador, sacou do bolso uma moeda e arrematou: “Toma dez tons!”
Logo logo montou uma espelunca na saída da cidade vendendo cachaça, fumo de rolo, farofa de carne, prato feito.
Chegou uma turma grande de peões Vacarianos vindos de Paraopeba e contratados por empreitada para derrubar matas em fazendas locais. Um deles bebeu uma dose de Gameleira e logo reclamou que a farofa estava azeda.
Manoel respondeu em cima do pedido: “É porque vocês não estão acostumados a comer carne bem temperada no vinagre!”.


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Por Raphael Reys - 22/12/2009 09:50:00
O QUARTO OTÁRIO
(série Melo Viana)

Na minha visão globalizada, culturalmente curtida nos becos, vielas e quebradas da vida, quase todo macho é otário. A mulher, essa criação divina, metade anjo, metade demônio, ainda é a maior mala sem alça. Do universo masculino a única exceção é o malandro. Este Deus fez no capricho. Para ajudar a mulher a castigar o mundo.
O ser macho, chamado indevidamente de homem, morre de inveja da mulher, pois a mesma tem apogeu genésico múltiplo. A mulher olha para o homem e sabe o que ele é, o que tem e o que vale (se vale). Não precisa farol alto na grana para manjar, basta à intuição natural. Ela é o protótipo da própria malandragem.
O malandro sobrevive e escapa, pois sendo vacinado, não tem dó de nada e de ninguém. Ele sabe que o dia em que cair na mão da autoridade vai cantar no coro e gemerá tal qual roda de carro de boi. Sendo carma do mundo ele é o agulhão da mulher. Chega de fogo em casa, não trás nada, quer comer de tudo. E ainda bagunça...
Estando a porta da casa fechada, ele a quebra e se a polícia vier ele encara na mão limpa. Vai preso, logo estará solto e quebrará tudo novamente. Se levar pau grosso vai para a CTI. Logo em alguns dias, estará de voltar e armará todo o presépio, novamente. Dará mais tapas na Maria Joana Pernambucana e bagunçará o coreto.
Ele não paga conta, cega os cobradores que o perseguem. Canta a mulher do vizinho joga nas dez e bate com pau de dois bicos. A mulher por ser mais sutil, inteligente e intuitiva do que o bicho macho aplica a sua malandragem só na “sugesta”. Basta um olhar 53, um sorriso, um movimento de corpo, uma contração facial e ela controla e domina o trouxa.
Esse ser diáfano aparenta ser passiva, mas é ativa! Aqui no bairro Morrinhos onde moro tem uma morena quarentona, estilo índia dos cabelos negros, que já mandou três maridos para o andar de cima. A arma que usou foi tão somente o prazer prolongado. Matou com arma limpa, sem derramamento de sangue, com o “de cujus” sorrindo, satisfeito, feliz da vida, qual “Belos Antonios”. No ato!
Sedução, provocação excessiva no ambiente doméstico. Exaustão. Todas as três felizes vítimas foram necessariamente para o céu. Aleluia! A quarta vítima já está sendo trabalhada e seduzida. Trata-se de um feliz aposentado siligristido. Metido a bom de sela. Anda dando uma de quem não quer nada com ela.
Não dura seis meses e ela estará faturando a quarta pensão, graças ao quarto otário...
No meu canto de cronista “voyeur”, bem que fico morrendo de inveja dele, por não ter sido o escolhido para bater a caçoleta encharcado de prazer...


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Por Raphael Reys - 12/12/2009 14:44:36
SANDRINHA CARPIDEIRA
(série Melo Viana)
Segundo relatos de Marquinhos e do carnavalesco Nivaldo Feijão, os bons tempos que o bar Destak pontificava como a atração da rua Melo Viana, uma freqüentadora das rodadas de cerveja, era Sandrinha Carpideira. Mestra do agá era assessorada por duas secretárias, formando, assim, uma trinca de velhacas.
Ela, com a sua equipe, tão logo tinham conhecimento de algum velório no bairro Morrinhos, caiam dentro do maior luto. Mudavam-se literalmente para a casa onde transcorria as exéquias do falecido e lá, comoviam e assombravam os presentes exercendo o oficio de carpir o ”de cujus”.
Choravam, gritavam, enfim davam o maior show!
Enquanto a Sandrinha carpia, as duas secretárias corriam os olhos pela casa para sacar onde havia coisas pequenas e jóias. Eram peritas em avaliação e localização. Levavam duas grandes sacolas cheias de flores, que voltavam barrufadas de valores!
Relógios, jóias, rádios portáteis, equipamentos de uso médico, cartões de crédito, talões de cheques, armas de fogo, de tudo um pouco.
Enquanto os acompanhantes do cortejo se emocionavam e choravam junto com a Sandrinha Carpideira, que dava o maior pití à beira da cova, as duas que ficavam olhando e tomando conta da casa, faziam à festa e passavam o rodo no bem bom.
Durante o enterro de Técio, morador local do bairro, morto por ter comido muito tira-gosto de sarapatel quente no Bar Destak, Sandrinha aprontou na beira da cova, pedindo para ser enterrada junto com o falecido. Puro teatro!
Gritava: eu quero ir com ele! Enterra-me junto dele! Deixem-me ir! Deixem-me que eu vou!
Estando o caixão em repouso no fundo da cova, no exato momento de se lançar as primeiras pazadas de terra por cima, a vigarista agitada, escorregou nos torrões de terra seca à beira do túmulo e caiu lá dentro, para o espanto de toda a platéia.
Aí, a cantiga mudou! Quando recebeu as primeiras pazadas de terra na cara, balançou os braços em exagerada gesticulação e gritou: tira-me daqui!. Eu não quero ir mais não!
Foi o seu canto do cisne! Pegou mal e a galera manjou a jogada. Foi este o fim da trinca de carpideiras da rua Melo Viana...
Outro falecido que morreu em conseqüência de comer tira-gosto muito quente em pedaços grandes demais, nas vitrines do Bar Destak, foi seu Asídro. Botava quatro grandes pedaços de bucho fervendo no palito e mandava para dentro, direto na garganta, sem mastigá-los.
Não deu outra. De tanto ir à fonte, um dia o cântaro quebrou e ele bateu a caçoleta!
Aviso aos navegantes: bucho, sarapatel, fígado, pedaço grande de galinha botadeira de ovos em granja, é rabo de foguete!
Puro colesterol, gordura saturada e outras coisitas mais. Tomem cuidado!
O cardápio e os produtos das cozinhas dos point da Melo Viana, são batizados. Olho vivo, pois só enfrenta quem agüenta...


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Por Raphael Reys - 8/12/2009 14:47:13
DETALHES DA NOITE
(série Bandeira 2)

O Bandeira 2 tinha como atração gastronômica o bufê itálico feito no capricho pelo cozinheiro João Suçuarana, um gay assumido que volta e meia aprontava com os malandros do morro, que o procuravam, atrás de grana. O garçom das unhas grandes e tortas era o Bola.
Havia um conhecido segurança, que prestava plantão regular no Terminal Rodoviário e usava uma dispensa da casa para ficar, com os parceiros masculinos.
Estando a serviço, pendurava o cassetete e o coldre com o revólver, em um cabide móvel, junto à cama, que balançava no ritmo quente da dupla. Era a atração nos finais de tarde.
Voyers observavam tudo por um buraco na divisória de duratex. O militar foi denunciado por um colega sendo flagrado, e expulso da corporação.
Como a noite tem suas fatalidades, Branquinho, um malandro sarará, quase albino, fintão por excelência, deu o cano em conhecida profissional da noite. Foi abatido por ela com uma lâmina fria. Seu irmão gêmeo, como ele, chamado Branquinho II, uma semana após o feito e, estando embriagado, “caiu da bicicleta” na passagem do viaduto da Melo Viana tendo morte (misteriosa) instantânea.
A casa contava com seu pai de santo de plantão. Em um dos quartos, o gongá de Alfredo, falso babalorixá, que usava uma bata colorida, dava descarrego de pólvora e prescrevia medicamentos de agá para os patos trazidos do terminal pela malandragem comissionada: Osvaldo, Pancho Vila, Dão.
A mulher mais bela que freqüentava o pedaço era a Gatinha, um primor de beleza. A que mais faturava era Saluzinha, meio doida, mas, boa de bico e habilidosa, saia sempre barrufada de grana. Criava porcos amarrados com corda, no quintal do seu barraco no alto do Morrinhos.
O malandro mais esperto que se hospedou na casa foi o mágico Oriet Bey (hoje está na Itália aplicando 1.7.1. de adivinho na TV), que deu shows no AC e no Colégio Imaculada. Depenou a alta sociedade local. Já o conhecido basofista Jason Gato, um valente, foi desmistificado depois que levou uma sova.
Wal Kariba era um maluco que freqüentava a casa quando a polícia montava campana na circunvizinhança ele vestia-se de mulher, com peruca blondi, corria pela Rua Melo Viana acima, atraindo a meninada e gritando: Pega a doída! Pega a doida! Assim desviava a atenção da patrulha que estava de campana em seu encalço.
O episódio mais notável desse lugar se deu em um mês de junho, com a comemoração das festas da Serra das Araras. Fretou-se um caminhão de paus de arara cheio de damas da noite e malandros, que iam faturar nas famosas festas de santo.
Numa curva acentuada, conhecida como curva da morte, em Brasília de Minas, o veículo desgovernado, bateu numa grande pedra. Com os passageiros sendo jogados para fora, morreram quarenta filhas de Vênus. O local ficou conhecido como Curva das Raparigas.
Borrola, conhecido notívago e mecânico de motos, viajava a bordo, dentro de um tambor de metal, curtindo a sua costumeira ressaca. Estando desmaiado e ao ter seu corpo recolhido por voluntários recrutados entre os bêbados dos bares próximos, pelo prefeito local, ao ser apanhado para ser jogado na caçamba que recolhia os mortos, acordou.
Disse para o bêbado voluntário: Estou vivo ainda! O voluntário, já de saco cheio respondeu: Cale a boca! Quem disse que você está morto foi doutor Chiquinho, portanto vamos para a caçamba, pois você não sabe mais do que ele que é médico...



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Por Raphael Reys - 4/12/2009 07:41:57
VIVI PEIXE GALO

(Crônica dedicada ao nosso leitor NAZA, balconista da Freiopeças).

Emérito morador do bairro Morrinhos, personagem de histórias em seus becos e vielas. Um cafuzo com biótipo de zulu. À bem da verdade uma mistura de índio, afros e expurgados portugueses de antanho. Magérrimo, ossudo, cabelo grande.
Já aos 65 anos anda balançando que nem pato na favela. Penducando o equilíbrio com seus braços longos gingando entre os obstáculos da rua e as fubiuas desdobradas que atazanam o seu quengo tropical. Unhas grandes como as de Perséfone. Olhar de vaca pidona. Puro agá.
Foi ele quem inventou a história do João Sem Braço!
Não o compre pela aparência. Ele é cobra mais do que criada em laboratório da vida e da malandragem. Mestre do agapanto e do agapito. Passou e passa a sua vida no maior “dolce far niente”, ou seja, na ociosidade.
Ele é pai e mãe da sugesta e, na sua adaptabilidade de vida, já bebeu absinto com tira-gosto de torrão de parede e picumã. Joga nas dez e bate com pau de dois bicos!
Quando adolescente, juntamente com Duílio, João Batatinha, Marquinho do Destak e Pedro Emiliano iam tomar banho no rio Pai João. No caminho e como estavam todos lisos distraiam o vigia noturno do Matadouro Otani aplicando o golpe do distraído e surrupiavam bolas de salame.
Ao passar pelos Bois, engambelava o bom Flávio Maurício fabricante da excelente cachaça lambicada. Para tal, dizendo portador de recado de vizinho próximo levavam a suposta encomenda fiado. Duas boas garrafas da mais pura com ‘rusaro”, para molhar a palavra na beira do rio.
Já adulto, aplicavam no bar do Miltão, no tempo em que as portas do estabelecimento eram do estilo faroeste. Estando com o estômago roendo chegavam com um pão já aberto; Vivi pedia ao Pidoca para molhá-lo, de graça, com caldo de galinha caipira. O petisco galináceo ficava ao alcance da mão em uma panela no fogão próximo ao balcão. Enquanto Pidoca distraia, eles, ágeis, surrupiavam e engoliam com o seu bocão “de conforça” uma ou duas coxas da penosa. Pidoca desconfiado fazia perguntas e Vivi, de boca cheia, não podendo responder balançava a cabeça como resposta. Aplicava em Deus e todo mundo.
Quando questionado no ambiente imediato, batia no peito e dizia ser ”a maior potência do mundo”. Contestado por ser muito magro, tez amarelada e olhar macambúzio, Vivi respondia: ”Sou magro, mas é tudo saúde!”.
Só enfrenta quem agüenta!


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Por Raphael Reys - 26/11/2009 14:31:31
FERRIM E AS FORMIGUINHAS

Padeirinho, sacramentado na pia batismal como Lourenço do Carmo, vendedor de relógios michas e mestre do agá, entrou pesado no carteado do Bandeira 2, já sob o controle do conhecido João Pena, bookmaker dono do antigo Clube Minas Gerais, o cassino.
Com a cuca cheia de gole, bolso abarrufado, ele tinha também seu dia de pato. Lá pelas tantas da noite e estando liso propôs maliciosamente ao bookmaker descontar um seu cheque, para continuar no jogo. Como era conhecido na noite, foi aceito como bom. O cheque, entretanto, era um tremendo171.
Padeirinho, sabendo que estava sendo depenado, reagiu, recuperou o perdido e ganhou mais um bom vento. No acerto, pela manhã, João Pena devolveu-lhe o seu cheque, como parte do ganho acrescido de dinheiro. Ele se recusou a receber o próprio cheque alegando que o mesmo não tinha fundos. Problema da casa com o banco e com a justiça!
No cheque estava assinado Lourenço Cano. João Pena sacou o revólver para corrigir a aplicação e moralizar sua banca de jogo, junto à malandragem. Manoel do Bandeira 2 entrou e conciliou as partes.
Três da madrugada chega um estranho com quatro mulheres da noite. Sob sua pedida, comeu-se, bebeu-se e farreou-se consumindo o bom e o melhor da casa. De repente, o homem sumiu. Foi o maior corre-corre e nada. Desapareceu dentro da casa, evaporou-se, o que passou a ser tratado como mistério. Deixou o maior grilo.
Pela manhã, dona Mariinha, a lavadeira, notou um ronco proveniente de um velho congelador abandonado no depósito. Chamou Zé do Burro, o segurança, que verificou e constatou o fato. O malandro da farra se escondera lá e como já estava bebum, dormira dentro da peça. Passou-se por fora uma corrente com cadeado deixando-o trancafiado.
Era feriado nacional, Manoel e os funcionários foram comer carne de sol no restaurante da velha Cearense, fora da cidade. Tomaram banho de rio, só retornando às 17 horas. Soltaram o malandro, que pagou dobrado pela farra. Estava todo urinado e lambrecado. Uma cena laxativa e grotesca.
Apos uma noitada no Bandeira 2, Padeirinho retornou à sua casa, no alto dos Morrinhos. Ao abrir a porta, deparou-se com um pequeno caixão de defunto anjinho, cheio de flores, posto em cima da sua mesa de sala. Desceu o morro de cabelo em pé e às carreiras. Chegou ao Bandeira 2 e pediu auxílio a Geraldo da Rapa.
Lá chegando à polícia, a vizinha explicou que botara o caixão da criança morta ali no vizinho, pois no seu barraco não tinha lugar e precisava sair e providenciar a grana para o enterro. Padeirinho, como era medroso, mudou-se e nunca mais subiu o morro.
Conhecido político em evidência, solicitou a Manoel do Bandeira 2 arrumar um laranja, na noite, para comprar uma fábrica de confecções em Belo Horizonte e depois repassá-la para um parente próximo. Os laranjas escolhidos, Ferrim e Joaquim Vermelho, bem vestidos para a ocasião, fizeram-se passar por empresários. Compraram a pequena fábrica pagando com cheques pré-datados desprovidos de fundos e a vendeu, em seguida, para o familiar do político, contratante do golpe.
Na hora da transferência da documentação, o contratante tentou passar um cheque frio na dupla de laranjas contratada. Ferrim, esperto que nem coelho sentenciou: Só assino depois de a formiguinha passar! A parte pediu esclarecimento e ele arrematou: É uma depois da outra, nota após nota, tudo na minha mão. Caso contrário, vendo a aplicação para outro malandro.


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Por Raphael Reys - 21/11/2009 08:39:45
A BANDA DOS LARGOS
(série Melo Viana)

Um fato exótico, digno de nota na rua Melo Viana é o fator sorte grande na loteria. Tomando a via em sua extensão de extremo a extremo, do lado direito de quem sobe vindo do centro são sete quadras até o vértice do morrote que confere nome ao bairro onde está localizada a sede do montesclaros.com.
A coincidência de ganhar em loterias só acontece com os moradores do lado direito da rua, como bem observou Manoel do Bandeira 2. As quatro primeiras quadras é a banda dos largos, onde a sorte passa e fica. Deixa os felizardos abarrufados de grana alta!
Senão vejamos: O primeiro a ficar rico por aqui, e por obra da buena dicha, foi o Timbira, balconista da extinta Farmácia Droganorte, que funcionava onde hoje é a sinuca gerenciada por Ferrim das Formiguinhas. Encheu o bolso e gramou o beco, para São Paulo. Vazou fora evitando os falsos amigos.
Logo mais alguns metros a sorte achou Gêga Barbeiro, sócio de Milton no salão. Esse deu no pé com o bolso cheio de grana e foi curtir praia e muita mulherada no Rio de Janeiro. Uma porta à frente e o bem lançado Valdir Aguiar, filho de Virgílio do Restaurante Bandeirante teve o seu dia de sortudo. Apanhou um primeiro prêmio da federal e correndo dos meletes vazou da cidade.
Manoel do Bandeira 2, que comprou o restaurante do Virgílio, o sucedendo no ponto, adquiriu um bilhete e fui abarrufado pela loteria Federal. Hoje próspero pecuarista e hoteleiro. Aplicou e se deu bem.
Logo na primeira esquina, da primeira quadra, o comerciante Antônio Condeúba foi visitado pela sorte grande. Seu vizinho Jason do Caldo de Cana, após a linha férrea, ganhou na Federal e aplicou em imóveis. A coisa rendeu e, ao falecer, quase centenário deixou cento e vinte imóveis residenciais e comerciais para os herdeiros.
Mais alguns metros e dona Yolanda que vendia verduras no quilo, comprou um bilhete inteiro e ganhou na sorte grande. Deu no pé. A sorte continuou e mais a frente achou o serralheiro Levi Pimenta. Acertou sozinho uma quadra da loteria federal e entrou para o ramo da pecuária e da construção civil.
A sorte ficou na sua casa e posteriormente sua saudosa esposa veio a ganhar duas vezes na Loteria Federal.
Uma farsa. Manoel Quatrocentos espalhou que havia ganhado e não ganhou. Foi vítima de vizinhos encapuzados que invadiram o barraco atrás de grana. Quase bateu a caçoleta!
Enquanto tocava o seu saxofone fazendo comerciais como bico, o alfaiate João Tintureiro ganhou o primeiro prêmio da Federal em dois bilhetes inteiros. Como os outros, limpou o beco. Macaco é 17!
Jorge do cafezinho, cochilando e pescando piabas, como sempre, no balcão, foi acordado pelo cambista e acertou na cabeça da Loteria Federal. O fato repetiu-se por duas vezes.
Haroldo do Destak, trabalhando no Bar por cinqüenta anos e cumprindo as suas obrigações como pai de santo abocanhou um prêmio da Azulzinha do Trenzinho e montou o seu próprio bar e restaurante. Bolso cheio de vento, amigos foram ajudados. Molhou a mão dos mais próximos.
Haroldo recebeu o seu Exé em Livramento na Bahia e vai montar um gongá de magia. Vai se chamar “Pain de Biriba”. Já que ele corre ”gira” vamos fazer uma firmação junto ao mesmo, visando à mega-sena acumulada!
Um dos ganhadores citado na crônica está na tábua da beirada. A esposa fez tantas e muitas viagens a sua cidade natal, nos últimos trinta e cinco anos para mostrar grana e “fobar” com a cara de conterrâneos pobres que gastou todo o dinheiro. Ele deixou correr frouxo e agora está urrando. Afora a casa de morada está no maior “miserê” e a um passo da eternidade!
E para terminar a crônica sem encerrar o fator sorte do lado direito da rua, o lado dos largos, um genro de Hélio Carneiro acertou a quina. Os demais moradores desse lado da rua aguardam a sua vez. Esse cronista inclusive! Os cambistas quando sobem o morro, vão pelo lado direito. É o lado onde tem os botecos, as fubuias desdobradas e a sorte grande. Axé!


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Por Raphael Reys - 17/11/2009 09:57:06
MALANDRAGEM TROPICAL
( Série Bandeira 2)

Atento a tudo o que passava pela portaria, assim como os trâmites no interior do salão, do bar e das alcovas rotativas, Manoel do Bandeira 2, o proprietário, cobra criada nesse mundão de Meu Deus, notou quando dois furgões C- 14, carregado de PMs deram cerco à sua porta.
Cumprindo mandato judicial, os homens da lei chegaram com gosto de gás para capturar o bookmaker conhecido como “terror”. Quando o detido já estava para ser posto na traseira da viatura, Seu Manoel aplicou um agamenon na força tarefa.
Gritou: “Tem um telefonema urgente para você Terror. Parece que é problema grave com a sua família”.
Tendo o preso mostrado apreensão, os policiais permitiram que ele fosse atender na parte interna do bar ao telefonema 1.7.1. Ao passar pela entrada, escutou Manoel abaixado atrás do balcão falando baixinho: o portão do fundo está aberto!
O preso iniciou o falso diálogo, baixou o fone e gramou o beco fugindo através do alto capim vermelho do quintal, escapando pela saída de emergência.
Pulou fora da bronca que era pesada!
De outra feita, um conhecido travesti carioca, clone da mais bela mulher e especialista em idle rich ficou hospedado no Bandeira 2. Preparava golpes para faturar em cima de milionários, sua especialidade. Dado à sua beleza, teve acesso imediato à uma hora dançante que rolava no Automóvel Clube.
Fazendo se passar por mulher e estando no tipo de ambiente que era costumada a operar, causou o maior frisson na noite, foi capturada por conhecido médico local, freqüentador de lupanares, que encharcado de scotch, com a libido potencializada e pensando estar com uma tremenda gata, se dobrou de paixão pela boneca. Ficou tão emocionado que não ligou para o ambiente.
Foi dançar no salão, ao som de Patatí Patatá, de Myriam Makeba e dando gostosos e suculentos beijos na boca da bichona linda, se esfregando no maior pacote inflável, o que fez os sabedores das coisas da noite a murcharem as orelhas de vergonha e como ninguém falou nada, ele levou a lebre para seu carro, do lado de fora. Crente que estava abafando!
Foi barrado pelos familiares e amigos, que avisados por bajuladores, vieram às pressas e tentaram linchar a indefesa boneca tropical, tendo a mesma se evadido, por estar armado. Efetuou dois disparos no chão, os puxa gramaram o beco e ela se refugiou na garagem do Bandeira 2.
Os paus mandados ao invés de dar uma pala para o médico embriagado vieram para linchar a desprotegida boneca charmosa.
Seu Manoel temendo pela vida do seu hóspede, escondeu o mesmo no fundo da sua caminhonete, cobriu com lona e mandou o seu motorista de confiança deixar à linda e explosiva encomenda gay em BH. Sã e salva da fúria homicida dos amarra-cahorros!
O problema, típico comportamento de cidades campesinas foi contornado.



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Por Raphael Reys - 13/11/2009 08:14:28
O CABARÉ DE ZÉ COCO
(série MeloViana)

Em 1968, a autoridade municipal de Montes Claros desencadeou uma campanha repressiva, social, político e policial, proibindo a presença das damas da noite que há sessenta anos faziam ponto em casas de encontro e dancing no centro comercial da nossa urbe. De 1910, o Marimbondinho de Ana Capivara até 1968 à Roxa, Niama e a elegante Teresinha Bombril.
As profissionais da noite foram removidas na marra e levadas em caminhões e caçambas da prefeitura local, como gado bovino, até o conjunto de casas que ficou conhecido como Cabaré de Zé Coco, ocupando parte das ruas Corrêa Machado, Risério Leite, General Carneiro, Bahia e Beco Carijó, no bairro Morrinhos.
O point era o galpão conhecido como Cabaré de Zé Coco. Bar, restaurante, salão de dança e quartos alugados para as damas das camélias, que naquele tempo, residiam no local de trabalho.
Ao todo, uns cinqüenta imóveis foram locados, acomodando um efetivo de seiscentas profissionais da noite, remanescentes do trotoir do centro da cidade e da sua história de becos românticos, tangos e boleros em pista sintecada.
As beldades que mais se destacavam eram a Eliana, a mais bela de todas, a Bilisquete, uma baixinha que dançava os ritmos da moda, a Tarzan e a Sérgia, duas tomba-homem. Encarava qualquer parada e derrubavam o fintão no chão pisando no seu pescoço.
A profissional mais requisitada era a Maria Bocaiúva, uma mestra em Kama-sutra tupiniquim e técnicas francesas de alcova. Tinha quarto privativo e em separado do conjunto, dado ao seu status. Morreu no acidente automobilístico que ficou conhecido como A Curva das Raparigas em1970.
O conjunto musical que animava a casa maior era composto por Lauzinho da Guitarra, Cí Baixinho na percussão e Piruleta. Som brega ao estilo jovem guarda Wanderley Cardoso, Wanderleia, Roberto Carlos e Wilson Simonal.
O malandro mais esperto que circulava no pedaço chamava-se Vivi Peixe Galo, que cegava os otários na hora do golpe. Pelas ruas e becos circulam, a bicicleta de Canão, Eustáquio Perneta,
João Sexta Feira e Padeço.
Os mais valentes eram os policiais Geraldo da Rapa e Wilson Fróes. Branquinho Sarará, que terminou estrepado numa lâmina fria, e o mecânico Vovô que levou seis besouros sem asa de 38 na caixa torácica e está vivo até hoje.
Em 1977, com a liberação dos costumes, o ócio tomou conta do conjunto e a mística do cabaré perdeu status. Chegou ao fim! As damas da noite foram adoecendo por falta de recursos e má alimentação as doenças infecto-contagiosas, venéreas e a tuberculose e a depressão fizeram o resto do serviço.
Os responsáveis pelo serviço social do município, espalharam um boato, na pura guerra psicológica, dando conta de uma nova e terrível doença venérea, chamada Cai, Cai, estava grassando no conjunto. Foi o fim do movimento local.
Não deram a menor chance para aquelas que dedicaram sua juventude ao prazer de terceiros, acolhendo e aplacando as taras da população masculina. Aplacando a semântica libidinosa do homem da roça.
Desumana, arbitrariamente, negaram-lhes quaisquer tipos de socorro ou ajuda e se quer lhes prestaram a menor assistência financeira ou social. Numa atitude preconceituosa e anticristã. Confirmando a terrível e heróica saga da vida de prostituta.


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Por Raphael Reys - 7/11/2009 09:08:45
O APURADO DA MALANDRAGEM

(série Bandeira 2)
Dos tipos exóticos que circulavam nos salões do Bandeira 2, consta um militar que, expulso da corporação por excesso de malandragem e sendo solteiro, partiu para o golpe do baú. Noivou com uma viúva abarrufada de grana de herança, conduzindo-a ao altar.
Como padrinhos de casamento foram convidados Manoel do Bandeira 2 e um Alívio (advogado porta de cadeia). O padre (Pássaro Preto) contratado, para seu azar, era também malandro. Um fugitivo das capitais que entrou na batina para se dar bem. Ministrava e fazia os crédulos de uma cidade campesina próxima.
O Pássaro Preto sacou o noivo malandro e aplicou o contra-agá na hora da cerimônia. Perguntou: Seu casório é vento, ou é bandeira? O noivo respondeu: Ventolino! O pássaro preto prosseguiu: É fechamento (matar a noiva após o casamento) ou lavatório (deixar a esposa após o casamento)? O noivo respondeu: Lavatório!
Definido o tipo da aplicação na noiva o Pássaro Preto faz a conclusão: É brancolino? (uma parte come a grana sozinho) ou rachulino (o Pássaro Preto leva uma boa parte)? O noivo respondeu: É rachulino!
Nessa altura, o padre pergunta sobre sua garantia em receber sua parte depois do ofício realizado: Qual é a minha garantia? O golpista retrucou: Meus padrinhos, o Alívio aqui e Seu Manoel do Bandeira 2, que são meus amigos!
Selado o acordo dos dois malandros da vida, o Picão ganhou de presente de casamento uma grande empresa, e o Pássaro Preto ficou barrufado de vento. Tudo resolvido segundo o código 171 da malandragem!
Como a convivência com a clientela, maioria de malas com e sem alças, seu Manoel do Bandeira 2 numa ocasião, viajou de carona com o famoso Joaquim Vermelho (famoso vendedor de carteira falsa para motorista e intermediário em contratos de pistolagem) para Belo Horizonte.
Joaquim, cobra mais do que criada na noite, mestre da chaveta e do contra-agá, pisava fundo no acelerador a 140 por hora. Mal sabia o carona que o homem estava trincado de tanto mandar fumaça baiana para o cabeçote.
Olhar inflamado, vermelho que nem um pimentão perguntou:- Manoel, aquele carro lá na frente esta vindo ou indo? Percebendo o rabo de foguete no qual entrara, Manoel respondeu:- Encosta a direita e para, que ele tá doido e vai passar raspando!
Parado o veículo, Manoel tirou a chave do painel e convenceu o homem a ir dormindo no banco de trás. Ele estava tão trincado que não sabia que estava dirigindo.
A noite tem o seu tom exótico e Branquinho, um malandro sarará novo no pedaço, queria fazer fama de valente, e como já tinha aleijado um assaltante a tiros, resolveu copiar Saluzinho e saiu à procura de um confronto com os da lei. Estava a fim de ir para a capa da revista!
No Caldo de Mocotó próximo encontrou Robertão, policial militar, o maior valente da cidade. Deu um coro no homem, o cortou de faca e só não matou, porque foi imobilizado pelo Negão Torresmo, professor de artes marciais.
Dias depois, estando embriagado foi morto a facadas por uma dama da noite na qual aplicara uma finta.
À noite as ruas têm seus prazeres e seus castigos! Quando o malandro cai e o castigo pega, urra sozinho e apanha que nem cachorro sem dono. A noite não tem revertério, caiu para dentro está batizado.
Malandro é malandro, e macaco é 17. De tudo o que Deus fez, o malandro é a cria pior. Só dá prijú!


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Por Raphael Reys - 26/10/2009 14:10:23
PASTORES DA NOITE (série Bandeira 2)

Vindo originalmente do Bar Bandeirantes, montado pelo empresário Virgílio para fazer concorrência ao restaurante do Terminal Rodoviário, em que perdera a concorrência fraudulenta, o Bandeira 2 fez história nas noites montes-clarenses.
Funcionou diuturnamente entre 1968 e 1990. Duas décadas!
O bar tinha como vizinhos de atividade noturna o Hotel de Pedro Nu, e o exótico “Bardonato”, onde só trabalhavam malandros escolados. Comia-se o melhor tira-gosto e a melhor comida típica de então. Carioca, um garçom pintou a placa da entrada: “Bardonato! Onde se come e se bebe barato”.
“Nato” era o maior agiota do pedaço. Emprestava dinheiro para os ferroviários e cobrava juros de até trinta por cento.
Na rua de baixo, o bar do valente João da Hora, local de gente destemida, de murrão da roça, e onde a coroa da Santa padroeira da Catedral, operada por Neneco, cobra criada da noite, e que fez o leilão da peça sacra. O maior sacrilégio do pedaço!
A noite tem seus códigos, os becos com seus Big Men, quando tipos vestem roupagens e colegas de copo e de cruz buscam a sofreguidão a Baco, mergulhando no álcool e na ilusão da fumaça do amor bandido.
Na noite, um resto de tango e um assovio, uma chave de quarto rotativo, um lençol cheirando a pó de arroz, rouge e Royal Briar. Um corpo suado exalando sabonete Eucalol, um cheiro de Alfazema Suíça, um lenço manchado de batom vermelho.
Um fio de cabelo de mulher embaraçado à língua entorpecida, um elástico enrolado à coxa de nácar de uma Dama das Camélias.
Na mesa de sinuca o taco de Lucídio Cutelo, a presença de Lapinha, do Bola, de Quincota e Nivaldo com seus anéis de brilhantes e o seu chapéu siciliano, com pena de papagaio.
Na pista verde, trilha das fichas, da roleta e das ilusões geométricas, das mandalas do pôquer, do chemim de fér e figuras mágicas que traçam destinos de otários, de malandros e de patos barrufados.
Na pista sintecada, Paulo Bocão dança bolero e a sua calça de linho S120 branco tremeluzia a luz vermelha do reclame e, o bico do seu sapato de verniz alemão refletia as sombras dos corpos atormentados rolando em fortes amplexos e juras de amor.
Tião chega trazendo Doutor Jason para comer um lauto baião de dois. Ocultos pelo capim vermelho que encobria a saída dos fundos, Ló, Padeirinho, Chiquinho e suas caixas de ferramentas cheias de chaves, agás e de bobos michas.
Nas mesas do bar e do dancing no piso superior, apaixonados se embriagavam escutando Lindomar Castilho cantando Andorinha e os notívagos, Pedra Azul, Moacir e Saint Clair preparavam mais um aplicação para otários.
As estrelas da noite eram Vera Baiana e Maiza, dona de uma beleza estonteante e a mulher que mais faturava era a Galo Bravo, que quando estava estressada tirava a roupa e corria pela Rua Melo Viana. Principal via de acesso para o Bairro Morrinhos.
Uma dama de negro, uma tremenda loira vinda da terra de Odim em busca de aventuras e apogeu múltiplo se encharcava de Jack Daniels, à mesa do fundo e, escutava o solo do piston de Chet Baker tocando Stella By Starlight. Com sua beleza estonteante provocava um frenesi no ambiente.


51312
Por Raphael Reys - 22/10/2009 14:21:48
RUA MELO VIANA E SEUS ARTIFÍCIOS

( primeira da série- Será publicada juntamente com a série Bandeira 2. Contando a história do bairro Morrinhos- Entre uma e outra, crônicas do cotidiano e personagens para não ficar cansativo)

A escola de samba mais famosa era a Destak, criada pela família de dona Linda. Começou como bloco caricato, evoluiu para escola alcançando o seu apogeu com o primeiro lugar no carnaval de 1982. A quadra da agremiação foi montada na esquina das ruas General Carneiro e Dona Tiburtina.
Dona Linda era a presidente, seu filho Wilson, mestre de bateria, na cabeça Betinho, como puxador o cantor Simonal Cor Morena que trazia os sambas enredos do Rio de Janeiro. A porta bandeira era a bela Jaciara e os mestres-sala Neguinho e Leco.
Iniciou como bloco, em 1974, foi campeã e encerrou suas atividades com o fim do incentivo da municipalidade ao carnaval de rua, em 1988. Havia também a Escola de Samba Vanguarda, que reunia passistas, capoeiristas e sambistas sob o comando de dona Vera de Peixinho.
O bloco caricato Feijão Maravilha, capitaneado pelo líder sindical Feijão, membros de sindicatos, e militantes do PT. Teve vida ativa de 1978 a 1988.
O bloco Hong Kong, liderado pelo lutador de artes marciais Negão Torresmo, capoeirista e comandante da famigerada Trinca do Desaba.
Faziam parte Marretinha, Lupinha, Kabila da Igrejinha do Santuário, Aberê, Paulinho Capoeira, Marão e outros.
A turma da capoeira de Gera Moleque, Nivaldo, Paulo Bocão, Dudu, e outros, autores do notório coro na turma de janotas que infernizava o centro da cidade. Foi o fim da gangue de Gerinha Portuguesa!
Com a falência do faturamento do conjunto de casas de tolerância conhecida como Cabaré de Zé Coco, vieram de São Paulo dois 1.7.1. que faziam agá de pastor evangélico. Montaram serviço de cura e desobssesão depenando os incautos que os procuravam em busca de alívio.
Um deles chegou escorraçado e liso. Como o barraco que alugou não tinha instalação elétrica, apanhou um chicote já com vários bocais instalados, emprestados por Feijão Pintor e só colocou uma lâmpada na sala de cura.
Ao atender a primeira paciente incauta levantou as mãos para cima, clamando pela força do astral superior, para expulsar um demônio que supostamente obsediava a otária. Sem notar, enfiou o dedo indicador dentro do bocal descoberto.
Desconhecendo a fonte de energia com a qual estava conectado, levou um choque e deu um grito: sai de mim capeta, eu tô te tirando dela e te mandando para as prefundas!
Foi o seu canto de cisne! Acabou escorraçado do barraco pela assistência.
O outro, para mostrar serviço, tentou fazer seu Ernesto Carpinteiro andar sem a bengala. Como o homem caiu ao solo, sem o apoio da prótese, o safado levou umas bengaladas na cabeça e gramou o beco de volta à sua terra natal...


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Por Raphael Reys - 18/10/2009 11:48:46
MILONGUEIRO.

Din Canga, ou Din Bolero, ou Din Paiacim, era um rouxinol perdido nas chapadas do Norte de Minas! Criado na “larga” da vida, cedo aprendeu a malandragem e a sobrevivência noturnas. Aliados a isso havia a sua verve natural, o bom humor, a malícia, a habilidade em jogos de salão. Cartas marcadas. Crooner de boleros e latinas. Milongueiro de pista de boate. Não foi feliz no amor, mas cultivou uma legião de amigos!
Toda alma que o Criador manda a esse mundo o faz em missão!
Como diz o trecho de uma canção portenha “cada qual com o seu cada qual” Cada um na sua!
Seattle, o grande cacique dos Cheyenes, chegou a dizer que: “não se deve julgar um homem antes de andar duas luas com as suas sandálias.” E segundo Descartes, “julgar é obsceno!”.
Din Canga varou a vida buscando conquistar o amor de Cecí, um esplendor de beleza feminina, uma distração do Criador, uma profissional da noite que não o aceitou como freguês e muito menos como amante.
Por ela ele bebeu rios de uísque Cavalo Branco e afinou as suas cordas vocais cantando para ela “Aurora de Flor”.
Presenciei uma mostra dessa paixão, na Boate Maracangalha em 1967. Bebíamos à noite, quando Ceci adentrou no salão do “dancing” devidamente acompanhada, num trepidante “tête a tête”!
A orquestra de Lauzinho sentiu o clima dando os acordes da música fatal. Por empatia e companheirismo, abraçado a ele, solidário com sua desdita, cantamos juntos no salão iluminado pela luz de um abajur lilás, o seu hino de paixão!
Nessa noite Din se embriagou e derramou rios de lágrimas enquanto os seus olhos orientais brilhavam na penumbra, a observar, através da cortina líquida e ácida do seu pranto, seu amor, Ceci, a dama da noite que numa mesa a um canto do salão tinha os seus lábios sugados demoradamente por um rico freguês!
Naquela noite tanto na pista, no bar ou no salão de dança estavam propositadamente quase vazios. Uma conspiração do destino carma. Era tempo de tomar um porre de “scotch”.
De lembranças e desabafos.
Hora de sorver o tom multicolorido das bandeirolas de papel crepom postas no teto como um bandô e que sugeriam um ambiente festivo.
No ar, o cheiro típico das casas noturnas. Um misto de fragrâncias de perfumes Lorigam, Nuit de Noel, Royal Briar, Myrurghia e o creme Antisardina que as damas usavam na pele para não ressecar. Aromas de comidas, fermentação de cerveja, sexo, fuligem e fumaça (os fogões eram à lenha) e o aroma dos uísques importados.
Uma corrente de ar canalizado através dos corredores longos e a umidade da água vinda dos tambores de metal duzentos litros, usada precariamente na limpeza genital dos amantes, servida em bacias e baldes de esmalte branco com friso azul pavão nas bordas.
Aromas de sabonetes Lifebuoy, Vale Quanto Pesa e odores de glicerina aliados ao mau cheiro das águas sujas jogadas no quintal com piso de terra.
Nessa mesma ocasião compreendi a falácia do homem em sua semântica libidinosa e pude, então, assistir ao vivo e em cores, o terrível massacre emocional de um apaixonado perante sua musa noutros braços.
E junto com ele, no mesmo diapasão, cantamos “Aurora de Flor”...


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Por Raphael Reys - 14/10/2009 08:03:37
CATARINO CATUREBA

Filho dos “Buia”, gente vinda do Claro dos Poções para o povoado de Boa Sorte. Da prole, Joaquim, Alfredo, Olimpim Búia. Catarino, como era especial, veio ao mundo mignone, quase um pigmeu branco. Com aparência de japonês. Magro, pernas e braços curtos ao bom estilo kata, andar vacilante, onduloso, arredio. Fala cansada, anasalada, chegada a um foêm.
Veio a esse mundo doido pelas mãos de Tianinha Parteira, que também era rezadeira e benzedeira, assim como Dona Dú, que ainda está na ativa. Deus Pai quando manda as almas ao mundo, o faz em missão!
Observador e cheio de truques. Tem a sua verve própria.
Trabalhador diuturno, pau para toda obra, Catarino mora com o seu irmão Alfredo. Toma umas fubuias lambicadas e vaga chumbado pelo povoado.
É um costumeiro alisador de banco da igreja de Nossa Senhora das Graças, padroeira local e cantante das festas do Sagrado Coração de Jesus, nessa terra de tucanos e jaracuçús-malha-de-cascavel. O jaracuçú queixo de burro.
Ao vê-lo na Praça Francisco Avelino, o posudo Daniel, que era dado a cartar marra, foi logo dizendo: “Cuidado Catarino, que tem capador de cachorro na entrada do povoado!” Espirituoso, Catarino retrucou em cima do pedido: “É por isso que você veio correndo de lá, né...”
Dentre os mentirosos que freqüentam o logradouro e o bar do Pedro Satírico, os campeões são: Dail Bandeira e Livim. Esse último,só perde em quantidade e qualidade para Osvaldo do Claro dos Poções e o finado Dilo Calango.
Um costume local adotado pelos que querem tomar uma boa cachaça da terra, ao chegarem ao bar e para despistar os curiosos que ficam de butuco observando a vida alheia, é pedir a dose da cachaça em código: “Dê-me uma caixa de fósforos aí!” A dose é servida camuflada e o bebedor vai degustá-la detrás da pilha de sacos de cereais...
Daí, o Satírico e grande gozador quando vê chegando o freguês, vai logo perguntando: “Vai tomar uma atrás do saco, compadre!?”
E estamos conversados!


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Por Raphael Reys - 7/10/2009 08:26:15
DUAS DO BREJO!

Em recente acontecimento festivo e literário na vizinha cidade de Francisco Sá, Mário Pena, digno alcaide daquela urbe, disse que o “Brejo” é, na verdade, o bairro mais chique de Montes Claros... A bem da verdade, o bom e festivo povo brejeiro ajudou e muito a construir a nossa história. As nossas letras, a vida literária e a arte, muito devem ao “savoir faire” da família Silveira, dentre muitas outras igualmente ilustres, que podem ser citadas.
O Brejo das Almas, e o seu povo, têm a sua mística própria, seu “modus vivendi”. Antigamente, no tempo do Romantismo, o bom brejeiro macho era tomador de cachaça, farrista, mestre nas cartas que rolam no pano verde da campista e tinha uma ou duas “quenga”, por conta, com casa alugada e montada, tudo o mais, de acordo com o figurino...
Nesse moderno mundo globalizado e flexível aos costumes, o brejeiro continua sendo cabeceira em tudo. Somente a sua “quenga”, quando a tem, hoje vive em casa da família, ou barracão alugado pelo amante. São as adequações da modernidade financeiramente opressora.
Nascer no Brejo é ser feliz longevo e viver na larga da vida, sem cancela e desprovido de preconceitos campesinos. O que me lembra o meu saudoso amigo Gera Capa de Revista. Um mestre do bem viver!
Conta-nos a história, que o bom brejeiro Zé Batoco tinha a sua quenga por conta. A mesma, cansada do bafo de cachaça e do ronco de bêbado, acordou com a pá virada, apanhou a cachorrinha e veio assentar praça na rua Lafaiete, o oráculo montes-clarense da lascívia. Cedo aprendeu as artes de alcova e o kama-sutra tropical, com as mariposas cariocas que por aqui faziam vida.
Confirmando o dito do sábio Hesíodo que afirma: “a natureza erótica das mulheres é a origem do seu caráter enganador”
Zé Batoco, com uma ponta de saudade e a testa coçando muito, inventou negócios em Moc City e veio ver de perto a sua ex-gata, que por aqui virou artigo de luxo. Enciumado, apanhou na marra a sua prenda e a levou de volta para o bom Brejo das Almas, para a sua alcova tropical, de onde ela nunca deveria ter saído.
Os amigos, invejosos da sua boa vida, zombavam do fato dele ter ido buscar a sua amante de volta na zona boêmia de Montes Claros. Zé Boteco retrucava afirmando que tinha “era lucrado”, pois que com o estágio no cabaré da terra de Figueira, ela, além da sempre disponibilidade, fizera um “curso de aperfeiçoamento e aprimoramento em certas coisas”, pois havia aprendido algumas novidades luxurientas especiais da modernidade, algumas até importadas da França, todas elas de fazer gosto...
Já Ataíde Silveira, emérito violeiro da Folia de Reis e que gostava de afirmar: “sou Siliveira Pimenta e só enfrenta quem agüenta andava com o seu facão guarani na bainha, um dia encheu o quengo de gole e foi dançar e prevaricar no Rancho Lua, onde passou a noite.
Acordou de ressaca e voltou para casa sendo barrado pela patroa, que o escorraçou. Irritado, apanhou a matula e disse que iria morar no Mato Grosso.
Na estação ferroviária daqui da terra de Figueira, o trem demorou tanto que o efeito da bebida passou e ele, arrependido, voltou para casa. Pediu perdão à cara-metade e retornou à sua vidinha de tomar gole de leve...
No dia da tradicional “Queima do Judas”, o leitor do conhecido “Testamento do Judas”, em versos, improvisando, perguntou ao compadre Ataíde “o que é que ele viu no Mato Grosso?” Irado com o agulhão recebido, Ataíde queimou no golpe e respondeu também em versos, por cima do pedido e numa rima rica: “No trem que partiu, o que eu vi foi a P.Q.o Pariu!”.


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Por Raphael Reys - 2/10/2009 08:05:57
O JARDIM SERTANEJO DE ACADEMO

Aqui estamos no mini salão do Automóvel Clube, onde outrora fora um jardim de arbustos, no fundo do quintal de doutor João Alves e dona Tiburtina. Nessa iluminada noite de festas, inaugura-se a Academia Feminina Montes-clarense de Letras. Relata o universo literal rosiano que: “O mineiro carrega o sertão dentro de si.” Essas musas, que integram a Academia, são, sem dúvida, flores silvestres colhidas no Jardim Sertanejo de Academo.
Mestras de artes e letras que carregam nas veias o sangue de Mercúrio. São romancistas, jornalistas, contistas, poetisas, ensaístas, pintoras, artesãs, mestras do ensino. Escrevem e contam pelas suas artes a alma do sertão com os seus amores e o cotidiano do mundo globalizado.
São quarenta musas filhas de Figueira, que escrevem sobre as comédias e tragédias da vida com sua bipolaridade, na sua maioria
mães, avós, bisavós. Algumas poucas com o coração ainda a ser conquistado por algum príncipe encantado roedor de pequi...
Muitas delas, oriundas de outras agremiações acadêmicas onde há muito vêm encantando com o seu talento. No salão, tudo muito bem organizado, respirava-se uma atmosfera de contentamento, onde as neo-acadêmicas aguardavam de coração pulsando acelerado o lilás do telerine nos seus ombros.
Na cadeira central, a ilustríssima acadêmica Yvonne Silveira, expressão maior da cultura da nossa terra, mentora e Presidente de Honra da nova academia. Logo empossou e passou o comando da nau mercuriana tupiniquim à presidente eleita por unanimidade, acadêmica Maria da Gloria Mameluque.
Discursos, performances poéticas, aplausos, muita alegria de amigos e familiares, glamour, senhoras e cavalheiros bem vestidos, inebriando-se com o evolar de um “bouquet” de fragrâncias francesas: Nuit de Noel, Fleur de Rocaille, Lê D e outras delícias.
Sentados à mesa de honra, representantes de autarquias, autoridades convidadas, representantes de agremiações de artes, letras e da Academia de Letras de Belo Horizonte, ACLESIA (Academia de Letras Ciências e Artes do São Francisco), Academia Feminina de Letras de Belo Horizonte, Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros e de Belo Horizonte e da Academia de Letras da nossa cidade.
E viva Montes Claros!


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Por Raphael Reys - 29/9/2009 08:57:07
SUSIN DA LAMBRETA

Ou mesmo Susin da Xispa, como é habitualmente chamado. Adquiriu a sua motocicleta Xispa em 1968, já de segunda mão e conserva até hoje sob cuidados. Atleticano doente, baixo, caucasiano, “pé pro mato”, ou seja, o direito ao andar marcando sempre doze e quinze, na posição contra-pedal.
Quando está no tráfego da nossa urbe cavalgando a sua relíquia sobre duas rodas, ao cruzar com algum carro em sentido contrário, tem que “tirar a diferença”, evitando acidente.
A Lambreta (Xispa) que só ele e Jaime sabem consertar (nem Borrola da Melo Viana conserta), quebrou o galho na sua locomoção na selva de concreto. Nasceu e foi batizado Wilson, emérito morador da Ponte Preta, onde ganha a vida consertando fogão e tanque de lavar roupa.
Quando moço, era assíduo freqüentador das sessões de faroeste do Cine Ypiranga, época em que Pedro Piteira, porteiro arrochado, barrava a sua entrada alegando que o seu pé 46, “pro mato”, derrubava a garotada que saía da sessão de cinema correndo feito égua de Joaquim Surubim.
Assistia às fitas com o Bobão de Rex Alen, o cavalo de Roy Rogers, a destreza de Roky Lane, o branco cádmio do cavalo Silver do Zorro e a eterna perseguição do sargento Garcia, sempre levando a pior. Às vezes assistia a saga de Zapata, Sancho Pancho, ouvia a voz de Miguel Aserves Mejia, ou mesmo se encantava com os olhos lindos de Sarita Montiel.
Certa feita, ganhou um blusão que estava com o zíper estragado, de presente do amigo eletricista Dirceu de Sansão.
Como a peça era um filé de beleza, vestia a roupa com a frente para trás, evitando tomar vento no tórax.
Em uma noite de luxúria, vestindo a dita jaqueta tupiniquim e, estando com o pandú cheio de gole e a caminho de uma noitada na boate “Redondo do Zarur”, foi abalroado por um casal que transitava de carro na BR.
Esparramado no chão com a frente do bendito blusão virado para trás, o seu pezão 46 de rosca, supostamente pendendo para o lado contrário, dava a impressão de ter torcido o pescoço e quebrado o pé. A senhora que estava no veículo atropelador ao vê-lo naquela posição em que “Bonaparte perdeu a guerra”, nervosa com o acidente, tentou socorrê-lo e pegou o pé torto e o estava virando para dentro, buscando corrigir a lesão, à medida que falava,dando uma de ortopedista curraleira: “Coitadinho, quebrou o pé e entortou o pescoço!”
No momento do acidente, gemendo de dar dó, nosso herói respondeu em cima da bucha: “Solta meu pé que ele é torto assim mesmo. É de nascença!”
E aos meus fieis leitores do “site” “montesclaros.com”, declaro que os fatos aqui citados, com os acidentes e incidentes, me foram relatadas pelo sindicalista Nivaldo Feijão e o aposentado Romeu, eméritos componentes da turma conhecida no morro como “G Quatro”.


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Por Raphael Reys - 25/9/2009 15:33:38
ALMAS EM BANDO

Relata-nos Kipling, em um dos seus contos fantásticos, que bandos de almas que pululavam, ou melhor, pirulitavam nos caminhos da Índia quando da ocupação inglesa, além da alma do ser humano, tinham a companhia das almas (os perispíritos) do cavalo, boi carreiro, gato, elefante e cachorro, vagando, pelos umbrais, após a morte.
Para se manterem nesse terreno insólito, se agrupavam por similaridade de raças ou por força do pensamento. Tal na vida, tal na morte! Foram bandos, legiões, hostes sempre sob algum comando. Para se manterem ligados à vida física que perderam sugavam o ectoplasma dos homens e animais encarnados. Nada menos que o “bafo animal”, dos vivos! Na verdade, algumas almas ficam até dois mil anos sem retornar ao mundo pela reencarnação! Presas a pensamentos de vingança, de preconceitos religiosos, ou clichês esquizofrênicos, formam no mundo astral vilas, cidades e metrópoles em busca de perpetuar as emoções vivenciadas durante suas vidas. Constituem verdadeiros exércitos de similares e se locomovem, pelas cidades, em veículos como se estivessem encarnadas e participam de cavalgadas, usando o perispírito de cavalos desencarnados. Os mais experimentados, volitam (viajam no astral) com o perispírito (corpo espiritual) como um pássaro!
Alguns relatos de populares no Norte de Minas nos dão conta de fatos considerados anormais. Pessoas vivas, em madorna, foram levadas ao mundo astral e fizeram viagens em missão assessoradas e conduzidas por guias diversos. O fato a seguir é relatado por Denço, um rurícola que prestava serviços na casa dos pais de nosso ilustre conterrâneo Haroldo Lívio, quando criança. Denço estava dormindo e foi levado por uma alma guia até a entrada dos umbrais. Lá, o apresentaram a um Exu gigante vestindo uma elegante capa vermelha, montado em um corcel negro e brilhante que o conduziu por uma jornada em missão, nos umbrais. A viagem durou três dias e três noites, segundo Denço. O Exu usava um chicote magnético para abrir caminho por entre os obstáculos naturais do percurso umbralino. A taca servia, também, para afugentar almas penadas que agrediam os passantes. Segundo Denço, nessa viagem passaram por três locais distintos: As Bananeiras, onde a vegetação era simétrica e as almas tinham aparência de encarnados, guardadas algumas pequenas distorções. As Mamoneiras, local enfumaçado e escuro, vegetação retorcida, capim tipo piaçava, habitado por seres bastante deformados, que vagavam aos gritos. As Paratecas, a terceira e mais profunda unidade dos Hades, com masmorras, correntes, fogo, desespero, ranger de dentes. Nessa última, identificou a finalidade da sua missão, o motivo da viagem, que era socorrer uma velha da cidade que passara a vida vendendo pinhas em uma cesta, de casa em casa, por mais de cinqüenta anos. Assustado, Denço perguntou qual era o motivo daquela velha senhora, de aparência tão distinta, estar ali naquele local tão tenebroso.
O encarregado dessa câmara de retificação informou, então, que durante os cinqüenta anos de trabalho vendendo pinhas, ela aproveitara para espalhar fuxicos que provocaram a desgraça de muitas famílias.


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Por Raphael Reys - 21/9/2009 07:57:48
SEGUNDA VIAGEM AO PURGATÓRIO


Nessa segunda viagem que fiz ao Purgatório fiquei sabendo que: quase todo mundo pensa em passar a eternidade “comendo molinho no paraíso!”
O guia me apresentou o próprio Gonçalves Figueira, nosso desbravador e pai e me mostrou uma turma que conversava animadamente em um jardim rococó. Meu padrinho de batismo Deba de Freitas balançando a sua pança cheia de franguinho caipira conversava com Artur da Geléia e o botequineiro Tiano Nunes que continua vendendo pastel recheado de vento quente e emprestando dinheiro a juros módicos.
Logo mais passa o comerciante Oscar Gabriel (sem o seu Cadilac Rabo-de-Peixe) e de braços dados com Analinha. Coronel Coelho ria da piada rouca e impune contada por Altininho e observavam Dimas e o Tenente Pimenta bancando jogo de bicho. Genaro Barreto vendia pacotes de cigarros Columbia e o Tenente Piloto passava com a sua charanga com o seu inconfundível toque marcial.
Escutei umas gaitadas e fui ver. Eram o cabeceira Walduck Wanderley (que me perguntou como ia passando o seu amigo Augustão Bala Doce aqui na terra) e Sinval Amorim se acabando de rir de mais uma tirada do cavaleiro da verve, Zé Amorim. De longe vi o bigode de Deca Rocha que conversava animadamente com seu amigo Dim Pimenta. Num canto, Rosalvo Lessa tremia e morria de medo de encontrar a alma de Carmem Miranda.
Nas margens do rio Estígio, lá estava Sabú ensinando natação às almas novas e preparando uma mesa de carteado para uns patos barrufados. Perguntei ao guardião por Hermes de Paula, pai da minha amiga Virgínia e, fui informado que o mesmo se encontrava no Quarto Céu, juntamente com outros historiadores dentre os quais, me disseram, estava Ciro dos Anjos, Nelson Viana e Olinto Silveira.
Vi Ducho Mendes tocando bandolim com algumas almas e Roque Barreto batendo o seu tambor ao ritmo de carnaval. Minha Tia Preta como sempre vestindo saia tipo Garota do Alceu, usando brincos de coco e ouro e dançando bolero com o barão Ururaí Filpi. No final da tarde fui a uma festa de santo na casa de Malaquias Pimenta, no Roxo Verde de lá.
Senti o aroma de fumo inglês e era o meu amigo Walter Lins que pitava cachimbo com Benjamin da Anglo. Negociavam uma boiada de primeira.
Jabur jogava uma partida de sinuca com Augustão da Sinuca, Lucídio Cutelo, Arnaldo Rocha, Criolo e a alma de Geraldo Monte Azul que fora trazida enquanto ele ainda dormia reafirmando assim o dito de que: “quem é do beco só aspira ao beco!” Salvador Rabib Perez aplicava ventosa quente no lombo de um caboclo que chiava que nem roda de carro de boi.
Apanhei o cavalo Fenomenal de Pedrim de Araujo para ir ao local onde ficava os barra pesadas. Faziam barulho como um poço de Kipling. Lá o maior auê de Negão da Titia, Zé do Bode, Janjo, Pererinha e Nobresa e outros mais que não decantarei os nomes. Se decantar as famílias enciumadas darão o maior pití curraleiro e podem até cometer o Haraquiri Baiano!
Em um canto alegre, Nilsinho, Jasmim, Requebra e Leopoldo Cozinheiro. Zé Saruê vendendo doses de amargosa e Joaquim Vermelho negociando carteiras de habilitação para a ida de otários aos céus (da boca da onça). E Emmanuel Pinto (171 e Pai de Santo) vendendo revólver 38 e encomendando uma firmação “a quem interessar possa”...
O encarregado do babado me mostrou vários conterrâneos que logo mais seriam mandados para baixo! Irão se estrepar no tridente de Dite, o maior ferrabrás do pedaço...


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Por Raphael Reys - 16/9/2009 08:06:13
PRIMEIRA VIAGEM AO PURGATÓRIO

Raphael Reys

Baseado na costumeira suposição de que toda alma mandada a este mundo doido o é em missão e que os erros de propósitos filosóficos e morais são inerentes ao homem em aprendizado, Dante relata que: “A alma por estar escravizada ao amor tende ao prazer.” Assim sendo, as almas masculinas quase na sua totalidade, ao baterem a caçoleta os seus donos vão de imediato para o purgatório. Antecâmara do Inferno ou escada para o céu (da boca da onça...)
E as mulheres quando chega a hora, vão para onde, pergunta o leitor. Elas não dão nem beira de caçapa! Vão direto para os Hades de Dante! Sendo as suas almas impregnadas de agá e de maldades mil, vão parar quase sempre nas Paratecas, ou seja, o sétimo círculo do Érebro. Conhecido como” Judeca” ou “Prefundas”.
Sempre ao dormir saio do corpo em perispírito (projeção astral) e volito pelo mundo espiritual imediato. Noite dessas projetei ir ao Inferno dantesco visitar a seção dos conterrâneos montes-clarenses. Relatei a minha vontade a um mui digno leitor de minhas crônicas, um competente juiz de Direito da nossa urbe e o mesmo me aconselhou fosse primeiro ao Purgatório. Assim, as famílias dos “de cujus” não dariam “pití” e ficariam mais consoladas ao lerem à crônica...
Chegando ao portão principal do átrio dei de cara com Manoel Quatrocentos e levei a primeira ferrada da noite. Ele é assessor do porteiro mor, Arlindo Tiririca, um valente de antanho. A segunda ferrada veio do hoteleiro Juca de Chichico.
Ao vê-lo, falei: “Como vai, seu Juca?” Ele respondeu fazendo o seu gesto característico de puxar para si o interlocutor:" que aperta e não machuca!” Logo ouvi uma cantoria vinda de um bando de saltimbancos que, supondo que eu houvera batido a caçoleta, após uma recente cirurgia cardio que fiz viera me receber e dar as boas vindas.
Antonio Augusto Soldado, irmão de Arnaldo Maravilha no solo do violão e Dincanga imitando Caubi Peixoto, precedido de uma trupe de conhecidos “de cujus montes-clarenses”.
Busquei ver no bando a presença da minha amiga Aline Mendonça e o executivo do átrio me informou que ela cantava agora no coro da Divina Beatriz, no Terceiro Céu de Odin. Aproveitando o ensejo perguntei pelo poeta Reivaldo Canela. Segundo me informaram poetava no Quinto Céu, com Tagore e Whitman.
Versavam e versejavam sobre a “sustentabilidade da alma” e o efêmero da existência dos humanos, papo “rafiné” só para quem é do ramo, como diria o poetinha Felippe Prates.
Mais no fundo, vi Zoca e Fernando Gontijo fazendo uma serenata na porta do lupanar de Analinha. Meu amigo Moisés Almeida tomando “Old Eight”, o uísque que matou doutor Fernando Oliveira e seu irmão, Felisberto, o Barão, bebendo uma vodka russa PO com Jaroslav Rosulek e Walmor, ao som de Virgílio de Paula cantando os temas de Noel. Coisa linda!... Todos aguardavam a hora de ir para a parte de cima do babado.
Um grande alarido e som de farra me chamaram a atenção, em um canto reservado aos filhos de Figueira. Só tinha cabeceiras! Na maior farra, Daço Cabeludo, Mauricim e Marão, Mamoeiro, Tião Coxé e Zé Paraíso com o seu inseparável “38 Schmidt and Wesson”. Zé Priquitim tomando uma gelada e Zé Carlos Priquitim com a bandeira do Atlético. Biô Maia e Carlúcio Atayde degustavam uma Viriatinha, no Bar Sibéria de lá.
Vi o notável professor Pedro Santana ensinando filosofia socrática para notívagos em recuperação e que se preparavam para serem enviados aos céus e, após, visitar todos os departamentos tupiniquins. Pedi para voltar pela região das escarpas até o portal de entrada e me mandaram como guia Virgínio Preto, montado no seu alazão negro com sua pirata cabo de prata.
No retorno, como não tinha pontes, atravessamos o Rio Letes a bordo do barco de Caronte e encontramos um exército de torcedores de Galo e do Cruzeiro, que desfilavam empunhando uma bandeira onde estava escrito: “E o estandarte do Inferno avança!”
Ao me afastar do portal e já volitando, escutei Dincanga cantando em despedida, muito melhor do que Caubi:
“Conceição, eu me membro muito bem... Vivia no morro a sonhar com coisas que o morro não tem... Foi então, que lá em cima apareceu, alguém que lhe disse a sorrir que descendo as escadas ela iria subir... Se subiu, ninguém sabe, ninguém viu, pois hoje o seu nome mudou e estranhos caminhos ela pisou...Só eu sei, que tentando a subida desceu e agora daria um milhão, para ser outra vez Conceição!...


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Por Raphael Reys - 11/9/2009 07:36:33
A CASA TORTA

Diz o dito do malandro que chapéu de otário é marreta. O homem da roça, ou o nosso “caboclo curraleiro”, como bem dizia o saudoso Deca Rocha, é um ser drumoniano, ou seja, movido pela semântica libidinosa do sertão. Treitou, relou, ele estava intumescido! Principalmente se o assunto era um rabo de saia ou uma alcova tropical.
No bom 1973, Otaviano, pequeno comerciante do bairro Major Prates, vivia nas quebradas dos Morrinhos tomando umas e outras e atrás de uma aventura amorosa com as mariposas do conjunto de Zé Côco. Vermelho como um pimentão, meio sarará, bigodão a Miguel Aseves Mejia e, para impressionar a galera, uma bota Agabê de cano alto.
Em uma tarde inusitada de muito 171, Otaviano vagava pela rua General Carneiro, entroncamento com Referiu Leite, como todo bom milongueiro assoviando... “O dia em que me queiras...” Cheirando a Royal Briar, brilhantina Glostora. Vestia calça de Pervinc 70, calçava sapato feito pelo mestre Penalva o “couro cheio de vento”.
Logo caiu vítima do olhar “Farol Alto” da esperta Josefa Loura, uma balzaquiana de cabelo fulvo e enrolado, boca meio torta (de rosca) cara de lua, muito ruge no rosto branco leitoso, vestido tomara-que-caia, bumbum ao estilo “meu Ceará”, boca e unhas em vermelho-carmesim, cobra criada pela larga das ruas, o “modus vivendi” de cavalgar sem arreio, amante de malandro “xincheiro” e destemido no pedaço.
Na época, os internacionais rapazes cabeludos da urbe, Paulinho Relojoeiro e Viana, (Tadeusista doente), conhecedores do trecho e de suas potencialidades, informaram a este cronista que até a esquadria da janela do barroco torto era torta, também.
Habituada a identificar otário de longe, deu um sorriso magnético no estilo 53, jogou um selinho com as pontas dos dedos e chamou o trouxa para dentro do seu barraco torto.
Para completar o quadro, havia um cachorro pequenez amarado à entrada dando segurança, enquanto a sua dona depenava o otário. Uma cena digna de Felline!
O “modus operandi” era o seguinte: Estando o otário já despido e devidamente intumescido no interior do quarto, o malandro (já na campana), amante da Josefa Loura,chutava a porta e bradava com uma peixiera 12 em riste ameaçando céus e terra! Cobrava dois meses de aluguel (supostamente) atrasados, ameaçando a todos de morte.
O negão tinha “phisique de role” de Sansão antes da gripe, pescoço taurino, sobrancelhas de sátiro e pendurado no pescoço um colar de Kimbanda. Usava um anel de aço com a imagem de São Jorge Guerreiro e calçava sapato branco.
Ela entrava quarto adentro em desespero, empurrava o otário vestido só de cueca Torre pela janela que dava para a rua lateral, já tendo antecipadamente aliviado a grana que estava na calça do “Loque”. Esse, na inocência, agradecia à divindade ter escapado com vida. Mesmo só de cuecas, mas com vida...
Dentro da Casa Torta a loura rachava a grana com o malandro e iam comemorar dançando na pista do Bandeira 2, enquanto Otaviano lá estava na Catedral, a rezar aos santos e anjos, em agradecimento.


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Por Raphael Reys - 7/9/2009 10:03:57
ERA UMA VEZ NO OESTE

Zé Amorim contava um “causo” com sua verve em dramatizar pequenas tragédias do cotidiano, quando Toninho Rebello que participava da conversa o interpelou: “Porque os Amorins são todos assim conversadores e espirituosos?” Zé respondeu, na bucha: “Porque somos cópia do nosso pai, Pedro Montes Claros.”.
A bem da verdade, os Amorins são como mala de mascate. Vivem de tampa aberta e se enquadram no dito de Maria Célia: o “modus vivendi” de cavalgar sem arreio.
Apaixonado por fitas de faroeste, Zé chegou ao cine Montes Claros trazendo na garupa da moto BSA Lazinho Pimenta, para assistirem ao longa metragem “Era Uma Vez no Oeste”. Silêncio na platéia, Jacó botou o rolo para correr.
Na cena de abertura, o “cowboy” chegou a San Juan de La Puente, no Novo México, como se não quisesses nada e tocando uma gaita harmônica de boca, no bom estilo romântico. Desceu na plataforma, consertou o chapéu e deu uma cubada nos “paus mandados” do chefão que traziam os embornais de milho 44.
Desceu atento com uma bruaca de couro sobre o seu tórax, ocultando o Colt 44, de olho nos três bandidos na plataforma que o esperavam montados em seus cavalos, para enviá-lo à cidade dos pés juntos a mando do bandidão local.
O pistoleiro quebra faca do chefão adiantou a montaria e foi logo aplicando o maior agá, temendo que a vítima desconfiasse de algo, pelo fato de não terem trazido um cavalo sobressalente para transportá-lo.
- Na pressa, nós esquecemos de trazer o seu cavalo, companheiro. Mais na frente tem um bom de sela.
Como todo artista, o “cowboy” foi logo respondendo: “Não precisava, pois já já vão sobrar dois!”.
Sacou o Colt e meteu um peteleco bem no meio da testa de cada um dos bandidos!
Nessa altura do filme, Zé Amorim já suando a gola da camisa Volta ao Mundo, deu um pulo da cadeira e cheio de alegria gritou com sua voz de trovão: “Êita caboclo”! Já vou embora, Lazinho. Com a morte desses três F.D. P., pra mim o filme já valeu o que paguei!...


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Por Raphael Reys - 31/8/2009 07:58:24
A MORTE DO CABO

Há vinte e cinco anos na corporação, Quirino se encontrava, por decisão própria, afastado do serviço. Não envergava mais a farda militar e ausentara-se, havia muito, do quartel. Os superiores fizeram vista grossa esperando que ele se recuperasse da depressão.
Alcoólatra inveterado, já se encontrava na fase de dormir em porta de boteco. A família o afastou de casa, pois era problemático e um tremendo pega mal.
Há tempos não trocava a roupa. Vestia os farrapos sujos. Os conhecidos quando o encontravam caído na sarjeta, o apanhavam e o colocavam debaixo de alguma marquise, para que ficasse protegido das intempéries.
Como a esposa recebia o seu soldo, não lhe repassando coisa alguma, não mais pagava as doses que tomava. Havia perdido o controle de tudo, e a família cansada de procurar socorro pra ele.
Amanheceu esticado na porta de um bar. Ao ser chamado, não respondeu. Levaram-no ao Pronto Socorro e, dado a sua gravidade, foi transferido para hospital militar na Capital.
Acometido de delírio alcoólico, informou ao médico que o atendera que há dias não dormia. Tudo fruto da sua imaginação. Recebeu medicação soporífica e apagou. Três dias após, com o entra e sai de plantonistas e residentes, uma enfermeira estranhou o fato da sua constante imobilidade. Solicitou uma verificação médica e recebeu como resposta que o paciente havia falecido.
A unidade militar de origem enviou uma viatura com a sua família para o enterro. Quirino vestido de terno barato, deitado em cima de uma pedra de mármore na capela. Como estava cataléptico, permanecera ativa a sua audição tendo passado a noite a escutar os dois recrutas que o velavam, a jogar palitinhos, bem perto dos seus ouvidos - lona... Dois!...Três do jeito que você vier!...Canta otário!...Marraia! Uma latomia.
Como permanecia vivo e, sendo Junho, estava já a morrer, isto sim, de frio. As suas costelas geladas pelo contato com o mármore... O seu corpo duro. Nada mais se movia.
Já pela manhã, a família chegou ao maior chororó, E ele escutando tudo!
Instalou-se o desespero! Rezou a Virgem Maria pedindo dar-lhe a voz, para avisar a todos da sua condição de vivo.
O sargento encarregado do enterro por telefone solicitou uma Kombi para conduzir o finado ao cemitério. Chegando a viatura, dirigida por um soldado ressacado, o superior, ao vistoriar o veículo, notou um pneu já murcho, e mandou fazer a troca. Foi informado que não tinha estepe.
Deu uma dura, no condutor, mandou-o retornar ao depósito e providenciar a troca urgente, assim como arranjar um sobressalente. Esta demora na logística salvou a vida de Quirino! Pelejou para gritar, mas os seus lábios não se moviam. Seria enterrado vivo! Jurou a Deus que, se retornasse, seria um cidadão exemplar, um missionário da palavra. Era a sua última chance o atraso da viatura.
Após dezenas de tentativas, conseguiu falar baixinho! – Fia... (apelido intimo da sua esposa), O silêncio que se segui foi sepulcral! Ninguém acreditou no ocorrido. Prestaram, entretanto atenção à sua boca. Ele sentiu o clima e tentou mais forte: FIA... Foi uma corredeira geral. Não ficou ninguém!
No Jardim do hospital, o sargento vinha em direção à capela, e vendo o estapafúrdio, imobilizou um fujão, quando obteve a informação que a alma do cabo morto os perseguia! Como era destemido, o militar, partiu para o confronto com o "de cujus".
O mesmo, amarelo, gélido, cambaleante, escorando-se na parede, com a calça do terno pega-franga, entrou na enfermaria ortopédica, em busca de uma manta de lã, para se aquecer. Os que lá estavam internos, vendo o morto, arrancaram o soro e deram no pé. Muitos desses aguardavam o laudo para se aposentar por invalidez. Foi um alívio para os bolsos do então INPS.
Conforme prometera, Quirino iniciou a vida de pregador, sendo visto sempre nas esquinas e portas de bar, contando a sua história. Como exemplo aos bebuns, que a tudo escutavam em desalento, pois só entenderiam se passassem pelo coador, que ele passou!


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Por Raphael Reys - 24/8/2009 08:27:00
O TIPO MINGAU

Cada local tem a sua alma própria, seus tipos humanos característicos, sutilezas, mazelas, pecados e seus portadores de “pontas”, como são conhecidos no fuxico popular.
Nas rodinhas indiscretas fala-se do chifrudo cururu, que volta para casa pulando. Tem o do tipo pediatra que fica cuidando das crianças, o vingativo do tipo I, que arranja outra mulher e o II que arranja um macho e bota na cara dela.
Na cidade de Parnaíba no extremo norte do Piauí, quando o casal de nubentes volta da lua de mel pendura na janela da casa um grande par de cifres bovino. Pendente ao mesmo, uma placa que diz: “esse é o nosso!” Já na cidade de Piripirí, bem próxima, corre uma lista com os cem tipos comuns e corriqueiros por lá.
No rol apresentado, há o Chifrudo Mingau. Por lá, o mingau das crianças é feito de araruta grossa. Como esse produto tende a embolar após o cozimento, habitualmente a mulher coloca o marido na janela para esfriar o mingau sem embolar, batendo com uma colher de madeira.
O certo é que se a mulher fizer o cozimento ela não esfria o mingau, sendo essa uma prerrogativa do marido, sendo a recíproca verdadeira. O tenebroso é quando a mulher prevarica, faz um cozimento demorado e quando o mingau está pegando fogo bota o chifrudo na janela e vai para os fundos da casa dar uma rapidinha com o pé de pano que já está de campana no local...
Quando avisado por algum fuxiquento de que a patroa está prevaricando naquele momento do resfriamento, o Chifrudo Mingau responde: “agora não posso ir ver se não o mingau embola!”
Já no interior do Maranhão tem o Chifrudo Tijolo. Como as casas usam na frente muro baixo feito de tijolo maciço, a pecadora folga um dos tijolos, destacando-o do conjunto e o usa como sinal convencionado para informar ao distinto Pé de Pano o paradeiro do marido dela.
Conforme a posição do tijolo no muro, o Ricardão fica sabendo a conveniência de entrar ou não para executar o ato carnal.
Aqui nos Montes Claros, o chifrudo tipo que mais se destaca na modernidade globalizada é o “Vingativo II”. Ele arranja um macho e o povo fica falando: “Gente! Eles estão comendo uns zon zoutros!


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Por Raphael Reys - 18/8/2009 13:59:35
OS BORÓS

Nem Boró, batizado Armando Quintino, hoje é comerciante na loja 17 no Shoping Popular, onde ficava o antigo Mercado Central de Montes Claros. Fala-nos de quando aqui chegou em 20 de Janeiro de 1950, com quatro dias de nascido.
Mal veio ao mundo e a mãe o levou para curar o umbigo na feira, trabalhando com a família!
O seu pai, Pedro Boró, sua mãe Maria e a sua avó Rosa comercializavam verduras na Pedra, local que ficava nos fundos do logradouro. O velho tinha um caminhão Ford e com ele buscava na cidade de Taiobeiras se abastecer de verduras, requeijões e carne de sol. Produtos procuravam na feira.
A viagem durava dezesseis dias em face da condição precária das estradas.
Os produtos trazidos eram postos em cima de uma lona que ficava estendida no chão da Pedra, ao lado da loja de Joel Stark, da casa Predileta de Elpídio Carneiro e tendo como fundo os açougues.
Tempos do empório de secos e molhados de Zé Amaro, das ferragens da Casa Teixeira, do PF caprichado e das fubuias dos bares de Tiano, Bebé e Zé Saruê, local que nunca foi lavado. Do Armazém Globo de Antonio Barreto, o nosso supermercado de então, da Loja Caçula de Jason Souza Lima, a Casa Boa Vontade de Mário Reis, a Loja Cinco Irmãos, a Casa Preferida que se encontra em atividades até hoje com direção de Sandrinha Madureira.
Dentro do mercado havia a atividade do jogo do bicho bancado pelo chefe do logradouro Dimas. A família de Gabilera animava e agitava a feira e Judelina, ainda era pobre, fazia a limpeza dos banheiros. Logo ficou milionária!
Do lado de fora e no passeio, as bravatas de Leônidas, comprador de pele de animais silvestres. Volta e meia arranjava uma baita confusão, quebrava o pau, sacava a garrucha Rabo de Égua e dava disparos a esmo.
Leonel Beirão tomando todas as cervejas casco verde da Antártica e a sua Boneca de Leonel, que fazendo propaganda das empresas locais passava fazendo o maior baticum e encantando a todos com o alarido dos reclames que se misturava aos gritos de Joaquim Piranha, escorraçando a sua mula chamada Piranha!
Em 1996, Nem e sua família mudaram-se para as novas instalações do mercado à Avenida Armênio Veloso, centro, ao lado da boate de Anália e da Praça de Esportes, no prédio da antiga fábrica de Licor de Pequi Corby.
Logo o Nem viajava com seu pai para o entroncamento de Salinas, onde o seu avô tinha uma pensão. A viagem era feita parte de trem, até Janaúba.
Tempos difíceis. Logo o mercado mudou-se para a rua Coronel Joaquim Costa, em prédio definitivo. Posteriormente o mesmo foi desativado e transferido em definitivo para a Rua Marechal Deodoro no centro.
Nem Boró, lembra com saudade do antigo mercado com sua feira, os seus reclames, os gritos dos feirantes, o relincho dos animais amarrados nas ruas ao lado. Tempos em que na cidade circulavam os filhos da lua: Requeijão, Maria Babona, Tuia e sua chupeta, Alalaô, João Doido, Geraldo Pascovira.
Os açougueiros do Bairro São João, tradicionalmente com suas valentias e suas bazófias. Volta e meia botavam um para correr! Assim como os da família dos “Miós”, faziam ou viravam presuntos que terminavam na funerária dos Beirões.
Tempos de preços fixos, da tabela Price. Não havia inflação e o cidadão chegava numa casa comercial, encomendava um produto e solicitava que o mesmo ficasse guardado até o ano seguinte, quando, então, era retirado e quitado pelo mesmo valor do dia da encomenda.
Tempo de Getulismo, de políticas trabalhistas e de salário mínimo equivalente a quatrocentos dólares.
Bons Tempos!


48955
Por Raphael Reys - 13/8/2009 13:26:33
JUCA DE EUGÊNIO

Alto, corpulento como um Hércules, emérito morador do Claro dos Poções-MG, alegre, cheio de truques, ágil no raciocínio. Tinha a resposta pronta para dar “em cima do pedido”. Quando alguém vinha com a mandioca, ele já estava com a farinha pronta.
Uma vaca de sua fazenda, acometida de complicações de prenhês e fortes dores de parto, foi parir o seu rebento em uma gruta isolada da serra São Domingos. Juca, que seguiu no “pisadô’ do animal, encontrou a vaca já morta. Enterrou-a em seguida e conduziu o bezerrinho no colo, de volta para casa.
Selou aí uma amizade duradoura do bovino com o humano!
No ir e vir da fazenda para o povoado passava por cima de uma bica de madeira que ligava dois barrancos e servia de duto à água vinda da serra por gravidade e que era usada pelos vizinhos de baixo para o consumo humano e animal. Nessa lida diária, o garrote crescia e ele o transportava no colo rompendo, assim, progressivamente, o duto da bica.
O garrote já adulto era conduzido como se fora um gato de madame.
Mesmo quando convidado para jogar gaspará (jogo de derrubar latas com uma bola feita de pano), ou mesmo para um jogo de truco, ou dois dedos de prosa com os vizinhos da cachoeira Rompe Dia, o boi de estimação ia junto.
Até mesmo para o namoro do seu boi com a vaca “Hermosa” moradora na propriedade de um compadre, o conduzia no colo, passando sempre por cima da bica com aquele enorme peso.
Os vizinhos por diversas vezes reclamavam do estrago contínuo feito no duto de madeira e ele, ao seu modo peculiar, respondia dizendo que não atrapalhava em nada, já que a água de tanto passar por ali adquirira “o jiro” e com ou sem o duto perpetuara a sua função de passar.
Doutra feita, retirou uma cerca que delimitava uma manga de capim com a manga de um vizinho. Reclamado, alegou que o seu gado era disciplinado e já havia se acostumado com o limite imposto pela cerca e em face disso não passaria para o outro lado.
Certa manhã, ao acordar, deu por falta do seu boi mascote. Arriou o cavalo pampa e partiu no “pisadô’ da criação. Chegando à fazenda de Baltazar Duarte, vislumbrou ao longe o seu boi que rodava sobre um eixo imaginário como se estivera puxando engenho de cana. Exercia essa função na casa do seu dono.
Ao chegar ao local da ação, Juca de Eugênio pode ver uma família de macacos guariba em cima de uma grande árvore próxima. Os ditos símios emitiam de maneira contínua o característico som tirado de suas gargantas.
“Uéummm... Uéummm... Êimmm... Êimmm...” O mesmo som emitido pelo atrito das peças de madeira do engenho quando em função. Em face de ter se acostumado com aquele ruído, como se estivesse a trabalhar em um engenho, o boi fazia o movimento circular sobre o eixo.



48811
Por Raphael Reys - 11/8/2009 08:07:01
Estamos publicando a pedido da mãe e da tia, noosas leitoras do site. Uma homenagem ao filho e sobrinho distante!


MÃE!

Maria das Dores, 23 anos, depois de trabalhar toda a noite volta fatigada para o barraco. Em pé, no ônibus sentindo doerem às varizes. Na barriga, imensa estava o filho Gilberto, o primogênito ou a filha Raquel, ainda por nascer.
Ônibus lotado, operários, punguistas, boêmios, mulheres da vida fácil, faziam dele uma pequena comunidade. Entre solavancos do ônibus, Maria sentia com felicidade os movimentos do feto, já com cinco meses e meio. Viajar trinta minutos em pé não é nada mole, principalmente para Maria que carrega consigo alguns quilos suplementares.
06h40min, mais dez longos minutos.
Um movimento brusco do ônibus, Maria sente uma pontada na barriga. Ela censura a criança que tem ansiedade de nascer: Que é isso Gilberto. Tenha modos Raquel!
Um semáforo mostra a luz vermelha à frente do motorista e ele afunda o pé no freio. Maria sente uma dor mais profunda, aguda, sente que Gilberto ou Raquel não quer esperar os dias que completam os nove meses.
Maria está suando frio, as dores aumentam e já são insuportáveis.
Um sujeito dá o alarme: “para o ônibus que uma mulher vai ter menino”. O motorista para o ônibus bruscamente, como sempre. Diz uma praga ara a droga do freio do carro.
Dois homens amparam Maria e a levam para uma cassa de frente e uma mulher que tem certo conhecimento do assunto realiza o parto. Precariamente, com dificuldade, com medo até.
Então eis que Gilberto vem ao mundo, um criolão de uns quaro quilos e meio. Que barra depois de sentir a dor no traseiro. Fora uma palmada trêmula, que mesmo assim machucara a carne tenra da criança.
Do rosto de Maria rolam duas lágrimas. Não mais a dor, mas de alegria, de realização. Ela pega a criança pesada para as suas forças, que agora estão débeis.
Luizão, o pai da criança, ao vê-la, arreganha a imensa boca mostrando os dentes perfeitos, brancos.
Maria se desculpa com os outros pela pressa do filho e diz como numa prece; “se Deus quiser, este criolo ainda vai ser centro-avante do Mengão”


O autor, João Carlos Neves de Paiva escreveu esse texto em 1974 aos 12 anos de idade enquanto cursava o ginásio no Colégio São José e presenteou a sua mãe Alice Neves no dia das mães. Quando estudava no Don João ganhou um estágio no Banco do Brasil. Foi gerente de banco aos 23 anos de idade e hoje trabalha em uma agência da instituição no Panamá.





48660
Por Raphael Reys - 6/8/2009 13:51:30
JOAQUIM SURUBIM E ADÃO CALANGO

As seriemas e jaçanãs cantavam no córrego Bandeira, os tucanos nos ocos de pau os passarãos voavam pela serra do São Domingos cantando tiau... tiau... e as jararacas espreitavam nos talhados de pedra no fundo do rio São Lamberto. O gado nelore cagava para trás nas mangas das fazendas da Boa Sorte e botava os donos para frente.
Corria uma aragem boa vinda da cachoeira Rompe Dia, do córrego Extrema Baltazar Duarte, Gera e Atair, entre risos e gargalhadas contavam os causos de Joaquim Surubim e Adão Calango. Virgílio, genro de Baltazar dava gaitada, gritava interjeições e sai rompendo para a praça montado em uma mula.
O fazendeiro Joaquim Surubim andava com uma coberta suja no ombro, que nem doido de asilo arrastando as suas alpercatas de couro com os dedos cheios de bicho de pé. Era meio surdo e, como não escutava direito respondia o que entendia e não concluía bem o diálogo com o interlocutor. À noite, soltava sua égua na larga deixando que a mesma resolvesse no homérico o que tinha de amor platônico pelo cavalo de um vizinho.
Pela manhã, saía à procura da égua levando o cabresto pela mão arrastando a sua “precata” na chapada. Um passante, ao vê-lo perguntou: “Como vai a comadre Belmira”, perguntando pela esposa de Joaquim.
- Tô caçando minha égua!
- Perguntei se ela está boa, insistia o passante, falando baixo.
- Passei creolina no rabo dela e soltei na chapada!...
Doutra feita molhava a minhoca nas águas do São Lamberto e um vaqueiro que passava falou: “Ei, seu Joaquim, está pescando?” – “Tô “pinicando”. “É surubim?” “Não sei se é bagre ou é mandim...”
A sua filha trouxe da cidade umas xícaras bastante pequenas e o convidou para tomar um café, estreando-as. Acostumado a grandes copos e canecas de esmalte, ao se sentar à mesa, falou: “Traga-me o café e um pedaço de cordão de um metro.” “Uai, para quê, pai?” “Para amarrar na asa da xícara. De tão pequena que é, se eu a engolir, puxo com o cordão!”
Já Adão Calango, da fazenda Quebra Ovo, gostava de levar a vida brincando e caçoando com todos. Alto, magro, bigodudo, um caboclo de bem com a vida e com a natureza.
Era sua verve caipira. Aonde chegava aprontava logo uma e deixava todo mundo de orelha em pé. Chegando um dia em Claro dos Poções, viu a praça cheia de conhecidos,compadres e comadres.
Sabedor que o amigo Cassiano não estava na cidade e como na roda havia parente e aderente do ausente, foi se aproximando e perguntando: “Compadre Cassiano morreu mesmo?” Logo a roda de pessoas pululava de perguntas e indagações sobre o falso “de cujus”. Os parentes vinham tomar satisfação, pedir detalhes e ele respondia, na troça: “Eu tava só perguntando se ele morreu! Ocês é que fizeram o baticum!...”
Certa feita passava pela praça do povoado Boa Sorte trotando no seu cavalo, quando um magote de gente que tomava uma cachaça no bar do Pedrinho ao vê-lo, provocou: “Conta uma mentira aí pra nós, Adão!”
Diminuindo o trote da montaria ele respondeu, em cima da bucha: “Agora não dá, pois vou até a casa do Altair para avisá-lo de que uma porcada invadiu o seu mandiocal e está comendo tudo!”
A galera munida de paus e pedras saiu na carreira em socorro da plantação do Altair para espantar a porcada invasora.

Era mentira pura.


48515
Por Raphael Reys - 3/8/2009 08:43:08
0S COLOMBOS

Na virada do século 19 para o século 20, exatamente em 1896 e fugindo da seca e de desmandos políticos na região do Gurutuba, Moisés, patriarca dos Colombos chegava próximo à cidade de Claro dos Poções.
Exatamente no talhado da serra São Domingos pararam para vislumbrar a paisagem e se encantaram com a fartura de frutos e frutas silvestres. Pequi, cagaita, cocos, panã, araçá, marmelada de cachorro e outras.
Moisés sentindo ser aquele local a Ágarta que procurava, arriou armas e bagagens no chão orvalhado. Como seu xará, o patriarca dos Hebreus, ajoelhou na boca da gruta agradecendo às potestades por aquele Édem tropical.
Na foto tirada em 1990, à boca da gruta do Andorinhão aonde os Colombos chegaram. À direita da foto o proprietário da fazenda Belgrado, o pecuarista Manoel do Bandeira 2, de chapelão. Ao seu lado, o fazendeiro e político Baltazar Silva que em 1954 fundou ali o povoado Boa Sorte.
Os Colombos, como ficaram sendo chamados têm o biótipo banto dos seus ancestrais africanos. Altos, corpulentos, lábios grossos e avermelhados, rosto cavado como o dos símios e nádegas pendentes em relação ao tronco ereto.
Dentre os “chegantes”, lá estavam Jacó e esposa, com uma escadinha de filhos. Um gigante pesadão de braços compridos cujas mãos passavam dos joelhos. Parecia um gigante zulu. Lento no andar e no pensar passou a vida deitado em uma rede trançada na “embira”.
O sustento seus e da família vinha dos frutos silvestres e da “adjutória” dos vizinhos, de sempre bom coração e do fabrico de pólvora, já que no interior há fartura de salitre. A pólvora era acondicionada em “ amarrados” de pano grosso ou em cornichas feitas das pontas dos chifres bovino e comercializados a caçadores da região.
Viveu em harmonia com os entes das grutas e os elementais da chapada.
Sendo longevos por constituição e aliados das condições calmas do local, a boa vizinhança, a fartura de comida, os Colombos fizeram história e passaram dos cem anos de idade.
A sede da fazenda Belgrado construída em 1900 era usada para reuniões de partido por políticos de Montes Claros. Alí, longe da cidade eram tramadas as sutilezas e mazelas!
Moisés, o patriarca, uma alma dada ao hilário e as artes cênicas, tinha como palco os pátios das casas dos demais habitantes daquele mágico local. Era costume acenderem fogueiras à noite para afugentar o frio e o orvalho da chapada e o exercício de dois dedos de prosa.
Para executar a sua arte, Moisés aproximava-se de uma fogueira, colocava pequenos seixos do rio, morangas, abóboras e batatas dentro das brasas. A certa altura, com os objetos já pelando de quente, ele os retirava rápido com um toco de madeira, aparava com as mãos e começava a brincadeira.
Jogava os objetos para os demais que estavam sentados a beira da fogueira agarrar.
O companheiro escolhido pulava para trás, espalmava a batata quente rumo ao mais próximo e assim sucessivamente, até o petardo cair no chão.
A brincadeira acabava, com todos os presentes se fartando de abóboras, morangas e batatas, tomando um café com leite e bastante nato previamente fervido na “chaula” posta dentro do braseiro.


48368
Por Raphael Reys - 29/7/2009 14:53:23

GERALDO MUNDIAL

Raphael Reys

Nascido nesses Montes Claros curraleiro, terra de Figueira em 21/01/1932 na época que os rebentos vinham ao mundo pelas santas mãos das parteiras da Central do Brasil. Tempos de bons costumes, de compadres e comadres contando “causos” à beira das fogueiras. Período de um viver campesino.
Veio para esse mundo puxando pela aparência da sua mãe Jardelina, uma galega de Urandi. Na pia batismal da Catedral de Nossa Senhora e tendo como padrinhos de batismo, dona Nina e Seu Nathércio França, filha e genro, respectivamente do médico João Alves e da notável líder política dona Tiburtina.
Na foto, aos nove anos de idade, biótipo europeu, cabelos louros, olhos azuis, pinta de artista de "roliude". Machucava os corações das moiçolas que naquela era usavam boinas de feltro, saía tipo Garota do Alceu e vestidos com florzinhas de tecido Bangu. Jóia coco e ouro!
Sempre nos trinques e calçando sapato Scatamachia, relógio Tissot Militar e rescendendo a Lorigam francês. Porte altaneiro, sombrançelhas de sátiro, conversa mole, coração ardente, olhar irônico e malicioso. Um Don Juan tupiniquim.
Logo que engrossou o pescoço, seu Nathércio que era concessionário da Nacional Linhas Aéreas, o levou para trabalhar no balcão de chek in da empresa no aeroporto local. Enquanto a ZYD7 transmitia a musica da moda... Errei sim/manchei o teu nome/mas, foste tu mesmo o culpado/deixavas-me em casa/me trocando pela orgia/faltando-me sempre com a tua companhia...
A mulherada já fazia fila para suspirar pelo galã. O saudoso filósofo de Figueira o nosso Zé Amorim dizia: os zói do homem parecem duas bolas de gude!
Como não havia transporte urbano regular pata o aeroporto Geraldo ia e vinha no dedão. Às vezes e por sorte, o Milton Areieiro dava uma carona de ida, já que trafegava no seu caminhão para apanhar areia no Rio Verde.
Alguns anos se passaram nessa lida e o nosso herói era chamado então de Geraldo Louro. Logo veio a trabalhar como representante de vendas da Cachaça Mundial. Oriunda de Brasília de Minas sob a batuta do empresário.
Como era bom de copo praticava o dito de Joyce: uma bebedeira maravilhosa de espantar druidas druídicos. Aí ficou conhecido pela grife de Geraldo Mundial. Conhecido de todos os comerciantes, fazendeiros e empresários de Montes Claros, Geraldo Laje o levou para gerenciar a sua imobiliária Lages.
Profissão que exerceu até a sua aposentadoria!
Hoje, aos 77 anos bem vividos e curtidos e já usando uma bengala de cabo de baquelita passa o dia entre o “tititi” do Café Galo e a agência lotérica, onde faz a sua fezinha. Cobra mais do que criada, nesse mundão de meu Deus, ainda arqueia as sobrancelhas e dilata os olhos azuis quando passa alguma suburbana rechonchuda.
Quando moço arrasou corações!


48237
Por Raphael Reys - 24/7/2009 08:27:05
NA ESQUINA DA MELO VIANA

Diariamente, sempre às 7 da noite na confluência das ruas Corrêa Machado com Melo Viana, Bairro Morrinhos, exatamente em frente à parada do ônibus urbano senta-se nas cadeiras plásticas, entre outros, o aposentado e carnavalesco Nivaldo Feijão. Mestre na narrativa hilária e na arte bufa, como adora dar boas risadas extrai da sua caixa de ferramentas poucas e boas. Senão, vejamos.
Um ilustre e corpulento morador dos Morrinhos é internado na Santa Casa local em estado calamitoso. As costas toda cheia de enormes hematomas e queimaduras de terceiro grau, além de algumas costelas quebradas. O médico que fez o atendimento do paciente na emergência o envia para a CTI.
Lamenta o profissional médico o estrago no paciente e pergunta o que causou o incidente. O paciente responde na bucha: foi um pesado lustre antigo, pendente no teto do quarto que caiu nas minhas costas, quando eu estava acertando a escrita com a minha esposa, na cama. Ainda com base no seu estado de ferimentos profundos e queimaduras, o médico avalia dizendo: nossa que estrago feio foi feito nas suas costas.
Sorrindo às bandeiras despregadas o irônico paciente responde, entre risadas: feio é se tivesse caído um minuto antes, doutor. Tinha partido a minha cabeça!
Outro morador do morro conta que tinha uma chácara nas adjacências da cidade e criava um pônei que atendia pelo nome de “Tronchim”. Era a alegria dos seus filhos e da garotada do vizinho, pois passavam as horas de laser a andar no “Tronchim” brincando pelos campos da chácara.
Premido pela súbita falta de dinheiro o morador botou o pônei à venda. Veio um cigano atraído pela fama do animal ser dócil, acostumado com crianças. Na hora de fechar o negócio os meninos abriram o maior berreiro. Davam um terrível pití choravam e descreviam as qualidades do “Tronchim”. E que eles perderiam com a venda do mascote.
O cigano pagou caro pela aquisição e o vendedor na posse do dinheiro pagou algumas dívidas imediatas e comprou uma vaquinha girolândia leiteira suprindo, assim, a falta do líquido precioso para o consumo das crianças. Um dia bem cedo, tirava o leite da vaca quando o dito cigano que comprou o pônei veio chegando.
Presumindo ser um pedido de devolução do negócio já que o comprador fora engambelado com o choro dos meninos foi logo falando que já havia gasto o dinheiro não podendo, pois desfazer o negócio.
O cigano explica que só queria os meninos emprestados por algumas horas, já que pretendia vender e bem vendido o “Tronchim” a um rico fazendeiro. Dando consistência a sua tese de ótimas qualidades do animal as crianças armariam o berreiro e citariam as virtudes do mesmo, potencializando, assim, a intenção do futuro comprador que, como ele, seria engambelado e pagaria alto pela compra.
A bem da verdade, o cigano queria era repassar o 171 de que fora vítima, empurrando o animal para frente aplicando no otário fazendeiro.
Outro morador, estando com uma temível dor de dentes, foi parar no posto de saúde. Ao chegar, viu duas filas. Numa só havia duas pessoas, na outra umas cinqüenta.
Pelo lógico relativo das coisas premido pelo pensamento seletivo da Lei Gerson, em só levar vantagem, desrespeitando o direito do semelhante entrou na fila de duas pessoas somente julgando-se inteligente.
Chiava e gemia de dar dó com a dor de dentes apertando como nunca. A fila em que entrou, entretanto era de um proctologista que fazia um atendimento preventivo em uma campanha de prevenção às hemorróidas.
Ao chegar sua vez gemendo e chiando e se contorcendo o médico observou com a enfermeira: Já vi todo tipo de dor no reto, mas dessa de chiar e assoviar é a primeira vez...
E estamos conversados! Por ora.


48118
Por Raphael Reys - 20/7/2009 13:56:35
DUAS DE RACHAR O CANO

Estamos em 1955, nos Montes Claros de muita poeira, lama e alguns paralelepípedos. A rua Doutor Santos atolava a Praça Coronel Ribeiro era um descampado ao Deus dará e o preconceito matava os pudicos de moral rígida, não havia quase novidades no ar nem revistas e o mui digno auxiliar de serviços de vidraceiro Sansão aprendia o ofício com Rosental Vidraceiro.
Para variar, apanhava, também, trouxas de roupa e as entregava na lavanderia da mãe do patrão. Rapazote esforçado, logo foi convidado para prestar serviços gerais no Hotel São José do hoteleiro Juca de Chichico. Seu Juca comprou o rapazote pela aparência e não pela reta justiça.
O meninote era um tremendo voyeur! Fazia pequenos buracos ou fissuras nas tábuas de pinho do forro do hotel, quase sempre pasto de cupins. Na calada da noite e após escolher um casal de hóspedes que a parceira fosse atraente montava campana no forro, de onde ao vivo e em cores dava vazão ao seu instinto atávico.
Certa tarde chegou ao hotel uma dupla de boazudas vindas das Alterosas. Uma tremenda loura poposuda e uma morena monumental. Sansão brilhou os olhos de contentamento imaginando assistir logo mais uma dupla cena de cinemascope em tecnicolor, do banho das duas hóspedes.
Às 22 horas deu uma de ir dormir, subiu para a campana no forro, palco de delícias eróticas de um rapaz tupiniquim. As duas gatonas se despiam mutuamente. Logo davam cheiros, se apalpavam rolando, aos abraços, beijos, gemidos de prazer. Dose cavalar para um menino naquela era de moralidade rígida e preconceituosa...
No calor do impacto psicológico Sansão esqueceu a sua posição delicada e cuidadosa no teto. Como não estava acreditando no que via e pensando ser aquilo obra do Romãozinho, chegou mais o corpo para frente para melhor observar no que não acreditava estar vendo!
O forro cedeu e Sansão caiu espalhafatosamente em cima do raro casal de lésbicas. Com a gritaria das pombinhas e a carreira dos três nus em pêlo pelos corredores do hotel, a gerência chamou o efetivo policial. Capitão Coelho, um cabo e quatro soldados. Sansão manhosamente gramou o beco e foi se esconder em Curvelo.
Já Tone Cabeludo era, na mesma época, motorista da funerária de Leonel Beirão. Logo, objetivando aumentar a renda, pois iria casar, montou nos fundos de sua casa um depósito de lenhas para fogão. Comercializava o produto em pequenas carroças, já que àquelas eras não existia o fogão a gás.
Como era controlado e metódico, trazia tudo anotado. Logo verificou que toda noite sumia umas três toras de lenha, notadamente as postas por cima da primeira pilha. Suspeitando de um seu vizinho muito matreiro montou uma campana com isca. Adquiriu para isso na fábrica do Marciano Fogueteiro uma bomba de parede de tamanho grande.
Camuflou o petardo explosivo no oco de uma tora de lenha de bom tamanho e atrativo aspecto. Na calada da noite viu o dito vizinho vindo em direção ao seu depósito, empurrando um carrinho de mão. Esperou o meliante entrar e colocou a tora com o explosivo no caminho de volta do mesmo.
Não deu outra! O larápio apanhou a boa e atraente tora e colocou em cima das outras.
Naquela manhã às dez horas em ponto, os almoços já no fogo das casas quando o fogo atingiu o petardo escondido na tora. Com o papoco, a trempe de ferro fundido foi lançada pelos ares e só foi encontrada no pátio da Santa Casa! O fogão partiu ao meio, abrindo uma banda para cada lado e o teto da cozinha foi pulverizado, levando a panela de arroz com pequi, para os lados da Malhada!
A esposa do larápio saiu sapecada com queimaduras de segundo grau na escala de Moá e a alma do gato que dormia no borralho apareceu na casa de Gabilera do Alto São João...


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Por Raphael Reys - 16/7/2009 07:48:45
CACHOEIRA DO PAGEÚ

Localizada no Médio Jequitinhonha, esse rincão de meu Deus, terra de Zé Maria Padre e na época dos fatos, tinha como delegado de polícia nomeado politicamente o nobre cabo eleitoral da situação Clemente de Carvalho.
Imperava pelas ruas, por força da proteção política e pelo poder da riqueza dos fazendeiros uma turba de rapazes notívagos, notáveis pela baderna que faziam na urbe. A autoridade policial de calça curta mandou confeccionar uma placa de advertência aos baderneiros, que foi posta em praça pública.
Sabedor do dito de Rudyac Kiplin que: os safados foram pares e trincas, na placa estava escrito: A partir de hoje, fica expressamente proibido a formação de grupo com mais de um.
Já Aderbal de Zenóbia, conhecido 171 da roça, procurava seu compadre Ozório, para conseguir mais um aval em um papagaio (nota promissória). Ficou sabendo que o mesmo se encontrava apanhando areia no rio Inhaúma em Pedra Azul. Para lá se dirigiu para aplicar o golpe.
Chegando ao rio e vendo o compadre otário desatolando o caminhão em um banco de areia, de longe gritou já fazendo o seu agá no meio do campo: Oi cumpadre! Está atolado! O compadre respondeu em cima da bucha: Me dê logo o papagaio prá assinar que eu vou me atolar é agora, seu F.D.P.!
Gino de Barros, notório e sinistro morador da Cachoeira, um brutamontes, trabalhador rural, conhecido nos comentários à boca pequena como ‘O Anjo das Mortes’, ignorante que nem uma égua parida, alcoólatra, manco da perna esquerda, tendo o joelho do mesmo atrofiado e agigantado, parecendo um aríete.
Para ganhar um bom dinheiro era contratado para praticar a eutanásia em pacientes terminais ou portadores de doenças incuráveis, o que não o impedia de fazer o serviço em pacientes ricos a pedidos de herdeiros, desde que o mesmo se encontrasse doente e acamado.
Ficava de vigília e na calada da madrugada da roça apertava o joelho no abdômen da vítima o sufocando com um travesseiro enquanto vociferava entre dentes: morre logo seu F.D.P. Quando a vítima batia a caçoleta ele comemorava baixinho: missão cumprida!
Já Delizão quando enchia o pandú de cachaça arrastava o traseiro no chão, quebrava o pau nas ruas do lugarejo, batia em velho e em quem lhe apetecesse. Prá prendê-lo telefonava-se para a vizinha cidade de Pedra Azul de onde vinha uma patrulha policial para poder conte-lo.
Numa dessas, a patrulha chamada conduzida em uma viatura veio entrando na cidade pela Pirambeira, a rua do fovôco e como não conheciam o Delizão, por se tratar de policiais recém-transferidos para o destacamento daquela cidade, pararam o próprio na via e perguntaram aonde encontrar o Delizão para prendê-lo.
Mão na roda! Delizão respondeu na bucha: O tal Deli, está deitado em uma espreguiçadeira na porta de sua casa na rua de baixo, virando à direita. Na dita rua, quem estava sentado era Deli Guimarães, seu homônimo e prefeito da cidade.
Enquanto se esclarecia o disse por não disse, o Delizão se escondeu na casa de Chico Tatu, marido de dona Dila do cuscuz.


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Por Raphael Reys - 10/7/2009 14:38:37
A NOIVA DE VESTIDO ROSA

Dia 18 passado às 05h30min acordei com a emoção enquadrada no dito de Joyce: cansado de andar ao léu, de puxar o diabo pelo rabo, de viver de intrigas e expedientes. Abro o email e recebo convite do notável Petrônio Brás para a missa comemorativa dos cem anos de nascimento da educadora Felicidade Tupinambá.
Foi à mão na roda, pois o tom de mistério da capela do Colégio Imaculada e o encorpado coro da orquestra da nossa gigante Unimontes elevaram a minha alma. Logo mais outro emai, esse da doce Virgínia de Paula dando conta do aniversário de 89 anos da sua mãe, dona Fina de Paula.
Passei o Nuit de Noel no cangote para ficar cheiroso e adentrei na “chacrinha” fazendo par com a soprano Terezinha Jardim que também chegava. Dona Fina com a costumeira tranqüilidade de alma a sua delicadeza de gestos. Uma anfitriã por excelência!
Como sou glutão, logo me fartava com os saborosos biscoitos feitos por “Lita”, a governanta da casa. Como a noite era de graça, música e sabores logo dona Terezinha Fróes chegou trazendo uma deliciosa bandeja de bombons que foram imediatamente degustados sem restrições.
Passei a noite de festa sentado ao lado de Terezinha Jardim na grande sala e em animado bate papo espiritualista. Na conversa fiquei sabendo que dona Idoleta, sua mãe, seguiu o exemplo de Dona Fina, casando-se usando um vestido de noiva cor de rosa. Dona Fina de cetim cristal, Dona Idoleta de Tuille.
Um assombro e um avanço para a época de preconceitos campesinos e moralidade religiosa tacanha e imposta.
Logo chegaram os virtuoses do Grupo de Serestas João Chaves. Mafalda e Marlene afinaram os bandolins, Newton o cavaquinho, Ney e Luiz, o violão e Toledo soltou o vozeirão e cantou “O Bardo”. A noite se encheu de graça e sintonia.
Lodo mais e Adélcio, com sua voz de peito dos verdadeiros seresteiros brindou a todos com “Amote-te.
A Viritarinha arrolhada na garrafa e vinda direto do alambique do saudoso Beto Viriato deu o “pulso” e os corações se animaram e foi à maior cantoria. O ar se encheu com as espirais sonoras da canção “Dona Fina” cantada por Rogério e composta pelo mesmo em outra ocasião, homenageando a aniversariante.
Estando todos no mesmo vibrátil, outras canções e pout purri folclóricos animaram a noite. Naquela casa rococó, santuário da Seresta João Chaves, símbolo da cultura histórica e folclórica dos nossos Montes Claros, lar de dona Fina e do saudoso Hermes que completará cem anos de nascimento no próximo 6 de dezembro.
Diz Guimarães Rosa que o mineiro carrega o sertão dentro de si. O montes-clarense carrega o Grupo de Serestas João Chaves no seu coração e “Amo-te muito” no âmago de sua alma!
Feliz Aniversário “dona Fina”!


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Por Raphael Reys - 6/7/2009 07:52:41
O VELÓRIO DO NOSSO VIZINHO

Mestre Tonicão, exímio armador de ferragens em construção civil foi tão bom de serviço que botava banca com mestres de obras e com engenheiros. Sua presença era requisitada nas maiores obras da construção civil em Montes Claros.
Tinha a sua própria equipe de serventes e operários que ajudavam a erguer os novos prédios na nossa urbe tupiniquim e, como ele vivia no maior porre. Dentre os melhores de serviço de copo e de cruz, Juvenal. Bebedor diuturno.
Bem casado, Juvenal desfilava com uma parceira morena tipo abre alas de escola de samba. Faceira, lábio grosso e sensual, bumbum proeminente, fechava o comércio quando passava. Como Juvenal era um galo valente, a galera só a devorava com os olhos de soslaio...
Morto o gato o rato toma conta. Após uma farra homérica, Juvenal elevou demais a pressão arterial e bateu as botas. Foi para a cidade dos pés juntos. A viúva recorreu ao Tonicão, solicitando providenciar as despesas do enterro, já que o “de cujus” gastava tudo que ganhava. Era um "Bartira"!
Tanto o patrão como o peão morava no alto do Bairro Morrinhos aqui nos Montes Claros, ao lado da 98 FM e sede do nosso “montesclaros.com” e, como a vida por aqui é em fraternidade de iguais, Tonicão, esperto, fez uma lista para angariar fundos para as despesas do enterro.
Arrecadou três vezes mais de que precisava, já que o caixão encomendado na funerária dos “Beirão” fora do tipo popular. Pano roxo e madeira extraída de caixote, o dito caixão baratinho e muito mixuruca. De quinta categoria.
O restante do capital empregou em uma homérica farra no barracão do falecido, durante o memorável velório. Muita comida, muita cachaça e muita cerveja. Enquanto a alma do morto vagava nos Hades dantescos, a galera enchia o “derriére”.
Enquanto a FM do nosso diretor, o jornalista Paulo Narciso transmitia música da mais alta qualidade, o pandeiro correu solto no barracão do “de cujus”, o cavaquinho chorou e logo um puto samba de fundo de quintal irrompeu na madrugada!
A viúva, corpão sarado, vestido coladinho, bumbum balançando que nem gelatina, toda vez que curvava pra beijar o rosto do falecido soluçava, fazendo tremer a sua apetitosa nave morena.
Já que o banquete era no maior 0800 tava todo mundo de cara cheia, o pandu arrastando no chão, quando um gostosão do pedaço, que vibrava de carência pela morena viu aquela doçura e, cheio de gás chegou de “com força” e foi logo passando a mão nos glúteos da viúva.
Deu o maior rebu! O cunhado do morto, irmão da gostosura cor de canela, um valente do pedaço, gigante de tamanho e de músculos, meteu a mão nas fuças do engraçadinho. Aplicou-lhe um “tortolho”, na tábua do queixo e um “jab” de esquerda no escutador de bobagens.
O “presepeiro” estava acompanhado de colegas de desdita que como ele veio beber e comer de graça. A reação veio à altura.
Ai o pau quebrou na casa de Noca! Logo o delegado de polícia chegou com a sua equipe e levou todo mundo em cana. Foram trancafiados na carceragem do cadeião.
O corpo do defunto ficou dependurado no paredão do morro e o inflamado cheio da libido foi de ambulância para Belo Horizonte, onde penou seis meses flertando com a morte dentre leito hospitalar e UTI. Nem Pitanguy deu jeito!
Aqui no alto do Bairro Morrinhos, circunvizinhança do nosso site e da nossa 98 FM é assim: escreveu não leu, o pau come na fuça!


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Por Raphael Reys - 29/6/2009 08:03:54
O PÉ DE ANJO

Também conhecido com a alcunha de Dilo Barbeiro, ou mesmo Dilo Conquistador. Calçava habitualmente um sapato branco esporte e andava sempre muito bem vestido e rescendendo a Lorigan francês.
Nos românticos 1960, tinha o seu salão de barbeiro enfincado no imóvel dos Dias à rua Simeão Ribeiro, em frente à ZYD7. Na parede do salão uma grande placa em letras garrafais onde se lia: ”LAVA-SE CABEÇA E TIRA-SE CASPA”.
A modernidade trouxe a telefonia automática e, com ela, o aparelho de baquelita preta da Siemens e Dilo Barbeiro, como era criterioso, chique e atendia a ricos fazendeiros e políticos em domicílio já instalara o seu telefone, embora na época só pessoas abastadas tivessem um aparelho em casa ou no trabalho.
Piau, um vendedor autômono e malandro do pedaço, morador da rua Santa Efigênia no afamado Bairro Morrinhos, em uma tarde de cão onde já havia tomado umas fubúias desdobradas, resolveu bagunçar o coreto do mundo e escolheu Dilo como vítima.
Sabedor de que o nosso herói tinha o temperamento explosivo e era emocionalmente epidérmico, ligou para o barbeiro Don Juan e vindo em espirais metálicas pelo telefone Dilo recebeu o provocador diálogo: “Quanto o senhor cobra para lavar só a cabeça?” – “Dez!” – “E para lavar o membro todo com a cabeça incluída?”
Ato seguinte e acometido da ira dos justos, Dilo arrancou os tentáculos e artérias daquele monstro grudado na parede. A fiação, como um polvo traiçoeiro foi enroscando em suas pernas, braços e mãos terminando por deixá-lo piado na sarjeta sob os olhares estupetafos dos transeunte!
Douta feita, ao passar por um relógio público posto em frente à Leiteria Celeste do saudoso Zé Priquitim, para oferecer as horas e a temperatura aos passantes, foi abordado por um gigante galalau vindo da roça que ao ver o elegante relógio de pulso do Dilo, perguntou: “Que horas é, seu moço?”
Acometido pelo estigma da razão localizada e explícita e imaginando estar sendo “gozado”, Dilo Pé de Anjo apontou para o relógio público e vociferou trincando os dentes: “Veja as horas aqui, seu besta!”
Em uma reação súbita o gigante roceiro pulou sobre o nosso barbeiro irritado e aplicou-lhe uma gravata, ao mesmo tempo em que os corpos engalfinhados rolavam pela sarjeta.
Dominado pela força bruta do agora opositor e, com receio de levar uma bruta sova, Dilo respondeu como pôde, estratégica e salvadoramente: “É oito horas, meu senhor!”
Deitado no chão, mas, já livre do abraço de tamanduá tupiniquim, Dilo bradou a grande voz conclamando a presença das hostes de capetas e demais entidades sombrias dos Hades de Dante que trouxessem tufões e tempestades para exterminar com aquele galalau hostil que, a essas horas já se ausentara do local da via de fato...


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Por Raphael Reys - 25/6/2009 07:53:13
MÁRCIA YELLOW IN BLUES

5 e meia da matina, com o frio da chapada entrando pelo basculante da janela. Saio do estado onírico, em que viajava em “blues” e entro na insustentável realidade da vigília. Retorno à manifestação explícita da vida e minha alma escrava da beleza e das nuances de Vênus, recusa-se a acreditar que foi apenas um sonho. Uma fantasia!
Minha alma em devaneio nos braços de Morfeu, viajava com a doce jornalista Márcia Yellow a bordo de um vapor, rococó e romântico, que singrava as águas do velho Mississipi. Berço dos “blues” e caminho da alma negra do “sowl”!
Eros, o deus alado e Pteros, com o seu poder de fornecer asas, traçaram a trajetória da nau em meu inconsciente.
Se pudesse, ou mesmo se soubesse, roubaria esse sonho e o traria contrabandeado para a realidade. Mesmo sabendo que a vida, no dizer de Calderon de La Barca: Sonhos são! Ironia dos deuses, que sabedores dos meus anseios se deliciavam com as minhas emoções, entrando em “fad-out”!
Com o lusco-fusco do final de tarde, a nau insensata e errante deslizava pelas marolas do velho rio, conduzindo a minha pobre alma padecendo em blues. Linhas tênues, curvas suaves, cabelos “blonde”, olhos verdes, um ar de mistério e a minha alma em frenesi!
Embriagado ante o feitiço daqueles olhos, pude ouvir quando o vento trouxe os acordes de um coral de Ondina e Ray Charles (em Almas Errantes), cantando o álbum “Alone In This City”.
Perambulavam em espírito pelas margens do Missisipi!
A nave seguiu conduzindo o meu espírito em “blues”, debruçado no corrimão do convés. Após uma curva do rio, eis que o vento trouxe aos meus ouvidos nada menos que “A Sentimental Blues”!
A dose foi tão forte que acordo assustado e corro para o PC para escrever esta crônica, enquanto no ar a alma negra dos “blues” cantava: “What Have I Done?”
Feliz aniversário!

Bom demais!


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Por Raphael Reys - 22/6/2009 08:31:36
A MOEDA ÁRABE

Só vim a conhecer o Cônego Murta de perto, recentemente. Aconteceu em uma reunião do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros. Após a alegria do contato mais próximo pude me deliciar com seu bom humor, a sua verve, sua alma doce, muito característica dos piscianos e dos Mahatmas.
Ao terminar a seção solene da Academia, o chamei à parte solicitando a sua grata atenção. Propus conversarmos sobre a Divina Comédia de Dante Alhigiere, esse livro de cabeceira da humanidade, tomando como referência uma sua recente palestra abordando o tema.
No seu relato, confidenciou-me o tempo em que era noviço, quando mergulhou no estudo da obra do mestre italiano. Para que melhor se apercebesse da alma do escritor, aprendeu a ler, escrever e falar em dialeto sarraceno, visando a autenticidade do estudo que tencionava fazer sobre os originais da obra.
Já ordenado como padre, continuou os estudos da métrica dantesca e chegou mesmo a decorar a obra no original e na versão em português. (Declamou, na ocasião, os versos da abertura do livro primeiro, “O Inferno”). Disse-me que caminhando pelos corredores do convento ia declamando à baixa voz o primoroso texto.
Passou a visualizar num exercício mental, na tela da memória, o agitado cotidiano medieval, religioso e político do século XIII, em Florença. A sua alma desatrelada do ego viajava no místico universo intelectual e iniciático de Dante. Do Inferno, passando pelo Purgatório rumo ao Céu da divina Beatriz.
No seu relato, confidenciou-me que ficou tão maravilhado com a genial obra literária, principalmente pelo crescimento intelectual e mesmo espiritual que a mesma proporcionava, que os seus superiores, de tanto vê-lo constantemente debruçado sobre o texto, julgaram que o então noviço Murta estava padecendo de um desequilíbrio mental e chegaram, até, em pensar numa internação para tratamento...
Nessa jornada intelectiva o nosso saudoso Cônego Murta atravessou o Rio Letes a bordo do barco de Caronte, andou no bosque escuro com Dante, trocou idéias com o divino poeta Virgílio e teve a graça de contemplar Beatriz no céu superior!
Convidei-o para fazermos um “tête à tête”, um debate privado em que me daria a sua opinião como intelectual e como espiritualista, especificamente sobre uma passagem do Livro II, (O Purgatório), em que se trata da parábola da Moeda Árabe que, caída na lama, ao ser lavada volta ao seu estado de pureza original.
Nessa passagem, numa difícil fase dos estudos iniciáticos, Dante trata da “instrumentalidade da alma” como veículo para se fazer cumprir a Vontade Divina. Aparentei inocência ao fazer tal proposta, procurando extrair dele sua opinião e as suas conclusões sobre os “mistérios” da monumental e eterna obra de Dante.
Cônego Murta se afastou um pouco para melhor me observar por sobre seus óculos, me olhou fundo dentro dos meus olhos e respondeu:
- Sei, perfeitamente, até onde o senhor quer me conduzir! Faremos o debate, mas o advirto que não sairei dos preceitos teológicos da Igreja. O senhor anseia me levar a um raciocínio esotérico e iniciático. Serei católico, sem prejuízo de ser um intelectual e filósofo!


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Por Raphael Reys - 17/6/2009 08:22:45
DUAS ONÇAS NO QUARTEIRÃO DO POVO

Dizem os supersticiosos que o mês de agosto é o mês do desgosto, da ventania, do sol a pino e dos grandes acidentes. Pareceu-me ser mês do viço dos caçadores de onça! Neófitos nas caçadas, garbosos tomadores de cachaça Viriatinha que vão para a mata nos fins de semana e quando voltam alardeiam as suas proezas em caçadas sempre aumentando.
Um dos pontos que vem se destacando na cidade é o Quarteirão do Povo, onde o mando de campo é do famoso contador de inverdades Paulinho Relojoeiro. Dia desses o nobre advogado Juvenal, notório caçador de fins de semana, relatou uma estória em que a caça o apanhou desarmado.
Transitava em direção ao curral com o bridão em mãos onde selaria um bom cavalo alazão ao passar em baixo de uma gameleira caíram folhas secas em sua cabeça. Assustado, pois não ventava em Salinas naquela tarde, olhou para cima e o que viu o deixou estupefato, num misto de medo e de excitação!
Atravessada em um galho da gameleira e a observá-lo atentamente, os dois grandes olhos de uma fera pintalgada! Juvenal, como é temente das coisas de Deus fez em voz baixa a citação do salmo 97 do Livro de David. Continuou o seu percurso rumo ao curral com as pernas bambas, pois nessa ocasião, não portava sequer um simples canivete Corneta para se defender.
O passo trôpego, como exigia a ocasião aterradora, andou em linha até à curralama. A onça, uma Maçaroca cara de velha confiante na sua superioridade em força, destreza e velocidade de ataque, continuou andando do outro lado da cerca, sempre emparelhada com o nosso Juvenal. Mais parecia gozar do desespero da sua possível e quase certa vítima!
A mão de Deus, entretanto, estava do lado de Juvenal! Logo à frente, um leitãozinho passou correndo cruzando a frente da pintada. Premida seletivamente pela lógica racional do melhor sabor, a maçaroca deu o pulo, abocanhou o pequeno quadrúpede e gramou o beco para a mata onde, decerto, fez uma lauta e deliciosa refeição tupiniquim…
Puro poder do salmo recitado, que ensejou tal milagre!
Já o Chaplim Ourives, que tem sala no mesmo quarteirão exatamente na galeria do Jerry, relata ter estado em uma caçada de onça na localidade denominada Boqueirão. Fez a sua espera, arriou a matula, cobriu tudo com folhas verdes camuflando a toca da espera e, já bastante cansado, relaxou para tomar um gole da branquinha.
À espera, um pequeno jumento estava previamente amarado a uma árvore pelos pés, por grossa cora em cima de um fosso, onde a pintada decerto cairia após dar o pulo, na isca. Apurou os sentidos e, de súbito, uma onça das grandes deu um esturro tão alto que mais parecia cardam rompidos de caixa de Opala!
O jumento deu um gemido de dar dó e verteu água pernas abaixo antevendo morte próxima.
A fera, como no relato anterior e sob a égide da coincidência, preferiu abocanhar o jumento deixando, assim, Chaplin de lado. Este que é cobra mais do que criada em caçadas de onça e similares, ficou na dele. Deixou a onça dar o bote no jumento, o que foi feito fora do buraco que servia de armadilha.
Quando a onça desalmada deu a primeira mordida na coxa do jumento, arrancando, assim, um bom naco de carne vermelha foi que Chaplin fez o primeiro disparo, usando, para a ocasião espingarda cartucheira espanhola, mocha 16. Uma tremenda pregaça de chumbo grosso no vazio do animal! Com o impacto produzido pelo disparo, a onça veio no rastro da pólvora em cima do Chaplim.
Ele que não é nada besta, deu o segundo disparo, dessa vez bem no meio da testa da caça. Foi urro de dor! A bicha (do mato) rolou, deu saltos, se ajumentou na casca de uma árvore e arrancou cavaco para todo lado!
Chaplim experiente que só e vendo a coisa ficar preta para o seu lado deu no pé ocasião em que borrou as calças na cena laxativa e grotesca.
Chegando a sede da fazenda onde estava hospedado um peão ao notar as suas calças sujas de dejeto gozou: Hei Chaplin… Parece que você sujou as calças de medo!
Chaplim, caboclo experiente vendo a coisa preta para o seu lado, deu no pé, ocasião em que borrou as calças numa cena laxativa e grotesca…
Chegando a sede da fazenda onde estava hospedado, um peão ao notar a sua calça suja de dejetos gozou: Hei Chaplim! Parece que você sujou as calças de medo!
Chaplim, irritado, respondeu em cima do pedido: com uma onça daquela em minha direção, você queria que eu agachasse no chão para fazer necessidades. Fiz o que pude..!


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Por Raphael Reys - 9/6/2009 13:52:20
O ATELIER DOS FAMOSOS

" Com especial agradecimento ao nosso montes-clarense Walter Vieira que reside em Montreal no Candá. É leitor do nosso site"
Em 1950, o point da moda masculina para abastados e elegantes cavalheiros, era o atelier do mestre alfaiate Desidério de Castro. O seu estúdio localizava-se na capital das Alterosas no Edifício Michel, à rua Caetés, 448, Centro.
Uma Belo Horizonte de linhas curvas, art decó, ruas simétricas, praças românticas, um glamour modernista, projetada por Aarão Reis e Carlos Prates.
Desidério só atendia celebridades, artistas, homens de sociedade, cafeicultores, criadores de gado do Paraguai e Argentina, políticos e milionários, que mesmo assim, tinham que aguardar seis meses de espera no agendamento. Entre os políticos Juscelino Kubistchek e Ademar de Barros.
Da equipe de alunos do mestre Desidério, havia o oficial aprendiz, o nosso Cantídio Couto, que era destaque, hoje, bacharel aqui na terra de Figueira. A lista dos montes-clarenses que lá freqüentavam os empresários Luiz de Paula Ferreira, João Ferreira Paculdino, Nelson Viana e Múcio Ataíde..
Outros cavalheiros elegantes dos nossos Montes Claros de antanho eram Píndaro Figueiredo que freqüentava os cassinos da Itália, o fazendeiro Dominguinhos Braga, e o poeta maior da terra de Figueira João Chaves.
Os mestres copiavam à moda da Paris de então, cidade luz e passarela dos elegantes e bem vestidos do mundo. Uma metrópole de glamour!
Três botões, dois botões, um botão, jaquetão, scaravelli, em linho Yorkestreet, tropical inglês, casimira Aurora, sargelim Aurora, super maré 1504 brilhante, super Pitex 1504, S 120, S 120 pele de ovo e o S 129.
Outros mestres, dentre os chamados Agulhas de Ouro que pontificavam a BH da época, Percí, Cursino e Português, entre os saudosos.
Esse último, de tão sistemático, se o cliente alegasse não ter gostado do terno confeccionado por ele, a peça era picotada com uma tesoura pequena. Deixava as tiras no chão da alfaiataria. Era o seu marketing de qualidade!
O industrial João Ferreira Paculdino, um ano antes de seu casamento, procurou o mestre Desidério para confeccionar o terno da cerimônia. Como o alfaiate estava com a agenda lotada por todo o ano em questão, o cliente pediu-lhe indicar um profissional competente para fazê-lo.
Desidério respondeu: lá em Montes Claros tem o Cantídio Couto, que foi formado sob minha orientação. Pode confiar a sua encomenda a ele.
E para dar uma pitada de humor ao relato, havia um bêbado, o Zé Metido, sempre vestido com ternos usados e ganhados dos elegantes clientes do atelier. Zé Metido usava ainda chapéu coco, gravata borboleta e bengala de cabo de marfim. Freqüentava a porta do Desidério, e de tanto ver o ir e vir de celebridades contaminou-se se inflava todo e dava "ombrada" em todo guarda civil que passasse à sua frente, conversando com muito pouca gente.
Buscava demonstrar impunidade! Coitado! Só andava em cana e de lombo quente!


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Por Raphael Reys - 3/6/2009 15:22:46

EM BUSCA DE PEQUENOS MOMENTOS

A minha primeira percepção completa de vida e consciência ocorreu aos três anos de idade. (Na foto, o autor, no dia da primeira comunhão). Lembro-me, como se fosse hoje. No desfile das recordações, fatos se fixaram indelevelmente na minha saudade e na minha lembrança. Então, caminhava com meu tio "Lero" pela Avenida Afonso Pena, em BH, puxando por um cordão um filtro velho de óleo de caminhão, na minha imaginação uma luzida “baratinha”, que rolava pelo passeio com grande estrépito.
Era uma Belo Horizonte de linhas curvas e bem traçadas, ruas calçadas com paralelepípedos cortados por uma teia de trilhos franceses em que trafegavam bondes românticos. O casario colonial, em “art decó”, com seus monumentais jardins repleto de flores, beija-flores, abelhas e deliciosos e inesquecíveis aromas.
Aos quatro anos, como eu curtia o passeio aos domingos com os avôs no Ford Bigode do meu pai! A "manica" de ferro que dava partida no motor contava com a nossa entusiasmada torcida, para não falhar nem quebrar o braço do seu “operador”, ao retornar à posição original, o que acontecia freqüentemente... Tinha o radiador que fervia e jogava para o alto a tampa do bujão, o tubo de chocolate Kauffman que grudava no céu da boca, muitas vezes de propósito, pois só era descolado com um saboroso gole de guaraná espumante tomado no canudinho...
Tinha a calça de linho S120 branco, a gravata borboleta e o suspensório colorido, compondo o “glamour” dos almofadinhas de ontem, valorizado pelo sapato “Scatamachia” de verniz polido com graxa “Nugget”. Tinha o vôo dos meninos com coqueluche, pelas asas da Panair, com direito, ao posar o “avião da tosse” a tirar fotos no Parque Municipal, por conta da empresa.
Tinha o calor da fantasia de mandarim confeccionada com cetim e a sacola pendente com confetes, serpentinas e o lança perfume Rodoro de metal, para dançar o carnaval cantando... “sa... sa... ricando/ todo mundo leva a vida no arame/ sa... sa... sacricando/ a viúva o brotinho e a madame/ o velho/ na porta da Colombo/ é um assombro/ sa... sa... ricando!
1954 e o primeiro dia de aula no Instituto Norte Mineiro, comendo o doce de manga verde de dona Albertina e vendo a beleza do paletó de veludo verde do professor Márcio. A meia espuma de nylon em cores berrantes, calçados o quedes, mascando o chiclete “bola” importado via Santos, a um dólar cada.
Tinha o cabelo cortado à Príncipe Danilo, a brincadeira de “estraque deixa”, o canivete Corneta no estojo, a caneta Parker 51 com pena folheada a ouro e as balas Toffee, compradas no bar de Adail Sarmento e a notícia da morte da imortal Carmen Miranda.
Junto à adolescência, chegaram, também, o canivete de molas ao estilo “West Side History”, a calça “Roebuck” e a botinha meio cano com o cinturão de couro e fivela “country”. Além dos épicos faroestes e o porre de Cinzano bebido às margens do rio do Melo.
Muitas são as saudades do cabelo longo introduzido pelos “Beatles” e da mística das suas músicas mais que eternas, que nos sufocavam de pura emoção, do “twist”, e o encanto da inauguração da “bossa nova”, ainda entre aspas, na voz de João Gilberto, do som do violão de Baden Powel. Da camisa “Prist”, do tango dançado na pista da boate de Anália, o perfume embriagador das damas da noite e o som do violão do virtuose instrumentista Antonio Augusto Soldado (irmão de Théo Azevedo), solando... “Corrientes/ trê quatro otcho/ tercero piso/ ascensor...”
Como tão bem diz o inspirado poetinha Felippe Prates:
- “Estou nú, dentro de mim!...”


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Por Raphael Reys - 26/5/2009 08:00:53
GÔDA PORRETA
Como a crônica é um gênero polimorfo e tem como matéria prima o tempo em que se busca o significado do efêmero e do fragmentário, como nos relata Antonio Maria, diante da tragédia da vida, o humor é a solução, vamos falar do notável Gôda Porreta.
Biótipo Mignone, branco caucasiano, cabelos fartos, nariz adunco, gestos calmos e andar compassado, um olhar entre contemplativo e levemente observador, às vezes chega a parecer um sensitivo em transe. Faz lembrar um tipo turco desses urbanizados das ruas e vielas de Ankara, na Turquia.
1961, prestes a inaugurar e iniciar as atividades do Hotel Nacional na Novacap, para fazer os testes de seleção como garçom do comentado cinco estrelas, partiram cinco candidatos de Montes Claros. Chegaram a recém-inaugurada Brasília, a Capital Federal: Gôda, Tone Gaiato, Belém, Bené e Vicente.
O teste exigia além da prática de salão o conhecimento de forno e fogão. Muito embora o único da turma que falava inglês fosse o Tone Gaiato, o Gôda foi o escolhido pelo seu conhecimento e prática de forno e fogão. É um mestre cuca de mão cheia!
Voltando à terra de Figueira, Gôda exerceu além da atividade de garçom, a de cupier, bookmaker e abriu o seu indefectível e famoso Velório´s Bar, localizado à rua Irmã Beata, centro, nos fundos da Santa Casa e estrategicamente em frente à à área de velórios da funerária do hospital, ao lado do Pronto Socorro.
Mestre do trocadilho e do raciocínio rápido, Gôda, mordido pela mosca do amor, uma tarde, encontrava-se bebendo uma vodka na mesa do seu próprio bar, para aplacar o estresse, quando entrou o ministro Walfrido dos Mares Guia que, vindo de um velório naquela tarde quente de agosto, solicitou um copo com água.
Gôda, embora solícito e agradecido pela presença da autoridade, continuou sentado à sua mesa e convidou o visitante ilustre para tomar uma vodka com ele. Walfrido, agradecido, informou ao Gôda que não bebia destilado. Gôda, na sua verve curraleira, respondeu na bucha: então passa para o lado de dentro do balcão!
Doutas feitas, menores bebiam cerveja na mesa do seu bar, quando Nonato Pampa chega e o chamando à parte adverte: Gôda, vender bebida para menores é crime! Dá cadeia!Eram adolescentes entre 16 e 18 anos de idade. Após um sorriso amarelo e já fazendo boca de muxoxo, detona: se eles podem votar e eleger o Presidente da República, podem também encher a cara!
Como bem relata Zezinha Cambista: Gôda é rasgado! Ele não manda para o bispo, nem para a lua ou a Ursa Maior Um dia, chega ao estabelecimento um cabo eleitoral e pergunta em quem o Gôda votaria na eleição da urbe. O mestre do trocadilho responde: Voto no Humberto. Prefiro Jairo preso e Humberto Solto...
Outra boa história do Gôda já contada na imprensa local, dá conta de que estando fechado o seu bar com uma placa por motivo luto, na porta, o seu irmão Tuca Porreta o procura para saber o motivo. Após encontrá-lo, indaga e o Gôda responde: Gente importante quando morre o comércio fecha as portas de luto. Estou de luto pelo aniversário da morte de papai.
Gôda conversa com um amigo quando o mesmo indaga: Gôda, quantos irmãos vivos você tem? Ele responde em cima do pedido: só Tuca Porreta! O amigo retruca: e os outros irmãos seus? Ele responde: são pobres. O único vivo é Tuca, pois está milionário...
Ildeu chega ao Velórios Bar e da conta para Gôda de um acidente ocorrido, no qual um menino, seu vizinho, quando brincava em cima de um muro, que arriou e caiu em cima do garoto e conforme relata Ildeu, não pediu nem água!
Gôda, na hora, responde: Talvez ele não estivesse com sede!


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Por Raphael Reys - 21/5/2009 08:47:35
COISAS MONTES-CLARENSES

Estando no palanque como mestre de cerimônias em uma festa popular, o radialista Gelson Dias chamou ao palco o popular edil Conrado. Este informou ao pé do ouvido do velho GD que não sabia falar de improviso, mas mesmo assim falou e deu conta do recado.
Terminada a fala e já conversando à parte com o radialista e sem perceberem que o microfone ainda estava ligado, Conrado confidenciou: Ô Gelso! Eu tô até ficando bom nessa joça de fala! Noutra cena, Dácio Cabeludo encontra o seu filho afoito e o mesmo pede dinheiro para pagar um taxi e se apresentar a tempo no quartel do Exército, já que tinha perdido o lotação.
Dácio não se fez de rogado e estando liso meteu a mão no bolso tirou uma moeda de vinte centavos colocando-a teatralmente em cima da mesa e sentenciando: Taí, vintão!
Numa noite de sábado, o halterofilista e lutador Leônidas Lino, a mãe de Tico Lopes e Tone Tijolo foram a um circo mambembe recém instalado na cidade. A atração principal era a Mulher-onça, que se apresentou vestida à caráter.
O mestre de cerimônias fez a leitura do “curriculum” da amazona e em seguida desafiou qualquer homem da platéia a enfrentá-la numa luta de vale tudo no ringue montado, informando, de antemão, pelo megafone, que o lutador que se apresentasse “levaria o maior cacête da história”. Mal sabia ele que aquela era a noite de desdita da sua guerreira de palco...
Como caldo de galinha e prudência não faz mal a ninguém, Leônidas, bom de briga, se encolheu atrás do Tone Tijolo evitando ser identificado e ficou “na dele”, já que tinha como filosofia não bater em mulher.
Enquanto isso o holofote era projetado sobre a multidão na platéia. Sorrateiro, Tone Tijolo sabedor de que o gigante Leônidas tinha cócegas nos vazios apertou dois dedos nas laterais do mesmo.
Leônidas deu um pulo de gato e gritou: Aiii! Tone aproveitou e gritou em seguida: Aquiii!! A platéia aplaudiu em delírio e o oficiante anunciou o nosso lutador como adversário para o enfrentamento.
Como não tinha mais jeito de voltar atrás, Leônidas, o lutador, ficou embromando no palco tirando a sua roupa lentamente até ficar só de calção e esperando que algum imprevisto viesse a livrá-lo daquela situação prálá de inusitada e cancelar a briga.
A indefectível mulher onça, que já tinha tomado umas pingas curraleiras e estava com o guengo mole, notando o acabrunhamento do nosso herói o cobriu de pesadas, bofetes, catiripapos e tabefes! Correu o rodo e aplicou chaves voadoras à vontade enquanto o nosso lutador apenas se defendia e dava tempo ao tempo esperando o término do “round” evitando, assim, que o pior acontecesse.
A inocente platéia em delírio aplaudia a mulher onça e vaiava o nosso halterofilista lutador. Leônidas com a cabeça fervendo de vergonha pulou como uma fera e agarrou a lutadora pelos meios. Ergueu-a e ato seguinte lançou-a como um saco de batatas para se estatelar bem no meio da platéia!
Foi aí que Tone Tijolo sentenciou: “Leônidas a levantou tão alto que os pés dela bateram no trapézio!”


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Por Raphael Reys - 15/5/2009 18:39:21
CURRALEIRAGEM MONTESCLARENSE

Virgílio de Paula, saudoso folclorista e historiador tinha como hábito tomar cachaça curraleira curtida na casca de barbatimão. Tudo misturado ao exótico licor de pequi Corby, formando um hidromel da roça, para que a vida ficasse mais doce e prazerosa...
Estando descalço no jardim da sua casa, Virgílio foi mordido no dedão do pé por um escorpião preto. Recusou a assistência do HU e a tomar o soro antiofídico, sob a alegação de que dado à cachaça ingerida em vários anos de fidelidade à branquinha, o seu sangue tinha leveduras, fungos, alcoóis, ácido cético e resíduos de furfural, um verdadeiro veneno. O aracnídeo foi encontrado fulminado, bateu a caçoleta...
Carlúcio Atayde, saudoso notívago, tomava diuturnamente cerveja casco verde não muito gelada e como guia uma fubuia desdobrada, fabricada nos alambiques do também campeão de copo, o saudoso Mundim de Altamira, emérito comerciante e fabricante da “marvada” em Brasília de Minas. No tronco de fermentação da dita cachaça era encontrado gambás, escorpião, cachorro do mato, insetos voadores, etc., mortos, sem que ninguém jamais tenha passado mal por isso...
Certa tarde, estando em Vista Alegre, Carlúcio deitou em uma relva para tirar uma soneca. Foi picado por uma jaracuçu que estava amoitada no tufo de capim. “Enraçado” nesse colostro etílico tupiniquim, o seu sangue estava tão contaminado que o pobre ofídio bateu as botas imediatamente após o ato!
Já Barba Azul, emérito meio de campo do time de Gabilera do Alto São João, chapa de caminhão no comércio atacadista local, amanhecia na porta da Casa Minas Gerais esperando abrir o estabelecimento para tomar um copo cheio da desdobrada pinga conhecida como “Sobejo”.
A cachaça era retirada de um pote de barro onde eram jogados os restos (deixado pelos bêbados para os santos), que ficavam nos copos e fermentavam o produto.
Diz o dito árabe que: “de tanto ir à fonte um dia o cântaro quebra!” Barba Azul teve um ataque cataléptico e caiu detrás de um coletor de lixo. Como havia sido expulso de casa por causa da cachaça e estava dormindo nas ruas, dado como morto seu corpo foi velado, sobre um estrado na entrada da galeria Lafetá, no Mercado Municipal velho.
O piedoso açougueiro Lírio Roxo fez uma coleta de dinheiro entre os comerciantes do logradouro, visando custear as despesas do enterro. Meu pai doou um terno novo de quinta categoria, alguém deu o banho e o defunto foi dignamente vestido e exposto à visitação dos conhecidos e da galera do Alto São João, que desceu para homenagear o “de cujus” e acompanhar as exéquias.
De repente, o ataque cataléptico cessou, Barba Azul sentou-se no estrado e vendo toda aquela armação de terno e vela acesa, falou em alto e bom som: “quem foi o F.D.P. que fez essa molecagem!”
Depois do corre-corre grotesco e laxativo da galera que se mandou mal cheirosa do velório sinistro, o terno completo com os calçados do quase defunto foi prudentemente guardado para, quem sabe, um próximo uso.
Não deu outra! Dois meses depois o homem foi mesmo descansar, agora para valer, e beijar a morte, na cidade dos pés juntos. Infelizmente, assim, o time de Gabilera perdeu o seu mais emérito e raçudo meio de campo...


45986
Por Raphael Reys - 10/5/2009 06:28:27
CONRADO!

Estatura baixa, moreno tropical, biótipo caboclo, comum das gentes do Norte de Minas, roupas simples, sapato popular como convinha a um temente da ira de Deus. Usava um chapéu de massa para dar o charme. Comerciante de secos e molhados na Malhada Santos Reis, hoje chamada Bairro Santos Reis, edil por opção doutrinária.
Sufragado nas urnas vereador pela terra de Figueira, “Conrado” brilhava na sua cadeira de homem público, com sua alma sertaneja, participante das festas de santo e barraquinhas dos janeiros da comunidade à qual, agora, representava. Como o bairro não tinha água encanada, estava a defender a aprovação de um projeto para resolver o problema.
Dirigindo-se aos seus colegas de plenário em sessão, fez uma prece e logo usou a sua fala emocional e epidérmica, como convinha a um homem do povo. Relatou haver sido feito um córrego que recebia água desviada do rio. Represada que servia, agora, para a lavagem de utensílios de cozinha além de trouxas de roupa doméstica.
Os edis e a assistência do bairro em plenário permaneciam mergulhados em silêncio. Dado à exigüidade de espaço no local da lavagem, que forçava às senhoras a aguardarem a vez, Conrado descreveu então o sofrimento da comunidade em tal mister doméstico:
“Elas levam a trouxa para o rego. Passam o dia com a trouxa no rego e, à noite passam no ferro”. Os vereadores e a assistência embora tenham entendido a forma de se expressar simplista e emocional da fala interiorana, optaram pelo hilário. Irrompeu uma gargalhada coletiva no plenário e na mesa.
Conforme o filósofo de vida, Jerry Alfaiate, gente é assim. É só falar em “rego” que o sorriso de felicidade vem à face!
Conrado discursava usando um caminhão como palanque na Rua Melo Viana, onde pedia votos às senhoras da comunidade e emocionado pela presença maciça das mulheres no comício, à esquerda e à direita, os homens no meio. Gesticulando ao bom estilo De Gaulle quase vencido pela emoção, falou tentando se referir às mulheres presentes, comparando-as às flores, falou:
Margaridas, gardênias e rosas à minha esquerda. Senhores cravos ao meio. E apontando a destra para a direita, balbuciou trêmulo de comoção: Senhoras trepadeiras.
A mulherada gramou o beco de volta para suas casas.
Numa noite quente de setembro, depois de acalorada discussão em plenário estando já bastante suado, um colega de partido o convidou: Conrado vamos tomar uma sauna após a seção? Tomando a proposta sugerida com o verbo tomar, e o nome pouco usual, sauna, Conrado responde: Obrigado, há anos que não bebo!
Boca da noite, como sempre fazia, Conrado assistia TV na sala de sua casa com o janelão aberto para a rua. Um popular que passava chegou até a janela e fazendo o gesto de ok, punho cerrado e dedo polegar para cima, falou: Firme! Conrado com a sua natural verve e a costumeira atenção dispensada a todos, respondeu na bucha já dando um sorriso Colgate: “Firme”, não, é a novela das sete “firme” só na Sessão das 10...
O que vale na linguagem é o “troppo”. Meia palavra basta.



45837
Por Raphael Reys - 5/5/2009 04:38:27
BARBEIROS ESQUECIDOS

O notável Tião de Ducho, na verdade Sebastião Mendes (filho), membro da nossa aldeia de Figueira, e que há muito não via, nos encontramos no Quarteirão do Povo, no centro, quando me lembrou do lapso de não ter incluído vários barbeiros na minha crônica Tesouras e Loção de Barba, publicada recentemente em conhecido jornal da urbe.
Nessa crônica falamos de Horácio, Agenor, Os Macaúbas, Tone Ruas, Abel Nordestino, Ivo Pescador, Nem, os Guedes (Deusdth, Pedro, Dilo) Caneca, Nelson, Bigode, Manoel, Geraldo, Antonio, Juvin, Totonho, Moisés, Zé Barbosa e Pedro Montes Claros, o patriarca da família Amorim. Esse usava uma bola de ping pong dentro da boca do freguês para melhor escanhoar os pelos da barba.
Citei na crônica sobre o Salão Rex que era considerado o mais elegante da nossa urbe, o Salão Ruas no bairro Morrinhos, o salão Azul e o salão Montes Claros no centro comercial.
Não citei o seu pai Sebastião (Ducho) Mendes, pois prevaleceu nas minhas lembranças à imagem dele tocando o seu bandolim na seresta (confidenciou-me que aprendeu a arte com as almas no Bonfim), ou a sua imagem quando trocávamos informações sobre filosofia oriental ou ritos iniciáticos, na sua Agência Thaís.
Aí Expedito Mendes, seu irmão, que estava presente ajudou-me a buscar na lembrança de Leonel Beirão como barbeiro. Por associação nos lembramos, também, de Leonel Lopes e Joaquim Barbeiro, seu tio e parceiro de Ducho no conjunto Os Irmãos Carajés.
Sebastião Mendes, o Ducho, chegou a ter dois salões de barbeiro, sendo um no interior do Hotel São José, gerenciado pelo saudoso Curió. Dentre os antigos mestres que usavam a Água Velva não citei Firmino Cambuy e Neném Macaúba da rua Melo Viana.
Lembramos também que alguns profissionais e casas do gênero tinham ligação com o jogo do bicho nos anos 50 e 60. Veio-me a mente a figura de um delegado de polícia civil que montou campana em um salão em que, nos fundos era feita à extração via globinho e servia de secretaria dos banqueiros do bicho.
O policial sentou na cadeira de frente para a entrada do salão e pediu serviço de cabelo e barba. Na verdade, montava campana para dar o flagrante! Para espantar a autoridade o barbeiro usou no ofício uma navalha Solingen pouco amolada. Quando sangrou, sapecou álcool e o homem gramou o beco com as faces pegando fogo!
Na tela da memória surgem os espelhos das antigas barbearias, chanfrados nas bordas à moda francesa. Zezinho e João Macaúba, cobras criadas da Melo Viana, ainda tem um conjunto desses datado de 1930. Herança deixada pelo velho Macaúba.
E encerrando as lembranças, citamos os saudosos Marquinhos e Cláudio cabeleireiros do Salão Vips. Ambos muito queridos na nossa sociedade e falecidos prematuramente. Outros tantos profissionais que por lapso de memória ou exigüidade de espaço, não foram citados, o nosso respeito!


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Por Raphael Reys - 29/4/2009 10:47:49
APOIO MORAL


Transcorria a Segunda Grande Guerra e a pacata população da nossa campesina Montes Claros contribuía doando utensílios de alumínio que eram arrecadados na Praça Coronel Ribeiro e enviados para fundição das Forças Armadas, por via férrea. A cidade recebeu a notícia do seu primeiro herói morto em combate, o cabo Santana, expedicionário abatido num fogo cruzado na tomada de Montese, na Itália.
O escritório local do DER, estava instalado no prédio dos Alves na Praça Doutor Carlos esquina com rua XV, hoje Presidente Vargas, point central da cidade onde à noite havia o footing de rapazes e moças além do cabaré de Sinval Amorim. No dizer do cronista Rubem Braga: fervilhava como um nigth club da Broadway.
Dentre as salas ocupadas pelo DER havia um almoxarifado. Na cidade ainda provinciana, os funcionários iam chegando desde muito cedo e se reuniam a passantes naquele logradouro, onde trocavam diariamente dois dedos de prosa até que todo o efetivo estivesse completo. O nosso notável José Romualdo liderava um grupo, toda manhã.
O último a chegar, sempre as nove da matina, era o Leônidas Mesquita, um jovem topógrafo, o mais elegante de todos os rapazes da cidade. Exageradamente bem vestido, calças de tusô, ou de tropical inglês, camisas de seda ou voil, gravatas berrantes, sapato italiano bico fino de duas cores, cabelo untado de brilhantinas Glostora. Grossa corrente no pescoço e pulseira de ouro, além de anéis de brilhantes em ambas as mãos. Um visual que sugeria a mítica figura de um cáften, um rufião, ou um malandro carioca.
Os colegas que se reuniam na praça viviam a lhe dar conselhos, muitos por pura inveja, que a qualquer hora ele poderia ser confundido com um malandro de passagem pela urbe e se dar mal. O vício do conselho. Fica aqui a reflexão do escritor Tião Martins: será que há especialistas nessa matéria fugidia que é o ser das gentes?
Certo dia, o capitão Coelho delegado de polícia recebeu um teletipo dando conta e descrevendo a figura de um elegante escroque oriundo de São Paulo, que estava na nossa cidade para aplicar um grande golpe. A missão da captura foi passada ao investigador Altinim que, inadvertidamente, respondeu: pela descrição já sei quem é. Deixa comigo!
Leônidas vai à noite com a namorada ao cine Montes Claros e à porta Altinim apareceu de repente sujigando-o pelo pescoço, o algemando, derrubando-o ao chão para espanto dos presentes e da namorada! Conduzido até à delegacia passou a noite algemado ao banco da entrada, pois o capitão Coelho viajara em uma diligência e só voltou no dia seguinte, pela manhã.
Exposto ao escracho da visitação pública, desmoralizado perante a população e sem receber a ajuda esperada da família da namorada, que se quer comunicou aos colegas de repartição onde trabalhava a desdita do Leônidas. Ficou à mercê da sorte. Às seis da manhã, com a chegada do delegado, foi dispensado com um formal pedido de desculpas.
Acabrunhado, cabisbaixo pela humilhação recebida á vista de todos à porta do cinema e na sala de espera da delegacia, Leônidas, desceu a rua no sentido da Praça Doutor Carlos, no centro, onde certamente estavam os colegas do DER, que, pensava lhe dariam o esperado apoio moral. Chegou e relatou o fato aos presentes, dando-lhes conta do seu infortúnio.
Ao invés do esperado apoio moral que necessitava naquele momento de dor, se deparou com colegas que novamente o espezinharam, cobrando dele o fato de não ter recebido e seguido os conselhos quanto a sua aparência excessivamente elegante e aberrativa.
Como estava sob a égide de um dia de cão, Leônidas, estupefato por não ter encontrado apoio com quem presumia encontrar, se sentiu o menor homem do mundo naquele instante e em seguida tomou um rumo ignorado.
Leônidas nunca mais foi visto em qualquer escritório do DER. Todas as buscas feitas em busca do seu paradeiro se revelaram infrutíferas.
José Romualdo, até os dias de hoje se emociona quando se lembra do companheiro desafortunado, que o destino levou para sempre o fazendo sumir do mapa sem ao menos receber o pagamento do mês...


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Por Raphael Reys - 23/4/2009 07:42:36
SEU TOTA!

Na pia batismal da campesina São José do Rio Preto-RJ, em 02/08/1883, nascia sob a égide do signo de Leão e sob as bênçãos dos anjos, Luis Alves de Medeiros, filho de João Jacinto e Ignácia Alves. Logo foi chamado carinhosamente de Tota. Desde a infância demonstrou firmeza de propósitos, virtuosidade e temperamento decidido.
Criou-se nas lidas da Fazenda Bom Gosto de propriedade dos pais. Habilidoso, aprendeu a fazer de tudo e sendo perfeccionista, deixava a sua marca de esmero. Logo foi para a mais carioca das cidades mineiras, Juiz de Fora, onde se matriculou no famoso Colégio Grambery.
Tornou-se um autodidata, homem culto. Falava o francês com fluência e
dotado de natural postura nobre, característico dos leoninos, desenvolveu a arte da oratória, em que sobressaia o seu belo timbre de voz, possante e resoluto. Em 1914, durante a Primeira Grande Guerra Mundial, mudou-se para a nossa vizinha Pirapora às margens do Velho Chico, onde juntamente com a esposa montou a padaria Flor do Sertão.
Desportista nato, atleta por convicção, dedicou-se às práticas esportivas, promovendo eventos. Dinâmico e empreendedor passou a criar gado de corte e plantio de hortifrutigranjeiros.
Com o advento da Segunda Grande Guerra Mundial, o engenheiro encarregado da construção do prolongamento da estrada de ferro convidou-o para montar uma filial da sua padaria aqui em Montes Claros, visando o fornecimento, de pão, biscoitos e leite para frente de trabalho do trecho Montes Claros-Janauba.
A cidade de Montes Claros era movimentada pelos quinze mil operários da construção da obra feita com interesse militar e financiada pelo Pentágono. A vida noturna era farta com dancing, boates, bares, cassinos e lupanares. Seu Tota fornecia fiado, em caderneta, às damas da noite, e as recebia condignamente na sua padaria. Nunca deixou de receber o devido.
Como era querido e respeitado, merecia a amizade de todos na comunidade. Tinha passagem livre em qualquer lugar ou evento que fosse. Durante a sua vivência prestou solidariedade a essas infelizes mulheres da noite. Nas suas doenças e nas suas mortes sempre se fez presente levando a sua palavra cristã e ajuda financeira.
Cada alma que Deus manda ao mundo, o faz em missão. Seu Tota alem da sua numerosa prole, criou doze filhos adotivos, recolhidos das ruas e recebidos das mãos de pais necessitados. Alma caridosa e carinhosa, Tota foi amado e respeitado por toda gente.
Quando criança, um dos momentos que me alegravam era ir até a Padaria Flor do Sertão para comprar pães e biscoitos para os meus pais. Escutar as sábias palavras de seu Tota, a sua alegria contando causos e receber das suas mãos petiscos de presente para experimentar. Biscoitos e pudins diversos. Sai sempre com o bolso cheio de guloseimas! Uma beleza!
Tota e dona Neném comemoraram 62 anos de casados com uma memorável festa que marcou época na cidade. Deus Pai o levou de volta aos 86 anos de vida dona Neném veio a falecer dez anos após, com a mesma idade.
Como homem deixou o belo exemplo de como viver com honestidade, severidade, competência profissional e com o coração aberto a todos. Tota sempre tratou o semelhante com fraternidade, pois todos somos filhos do mesmo Deus.
Tota é pai do notável jornalista Magnus Medeiros.


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Por Raphael Reys - 16/4/2009 08:03:20
ELOGIO AOS LOUCOS!

Não estou fazendo sátira e nem pilhéria; pois como diz a sabedoria popular: de palhaço, de rei, de médico e de louco, todos nós temos um pouco. Isto indica que a vida tem duas faces diversas.
Muitos são os autores e filósofos, mesmo os clássicos, que falaram do tema da loucura ao longo da história. Guerra dos ratos e das rãs, o Mosquito, Ulisses e Grilo. E um ilustre desconhecido que escreveu o diálogo de um porco chamado Grúnio Corocotta.
Os loucos, ou tantãs, como eram chamados e ainda o são, povoaram a minha infância. Barulhentos, apalermados ou agressivos, circulando no centro comercial, na Rodoviária e na Estação Férrea dos Montes Claros de antanho. Vieram trazidos de outras cidades, donde foram expulsos sem direitos e lançados nas nossas ruas. Sem piedade, como um lixo humano.
Muitos deles construíram, e mesmo fizeram parte da nossa história, alguns foram até eleitos como políticos, de paletó e gravata. Ajudaram a povoar de medos e temores as minhas emoções da infância. Pude compreendê-los ao ler o Elogio à Loucura, de Erasmo de Roterdã. Dei-me conta de que a insanidade mental pode ser sinal de genialidade, de coerência, e mesmo de sabedoria. Relata-nos Fromm: As vítimas de doenças mentais realmente arruinadas encontram-se entre os que parecem normais.
Os loucos vão da terra para a lua ao sabor das suas imaginações.
As janelas do meu inconsciente foram abertas ao ler as histórias fantásticas de Poe. Acompanhando a descrição da Atlântica, no Timeu de Platão. Lendo os sete volumes da Doutrina Secreta de Blavátsk, e dela também, a tradução do poema épico dos iniciados tibetanos; As Estâncias de Dziam, em que consta a loucura do Criador, ao fazer manifestar e nos legar este planeta insano, no qual habitamos em nome da evolução.
Eles, os chamados lelés da cuca, ficavam nas entradas das fazendas de antigamente enquanto transcorria a era do romantismo e eram considerados patrimônio da casa onde moravam. Podíamos vê-los desfibrando a tenra palha do milho para pitar o paieiro. Tomando café com rapadura no interior das cozinhas, onde escutavam, sem entender no racional das suas mentes, os relatos da vida íntima dos donos da casa, com suas loucuras e as máscaras de falsidade dos que se diziam normais.
Esses registros repassados em seus inconscientes de forma inconseqüente são como o relato de Panomina: retidos da mesma forma que a eternidade usa para registrar o sangue derramado por um mártir, ou o ato de um vil!
Na reflexão dos Estóicos, entretanto, ser louco é deixar-se levar pelas emoções.
Pela doideira da vida, tentando dominar os meus temores e medos, aprendi a decodificar as loucuras alheias, observando o semblante das pessoas. Erasmo diz que; tudo que o louco trás na alma está escrito no rosto.
Já adulto observo um mundo de loucos buscando um panegírico milagroso, Um planeta entupido de dependentes exógenos, que carregam dentro de si a Bela e a Fera. Uma geração entorpecida, inebriada, construindo verdades falsas, aparências, e sob o estupefaciente das emoções efêmeras e das roupagens multicoloridas do Ego-Cambaleante. Falsos moralistas atormentados pelo pecado da carne!
Dormimos, enquanto a química dos medicamentos hipnóticos ingeridos nos conduz a portais dantescos, a realidades oprimidas pelo pensamento seletivo, a mundos construídos de bolhas coloridas. Bem razão tinha Calderon de La Barca, ao se perguntar: a vida, sonhos são?
Romperam-se as fronteiras de uma tribo global, constituída quase na totalidade de covardes que recusam a se olharem com a cara limpa. Apega-se a tudo o que é ilusório. A loucura é o boom de nossa civilização moderna e atormentada.
Essa triste herança foi construída pela falta de amor fraternal, da negativa das simples razões que emanam do coração. Encerro a crônica com a observação de Erasmo: A loucura é que governa a seu bel-prazer o universo.


45283
Por Raphael Reys - 9/4/2009 11:46:02
DUAS DE MAÇARICO, UMA DE CATOPÊ

No bar Esquema Quente, em uma noite de calor a galera tomava uma geladinha e jogava conversa fora. Conforme hábito, falavam mal do nosso país grande e tolo e dos seus habitantes tupiniquins. No rol dos recordes negativos citados, o analfabetismo era o tema “cabeceira”, como diria o saudoso Daço Cabeludo.
Maçarico Santiago, nobre representante dos trabalhadores e promotor de tômbolas e rifas em folha de papel almaço e já quase no fim da prosa em uma rodinha entrou na conversa e deu a sua: Prá vocês verem! Nos Estados Unidos qualquer pobre e analfabeto fala inglês! Aí a roda se desfez e cada qual foi cuidar do seu cada qual!
Doutra feita, ele encontrava-se de férias no Rio de Janeiro. Foi convidado pelo seu anfitrião o empresário Paulo Cesar para um elegante coquetel em um atelier de arte onde transcorria uma mostra de pintura abstrata.
O “gran monde” das artes guanabarinas estava presente ao evento e a mediada que o marchand apresentava as telas expostas, Maçarico dava a sua opinião pessoal sobre cada uma. A certa altura Paulo Cesar o cutucou e falou entre dentes: Manéra o pé Marçal! Aqui só tem cobra criada em arte! Você está dando mancada!
Marçal retrucou na bucha: eu só estou dizendo é que tem que ter tom sobre tom!
Já Carlúcio Athayde era contumaz freqüentador do Bar Sibéria que ficava na confluência das ruas Doutor Veloso com Rua Presidente Vargas ao lado do Clube Montes Claros. Curtia o dia tomando uma geladinha, "beiçando" uma boa cachaça Santa Rosa com tira-gosto de parede com picumã...
No encanto molengo do bar e vez por outras dava um longo cochilo escorado na parede! Como quem mora no beco só aspira ao beco o mundo passava devagar e os habitués chegavam quando Deus era servido!
Acordava, pedia outra gelada, ia ao banheiro esvaziar a bexiga e voltava à mesa, a cerveja e a pescar piaba novamente. Como era prata da casa repetia essa rotina a mais de uma década. Certa tarde quente do mês de agosto deu uma “pescada de piaba grande” ocasião em que um bando de catopés entrou no bar e se assentaram nas mesas à sua frente sem que ele percebesse.
Tomavam umas doses de Cinzano e de cachaça com Carlúcio ainda dormindo as suas costas. Como na porta do WC do bar não havia a tradicional porta de madeira e sim uma cortina de fitas plásticas multicoloridas, Vicente acordou e estando ainda tonto e com a bexiga ardendo se dirigiu instintivamente ao banheiro.
Deparando-se com aquelas pendentes fitas multicoloridas dos chapéus dos catopés e supondo já ter atingido o WC afastou algumas fitas e verteu mijo na mesa dos foliões à sua frente.
Vazou catopé com os tamborins molhados para todos os lados e a meninada que comprava picolé de água com groselha ao verem aquele berro d’água tupiniquim em atividade gramaram o beco!


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Por Raphael Reys - 7/4/2009 10:03:31

JERRY ALFAIATE EM PARIS
Raphael Reys

A foto acima tirada em 1936 em Teófilo Otoni o nosso costureiro tupiniquim Jerry Zonaldo( Jerry Alfaiate) posando como garoto baby em grande estilo natural. Hoje aos 73 anos deixou as passarelas e se dedica apenas a agulha.
Falando de moda masculina, o leitor sabe que no terceiro milênio AC, um curioso apanhou um amuleto de concha lavrada, fez duas perfurações e inventou o botão? Os botões são mais antigos do que a escrita e os gregos há 4 mil anos o usavam confeccionados em ouro,
O seu nome vem do Francês antigo, bouton, derivado do verbo bouten erguer em relevo. No século XVIII, quando finalmente se adotou a roupa justa, o uso do botão tornou-se imprescindível. Um bom botão e um bom alfaiate, para conferir elegância aos janotas da Renascença.
O momento de glória na história dos botões aconteceu, porém, quando o rei George VI, da Inglaterra, um dia se esqueceu de abotoar o último botão do colete, assim comparecendo a uma festividade real. Virou moda e durante dezenas de anos o chic era deixar esse botão sempre desabotoado.
Vai daí que nos Montes Claros de 1989, Éderson Guimarães, o Edinho, foi para a Europa trabalhar como modelo fotográfico. Desfilou como profissional pela Itália, França, Grécia, Suécia e arrasou nas passarelas do Japão.
Sempre era convidado para abrir os grandes desfiles de moda masculina e no circuito internacional cogitava o nome do costureiro que confeccionava os modelos Scaraveli, que usava.
O segredo foi desvendado pela jornalista Oneide Torres, que na época assinava a coluna Vitrine, do Jornal do Norte. O nome do costureiro era nada mais nada menos do que o nosso Jerry Zonaldo (Jerry Alfaiate), que usa também, os burgueses sobrenomes de Cardoso Oliveira.
Nos intervalos dos desfiles, Edinho vinha a Montes Claros, ocasião em que confeccionava em segredo, os de ternos feitos pelo nosso Dedal de Ouro (instalado hoje no Quarteirão do Povo).
Edinho representava o aspirado modelo masculino da nova era. Um simpático galã de traços gregos e olhar espiritualizado. Simples e elegante!
Até hoje não se sabe o porquê do nosso alfaiate Jerry Zonaldo não ter aceitado o convite para, juntamente com o seu contramestre Baltazar, fosse lidar com os grandes nomes da moda masculina na Europa.
O nosso costureiro tupiniquim iria projetar e costurar moda masculina contatado por Pierre Cardin, Valentine, Jean Luc Luí, entre outros. Fosse, estaria estabelecido na Boulevard Saint Germain, em Paris, ou na Trafalquare Square, em Londres.
Por aqui, Jerry inventou o modelo de calça masculina “sem pregas”, que foi moda no início dos anos 90. Os direitos desse “invento tupiniquim” foram parar nas barras dos tribunais com outro alfaiate local que ficou indócil e alegou ser sua a autoria.
E ademain, que Jerry Zonaldo vai em frente! Cavalo não desce escada e cobra que não anda, não engole sapo! Morou!


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Por Raphael Reys - 30/3/2009 15:05:54

FIM DOS ANOS 60

Raphael Reys, Sindô, o coroinha e sacristão, o instrumentista e músico Waldemar Euzébio e o ator e estudante Agnaldo Rocha faziam teatro na casa paroquial do padre Tadeu, a galera sintonizava nas rádios piratas com o seu Disk Jockey, Rodrigo Lucas, dirigia Dreyfus e as meninas eram dondocas. Um francês argelino dono de um restaurante em Niterói matava Kennedy a serviço do FBI e da máfia, havia a fracassada guerra do Vietnã com soldados sendo drogados para agüentarem o tranco da guerrilha.
Aqui no Brasil, a CIA implantava o AI5 e Beto Guedes ainda garoto usava camiseta de vidrilhos e soltava papagaios na Praça da Catedral. O glamour era as moças usarem sapato salto plataforma alta e roqueiros pintavam o rosto ao bom estilo dos Mutantes e de Alice Cooper.
Apareciam as saias calças e os rapazes sarados eram chamados de Pães e as meninas de geração Pão com Cocada ou Doce de Leite... Tudo era bacana, bárbaro. A rapaziada aprendia Kama-Sutra tupiniquim com as revistas de Carlos Zéfiro.
Rapazes com cintos de couro com fivela de prata ou de alpaca estilo cowboy tomavam Urupol para limpar a bexiga após curarem a blenorragia tropical. O sonho ainda não havia acabado e aqui nos Montes Claros dançavam bolero na casa de Roxa sob as luzes do abajur lilás. Sob o manto da luxúria havia as tardes na casa de Leobina e dançávamos o Sirtaki nas praças.
Zoca Gontijo inaugurava o coquetel Teresa Cristina, Josias Loyola vendia blusas buclê importada e umas cabeças ocas cheiravam teracloretileno-etil (um vermífugo) e diziam que estavam doidos e flutuando...
Não mais havia as fitas de Roy Rogers de Roque Lane e nem o cavalo Silver do Zorro. Sarita Montiel e Miguel Acheves Mejia cantavam e usavam sombreros e disputava os palcos com Mário Moreno, o Cantinflas.
Fidel Castro fazia pose com o seu charuto Havana, Che ganhava o mundo com sua foto de artista romântico. Os nossos militares treinados pelo exército norte americano tomavam o poder, por absoluta falta de que fazer nos quartéis.
Na época, escrevia o maravilhoso e corajoso Rubem Braga, que: militar não faz nada, mas começa cedo prá burro: às 7 da manhã estão todos lá...
A máfia tirava Kennedy e impunha Jonshon, um cego moral.
Pelas ruas de Montes Claros, andavam Tuia, Maria Babona, Geraldo Pascovira, Seu Manoel Cego, Requeijão, João Doido, Galinheiro e Zarur montado na sua bicicleta sueca vestido num uniforme de combate. Didi bancava o jogo do bicho dentro do Mercado Municipal. Leonel Beirão promovia festas dançantes no logradouro regadas à fubuia muita animação e palavrões
A rapaziada fumava cigarros Capri com filtro, tomava Cuba Libre, comia canapés e usava camisa Macgregor abertas no sovaco. Os Condons não eram lubrificados e muito menos musicados. A tralha de pescaria era levada de Rural Willes. Havia as garruchas Rabo de Égua, calibres 320 e 380
Bala 44 para caçar de carabina Winchester era vendida livremente na porta do mercado, dentro de uma cesta de vine por Emanuel Pinto.
As meninas assistiam ao filme O Mágico de Oz e cantavam a música tema.


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Por Raphael Reys - 27/3/2009 08:13:36
OS ANOS DOURADOS

No dourados anos 60, enquanto comíamos arroz com pequí e beiçava uma boa cachaça Santa Rosa acontecia à literatura de Kerouac, o rock de garagem, os movimentos feministas, a viagem psicodélica e os movimentos civis em favor dos negros. Havia os hippies, o Concílio Vaticano II, o mito JK e a taça do bi no Campeonato Mundial de Futebol no Chile a raquete de Maria Ester Bueno e o Pagador de Promessas de Anselmo Duarte.
Surgiram os grandes festivais de música brasileira com composições de Torquato Neto, Vandré e Alciole Carlos. Carlos Imperial fundava no Rio o Clube do Rock e os mitos Roberto e Erasmo Carlos iniciavam a carreira. Aí vieram os Baianos e o Tropicalismo, a alegria, a vanguarda, a Pop Rock e o Brasil inteiro se deliciava com a batida ligth e o canto nasal da Bossa Nova.
Era moda demonstrar sinais de liberdade e Mary Quant incentivava a mini saia nas garotas de corpinho esbelto e de pernas bem torneadas. Logo mais vieram as estampas psicodélicas de Rucci, os tecidos com fibras sintéticas, o Volta ao Mundo, os Ban Lon, Buclê, Pervinc, a sensual meia calça, a moda Unisses. Veio a magreza de Twiggy, os batons claros em bocas tropicais, o cabelo Franjão e a velocidade do avião Concorde contra o calhambeque de Roberto Carlos. Vieram a Rita Lee o Retrô e o Pop!
A ‘ Dita Dura “com o intumescimento do ato inconstitucional número 5, a pílula anticoncepcional, a chegada à lua e o Woodstock. O filme Bem Hur enchia as salas de cinema e tínhamos Kennedy, Fidel, Jean-Luc Godard. O muro de Berlim e os blocos pré-moldados Dylan e a música Folk. O satélite Telstar e a CIA fechavam o paletó, ou melhor o corpete de Marilyn Monroe.
Os cantores brasileiros se apresentavam no Carnegie Hall, Kennedy era apagado em Dallas pelo próprio FBI e Sean Connery fazia o Dr. No. João Goulart era deposto e Martin Luther King recebia o Nobel da Paz, Gern Reich lançava a moda do topless, Guevara era visto doutrinando na Bolívia e os Roling Stones cantavam Satisfaction.
Mão-Tsé-Tung continuava com o seu livro vermelho e os Beatles lançavam o eterno álbum Sgt. Pepper`s. Aí vieram Hoffnan e Simon, Garfunkel, Luther King era morto em atentado e Jack Kennedy curtia um nudismo na ilha de Skorpios e depenava um milionário grego otário. Caetano cantava a Tropicália e popularizava a diamba.
A França nos legava à moda de Curréges e as mulheres chiques usavam prêt-à-porter. Brigite Barbot mostrava a sua boquinha sexy e veio à moda da gola rolê e da japona.Logo explodia o Women`s Lib, o Black Power e o Underground. Ser reaça era fino! O Pasquim tava na moda e aí pintou uma doideira de estilos. Rock, California Sound, Alice Cooper, Zappa, Joplin, Hendrix, Zeppelin, Blue Gees, Stones.
A IBM lançava o RAMAC 305, a África do Sul fazia transplante de coração. Nascia a Arpanet, o embrião da Internet, Kubrick lançava Uma Odisséia no Espaço e em Paris era conclamada a revolução estudantil. Surgia a lata de Spray, o anarquismo e o Flower-Power. Havia refletores de luz negra e o famigerado LSD. O julgamento de Regis Debray.
A onda do neo-realismo italiano, o Cinema Novo, a Roda Viva de Chico Buarque. Ainda deu para assistir O Mundo de Suzie Wong, Suave é a Noite, Os Pássaros, Bonequinha de Luxo, O Candelabro Italiano, Doutor Jivago, Midnigth Cowboy. Caminhava-se curtindo a liberalidade de Leila Dinis, o FEBEAPA, a voz rouca de Aznavour e o Amigo da Onça, na Revista O Cruzeiro.
Viajava-se pela Cometa escutando um radinho de pilas Mitsubitch e Rita Pavone andava de lambretta.
Só dava Simone de Bovoir, Hesse, os OVNIS já ameaçavam invadir este mundo doido e besta, o I Ching fazia as mutações, Lao Tse se popularizava com o seu Caminho do Meio e os habitantes do planeta andavam no campo de Kuruchetra com Arjuna nas rédeas do carro de combate e Krisna na condução!
Parece que foi ontem.


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Por Raphael Reys - 23/3/2009 07:22:34

AINDA ÉRAMOS FELIZES!

Montes Claros 1964. Início da transição do romantismo sentimental e denso, para a modernidade, tempos ainda de buscar emoções passionais de amores idem e de ambientes meia luz.
Roberto Carlos já cantava "O Rosa/ Rosinha/queria que você fosse minha"..., tabus eram quebrados e os Beatles brilhavam com A hard day nigth e a mística enlatada em Liverpool.
Os Românticos bebiam cuba libre, hi fi, Martini Dry, Cinzano Rossi, vodka Smirnof, gim tônica, acompanhados com tira-gosto de canapés dançando na boate da Praça de Esportes, e no Clube Montes Claros.
Rapazes ainda usavam terno e logo deixariam crescer os cabelos a calçar botinhas com solado New Life, a vestir camisas coloridas da Prist e da Mac gregor. Moças usavam a fragrância de Chashemere Bouquet e os rapazes o romântico perfume Gardênia
Acabara a moda de cabelos Príncipe Danilo e o boom era o blue jeans da Roebuck, cintos com fivelas alpaca, cigarros Columbia e isqueiros Ronsom. O point de gente nova, os bares, Redondo e Toco. A lanchonete Cristal de Josias Loyola, o sorvete com fatia de bolo do bar do Cambuí.
Eram beijos com sabor vaca preta, banana split, piqueniques nas fazendas, início da liberalidade. A rapaziada mais ouriçada bebia rabo de galo e tomava vodka Smirnoff pura ou gim tônica.
Dançar no trevo do Redondo, ver as festas de santo do terreiro de Zé Fernandes e assistir os clássicos de futebol de campo e de salão com a safra de craques como: Jomar, João Batista, Zé Gomes, Nicó, Gontijo era o must.
Nas telas, os clássicos enlatados importados Ben Hur, Quo Vadis, El Cid, época de ver o brilho dos olhos de Liz Taylor em Gata em Teto de Zinco Quente, observar o suspense pela Janela Indiscreta.
Tempos do cinema arte com Blow Up, Modesty Blayse, O Homem do Prego e de aplaudir a doideira beleza do maluco Glauber, pirando o cabeçote. A radiola de baquelita tocava Long-play de acetato: João Gilberto acompanhado pelo violão de Baden. Twist, Hully-Gully, Beatles, rock and rol, Papa Hum Mau Mau, e os apaixonados curtiam a voz de Nat King Cole.
Tempos ainda de ouvir romanticamente Jerry Adriane, Wanderléia, Erasmo, de falar sobre Oldstok da ditadura inconseqüente, do filósofo Jean Paul Sartre, de Herman Hesse, tempos em que o sonho estava acabando.
Ainda deu para ouvir Sgts. Pepers Lonely Hart Clube Band e Lucy a garota do diamante, ver a geração beatinik se encharcar com o fim dos sonhos utópicos de consumo, impostos pela mídia internacional.
Tempos de festejar no Automóvel Club e tomar uma piscinada no MCTC, dos festivais de música, de falar no Santos de Pelé, no Mengão e na busca da emoção fabricada da Copa do Mundo.
Tempos de se reunir com a galera na Rua Raio Chistof e jogar conversa fora. O sonho ainda existia!


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Por Raphael Reys - 19/3/2009 09:11:01
A CIDADE, O CAMPO E O NOVO HOMEM.

Dia desses, o jornalista e “websmaster” Paulo Narciso trouxe-me uma observação que colheu no cotidiano desta terra de Figueira. Aparecem novas selarias pela cidade. Lembranças de cheiros e formas dos anos 50 e 60, com arreios, selas, estribos e cordas de crina de rabo de cavalo.
Afiança o mestre jornalista ser esse um indício da migração ao contrário. O indivíduo que para aqui veio da vida rurícola, ora volta ao mundo campesino após a sua aposentadoria. Urge confeccionar duas selas. Uma para ele, outra para ela!
Fugindo do massacre da vida globalizada, da urbanidade opressora, que deixou profundas marcas no seu Imo. Viaja como um guerreiro em busca do seu merecido repouso no fim de vida. Esses heróis do cotidiano buscam sentir o calor da curva do rio molhar o anzol na água em plena quarta-feira brava!
Vão ver o vôo irregular do besouro e se assustar com o grito longínquo de algum animal noturno! O cocoricó dos galos teatrais no terreiro fazendo figura para as galinhas poedeiras. O assovio do soim no pé de jabuticaba, a pata e os patinhos em caminhar seqüencial e simétrico pelas trilhas do quintal.
Os anuns catando carrapato nos cavalos e o bando de fogo-pagôs saltando e comendo semente do capim bengo. Histórias de entes vivos e entes mortos. Um arrepio de medo e defluxos às carradas. A história daquela vaca que ficou ervada e o boi, cor de burro fugido, que desapareceu e só foi encontrado um ano depois.
A onça que arrancou a orelha da novilha de compadre Amâncio e a espingarda bate-bucha de seu Quelezinho!
O trinado do canário chapinha o mugir do touro Rosilho e o suave pastar da dupla de bois carreiros. Melado e Rochedo! A pancada súbita do machado na tora de lenha e os dois dedos de prosa com os “cumpadres” em volta do fogão de lenha, com a panela de ferro no fogo brando cozendo a pele de porco para o feijão do almoço.
O gato dormindo no borralho e a carne de sol dois pelos serenando na madrugada da roça. Um generoso gole de Viriatinha com tira-gosto de lingüiça com gosto de “picumã”. Um metro de mentira, meio de bazófia, um bem e um mal falar dos pecados que o vizinho chato trás quando vem...
A lembrança da comadre do compadre catando pequi com o vestido amarrado na cintura, andando zonza de tanto comer cagaita madura. “Aí nós comêmo cagaita... comêmo cagaita... E caimo no sono! Aí acordemo! Tornamo a comer cagaita... Comer cagaita e caimo de novo no sono!
Acordemo intumecido e lembrando da “prisiguida”!
Aí, pratiquemo o dizer drumonniano: “A semântica libidinosa do homem da roça!”


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Por Raphael Reys - 16/3/2009 08:16:21
ZÉ GAVIÃO

Zé Gavião já foi nosso personagem em recente crônica intitulada: Alcides Cowboy, Zé Gavião e a TV de Jerry. Aplicou o golpe do baú em Almenara, sua terra natal, casando-se com uma mulata, filha de rico criador de nelore.
Ganhou do sogro como presente de núpcias uma fazenda com 500 cabeças de gado.
Três anos após, estando barrufado, pediu o desquite. Abocanhou a fazenda e casou-se em segundas núpcias com uma tremenda loura, uma potranca!
Passaram-se três anos e estando em Salvador, passeando com a família, encontrou-se com o seu compadre Alcebíades.
Na prosa, apresentou a sua nova conquista e mostrando a filha, uma pequena lourinha com rosto de boneca com o seu jeitão acavalado, mão de quebrador de pedras e com sua voz gutural falou: Olha compadre, que cria bonita. Foi só encontrar uma forma de primeira e aí está o resultado.
Certa feita, juntamente com o mesmo Alcebíades foi a Salvador buscar apoio do governador Juracy Magalhães para os seus negócios na Bahia. Como foram bem recebidos e o resultado do encontro positivo, saíram para comemorar na noite.
Alcebíades, conhecedor do pedaço o levou a uma boate da moda a melhor da vida noturna da capital. Gavião era naturalmente entusiasmado e extrovertido botava para fora todas as suas emoções, não despachava para o bispo!Como era tram cham, mesmo estando entre políticos ou em alta sociedade mantinha o seu ajumentamento ao falar.
Zé Gavião, conhecido e admirado por pessoas importantes, era um bruto com costas largas e estando na boate e com o quengo cheio de uísque, a gerência, para agradá-lo mandou-lhe uma apetitosa loura, que fez um strip tease só para a sua mesa.
A gatona se rebolou toda, se remexeu, se insinuou. Zé Gavião, com a sua natural verve curraleira, já inflamado e intumescido estando com os bolsos barrufados de grana levantou-se abraçado com a potranca retirou os pacurús do bolso, chamou o gerente e mandou fechar a casa por aquela noite, tudo por sua conta.
Ficou ele com a loura e o compadre Alcebíades com uma morena de arrasar quarteirão!
De outra viagem, tendo como companheiro o mesmo compadre Alcebíades, foi de avião fretado até à cidade baiana de Belmonte, receber o pagamento de uma boiada. Com a maleta abarrotada de grana caíram na gandaia!
Num lupanar encheram a cara e foram dormir com duas garotas da casa em quartos vizinhos. Como o clima da região era bastante quente, a divisória dos quartos era de meia parede de alvenaria facilitando, assim, a ventilação, o que se falava em um quarto era ouvido no outro.
A quenga tropicana, depois de dar uma geral no nosso Zé Gavião, passou talco para refrescar e dar um cheiro bom no corpanzil ajumentado do parceiro.
Alcebíades no quarto ao lado tendo escutado todos os sons orgásticos e grunhidos da dupla, não conseguia dormir dado aos roncos do Zé que faziam tremer toda a estrutura. Subiu na parede para ver a cena e como imaginava, completamente hilária!
Lá estava o compadre Zé Gavião com a sua enorme pança tremendo, a garota dormindo no seu braço carnudo. Tava de primeira! O pó do talco levantava a cada roncada do luxuriante!


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Por Raphael Reys - 13/3/2009 14:24:51
CONTRACEPTIVO CURRALEIRO

O conhecido e saudoso Pedrim de Araújo, fazendeiro às margens do rio Pacuí, tinha um vaqueiro de confiança chamado Serapião, também conhecido como “Serapa”. Ilustre pai de quinze rebentos remelentos.
A prole, entretanto, sofreu solução de continuidade. O motivo foi um radinho portátil de pilha ganhado pelo peão como presente do patrão.
Era um daquele antigo tipo “tijolo”, um Mitsubitch maneiro capa de couro modelo 1956, lembra-se? Aquele que tinha duas presilhas para abotoar a orelha de couro.
A comadre Lia, esposa de “Serapa”, ficou mais descansada das investidas libidinosas do marido, já que o mesmo passava as noites a escutar o que corria pelo éter: Lio e Leo, Tonico e Tinoco, Pedro Bento e Zé da Estada, Vicente Celestino e a voz emocionante de Nelson Gonçalves.
Ouvia com prazer pelas ondas hertzianas, à beleza de programa dos radialistas o velho Gelson Dias e o romantismo de Teixeira Bastos, ambos na ZYD7. Escutava, também, o noticiário do “Repórter Esso”, na voz de Eron Domingues ficando a par das últimas notícias desse mundo grande e bêsta!
Final de noite, já cansado de tanta melodia, e de tanta novidade, Serapião se entregava todo nos braços de Morfeu, o deus do sono!
Sonhava cantado nos palcos do Quitandinha e do Municipal. Foi com esse mesmo “radinho” que se encantou com Cauby Peixoto interpretando” o amor é uma pérola rara... e tem a cor de um rubi... ”Acompanhou as transmissões da primeira exposição agropecuária de Montes Claros no Parque João Alencar Athayde, soltando gostosas gargalhadas quando o burro” Capeta’ dava tombos na peãozada.
Não passou dois meses de uso e o radinho portátil “engastou”. As pilhas se esgotaram.
Pedrim trouxe então mais quatro pilhas novas, das boas, compradas no armazém Globo de Antônio Barreto, no mercado velho dos Montes Claros, quando então instruiu ao Serapião usá-las duas de cada vez, mantendo o som em volume moderado, para não aumentar o consumo de energia.
Uma bucha de “Bombril” engastada no bico da antena melhorava a sintonia e diminuía o consumo.
Foi trancham! O dito rádio funcionou por dois anos consecutivos, tempo em que não nasceu mais menino na casa de Serapião.
Um alívio para a comadre Lia, que não agüentava mais!
Ficando assim provado, que na roça, rádio de pilha, quando bem usado é contraceptivo.



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Por Raphael Reys - 10/3/2009 08:32:09
Tadeu, Conrado e a defesa de Zé Carlos Priquitim

O prefeito Luiz Tadeu Leite, no bom ano de 1988, convidou para uma solenidade de inauguração de iluminação pública de um bairro da cidade, o seu aliado político Conrado, campeão de votos na região do grande Santos Reis, incumbindo-o de fazer o discurso solene.
Concedia, assim, o alcaide, mais espaço ao edil visando à reeleição do mesmo em pleito próximo. A solenidade fora marcada para 17 horas. Pontual como sempre, Tadeu chegou com uma hora de antecedência visando um corpo a corpo com os eleitores. Depois de muito esperar e com os moradores do bairro já impacientes, Conrado finalmente chegou às 19 horas.
Transcorrida a solenidade, o prefeito cobrou do seu vereador o não cumprimento do horário aprazado. Firme nos arreios, Conrado respondeu em cima do pedido: “Muito me admiro, Tadeu! Eu não sou tolo! Onde que já se viu inaugurar iluminação de dia?”.
Douta feita, Tadeu o convidou para se assentar ao seu lado em um jantar de gala no Automóvel Clube. Posudo, no seu terno de casimira Aurora feito pelo mestre alfaiate Vavá, Conrado estava com apetite e deixando de lado as formalidades, já que desconhecia etiquetas de salão e o jogo de cena dos socialites, comeu quatro guardanapos de papel.
Postos ali na mesa dentro de um pequeno e decorado prato de sobremesas, os guardanapos foram degustados como boquinha e tudo, acompanhando um “scotch” importado.
Terminado o rega bofe da elite de Figueira, Tadeu Leite pergunta ao edil da Malhada: “Que tal o jantar, Conrado? De primeiríssima, não?” Conrado rasgando um sorriso tupiniquim e inocente, típico dos puros de coração, respondeu na bucha: “Tava beleza! Só na abertura comi três beijuzinhos especiais, bem molinhos, daqueles ali...” Falou apontado para o prato de guardanapos.
Um grupo de “habitués” que freqüentava o Café Galo conversava amimadamente às seis e trinta da matina, ocasião em que se falava das mais belas mulheres montes-clarenses. Como sou distraído, citei como exemplo de beleza uma antiga dama da noite dos anos 50 que freqüentava o Cassino Minas Gerais e fazia sucesso pelas suas qualidades na alcova.
O irmão mais moço da beleza citada estava presente na rodinha, no lugar errado e na hora errada! Ficou indignado, pensado ser a minha observação uma retaliação à sua pessoa ali presente. Exigiu explicações.
Para meu alívio e conseqüente controle da situação bastante constrangedora, o advogado Zé Carlos Priquitim estava presente na rodinha e sentindo o peso da mancada tomou a palavra e fez a minha defesa. Alegou que o fato aconteceu em virtude da comparação às mais belas mulheres da terra de Figueira.
A condição de mulher da vida fora citada "apenasmente" para melhor identificar a personagem em tela.
Contornou, assim, inspirado e com brilho, o mal entendido, evitando um atrito entre as partes que poderia acarretar sérias conseqüências...!


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Por Raphael Reys - 6/3/2009 15:27:23
DUAS FEIJOADAS

O “bon vivant” Zezão Relojoeiro, ex-goleiro do Ipanema Futebol Clube e emérito praticante de halterocopismo, é conhecido no trecho onde mora como “cemitério de feijoada”.
Certa ocasião passava um feriado prolongado na fazenda do pecuarista Roberto Durante, onde batia uma pelada com amigos diletantes de copo e de cruz. Antes de entrar em campo, botou uma pequena panela de ferro no fogo de lenha, cozinhando uma feijoada nada “light” para saboreá-la, com tira-gostos, após a partida, sozinho, só no mocó.
Todos fervendo sob a tenda da amplidão de Deus, a galera chutava o couro com disposição, quando o competente juiz deu o apito final. Zezão levou a feijoada já pronta, um punhado de torresmos, uma boa garrafa de Insinuante e um isopor com uma dúzia de cervejas nas latinhas, geladinhas, tudo para a sombra de uma mangueira. Afinal, ninguém é de ferro!
Ao mexer o petisco tropical com uma colher de pau, notou um grande pedaço de pele embolado no fundo da panela. Chamou o garfo, espetou, e trouxe a “carne” para um prato já cheio de farinha Morro Alto. Correu a faca serrilhada buscando separar o primeiro naco e só aí é que notou tratar-se de um grande morcego que ali caíra acidentalmente!
Pendurou o dito vampiro em uma cerca, fez o nome do Padre e passou a feijoada para dentro do bucho, como manda o figurino!
Já o “restauranteur” Enio do Quintal, chamado também de Tiênio, reuniu a galera de notívagos que pululava no lusco fusco do seu bar e restaurante e os levou para comer uma lauta feijoada em sua fazenda.
Todos debaixo de um pé de goiaba, lá estavam os muito etílicos Zé Priquitim, Dácio, Waltin e companhia. Hoje, infelizmente, quase todos “de cujus”. Ou seja, já bateram a caçoleta e agora comem feijoada nos Hades de Dante, junto com o barqueiro Caronte!
Logo irrompeu uma disputa entre os participantes com cabeludos xingamentos à mesa, por um grande pedaço de, supostamente, uma pele de porco encontrada no fundo do indefectível caldeirão.
Enio controlou a situação botando ordem nos bebuns tupiniquins e ato seguinte espetou o petisco com um grande garfo, colocando-o em uma bandeja para ser destrinchado e distribuído equitativamente.
Mas, era um prosaico pano de prato que havia sido esquecido no fundo do caldeirão!
Doutra feita, um freguês sentado à mesa do Restaurante Quintal reclamou do garçom que o copo que bebia estava com cheiro de dejetos humanos! Após trocar e lavar o copo pela sexta vez, Enio foi ver do que ser tratava. Lavou pessoalmente, mais uma vez, o copo reclamado e o devolveu ao cliente queixoso.
Só então se descobriu que o cliente, entre um gole e outro, descansava a mão que segurava o bendito copo de cerveja na calça de Zé Priquitim, sentado ao seu lado.
O Zé, como estava de fogo, não havia notado que a sua calça estava lambuzada!
(Aviso aos notívagos e navegantes! O Quintal abriu novamente às portas)


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Por Raphael Reys - 3/3/2009 14:34:48
CANÁRIO CHAPINHA E OUTRAS CURRALEIRAGENS


Na sede de sua fazenda principal, às margens do Rio Pacuí e, pela janela do quarto de dormir, Pedrim de Araújo podia ver o branco leitoso da garrotada nelore! Puro êxtase para a vista e para o bolso! No terreiro, cocás e passarinhos ciscando. Nas paredes do casarão colonial construído ao bom estilo art decó, havia fissuras e trincas de todos os tamanhos.
Curioso, Pedrim constatou que todas as paredes apresentavam os mesmos rachões e passou a investigar a origem disso. Mais dia menos dia, o morador que cuidava da porcada e que apresentava problemas de surdez, lhe informou que o motivo das trincas era o mesmo que provocara o seu mal: dois casais bem grandes de canário chapinha, que fizeram os seus ninhos em um pé de aroeira em frente à janela do quarto de Pedrim, e, de tão alto e diferenciado era o seu trinado que, juntos, produziam o efeito conhecido no mundo do som como “SOROUND SOUND”!
Esse fortíssimo efeito se propagava pela estrutura da aroeira ficando, assim, potencializado e o resultado eram as fissuras, os rachões gigantes e a surdez do encarregado, tudo pelo extraordinário efeito destruidor, similar a “bomba de parede”!
Douta feita, Pedrim de Araujo adquiriu em uma feira de galináceos gigantes no Recife, seis casais dos maiores que havia. Eles só se alimentavam de milho mexicano do tipo “Titam gigante”, o que lhes conferia uma extraordinária força sobre-galinácea!
Como Pedrim era sistemático e não usava burros ou cavalo para puxar a sua carroça adestrou os seis machos da espécie gigante e os mesmos passaram a fazer o trabalho de tração da carroça. Puxavam qualquer peso tal quais os burros! O único animal quadrúpede que Paulim usava era o seu cavalo Fenomenal, um alazão de grande porte e marchador.
Fenomenal era tão treinado que adivinhava os desejos do dono, parando, sem comando, na venda para seu dono tomar umas branquinhas, conduzindo-o, após, até em casa são e salvo!
O Fenomenal, entretanto, era temido em toda a região e principalmente em Coração de Jesus, onde o seu lendário coice era conhecido. Certa feita, o cidadão conhecido com o nome de “Xéu” tomou umas cachaças e resolveu encher o saco do Paulim que bebia uma sossegado, em um canto da venda.
Fenomenal tomou as dores do dono e deu um tremendo coice no “Xéu”. Consta que a vítima foi lançada a uma distância de vinte metros do local do fato!
A bagaceira foi de tal ordem que o paciente teve de ser operado no famoso Pavilhão 10 da Santa Casa do Rio de Janeiro, pelo famoso cirurgião plástico Ivo Pitangui, que praticamente reconstituiu a carcaça do “Xéu”. Em seguida, foi novamente operado, agora por uma equipe de ortopedistas que, para fixar as costelas quebradas, lhe implantaram para mais de quarenta e duas peças de platina!


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Por Raphael Reys - 26/2/2009 11:52:39

A DONZELA BRANCA DE ARAPIRACA

Maio de 1965 nessa inusitada terra de Figueira, o galã Paulo Gomes Junior, o Paulinho Relojoeiro (hoje no Quarteirão do Povo) arrasava corações montado em sua bicicleta sueca aro 28 modelo Ahermes, 1954. Pneu fino, freio de mão, câmara de ar de borracha vermelha, campainha metálica, selim especial, um luxo só.
Caído de amores pela Verônica, também conhecida como Branca, uma pernambucana “mignon”, como bem convinha ao seu biótipo de rapaz simples e curraleiro de Mato Verde. A garota da cabeça chata era conhecida como a Donzela Branca de Arapiraca. O pai, um atávico, que por qualquer motivo enfiava uma peixeira no bucho do contendor.
Domingo cedinho e Paulinho Relojoeiro rumou para o Bairro Cintra visando levar a Branca para a missa das nove horas na Catedral, o que era considerado o “it” da época. Chegando a casa encontrou a donzela de vestido de renda branca e forro de cetim rosa claro. Diadema no cabelo, correntinha de Santa Luzia no pescoço e Alpargatas Roda nos pés.
O galã Paulinho (que se parecia com o ator Paul Newman), trajava calça de riscadão de algodão, camisa Volta Ao Mundo comprada na Loja "Boa Vontade", brilhantina no cabelo, relógio Seiko no pulso e sapato Vulcabrás. E como chovera bastante, calçava galochas brancas nos sapatos, a última moda das metrópoles.
A donzela morava perto da casa de Bilô, fiscal da Prefeitura e após apanhá-la o nosso herói de alcovas tropicais descia a rua Juramento rumo ao centro, quando na ladeira o freio de mão falhou! Como a bicicleta vinha em boa velocidade buscando chegar na hora da abertura da missa, evitando escândalo de padre Agostinho, a calanga então virou um bólido.
Ladeira abaixo e impossibilitado de praticar a frenagem naquelas circunstâncias inusitadas, Paulinho e a donzela começaram a gritar desesperadamente. A bicicleta se embrenhou para dentro de um bananal e com o impacto em um obstáculo, Paulinho ficou enganchado nas bananeiras preso ao guidom e a namorada, tão branquinha, dependurada de cabeça para baixo agarrada a um cacho de bananas!
A donzela de Arapiraca, ao se desprender caiu de ponta cabeça dentro de um grande monte de estrumes e atolou até a cintura! Rápido, Paulinho a puxou pelos pés, lavou o seu rosto e braços com as águas (então) límpidas do Córrego do Cintra e, temendo a possível retaliação que poderia ser praticada pelo pai da garota, gramou o beco e deixou a sua prenda chorando sozinha...
Desonradas as calças riscadas que vestia, o nosso vil herói passou seis meses escondido em uma fazenda de amigos em Mato Verde.
Findo o refúgio, a foto ilustrativa tirada à porta da casa do Tenente Esmeraldo na rua Bocaiúva, durante os tradicionais ensaios das festas juninas promovidas pelo oficial, mostra o nosso Paulinho já de bicicleta nova e cheio de lero para cima de uma garota...
Testemunhas do fato estão na foto: Carneirinho (com o olhar desconfiado e treiteiro, embora de aparência mansa) e o empresário Edson Bororó, já um galalau tupiniquim com o sapato Vulcabrás brilhando, muito bem engraxado pelo competente Zuza.
Os demais personagens, componentes do terno de quadrilha do tenente, poderão ser identificados por Carneirinho que tem memória fotográfica.


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Por Raphael Reys - 22/2/2009 18:56:20
A CAPA DA CACHAÇA

Bêbado sempre dá sorte! O bêbado, quando está liso e com vontade de tomar uma branquinha acha dinheiro na rua. Bebe fiado, dá o cano no botequineiro e continua bebendo no mesmo bar. Encontra outro colega de desdita que paga a sua e quando chega atrasado ao serviço em virtude da ressaca miserável é perdoado pelo patrão que não desconta a falta em folha.
Quando retorna ao lar, não cai em buracos, tem sempre um anjo da guarda de todo tamanho o amparando-o. Bernardo Bruno disse que: a criança e o burracho, Deus põe uma mão em cima e outra em baixo! Segundo a mística do bebum, o diabo também dá uma mãozinha ao afilhado.
As almas penadas que estão vagando nos Hades vêem para sugar o ectoplasma de quem bebe. Ficam grudados na aura do usuário etílico que não se agüenta de pressa para o dia terminar logo, para ele e os amigos marcarem presença no bar.
Aqui nos Montes Claros alguns apreciadores da caninha com "ruzáro" ficaram ricos em decorrência desse apego pela cruel. Encheram a cara dormiram de fogo e, acordaram milionários. Senão, vejamos.
O saudoso empresário e desportista Eunilson Preto, num sábado saíram cedo para tomar todas. Um cambista veio oferecer-lhe um bilhete da Federal e, não o encontrando, deixou o mesmo na gaveta da escrivaninha do rabudo. Eunilson acordou domingo com gosto de cabo de guarda-chuva na boca, com o cambista chamando à porta e avisando que o bilhete fora contemplado com o primeiro prêmio!
Um ilustre cidadão do Brejo das Almas, digno ex-empresário do ramo de transportes de cargas e atual comerciante de automotivos chegou aqui liso e em busca da sua sobrevivência. Arranjou um bico para vender bilhetes. Comercializava quadras inteiras! Num sábado tomado pela saudade pelos amigos que deixou no Brejo encheu o pandú com várias doses de branquinha no bar do Bébé dormiu e escornou no maior fogo.
Ao acordar, no domingo pela manhã lamentando o possível prejuízo dos bilhetes a serem pagos descobriu ter sido contemplado com o primeiro prêmio quatro vezes! Foi à capa da cruel branquinha que vestira na noite anterior a grande responsável por ele ter ficado podre de rico. Quem bebe tem amigos na terra e nos Hades!
Mário, na Pioneira dos Milhões, em 1962, tomou umas Viriatinhas dormiu com o tóba cheio de cachaça, não vendeu os bilhetes da Federal e como os anteriormente citados, ficou milionário. Se mandou da cidade para não emprestar dinheiro a parentes e falsos amigos. Outro cambista do mesmo revendedor vendeu o bilhete, recebeu o pagamento, antecipadamente foi buscar o bilhete para entregar e se esqueceu. Encheu a cara e foi dormir!O bilhete deu na cabeça e ele, milionário se mandou com a roupa do corpo levando o prêmio alheio.
Consta estar foragido morando no povoado de Andirobal dos Crentes, no interior do Maranhão e, usando identidade falsa comprada na Praça da Sé, em São Paulo..
Outro que não vendeu a quadra de bilhetes do elefante, que estava em sua posse tomou várias doses no bar do Rosental, próximo ao campo do Ateneu arriou o pandú e acordou rico foi o nordestino Abdias. Comprou fazendas e construiu imóveis na cidade. Deitou e rolou na sorte! Esnobou grana para todos os lados. O homem tinha o santo forte!
Com a veiculação da boa notícia de que cambista que escorna na cachaça acabava ficando rico, levou uma dúzia de eles a encharcar o bico na cruel crescendo a barriguinha, descascando as canelas, afinando o pescoço. Faleceram prematuramente com os bolsos vazios por terem tomado cana desdobrada ou curtida no álcool. A popular fubúia!
Aviso aos navegantes e leitores: A cachaça que traz boa sorte a quem a toma é a pinga pura por origem! Quem bebe cana tem que ter finesse. Tem que ter compostura e postura, pois o diabo tem uma capa e uma campa!
Olho vivo!


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Por Raphael Reys - 17/2/2009 08:52:17
SOB A LUZ LILÁS


Cinco e trinta da matina, cheguei cedo para ver a praça acordar ao luso-fusco. Céu carregado, nuvens vermelho-rosáceas se misturam ao lilás dos holofotes que iluminam a fachada da igreja Matriz e fazem brilhar as paredes do casarão colonial do saudoso Benjamim Rêgo. O ambiente desperta uma áurea mística, como pano de fundo.
Passam pelos passeios moradores em caminhada e aposentados já estão sentados à porta do ECT, esperando a abertura do Banco Postal. Logo chegarão distribuidoras de propaganda de bancos de empréstimos, vendedores da palavra do Senhor e fabricantes de salvação das câmaras do Inferno.
Nos anos 60, dormíamos ainda vestidos de terno, nos bancos dessa praça vindos das festas do AC e, cedinho, comíamos o pão quentinho da padaria de Antonio Brito, ali perto. Nestor, o vigia do posto de gasolina, ainda em pé com a sua capa colonial e o rádio portátil, ouvindo na ZYD7 música e até os noticiários internacionais. Uma fonte segura, para sabermos das notícias da noite e do mundo.
Jovens passam montados em bicicletas trafegando em velocidade pelo logradouro, colocando em risco a vida dos idosos em busca dos laboratórios de análises e clínicas próximos. O sino eletrônico toca imitando as badaladas do original, ferindo os nossos ouvidos e o nosso coração com essa desarmonia musico - sentimental, a evocar a saudade de velhos e saudosos sons, nos velhos e saudosos tempos...
Não mais vemos a missa vespertina do palácio do Bispo, com a sua decoração colonial. Não mais ouvimos os chilros dos beija-flores do viveiro doado pelo rei Chateaubriand. No seu lugar, ergueu-se um descorado coreto em que moram e dormem notívagos e moradores das ruas. À noite, os bancos da praça são palcos de preliminares da galera GLS, que pulula nos bares da moda próximos.
Afinal, a alma é escrava do amor!
Sete horas e o ponto negro das ruas Doutor Veloso e Santa Maria já fervilha com carros engarrafados. Frenagens súbitas, alaridos, cantar de pneus... Impropérios! Bem diferente dos anos 60, quando, de manhãzinha, por lá passávamos cantarolando as músicas fixadas nos nossos ouvidos e que restaram das serenatas...
Agora, vemos bestas humanas induzidas pela química exógena que voltam das noitadas de embalo e vociferam, gesticulam e urram. Buscam instintivamente o caminho dos seus lares. Veículos de panacas, com o som a toda, compensando a falta de masculinidade no desespero dos “raps”. São míseros flagelados sensoriais, de quem sentimos muita pena...
Felisberto Oliveira, Barão de Castruch, o morador mais emérito da praça, lá estava na sacada da sua mansão colonial. Hoje, não mais aparece com o copo de vodka na mão a gritar: “Oi Ceará, vem tomar uma comigo! Tá bem! Olha Ceará, eu só saio daqui com a metade da grana da venda da mansão em mãos! E aí, velho, não vai ter mulher pobre na paróquia! Ou melhor, na arquidiocese!...”.
Que grande figura! Uma pessoa queridíssima!
Voltou para os mundos súperos sem receber a esperada “bufunfa”, mas levando o seu coração de menino assustado, o sonho de erguer em Montes Claros uma “Cinecittá” tupiniquim, as eternas lembranças e as saudades dos amigos igualmente diletantes, o copo de vodka e o som das badaladas do seu imponente relógio carrilhão francês com vasto pêndulo dourado, grande e lindo. Que marcou, por toda uma vida, as horas felizes que Felisberto viveu e cismou na bela sala estilo rococó de seu bicentenário sobrado, palco da sua morte, com a pompa e a circunstância de um sangue azul.


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Por Raphael Reys - 12/2/2009 19:11:22
CALÇA RASGADA

Diz Homero na Oitava Ilíada que: “Os deuses tecem infortúnios para que às futuras gerações não falte o que contar!”
Para que os negócios da Cerâmica Cowan andassem nos conformes, a empresária dona Célia Machado nomeou o mui digno Zé Amorim gerente geral e deu-lhe a necessária carta branca para ele segurar as rédeas na cabeceira.
Mão de ferro, severo ao extremo embora de fino trato e até mesmo amável com as pessoas, o Zé não admitia nada fora dos eixos.
Certa tarde quente e com a baixada refrescada pelos ventos de agosto, uma forte rajada bateu abruptamente a porta do gabinete do Zé travando a fechadura, tendo a chave caída do lado de dentro da sala estando o Zé do lado de fora supervisionando a empresa.
Foi, nesta hora, chamado urgente pelo Tonim da Cowan, que informava estar à patroa já nervosa, querendo, insistente e impacientemente falar com ele.
Como o aparelho telefônico de baquelita ficava dentro da sala do Zé Amorim, Tonim, preocupado com o nervo da enfezadíssima patroa, açulou o nosso Amorim que aflito, esbaforido, inventou de saltar pela alta janela para resolver a situação emergencial. Desajeitado, como sempre, e com o esforço inusitado, rompeu a costura dos fundilhos da calça, tornando explicitamente visível a sua branca cueca da marca Torre.
Ao telefone, madame instruiu o Zé para esperá-la à porta principal da cerâmica, pois logo mais passaria apressadamente de carro pela avenida, rumo ao Parque de Exposições e precisa falar-lhe. Que o Zé a aguardasse de pronto, no ponto combinado como sem falta!
Estando com os fundilhos à mostra o Zé “pregou” o traseiro na cadeira do seu gabinete evitando o ridículo ao se levantar, e instruiu o Tonin receber e convencer a patroa a entrar, e diante do seu momentâneo impedimento se dirigir até o seu gabinete.
Zé Amorim sentadíssimo na cadeira, eis que chega dona Célia que se postou em pé, no centro da sala. Tonim e Fernando Cezar Amaral, de “voyeurs”, só assuntando, doidos para ver no que ia dar de hilário. Estranhando que o seu gerente, sempre educado e solicito não a recebesse condignamente, não oferecendo nem ao menos uma cadeira para sua chefa tomar assento, ela chamou o Zé no curé.
- Veja Zé! Você está estranho hoje! Pálido, suando em bicas e com o traseiro pregado direto nessa cadeira! Não me recebeu à porta, como de costume, não me convidou para tomar assento e nem ofereceu a água gelada e o cafezinho na bandeja de prata! Deu para ser mal educado, agora? Está andando com más companhias? Nem de longe demonstra um comportamento que se espera de um filho de Pedro Montes Claros, um saudoso cavalheiro!
Tonim e Fernando se deliciavam com sorrisos irônicos pelo sufoco do amigo, o Zé, mesmo com o traseiro desapetrechado. Suava frio, dona Célia não ia embora e o vento de agosto insistia em entrar pelos fundos da sua calça de linho S120 branco, feita pelo alfaiate J.Pandu (o Craque da Elegância), ameaçando expor à vista e à galhofa o cuecão botão de pressão!
Não houve jeito! O Zé teve que relatar o ocorrido e a patroa enviou o seu motorista até a casa do Zé na Rua Altino de Freitas, no centro, para trazer uma calça reserva.
Essa nova peça, mais adequada, pois de tropical inglês, confeccionada pelo famoso Jerry Ronaldo, o “Agulha de Ouro Frufru”.


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Por Raphael Reys - 4/2/2009 14:19:21
CASTIGO PEGA MALANDRO!

Diz Homero na Oitava Odisséia que: “Os deuses tecem infortúnios para que as gerações vindouras tenham o que contar.”
Muito embora Frei Beto tenha comentado que ao escrever falando das mazelas da urbe o cronista esteja “garimpando miudezas da vida alheia e se debruçando no próprio umbigo”, com licença de Sua Reverendíssima, eu vou lá conferir.
Em Montes Claros acontecem coisas de que até o Criador duvida! O competente e tradicional corretor de imóveis Flávio Lopes me informa que o seu colega Franciscão (nome fictício) de tão mala sem alça que é, além de aplicador de agapito e agapanto, já virou bicho urbano! E o bicho, cedo ou tarde, pega castigo grosso!
O citado colega foi convidado por amigos e vizinhos para uma pescaria às margens do Rio Verde. Como de costume, aplicou em todos que “não podia viajar, pois estava sem grana". Liso, leso e louco! Fez cara de coitadinho e conseguiu engambelar a bem intencionada turma do caniço e da cana.
Para não ser desmoralizado, flagrado na malandragem durante a pescaria, entrou em um banheiro próximo e colocou uma nota de cem reais dentro do seu fétido tênis, evitando ser revistado para checar a sua “dureza”, já que ninguém confiava mais nele! Não deu outra! Os colegas reviraram os seus pertences, mas não encontraram dinheiro algum, pois longe passaram do seu catinguento tênis.
Logo logo ele encheu o guengo de Viriatinha comendo uma lauta farofa de carne de sol dois pelos, tudo na base do 0800 e esqueceu que pisava na “merreca” de cem! Entrou dentro do rio para desenganchar rede, sapateou um samba de fundo de quintal e o castigo divino, que tarda, mas não falha, pegou o malandro. Passou todo o tempo pisando e esmagando a nota de cem reais e quando voltou para casa é que aconteceu o castigo. A esposa do fedorento, ao lavar o sujo tênis, encontrou a nota de cem (de fazer a feira) toda “desmilinguida.” Como ele é miserável, unha de fome e discípulo de Gepeto, por castigo a cara metade contou o lance para o competente Flávio Lopes. Este, que não é terra de cemitério para comer sozinho e nem é caixão para levar segredo para o túmulo, me contou. E daqui, para a boca pequena
A bem da moral e da ética profissional montes-clarense, solicitou-me passar o “link” para frente, visando prevenir futuros incautos que, lendo esta crônica, escapem da chaveta de pescaria. E, para concluir com chave de ouro, informo aos que pululam no mercado comercial da urbe tupiniquim, que o malandro citado tem pós-graduação nas grandes metrópoles do país, onde se formou na FAMATROS, Faculdade de Malandragem Tropical e Similares. O cara também sabe aplicar a chave do “Alô Agapito”. Ou seja, o cliente otário vê, além de ouvi-lo falando ao celular com o possível dono de um imóvel, tudo de mentira. E o comprador, conforme o caso, cai direitinho na sugesta! tran chan! O pato dança na hora e ainda vai embora feliz da vida por ter feito um “negoção”! Esta crônica tem por objetivo prevenir a galera contra os contra-agás que, porventura, tentem aplicar nos meus dignos leitores! Olho vivo! Cavalo não desce escada. Mas, sobe...


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Por Raphael Reys - 28/1/2009 10:18:46
O VELÓRIO DE PATÃO

Nem bem começamos o frio mês de julho último, e a cidade consternada chorava a morte do artista plástico e músico Hélio Guedes, o Patão. Há meses que se encontrava em convalescença, de insidiosa enfermidade entre seu lar e a Santa Casa. A residência de sua família era sede dos Estúdios GG, além do seu pai, Godofredo Guedes, ali trabalhavam, ele Patão e Zeca seu irmão. A casa e o estúdio eram visita obrigatória a todos os visitantes que afluíam à nossa cidade em busca de um bom quadro pintado sobre tela. Os amigos e conhecidos não pouparam esforços, visitando-o continuamente, levando-lhe solidariedade, apoio moral, psicológico e religioso ao artista, também oriundo de uma família cristã de músicos, luthiers, pintores, cantores e compositores. Lá se reuniam artistas em geral, marchands e aficionados de aeromodelismo. Com a notícia do falecimento de Patão, os companheiros e conhecidos do artista e da família dirigiram-se ao seu velório, conforme costume geral da terra de Figueira acontecido na área de velórios da Santa Casa. Localizada na rua Irmã Beata, onde, também, se velava uma senhora da sociedade, falecida no mesmo dia. Como os que lá se encontravam eram, na sua maioria os mesmos que por força do conhecimento participariam (o de Patão e da senhora da sociedade) foram chegando, com a característica entrada na sala do velório lançando a olhadinha medrosa e, em seguida, agasalhando-se pelos bancos dos corredores, no jardim do pátio e no caramanchão. À bem da verdade, a família Guedes havia transferido o velório de Patão para o salão nobre do Centro Cultural Hermes de Paula, na Praça da Matriz, local onde o artista houvera feito várias exposições de suas telas. Marise Nunes e o seu marido, o cantor Heitor Nunes estava presentes entre os que participavam do duplo velório. Após a indefectível entrada no salão do velório, tomaram acomodações no caramanchão, onde se encontravam muitos artistas e músicos conhecidos. Heitor iniciou a conversação com os presentes dizendo coloquialmente que o corpo de Patão estava com a aparência muito alterada (ao seu enganoso ver). Outros presentes concordaram e alguns chegaram a atribuir a (a suposta) expressiva alteração, ao tempo de convalescença do de cujus pouco antes do falecimento. Marise abriu comentário adicional em que dava conta do batom muito vermelho passado na boca do falecido (confundiram a senhora velada com Patão). Logo se formou um grupo que defendia a validade do artista estar usando batom vermelho-carmesim. Um artista presente comentou ser até normal, pois se tratava do enterro de um artista excêntrico e que deveria ter feito tal pedido em vida. Logo chegaram mais conhecidos vindos da sala do velório (trocado) e falavam textualmente: Virgem Santa! Como é que Patão ficou feio depois de morto. Outro que participava da rodinha falou: feio e com batom vermelho na boca! Estupefato, ante aquela possibilidade vir a lhe ocorrer Heitor fez a sua esposa Marise Nunes jurar que não passaria batom nele quando chegasse a sua hora de ir para o andar de cima. No debate, foi condenado por alguns o uso do batom, do ruge, pós de arroz e máscara facial. Segundo esses observadores essa prática não era apropriada para defuntos masculinos. O debate tomou corpo ficando o grupo dividido em duas facções. Logo a roda foi aumentando e outros mais contavam sobre as excentricidades de Patão quando vivo, das suas posições reacionárias, como um sempre contestador de sistemas, de governos. Um observador que estava no velório certo (da senhora da sociedade) descobriu o mico que estava sendo cometido e informou à galera que o velório de Patão estava transcorrendo no Centro Cultural. Ai caiu à ficha e a turma, acabrunhada, foi para casa e muitos não marcaram presença, como deviam, ao velório certo!


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Por Raphael Reys - 24/1/2009 11:15:53
O CACHORRO DO CORNO E A TAMPINHA DE GARRAFA
O homem moderno na sua urbanidade há muito trocou o prazer de rolar no cetim dos lençóis da sua cama com a matriz, pela espuma da cerveja no bigode. Não se sabe se mudou de fonte ou de espuma!
A mídia, com o seu consumismo provocado, escraviza o quengo dos coitados levando-os a trocar o prazer do sexo pela mesa do bar. Bebe uma loura gelada e encanta-se com as morenas peladas das tampinhas...
Busca na Internet o amor virtual, corre atrás de “sites” pornográficos e de troca de mensagens com louras gostosas em alas de bate papo. Logo se encontra com verdadeiros canhões do departamento de Apetrechos Pesados, enquanto a matriz suspira pelos atores das novelas.
Termina a sua vida sexual como um otário conjugal. Daí, não há psicanalista ou terapeuta que dê jeito no vício da cerveja. Otário é otário e se basta! Como a maioria faz exatamente as mesmas coisas, ele permanece no mesmo raciocínio, ou seja, de que a maioria é que está certa!
Não é de hoje nem de ontem que a sua matriz não sabe o que é um apogeu genésico múltiplo! Há anos ela não grita mais o famoso: “me mata meu bem!”
Foi-se o tempo em que o macho era romântico e sedutor, bom de cama, levando a sua parceira ao orgasmo amplo, à plena satisfação sexual. Agora, é só bronca pesada, ressaca e gosto de cabo de guarda chuva na boca! Só falta, por conveniência, valer-se dos argumentos de nossos avós, que apregoavam que somente às prostitutas é permitido o gozo!
Quanto mais se mexe para mudar ou ser ajudado, mais ele se chafurda no álcool, na Internet e na sexualidade das tampinhas de garrafa. Sai do serviço com o bando de amigos correndo para a mesa de bar e da mesa para o computador.
Para continuar bebendo a loura gelada e vendo as mulheres peladas das tampinhas, assina notinhas que não pagará, mente que o pagamento está atrasado, emite cheques sem fundos, fala que vai ao banheiro e grama o beco! Deixa o garçom na mão e a sua mulher na saudade.
O mal atinge a quase todos nesse mundo grande e bobo, do Oiapoque ao Chuí!
Em 1990, conheci no interior do Piauí um dono de boteco que perdeu a sua mulher para um caminhoneiro. Passou a curtir os seu chifre tomando uma cachaça de nome Mangueira. Como todo bom corno, fazia a si mesmo as cinco perguntas fatais:
“Onde será que ela está? Com quem? Fazendo o que? Por quanto tempo?” E a pior de todas as perguntas: “Será que ela vai voltar?”.
Essa última, levava-o a colocar no toca discos um vinil com a música “Lady Anne”. Com o tóba cheio de manguaça, o infeliz caia no choro! Por empatia, o seu cachorro de estimação que ficava ao seu lado dentro do bar, começava a uivar.
Cortava o coração de quem freqüentava a espelunca! O cão uivava como lobo e logo a mídia deu em cima e transformou a dupla em notícia de sucesso.
Alguns ricos, para se divertirem, o levaram para a capital e lhe arranjaram casa em um conjunto popular, na moleza.

O local tornou-se um ponto folclórico, oráculo dos portadores de enfeite na testa...


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Por Raphael Reys - 20/1/2009 08:33:34
UMA HOMENAGEM PARA SINVAL AMORIM

Todo povo tem os seus anjos e demônios. A saga de uma urbe é construída no ombro de seus criadores que, com coragem, iniciativa e desprendimento ensejam o seu progresso fazendo funcionar o circo da vida.
A história de Montes Claros, no tocante ao seu desenvolvimento comercial, escolas, comércio, rede hospitalar, urbanização muito deve à presença sempre constante dos forasteiros, que aqui aportam visando construir as suas vidas e das suas famílias.
Ao longo dos anos 30 até os anos 60 do último século, estabeleceu-se um enorme fluxo de migrantes em busca de trabalho, estudo para seus filhos e netos, tratamento médico para suas famílias, compra de produtos industrializados e diversão noturna, este o motor principal do nosso desenvolvimento.
Referido boom durou até o início dos anos 80. Havia o Bar Bandeira II, as casas de jogo e as boates de Edna, Anália, Leobina e Walmira, garantindo os prazeres da carne. Uma urbe da luxúria. O grande empresário incentivador e inovador desse mercado foi, sem dúvida, o nosso saudoso conterrâneo Sinval Amorim.
No princípio, nos anos 40, com o seu cabaré na rua Presidente Vargas, no centro, que funcionava onde hoje se encontra o prédio da família Jabbur. Diz o cronista Rubem Braga, que por aqui andou e prevaricou que, o cabaré de Sinval fervilhava como um “night club da Broadway”. Encorajado pelo sucesso, daí Sinval partiu para empreendimento maior, administrando e promovendo o Cassino Minas Gerais com seus shows.
Naquela época, para aqui vieram apostadores, aficionados do jogo de cartas e dos encantos da noite de todo o Brasil, patrocinados pelas vedetes do teatro rebolado oriundas dos grandes cassinos das metrópoles, dançarinas, algumas procedentes da Espanha e estrelas diversos matizes. Com a presença da Segunda Grande Guerra no cenário mundial, o Pentágono investiu na construção de uma estrada de ferro que ligasse a garganta estreita e estratégica do Norte de Minas à Bahia.
Temiam que as tropas do eixo (Alemanha, Itália e Japão), conquistada a Europa, viessem a atacar as Américas, tendo que, obrigatoriamente, passar por essa garganta. Assim, chegaram a Montes Claros quinze mil operários e técnicos para a execução da obra e, na sua esteira, atraídas pelo grande movimento e muito dinheiro rolando, a presença de três mil prostitutas do país e do exterior, cadastradas pela delegacia de polícia local, além das dezenas de outras “avulsas”. Nossa cidade, que contava com vinte mil habitantes, devido a esse inchaço teve sua população praticamente dobrada.
Em conseqüência disso, houve um extraordinário incremento da jogatina, da rede hoteleira, bares e restaurantes e lupanares. Sinval Amorim, atento aos novos tempos, adquiriu e passou a explorar uma pedreira visando fornecer matéria prima para o inusitado boom imobiliário, surgido. Logo após, construiu o edifício Pedro Montes Claros, que batizou com o nome de seu pai, hoje um remanescente da “art decó”, para abrigar no seu andar térreo a primeira agência do Banco do Brasil.
Com a presença da instituição financeira, então considerada o maior banco rural do mundo, aconteceu à oferta de financiamento, mola mestra do enorme desenvolvimento da nossa lavoura e da criação de gado de corte. Sinval é, portanto, um autêntico Mídas, pois em tudo que pôs a mão virou ouro, trazendo progresso para nossa querida urbe.
Portanto, como montes-clarenses, todos nós devemos a esse saudoso empresário-inovador uma justa homenagem à sua coragem e visão do futuro.
O mérito desta crônica pertence ao notável agrimensor Paulo Moreno, que teve a feliz idéia desta lembrança, incentivando-nos a escrevê-la.


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Por Raphael Reys - 15/1/2009 09:38:47
PODE FALAR ALTO!
Agosto, 1970. Vestindo terno xadrezinho, modelo inglês, colete, gravata borboleta, sapatos de verniz alemão, lencinho de organdi no bolso superior do paletó, abotoaduras de ouro, topete de artista francês e cheirando a fragrância de nuit de Noel. Este cartão de visitas dizia ser diretor presidente de uma fábrica de peças de reposição para fornos industrial em São Paulo. Gestos delicados, boquinha de fresco, movimentos faciais e labiais de finesse. Perguntou se havia muito engenheiro estrangeiro com sotaque (ele adorava ouvir) na empresa e queria ser recebido pelo gerente industrial João Bosco, já que o diretor presidente morava no Rio de Janeiro. Após a minha informação, João Bosco falou: estou muito ocupado e não vou receber esse cavalo de charrete. Manda-o cacarejar em outro terreiro. Encaminhei-o ao engenheiro chefe de manutenção e ele não aceitou alegando falta de status do mesmo para recebê-lo. O enfeitado saiu pisando em brasas por não ter sido recebido pelo nosso gerente industrial. Empurrei a bomba para a Cowan, lhe sugeri falar com o Zé Amorim, diretor da empresa citada. Lá usava forno industrial! Como o Zé era prático e explícito, além de adotar a funcionalidade nos seus afazeres de diretor da indústria cerâmica, atendia na entrada do prédio. Sem portas. Tudo aberto. Controlava tudo ao vivo e em cores. O dândi chegou, sentou e fez uma cara de muxoxo, com biquinho de boca, pois, imaginava um gabinete com poltronas de veludo e ar condicionado. Zé por trás dos óculos aro de tartaruga já sacara o enfeitado e a princípio não foi com a fachada daquele presidente de indústria de meia tigela e afrescalhado. Iniciado o diálogo o homem exagerou na gesticulação cuidadosa. Movimentos refinados, boquinha de finesse, falava baixinho e o semblante refletia meia gravidade. Com o natural calor dos fornos da indústria, aliado à temperatura escaldante de agosto e a frescura daquele almofadinha lhe enchendo o saco tupiniquim, a gola da camisa Volta ao Mundo do Zé ensopou. Não deu outra! Insuflado pela pressão tripla o Zé vociferou entre dentes: essa empresa aqui é nossa e não devemos nada a ninguém. Portanto, fique a vontade e pode falar alto seu F.D.P! Aqui não tem fresco e nem dama de alta sociedade! Portanto, pode abrir a sua caixa de ferramenta, e falar logo um “bom dia fidúma égua!”! O almofadinha, que estava no seu dia de cão, se sentindo escorraçado, escafedeu-se e gramou o beco de volta à terra da garoa.


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Por Raphael Reys - 9/1/2009 14:10:20
AJUDA-ME MEU SANTO ANTÔNIO!

Dio Colares, de viagem marcada para a Venezuela e, temeroso em deixar o seu escritório em BH entregue a qualquer um, convidou o nosso Zé Amorim para tomar conta dos seus negócios nas Alterosas!
Salientou ser por alguns poucos dias, uns três somente. Insistiu tanto que a enfezada patroa liberou o Zé debaixo de mil recomendações. Os negócios do Dio no estrangeiro demoraram por treze dias e, somados o ir e vir, perfez um total de dezesseis.
Na volta para os Montes Claros, Zé já vinha com o quengo quente! A toda hora lembrava temeroso a bronca que iria levar da patroa. Dio o consolava e informava que iria intervir a seu favor!
Ao longe e ao avistar a cara metade à porta olhando em sua direção, tomando por base o dito de Terêncio sobre o ser humano, lembrou que "Nada que é humano é estranho". Zé falou para o Dio: "Olha só a bolha de água na ponta do nariz dela, Dio! Vou já cair no tamanco, homem!"
Dio Colares chegou e foi logo justificando a demora dos dezesseis dias, dado à sua ida à Venezuela. Justificou e ato seguinte gramou o beco de volta para casa, deixando o desafortunado Zé por conta da sua própria e precária sorte. Mal virou as costas e o pau comeu nas costas do Zé Amorim.
Com a cara metade enfezadíssima para o seu lado, Zé correu à noite apara o quintal e, como era religioso que só ele, ajoelhou próximo as bananeiras, rogando: "Valha-me meu Santo Antonio! Ajuda-me, rapaz!"
Doutra feita quando foi construir a sua casa de moradia na rua Altino de Freitas, no centro, o Zé escolheu como mestre de obras o Robertão Pimenta dos Morrinhos. Justo e certo o único mestre de obras da cidade que conseguira roubar o nosso bispo emérito.
Deu o cano no coitado do Dom José!
Tomando por base a "ficha" do mestre de obras contratado, Zé o chamou no "curé" e foi logo sentenciando: "Não vem que não tem leão! Aqui não cabe chaveta! É tudo no tran chan..."
Ao receber as chaves do imóvel já pronto Zé correu tudo, observou, indagou e ao chegar ao WC falou: "É aqui que farei o teste final, caboclo!" Em seguida, mandou chamar o Manoel Baixinho, um servente de pedreiro que tinha fama de ter o bolo fecal mais grosso do pedaço, ao modelo Zacalex..
Após a ingestão de uma suculenta feijoada e de ter tomado dois copos de vitamina de mamão baiano, algum tempo depois o Manoel dirigiu-se para o vaso sanitário do Zé Amorim para submeter o mesmo ao teste de qualidade.
Caprichou na "largada" e ao acionar o cordão da descarga escoou tudo, numa boa, sem entupimentos...
Só aí que o Zé acabou de pagar ao Roberto o restante do combinado. Em cima da fatura!


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Por Raphael Reys - 4/1/2009 16:54:09
BAIANEIRO

Diz um popular chamado João Paulo que: o mineiro se tem barro, vai atrás; se tem poeira, vai à frente e, se tem porteira, vai ao meio. No entender do cronista Tião Martins, o mineiro termina com a realidade posta no seu devido lugar e faz coisas que até Deus duvida! A vida, entretanto, nos prega peças e o mineiro dos Montes Claros, assim como o argentino, é diferente.
O argentino embora tenha nascido na América do Sul é um europeu defasado e caótico, o montes-clarense um baiano disfarçado, comedor de pequis e bebedor de uma boa cachaça com rusâro. Não é mineiro, quem trabalha fazendo esparro e vive ostentando riqueza, mesmo sem a ter, ao contrário do baiano e do conterrâneo de outras regiões que esconde o jogo.
O baiano tem conversa mole, olhar de cascavel e quase sempre está aplicando. Já o montes-clarense diz que fala a meia verdade, quase sempre inventa para aparecer e é chegado a uma boa crioula e em atabaque de terreiro de macumba (de noite).
O montes-clarense vive dizendo que, como bom mineiro, dá um boi para não entrar e dá uma boiada para não sair da briga.
Pura bazofia sofística! Ele resolve as suas pendengas é no terreiro e com despacho pesado. Assim como o baiano, o povo de Figueira gosta de farinha Morro Alto, carne de sol, de dia aparece como católico praticante e amigo de padres e similares. De noite, cai nas quebradas e no vodu. É meio pedra, meio tijolo!
As mães montes-clarenses amarram o candidato para casarem com suas filhas na fita de Santo Antonio, que é enterrado de cabeça para baixo! Não vem que não tem que eu sei de tudinho! Os cobradores que vêm da capital para receber as compras por lá feitas e não pagas são escorraçadas na encruza. Saem daqui com um quente e duas fervendo!
Aviso aos meus leitores: As casadas andam fazendo macumba para o marido brochar quando sai com a filial. Nem o comprimido azul dá jeito. Outro costume nosso que não bate com a alma do mineiro, é o de fazer conta e amarrar a nota no rabo do veado (da roça). Nem o homem vestido de branco recebe...
Agrega-se ao fato, a bazófia de freqüentar saunas e bares da moda, onde só conta vantagem. Relata a suposta riqueza da família (sem citar a espúria) e diz que a mulher tem coleção de jóias. Como está quebrado em todas as áreas, a informação acaba caindo nas mãos de ladrões que vêm da capital para fazer a limpa na casa do baianeiro otário.
Aviso aos meus leitores: o montes-clarense (e me incluo no rol) é baianaz. Uma mistura de baiano macumbeiro com mineiro treiteiro e ferrabrás!
Se você toma o montes-clarense pela aparência, acabará comprando uma cobra criada vestida de gente da roça. Uma roupagem curraleira e enganosa. Nós somos supostamente tementes (rimou) da ira de Deus, mas carregamos no bolsinho da calça um patuá de macumba feito no gongá de Pai Didi, Afô de Ofonjá.
Por aqui, nós pitamos cigarro de palha apenas para dar tempo enquanto imaginamos a chaveta e o contra agá que praticaremos no semelhante! Enquanto picamos o fumo (de rolo), e alisamos a palha, estamos preparando um golpe certeiro.
Ninguém escapa da nossa chaveta. Quem se fizer de besta e cair no nosso engodo, na nossa conversa fiada, de que somos ricos e se deixar enganar pela nossa presença em botecos da moda, gastando o que não temos, falando em férias na Europa, vai ficar na mão do calango! Nós somos da roça, mas somos chiques...
E estamos conversados, em definitivo. Nós os filhos de Figueira e descendentes de baiano macumbeiro.


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Por Raphael Reys - 30/12/2008 15:18:15
MONUMENTO DE CONCRETO, ONDE ESTÁ O SEU CORAÇÃO?
“Crônica dedicada ao notável montes-clarense jornalista Luiz Cláudio Barbosa, (filho do nosso desportista Coró Barbosa).

Assessor do STF e mui digno leitor do nosso site”

13 de Maio de 2008. Às 11 horas desembarco na Rodoviária do Eixo, centro de Brasília-DF. Uma cidade carente de alma, afeto, de fraternidade. Essa beleza projetada pelo maior arquiteto da modernidade e erguida pelo mito JK é uma cidade vazia de sentimentos.
Nos pontos de ônibus urbanos (nome do lotação), lixo no teto, caixas de isopor em que os sobreviventes que invadiram indiscriminadamente a metrópole vendem refrigerante, água, cerveja e cachaça. Pacotes de petiscos para os asilados matarem a fome do almoço. Nas saídas da cidade, o visual é pior.
A onda de desvalidos impossibilitados de comprar o seu almoço come petiscos, bebe refrigerante. Não há um PF suculento em um boteco sujo com dois dedos de prosa com o dono. São seres desprovidos do bom da alma tropical.
O visual da população, na sua maioria mais parece o de uma sub-raça. Filhos e netos de imigrantes nordestinos, que com seus suores construíram essa que é esperada a capital do futuro, preconizada por João Bosco.
É a NOVACAP, um misto de goianos, mineiros Uai e cabras do meio-norte. Suas roupas são de péssima qualidade, os cabelos em desalinho, o tênis roto.
Vejo uma onda de seres deprimidos frutos de meio século de vida de uma metrópole que não tem uma cultura própria. Nada de folclore. De tradições.
Não há o charme próprio das pessoas, as mulheres não exprimem sensualidade típica dos trópicos. Peça uma informação a alguém e a mesma lhe será negada “com ódio”. No ponto do ônibus 617, peço orientação a oito passageiros que esperam escorados na mureta.
Todos negam conhecer a linha 617 e os seus horários. Localizo o coletivo, embarco e para minha surpresa todos os oitos viajam comigo para o ponto final. Todos negaram ajuda e compreensão a um visitante. São moradores da comunidade.
Corações despojados, ou almas defasadas com a vivência opressiva da modernidade e da impunidade. São filhos do medo? Filhos da violência imposta de cima para baixo? Seres sem esperança que vive porque vêem os outros viverem. A metrópole é o palco de uma tragédia de almas, predominantemente vazias.
Quando sento no coletivo me olham de esguelha, desconfiados. Não estão acostumados com a minha presença, naquele horário. As suas faces exprimem desprezo. Imaginam-se superiores e comportam-se como incomodados. Sou um estranho no ninho dessa cidade monumento.
A trocadora loira do coletivo JJQ 8267 das 11 e meia, mais parece uma bruxa. Descomposta, mal vestida, cabelos em desalinho. Ignora o meu pedido de confirmação do destino do veículo. Jogo duro no diálogo com ela e ela espirra alegando que perguntei por lotação e aquele é (na sua visão subjetiva) um ônibus. Daí não ter respondido!
Ela representa uma multidão de sobreviventes que trabalham para não morrer de fome. Não recebem treinamento especializado. São violados nos seus direitos, se tornam bichos urbanos.
São seres desprovidos de cultura, de laser, de entretenimento. Filhos da subjetividade subliminar das novelas, dos BBB dos programas de prêmios da TV. São incapazes de uma atitude filosófica, ou cultural.
No trajeto até Planaltina e ao longo das avenidas e dos eixos, material de construção exposta à venda pelas empresas informam da ligeireza que se constrói desordenadamente naquela urbe invadida.
Não há um apelo próprio das pessoas que aqui vivem. Mas, sim, os deserdados descompostos e os bens remunerados que passam com o nariz para cima. Apenas o fulvo ou o colorido dos egos pavônicos.
O coletivo como sempre quebra e o motorista manda os passageiros “se virarem”. Não distribuem passes livres, para compensar o trânsito dos que pagaram para chegar até os seus destinos.
Vão ficar no prejuízo!
É uma cidade de corações carentes. Uma cidade de medo, de incertezas, de impunidade, de sobrevivência, de subserviência.


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Por Raphael Reys - 27/12/2008 07:22:26
MILONGUEIRO

Din Canga, ou Din Bolero, ou Din Paiacim, era um rouxinol perdido nas chapadas do Norte de Minas! Criado na “larga” da vida, cedo aprendeu a malandragem e a sobrevivência noturnas. Aliados a isso havia a sua verve natural, o bom humor, a malícia, a habilidade em jogos de salão, cartas marcadas. Crooner de boleros e latinas. Milongueiro de pista de boate. Não foi feliz no amor, mas cultivou uma legião de amigos!
Toda alma que o Criador manda a esse mundo o faz em missão!
Como diz o trecho de uma canção portenha “cada qual com o seu cada qual” Cada um na sua!
Seattle, o grande cacique dos Cheyenes, chegou a dizer que: “não se deve julgar um homem antes de andar duas luas com as suas sandálias.” E segundo Descartes, “julgar é obsceno!”.
Din Canga varou a vida buscando conquistar o amor de Cecí, um esplendor de beleza feminina, uma distração do Criador, uma prostituta que não o aceitou como freguês e muito menos como amante.
Por ela ele bebeu rios de uísque Cavalo Branco e afinou as suas cordas vogais cantando para ela “Aurora de Flor”.
Presenciei uma mostra dessa paixão, na Boate Maracangalha em 1967. Bebíamos à noite, quando Ceci adentrou no salão do “dancing” devidamente acompanhada, num trepidante “tête a tête”!
A orquestra de Lauzinho sentiu o clima dando os acordes da música fatal. Por empatia e companheirismo, abraçado a ele, solidário com sua desdita, cantamos juntos no salão iluminado pela luz de um abajur lilás, o seu hino de paixão!
Nessa noite Din se embriagou e derramou rios de lágrimas enquanto os seus olhos orientais brilhavam na penumbra, a observar, através da cortina líquida e ácida do seu pranto, seu amor, Ceci, a dama da noite que numa mesa a um canto do salão tinha os seus lábios sugados demoradamente por um rico freguês!
Nessa mesma ocasião compreendi a falácia do homem em sua semântica libidinosa e pude então assistir, ao vivo e em cores, o terrível massacre emocional de um apaixonado ante sua musa noutros braços.
E junto com ele, no mesmo diapasão, cantamos “Aurora de Flor.”.


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Por Raphael Reys - 20/12/2008 06:41:11
PEDRIM DE ARAUJO

O matuto Norte-Mineiro é dado a fantasiar as suas narrativas conferindo às mesmas um tom policrônico e hilário. Conota aos fatos uma importância exagerada e aumenta o tamanho da narrativa. Pedrim de Araujo foi um mestre na arte do ”causo”. Embora aparentasse seriedade e severidade, era um tanto esnobe e criou escola! Essa crônica é a primeira de uma série!
Pedrim de Araujo, coronel da Guarda Nacional, quando qualquer cidadão de certo aprumo podia comprar um posto imponente na referida Guarda, foi modesto dono de um sítio, criador de porcos e algumas vaquinhas na região do Rio Pacuí, morador com ótimo prestígio na campesina cidade de Coração de Jesus, filho de tradicional família do local. Casou-se com dona Flora Lafetá, filha do emérito Conde Lafetá e se julgava, pelo nascimento e pelo casamento, muito mais importante do que realmente era.
Mas o Coronel Pedro de Araújo Abreu, um Barão de Munchausen do cerrado, notabilizou-se por ser um mestre da narrativa, valorizada pelo seu habitual bom humor, cultuador do hilário e de uma boa tirada, de repente, no auge da conversa, um intuitivo!
Além de “fazendeiro” era dono de uma bodega (uma venda, como falamos por aqui) instalada no piso de seu imóvel residencial, um belo casarão colonial no centro da pequena cidade. Dotado de uma preguiça enorme, abria o estabelecimento pela manhã, deitava no balcão, preparava e fumava seu cigarro de palha, meio adormecido, naquela madorna sertaneja. De repente, surgia um desgraçado de um freguês para perturbar sua paz e comprar rapadura. Ele dizia que não tinha, embora as rapaduras estivessem se derretendo na prateleira do estabelecimento, bem à sua frente. Diante da insistência do frustrado comprador, apontando para as rapaduras, só para não se levantar Pedrim dizia, simplesmente:
- Não é para negócio! É pro uso da casa.
Espírito inventivo, sempre prestigiando a sua tradicional preguiça, pendurava meia rapadura numa corda que ficava balançando em cima de sua cabeça. De vez em quando, tirava as duas dentaduras, as raspava na rapadura e as recolocava na boca, sorvendo, de olhos fechados àquela delícia, infinitamente melhor do à Ambrósia dos deuses do Olimpo...
Nosso herói era de tal modo diferente dos demais moradores da terra que, nos meses de frio da chapada enquanto todos vestiam blusas ele tirava a camisa e transitava com o dorso nu. Consta que tal valentia lhe valeu várias pneumonias...
Segundo ele, era tão ligeiro o seu cavalo Fenomenal, que percorria a distância de Montes Claros a Coração de Jesus, bem uns cinqüenta quilômetros, toda manhã, para comprar pão na Padaria Santo Antonio numa ida e volta que levava apenas quarenta minutos! E dizia orgulhoso:
- Flora adora o pão quentinho que lhe trago, pois até derrete a manteiga...
Cabeça feita, calmo, observador, não se esquentava com coisa alguma. As tiradas inteligentes, sempre aumentadas pela sua mitomania, que não faziam mal a ninguém, já correm mundo, levadas que foram para a Europa pelo poeta e escritor Felippe Prates, sobrinho neto de dona Flora, esposa de Pedrim, numa época em que nosso amigo viajou pelo mundo inteiro como executivo a serviço da Vale do Rio Doce.
Assim, seus relatos ganharam corpo, criaram escola e encantaram ouvintes estrangeiros sempre atentos!
Dentre outras histórias fantásticas, contava ele possuir um cavalo alazão de grande porte, puro sangue, o Fenomenal. Esse maravilhoso animal era tão exótico, que logo após a hora da morte o seu corpo desapareceu. Mas, certa noite, foi visto vagando nos Hades dantescos e levando na garupa um Exu de capa vermelha!
Muito firme em suas narrativas, Pedrim dizia que sua criação de porcos era tão grande que era vendida “por minutos”.
- Como assim, coronel?
- Quando surge algum comprador, abro a porteira do chiqueiro, os animais vão saindo e, de olho no relógio, lhe vendo, então, cinco, dez minutos de porcos, de acordo com suas posses.
- E o senhor ainda tem muitos porcos na sua fazenda?
- Ah... Tem bem umas cinco horas e meia de porcos...


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Por Raphael Reys - 15/12/2008 06:49:09
ALBUM DE FOTOS
A Sétima Arte nos encantou nos anos 50 e 60. Para nós, o cinema é como um álbum de fotografias da infância e adolescência. Vivenciamos o cinema aqui na terra de Figueira assistindo as matinês e os “trailers” dos cines Coronel Ribeiro, Montes Claros e ouvindo falar da bagunça e anarquia do pessoal do Sesé no Cine Ypiranga, na Rua Melo Viana, caminho do morro!
Levamos sustos, mas aplicávamos treitas para enganar os fiscais do Juizado de Menores: Altinim, Zé Idálio, e o pai de Maçarico que, atentos, tentavam impedir a nossa entrada nos filmes proibidos para menores de 18 anos. Logo, logo e os Lafetás trouxeram o Cine Teatro Fátima, com seu esplendor modernista.
O Cine Lafetá para o povão e o Cine São Luiz, de Marão, com o seu “Road show”, para gente fina apreciadora dos filmes de arte.
Construímos o nosso imaginário aplaudindo astros e estrelas do faroeste: Roy Rogers, Rocky Lane, John Wayne, além de Zorro e os capa e espada com Errol Flyn. Demos muitas gargalhadas graças ao Cantinflas.
Formamos a nossa libido com a boca de Brigite Bardot, as pernas de Anne Margareth e os monumentais seios de Jane Mansfield, todas elas responsáveis por festivais de “ na mano” da galera...
Muitos filmes épicos nos contaram a história do homem e de suas facetas, como o eterno Cidadão Kane, centrado na vaidade, o narcisismo e a solidão humana. Tivemos momentos mágicos com Branca de Neve e os Sete Anões, de Disney e nos encantamos com a interpretação de Judy Garland, cantando a inesquecível e maravilhosa música “Somewhere Over the Rainbow”, em o Mágico de Oz.
Sentimos medo e defluxos com O Corpo Que Cai e a Janela Indiscreta, de Hitchcock. Vivemos o romantismo de Casablanca, com Humprhey Bogart arrasando ao lado de Ingrid Bergman, (a Ilza), linda como nunca, assistimos o Encouraçado Potenkim de Eisenteins. Vimos mesmo A Regra de Ouro de Renoir, o Ouro e Maldição de Stroheins, Amarcord e A “Dolce Vita”, de Fellini.
Apreciamos O Acossado de Godard, a Paixão de Joana D`arc, de Dreyer e “Persona” de Bergman. Chegamos a assistir “Hiroshima Mon Amour” e 8 e meio de Fellini, o filme que mais demorou a chegar até Montes Claros.
No rol dos épicos assistidos vimos Teorema, Rastros de ódio, Cantando Na Chuva, Rio Bravo, Suplício de Uma Saudade, Sindicato de Ladrões, “La Nave Vá”, Vidas Amargas, O Anjo Azul, Um Lugar Ao Sol, O Processo e Era Uma Vez No Oeste.
As fitas que mais marcaram a nossa infância curraleira foram: A Última Carroça, O Último dos Mohicanos, Matar Ou Morrer, Sete Homens e Um Destino, West Side History, Ben Hur, Psicose, Dois A Dois na Eternidade.
Os Desajustados e Juventude Transviada, com James Dean, e outros tantos que excitaram a nossa imaginação sonhadora.
Antes de concluir, lembramo-nos de O Homem do Prego, O Homem do Braço de ouro, “Blow Up” e o marqueteiro Marcelino Pão e Vinho, cobra criada do Vaticano!


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Por Raphael Reys - 10/12/2008 07:08:24
O CORRETOR TRANCADO E A DAMA DE VERMELHO
Em Montes Claros acontecem coisas de que até o Criador duvida! O conhecido corretor de imóveis Zezão, (nome fictício) bom de lábia vende lote até no Sétimo Círculo do Érebro, nos Hades. Cobra mais do que criada na praça, sabedor das chavetas, dos agás e contra-agás. E para piorar para os clientes inocentes compradores trabalha (opera) de dupla.
O outro par da dupla de corretores sempre unidos é Flúvio Mancha (nome fictício) o homem do bigode siciliano e da boca torta. Esse é tão malandro que o seu celular é da marca Agapito. Ou seja, o aparelho toca de grupo, ele atende de agá e aplica no cliente ao vivo e em cores.
O Joaozão, certa feita vendia um loteamento no Brejo das Almas. Por lá ganhava as comissões e por lá gastava a bufunfa na balada e como aplicava dizendo que era sócio do loteamento, logo uma mãe desejosa em desencalhar uma filha que ficara para titia resolveu empurrar a bomba nele.
O irmão da moça pretendente aqui em MOC e à vista do corretor trancado, fazendo figura de família rica, deu um telefonema de puro agá para sua mãe no Brejo. Falando em espirais metálicas do remanejamento de uma suposta boiada de manga para manga. Vai lá o diálogo:
- Mamãe! É sobre o gado! Vou ficar aqui em MOC com Joaozão uma semana! Pega mil e põe na manga de baixo! Dois mil na manga do compadre Geraldo. Já combinei com ele. A senhora está precisando de alguma coisa? Até semana que vem!
Mil era o nome de um boi carreiro e Dois Mil, do outro boi da parelha de canga!
Aplicou, assim, essa imensa e cruel chaveta no nosso corretor preferido e por pouco ele troca alianças com o canhão do Brejo. Como o Joaozão é bicho do mato e pensa que é Ferrabrás, douta feita encheu o pandú de uísque falsificado e ficou rodando a noite pelas ruas do Brejo. Ao passar em frente a uma pensão, viu uma louraça. A potranca deu a maior bola para ele!
Chegou mais jogou o charme curraleiro em cima, falou no pé do ouvido da periquete, pegou a dita pelo meio, deu o maior cheiro no cangote, levou a potranca para o jardim e, alheio à multidão que assistia ao interlúdio quase carnal, sapecou na dita beijos mais que inflamados!
A galera sabia que a loura era uma bichona linda e rolava de rir do presépio. Ele pensava que estava abafando e dava o maior mico que o Brejo das Almas já viu! Quando finalmente chegou ao seu quarto com a loura oxigenada, tentou apalpar o monte de Vênus e tomou o maior susto da sua vida. No lugar da “Prisiguida” tinha uma tremenda cobra!...
Ele então se lembrou dos populares rindo na praça e ficou tão contundido moralmente que para desanuviar o quengo abandonou o loteamento e voltou para MOC a pé, só para se autopunir, afastando, assim, a cuanga, que segundo dizem foi macumba feita por corretores concorrentes.
A dama de vermelho era esposa de um representante de vendas da urbe, uma tremenda morena tropical, popozuda, mas ninfomaníaca. Ou seja, quando o maridão viajava a serviço, ela se arrumava toda e caia na gandaia.
Desconfiando de que podia estar levando apêndices córneos, o chifrudo fez que fosse viajar e montou campana! Logo à noite se confirmaram as suas suspeitas. Lá vinha o avião, com um vestido tomara-que-caia de seda vermelha, turbante também vermelho na cabeça, sapato Luiz XV e recendendo a Lorigan francês.
Ela subiu as escadas de uma conhecida casa de encontros. Ele, desesperado, ficou entre a cruz e a espada. Se desse escândalo perderia a parada. Contratou um policial truculento pagando dois meses de soldo ao homem para subir e trazer a dama de vermelho orelhada e debaixo de bofete.
O contratado topou, subiu, e logo logo descia trazendo uma dama de verde no tranco e no barranco! Ele atalhou dizendo: não é essa não! A minha é de vermelho! O homem respondeu: essa é a minha que encontrei lá em cima. Aguarde que eu volto para apanhar a sua!
E estamos conversados mais uma vez!



41335
Por Raphael Reys - 5/12/2008 07:10:56
MARIONA
Branca, meio azeda, sarará, cabelo esticado que nem piaçava, 1 metro e 80, mais parecendo um lutador de sumô, pele pintada qual surubim, olhos de espantada, pés tipo sapata, pescoço taurino, ombros de atleta halterofilista, nariz achatado denotando uma grande capacidade basal. Claro sinal de uma libido intensa! Seu nome, Mariona.
Dentes graúdos, busto pequeno, pontiagudo e firme. Boca grande, lábios carnudos, olhar malicioso. O jeito de andar era pesadão, ajumentado! Dava parada súbita e volvia o pescoço olhando e encarando quem a olhasse, com um surpreendente sorriso infantil, meio sem jeito. A sexualidade, entretanto era adulta!
Veio da roça para trabalhar no apartamento de Calisto, morador em cima do Banco Comércio, do qual era gerente. Lá morava o menino Bardo, codinome Bardinho, um enfant terrible, com orelhas de burro e tridente de capeta! O rebento era a mais pura assombração pueril!
Numa placa de alumínio em baixo relevo na entrada do prédio, havia as iniciais: B.C.I.M.G.S.A. (Banco Comércio Indústria de Minas Gerais Sociedade Anônima).
Zé Amorim, o filósofo de Figueira, ao ler os dizeres da placa, “decodificava”: “Brigadeiro Comeu Irmã Mulher Getúlio Sem Autorização. Em seguida, de trás prá frente: Assim Sendo Getúlio Mandou Imediatamente Capar Brigadeiro”...
Eu tinha quatorze anos e como outros meninos espertos e já iniciados na vida sexual, ficava no passeio ao lado da Loja Acaiaca, para vê-la aparecer na janela e mandar beijinhos sensuais. Como os beijos eram correspondidos, logo na seguinte tarde de domingo marcávamos o encontro num quarto alugado na rua Risério Leite, nos Morrinhos.
Embora fosse de origem roceira, Mariona gostava de dançar um belisquete e tomar um campari, de leve... Meia de fogo ficava estabanada. Aí a coisa pegava com borra! Ela tinha fisique de role de lenhador canadense, mãos enormes, dedos idem, braços musculosos, pescoço suado como de um vaqueiro no campo. Na alcova levava mais de duas horas nos jogos de amor, nas preliminares ( meio abrutalhadas), antes de entrar no “platô”, aquele período que antecede ao orgasmo feminino, propriamente dito. Tomava postura por cima do parceiro e cavalgava ao bom estilo californiano. Era preciso ter fôlego e disciplina, pois ela assumia o controle dos trabalhos e tomava conta das emoções!
Próximo ao seu apogeu genésico suas mãos grossas, Mariona levantava a colcha com o feliz e assustado parceiro dentro, mantendo-o suspenso e acompanhando, num erótico balanço, a “cavalgada” final. Aí, com os dentes cerrados, dava a sentença final: se você terminar antes de mim, eu te mato!
É... Pura inquisição, caro leitor!
Uma tarde me queixei a ela de que toda vez que ficávamos juntos eu saia da relação com a genitália riscada por alguma coisa perfuro incisiva. Para meu espanto de pequeno homem, Mariona acendeu a luz e, pela primeira vez, mostrou-me o seu clitóris intumescido, do tamanho de um dedo mínimo de adulto, duro como um espeto!
Aí, fiquei muito grilado e saltei fora dos encontros! Não dava para botar a minha radiola na jogada e encarar tanta defasagem genital, sabendo do suposto perigo...
Bardim informou-me que Mariona veio a falecer aos trinta e cinco anos de idade, com complicações cardiovasculares.
Não era para menos, pois seu esquentado coração de filha de Vênus não resistiu ao enorme desgaste provocado pelas flechadas de cupido...


41046
Por Raphael Reys - 26/11/2008 07:52:32
CORPO E ALMA DA CACHAÇA

A boa cachaça, assim como um bom scotch, tem um corpo e uma alma que os anima e para agregar o ente-alma ao produto, nada melhor do que a mão e o olho do dono...
Uma das melhores cachaças produzidas nos rincões das Minas Gerais é, sem dúvida, a Insinuante. A velha e a nova, originalmente feita na fazenda Laranja, pela empresa Itabayana Agro Pastoril Ltda. de Astério Itabayana.
Como toda boa cana produzida no lado direito do velho Chico, para os lados de Pedras de Maria da Cruz na divisa do município de São Francisco, a bebida é leve e tem buquê de terra.
O terroir, apresentando ainda e incorporada à sua tradição, o gosto de coco e tudo somente devido ao terroir que resulta da natureza do solo e lhe dar personalidade. Hoje, a cachaça Insinuante é estandardizada e engarrafada pelo empresário Marcelo Ricaldoni, de um único produtor fabricante com fazenda em Cônego Marinho , sob licença definitiva de Astério Itabayana Filho, herdeiro da marca e da tradição que envolve sua feitura.
A família Itabayana veio do estado de Sergipe, com os patriarcas avós de Astério Filho, Manoel da Mata Felix e Joséfa Olinda Oliveira, oriundos respectivamente de Itabaiana no agreste sergipano e de Propriá, localizada a margens direita do Rio São Francisco na divisa com Alagoas e possuindo larga experiência em plantio e comércio da cachaça às margens do rio. No início, a produção era comercializada em todo estado do nordeste levado pelos vapores a partir do porto de Januária e nas outras regiões de Minas Gerais e demais estados através de vários comerciantes sendo que em Montes Claros o representante, na época empresário do atacado e varejo, hoje no ramo de hotelaria nosso amigo Edmar Rocha Lessa, o Dimas.
A caninha, como é tratada na intimidade, começa a sua vida no campo com a terra sendo preparada para plantio da cana de açúcar, adubada com esterco de gado, calcário e fosfato. A irrigação sempre se faz por aspersão, à cana é colhida aos 18 meses, sempre entre junho e dezembro e, então, moída por até 18 horas. Aí, é determinado o teor do brix, que oscila entre 20 e 30 por cento.
O corte da cana é feito rente ao chão e a palha não é queimada para não se eliminar a Microbiota, um fungo vital para sua fermentação. Do alambique vai para a moenda e dessa para a dorna. Filtração, decantação, tudo vira mosto. Neste, após a filtração, já dá para sentir o aroma e degustar o sabor. Tudo isso, naturalmente, debaixo dos olhos do dono.
Ao mosto, juntam-se o nutriente natural farelo de milho e de arroz e aí se adiciona o pé de Cuba, as leveduras e os fungos, com temperatura entre 25 e 30 graus. A fermentação leva de 12 a 24 horas. O alambique é de cobre, para catalisar a oxidação dos compostos sulfurados, e tudo é aquecido a vapor, uniformemente.
Destilada a cachaça, a bebida é dividida em três partes: a cabeça (os álcoois tóxicos são retirados da destilação), que é jogada fora. O coração (que possui o corpo, a alma e a magia da cachaça) e a cauda (água fraca com os ácidos acéticos, álcoois superiores e o furfural), que também é descartada.
Aí, a bebida é colocada em tonéis de umburana (ou imburana), quando adquire um paladar refinado e, então, dorme no mínimo por um ano!
Após este longo sono nesses barris, a cachaça adquiriu as qualidades sensoriais: aroma, paladar, cor, maciez e buquê definido pela personalidade da terra ou terroir.
A cachaça se fabrica no Brasil há mais de 500 anos e o nome Januária é símbolo mundial de qualidade e verbete do Dicionário Aurélio que entre outras definições ao nome também significa caninha, cachaça, etc.etc.
Toda essa mística da produção da boa cachaça é fruto do trabalho dos fabricantes pioneiros das margens do rio São Francisco, principalmente em Januária, Pedras de Maria da Cruz e região.
O marketing do produto, confiado a profissionais, é um trabalho muito bem elaborado e de relevante importância, no qual se credita, inclusive, o nome da cachaça Havana, produzida em Salinas, hoje reconhecida mundialmente pelos finos degustadores e experts como a melhor de todas, criação do saudoso empresário Anízio Santiago, o grande incentivador da produção dessa bebida, com qualidade, em todo o nosso país. Uma garrafa da cachaça Havana, pela sua extraordinária qualidade, seu delicioso sabor e pelo competente marketing que a consagrou, é mais cara do que um litro do mais afamado uísque escocês! Aqui e na Escócia!
A boa cachaça, apreciada em todo o mundo, orgulho da região norte-mineira, é, hoje, artigo de destaque na exportação brasileira, um grande negócio de 6 bilhões de dólares.


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Por Raphael Reys - 19/11/2008 20:36:50
Festa dos sessentões

19/11/2008 - 11h23m

Nove da matina e a alegria já tomava conta da entrada da capela do Colégio Imaculada. Parecia o dia do juízo final, o reencontro de montes-clarenses, muitos dos quais não se viam há quase cinqüenta anos. O acontecimento foi tão festivo que as religiosas tiveram trabalho para conduzir os aniversariantes e convidados para os bancos, dando início à missa.

O padre Antonio Avilmar demonstrando vasta cultura doutrinária e oratória brilhantes, aliada à sua notável verve, ressaltou a emoção desse maravilhoso encontro.

Terminado o sermão, o reverendo intelectual foi aplaudido demoradamente e de pé. Paulo Henrique conduziu a cerimônia, Terezinha Jardim emprestou a sua linda voz e a escritora Ruth Tupinambá, do alto dos seus 93 anos, abrilhantaram a festa.

Virgínia de Paula e a jornalista Márcia Yellow, cuidaram das credenciais.

Quatorze horas e o salão de eventos do Parque João Alencar Ataíde, decorado pela equipe de Marilúcia Pimenta nos recebeu. Aí, a cobra fumou! Iniciamos, saboreando comida de boteco, regada a deliciosos drinques e muita cana. Deu até a Doidinha de João Barrigudo e o escritor Augusto Vieira Neto, o nosso muito querido Bala Doce, surgiu abraçado a uma garrafa de pinga que ganhou de presente da família Maurício.

Nenzão Maurício, Piculino e o cineasta Paulo Henrique foram impecáveis mestres de cerimônia e ótimos organizadores. A pista de dança esteve sob a coordenação da equipe do notável Chico Ornellas. Como o tempo estava chuvoso e abafado, os grandes ventiladores espargiam gotas dágua em cima da galera. Novamente reencontros, abraços e muitas lágrimas. Velhos amigos, velhos amores, corações disparados, novamente...

Muita pose para as fotos que serão eternas lembranças. Grupos se formavam, se dissolviam e formavam outros. Emoções, vibrações, porre de gole! Nenzão apresentou todo mundo a todos e cada um falou bonito. Aí, Ornellas soltou os cachorros com uma inspirada seleção de rock e twist dos anos 60 e o salão fervilhou de pares dançando, como num “nigth club” da Broadway. Pegou com borra, e como pegou!

Pequenos ciúmes de alguns cônjuges aconteceram em razão de antigos pares, protagonistas de velhos amores (todos eternos enquanto duraram...) que se abraçavam saudosos e, agora, apenas fraternalmente... Haroldo Cabaré e Paulo Henrique cantaram bossa nova, incendiando corações. Arrasaram! Aí, chegou à hora do tango e, na pista, passionais milongueiros de ontem, brilharam... Corpos que se buscavam em fortes amplexos, muitas efusões na confusão das emoções que buscavam, inconscientemente, quem sabe antigas libidos...

E para não dizer que não falei de flores, no calor do gole houve quem ameaçasse fazer um “strip tease”, que ficou só na ameaça, apesar da grande expectativa! Bem que havia um desfile de lindas e conservadas sessentonas, de dar água na boca...

Duas grandes turmas vieram. Os Biondi de Salvador e os Maurícios de Brasília-DF.

A noite era de festa e prevaleceu a fraternidade e a alegria. Aí, tome música de boate e a pista virou um delírio de emoções. Os notáveis Genival Tourinho e o editor do Hoje em Dia, o jornalista Carlos Linderberg elevaram o nível da festa, com palavras bem colocadas, numa alegria crescente, com muitas gargalhadas.

Foram agendadas novas comemorações, convites de aniversários e, desde já, a grande festa dos sessentões no ano 2018. Quem viver, verá! A emoção tomou conta dos presentes e alguns não resistiram e choraram de felicidade nesse desfile das recordações. Geraldo Carne Preta derramou copiosas lágrimas, revendo os amigos de infância, hoje famosos.

O hilário dos reencontros e das despedidas foram devida e demoradamente fotografados e filmados. O arquiteto Cascão, como sempre, botou fogo nos que estavam chorando incentivando-os a chorarem mais ainda. Carlos Lindenberg rolou de tanto rir e clicou tudo para a posteridade.

Foi uma linda festa, inesquecível!


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Por Raphael Reys - 15/11/2008 07:21:59
O BARÃO DOS MONTES CLAROS

Nariz adunco, rosto afilado, cabeleira de lorde, estatura média, esguio, imberbe. Estando parado parecia um Capo nova-iorquino, atrás de um sorriso sátiro, próprio dos sagitarianos. Um tipo característico dos habitantes do norte da Itália. Nascido em Formigas, em 20/11/1927.
Este era Ururaí Filpi, um elegante cavalheiro, montes-clarense de criação e coração. Cedo aprendemos a ter a sua amizade e a chamá-lo de Barão. Gesto comedido, simétrico, articulava as palavras intercalando o jogo de cena como um ator de estúdio. No fundo não gostava do seu primeiro nome. Dizia ser nome de índio.
Olhar penetrante, escondido atrás da sua sobrancelha cheia ao estilo sátiro. Tinha a alegria de viver, viajou pelo mundo, conhecia aos segredos da sobrevivência e a psicologia das pessoas. Antevia intuitivamente a reação do interlocutor.
Hábil jogador, mestre do pano verde, da ficha e da mesa de campista. Era um campeão no pôquer! Fez história em rodadas pelas noites montes-clarenses e das grandes metrópoles, onde impunha respeito pelo seu porte e por suas habilidades naturais.
Como parceiros habituais na terra de Figueira, Maroto, Nenên Trindade, Vicente, Belarmina e Preta Reis.
Quando jogava apostado, era uma águia, intuitivo, dobrava a aposta sempre confiando no taco e na sorte! Quando os demais parceiros de mesa iam buscar farinha e ases, ele vinha trazendo trinca de rei, dama ou valete, com farinha Morro Alto! Era tiro e queda!
De paixão, teve uma com a Paloma. Paixão contemplativa, platônica, pela loura escultural da boate Papillon. Pura contemplação táctica pelo visual sofisticado da dama da noite. Fumaça de amor bandido! Amores efêmeros, chamas temporárias de prazer.
Bom de prosa, falava da noite, dos prazeres de bon vivant, dos amigos diletantes, do pano verde, das alcovas, da elegância e afirmava que o trabalho puro e simples endurecia o homem. Confirmava, com sua prosa, o dito de Borges: os soldados que estão para entrar na batalha, falam do barro ou do sargento.
Vestia com tal capricho e esmero que chamava a atenção por onde passava mesmo nas grandes metrópoles, onde aventurava um terno tropical inglês, camisa de seda importada, cinto, chapéu e sapatos sempre combinando, e uma bengala com cabo de baquelita, beije. Ou seja: um autêntico dandi.
Não era santo de pedra sabão e nem querubim banhado a ouro, quando esnobava, dava baforada em um elegante charuto Havana puro, ou mesmo um Bahia tipo exportação. Perfume usava o Lorigan ou o Nuit de Noel, um saudosista clássico! Chegava ao requinte de vestir uma capa de gabardine raglante por cima do terno.
Sabia entrar e sair de todos os lugares, um bem chegado era um afortunado, dotado da buena dicha cigana, tinha os bolsos sempre abarrotados de grana. Carregava o pacurú de cédulas preso entre o cós da calça e a barriga. Com a ponta da camisa posta para fora, camuflando.
Sempre se dava bem com as mulheres, as dominava mesmo, pois era um conhecedor da psicologia e dos humores cíclicos femininos. Sabia da mística auditivo-cerebral da mulher, conhecia o seu lado anjo e demônio. E como era adepto da filosofia Balzaquiana, repetia o dito do mestre:
As mulheres amam, por exigência, as contradições, as incoerências e os maus sujeitos.
Daí, sempre se postou ao lado delas, como um lobo mau, de boca enorme, implacável! Virou lenda!


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Por Raphael Reys - 8/11/2008 06:46:04
A PENHORA DO CACHORRO E OUTRAS HISTÓRIAS
Esta terra de Figueira tem em seus filhos de nascimento e de coração tipos exóticos. Conforme filosofa Geraldo Mundial: o mundo é composto. Tem que ter de tudo e, Dante completa, relatando: que cada um se avenha com o seu pecado!
Cidade pólo da região Norte de Minas, Montes Claros conta entre seus tipos folclóricos com os banqueiros informais, também conhecidos popularmente como agiotas. A sabedoria popular relata de forma hilária a atuação dos mesmos no exercício da profissão. Chamam os mesmos de coração de pedra, carrascos, unha de fome, fuinhas e outros adjetivos desagradáveis.
Um deles ia diariamente à casa de um devedor para cobrar os juros, em pequenas parcelas, já que o principal houvera sido resgatado. O devedor se desfizera de todos os móveis e utensílios da casa para fazer jus a esse ressarcimento diário. Como chegou ao auge da penúria, a sua cachorrinha de estimação era só o couro e o osso, de pura inanição!
O “cash man” chegou, como de costume, para a cobrantina, dessa vez exigindo o pagamento total do atrasado. O devedor abriu as portas da casa para mostrar que só havia sobrado a cachorrinha amarrada no quintal do barraco. Ofereceu a mesma como pagamento do débito.
O agiota entrou e constatou a veracidade dos argumentos e ao ver a cadela magérrima, recusou-a e exigiu outros bens quaisquer, como paga. O devedor argumentou que só tinha a sua mulher, que estava deitada numa esteira, no chão do quarto. O banqueiro popular foi até o quarto, verificou a oferta e voltou cabisbaixo com o que viu.
E para concluir em definitivo o ressarcimento, sentenciou: vou levar a cachorra mesmo!
Douta feita, o homem estava no Bar do Edson, na Praça Doutor Carlos, no centro. Um invejoso o vendo como sempre mal vestido e com roupas rasgadas, falou: Você, um homem milionário e vestindo roupa rasgada! Tome jeito e compre roupas novas! Os seus filhos andam todos no maior luxo!
O “cash man”, todo relax, respondeu sem mudar a inflexão da voz: eles andam bem vestidos porque têm pai rico! Não é o meu caso, pois nasci pobre, de pai e mãe pobres e não tenho privilégios.
Abordado certa feita na Galeria Ciosa, por um devedor executado e do qual tomara a casa, o mesmo estando descontrolado, pois fora abandonado pela mulher após o infausto acontecimento, aos gritos avançou sobre o agiota, agredindo-o e rasgando a sua camisa. Foi contido por populares.
O irado executado gritava a todos os pulmões: “rasguei a camisa dele!” Tranqüilo, numa “nice”, respondeu a “vítima”: “rasgou minha camisa, mas perdeu a sua casa de morada...”
Outro agiota, em 1962, especializado em bairro pobre, buscava receber vinte cruzeiros de um seu compadre também morador e vizinho, nos ermos dos matos entre a Vila Brasília e o bairro Santos Reis. O devedor vivia de pequenas criações e da cata de mangas e pequis.
Como estava sem arranjar serviço, sabedor que o compadre credor era caído por sua mulher, uma bela morena roliça, propôs dá-la em pagamento, com aquiescência da mesma, para saldar o débito. O negócio foi feito por acordo das partes e o devedor ficou com a mulher do credor, na catira batida.
Recebeu ainda, como volta, cinqüenta cruzeiros, uma porca parida e um canivete Corneta na bainha, dado à plena satisfação do credor com a dupla transação: no bolso e na cama...... O delegado Miguel Abdo tomou conhecimento da catira por denúncia de um vizinho das partes, que ficara invejoso.
Infelizmente, uma negociação tão original deu para trás, pois, em diligência, a autoridade foi até o local e anulou tudo, alegando “moralidade pública”...


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Por Raphael Reys - 5/11/2008 07:30:53
DUAS DO QUINTAL, DUAS DE JOANIR.

Diz-nos o sábio Aristóteles que a felicidade é uma das conseqüências de se evitar todo excesso. Por isso é que o cronista, quase sempre, escreve sobre pequenos nadas que formam o todo da vida. O cronista, segundo o escritor e poeta Felippe Prates, é um operário das amenidades, um pinçador de acontecimentos leves, epidérmicos, que do cotidiano extrai o material para suas crônicas.
Ênio, proprietário do Restaurante quintal, se gabava de ter em estoque pra mais de duzentos tipos de cachaça com folhas e raízes. Cada uma, organizadamente identificada com o seu rótulo, para a boa informação e a serventia do usuário. Tinha cachaça para curar todo tipo de desgosto e até para mal de bêbado!
Pau Barbado, Pau Preto, para dor de cabeça, curar chifre, levantar o ânimo (esse, também!) e até a Sete Folhas, usada para os que gostassem de viajar no rumo de Maraquesh...
Tico Lopes passava normalmente pela rua e o Ênio o levou para dentro do seu estabelecimento para experimentar uma nova mistura. Papo vai papo vem, dose vai dose vem e, Tico encheu a cara e foi para casa escornado! Dia seguinte acordou soluçando e foi se queixar ao Ênio.
Ao verificar a cachaça que tomou no dia anterior estava escrito no rótulo: Para curar soluço!
O Conservatório Lorenzo Fernandes promoveu um encontro de diretores de conservatórios. Tico Lopes, encarregado de ciceronear os visitantes ilustres, encheu o quengo de cachaça e resolveu levar os convidas para almoçarem no Restaurante Quinta. Telefonou na última hora avisando que já estava indo com quarenta convidados!
O Ênio deu o grito dizendo não ter sido avisado antes e não dava mais tempo àquelas horas de fazer as compras e preparar tudo. Já era quase meio dia. Tico levou os convidados assim mesmo e lá chegando encontraram o restaurante fechado, com um incrível cartaz pregado à porta: “Fechado para almoço!”.
Um cidadão visitante na cidade tomava um café degustando um pastel curraleiro no Café Galo, ocasião em que contando vantagem, exibia uma gravura de um cogumelo de mais de metro de altura alegando tê-lo visto ao vivo na Holanda, em viagem recente àquele país.
Joanir Maurício que também bebia um cafezinho no famoso “point”, falou que em sua fazenda tinha cogumelo de dois metros. Estabelecida a discussão sobre a veracidade dos fatos, Joanir foi à sua casa e logo trouxe uma foto na qual se encontrava deitado em cima de um cogumelo de mais de dois metros de altura!
Certa feita, Marcolino conversava na Praça Doutor Carlos sobre pássaros. Falava a um interlocutor que tinha em sua casa um pássaro preto albino, ou seja, um pássaro preto branco. Logo ajuntou gente, uns duvidando outros acreditando e o Marcolino já estava quase passando como mentiroso, quando viu Joanir vindo em sua direção. Confiante na intuição do homem que era terrível, Marcolino chama Joanir e pede a confirmação de sua história do pássaro preto branco. Joanir sem perder a pose confirmou: tem sim! Pois fui eu que dei a ele o pássaro preto branco de presente!
E estamos conversados mais uma vez! Nós somos da roça, mas somos chiques! Uma feliz mistura de baiano macumbeiro com mineiro treiteiro!

Nós somos os famosos baianeiros, irmãozinho...


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Por Raphael Reys - 30/10/2008 08:15:31
ALGUMAS DO BROCA

Relata Keats que: o poeta deve dar poesias como as árvores dão folhas e acrescento quer o jogador de futebol, se artista da pelota, deve fazer presepadas, naturalmente. No, livro Oitavo das Ciências lê-se: os deuses tecem infortúnios para que as futuras gerações não faltem o que contar. Conto-lhes, pois, algumas histórias do Broca, o glorioso Ateneu, nos bons tempos de Dona Albertina.
Humberto Xerife ainda era rapazinho, Milton Ramos o poderoso cartola do time, Bichara o maior cabeceador de defesa e seu Manoel do Ateneu vestia a camisa alvinegra. Gildásio estava no auge e o Broca foi jogar contra a Seleção de São João da Ponte, formada de jogadores do Grêmio e do Cojutaba.
João Carinha foi tirado da cachaça que bebia e contratado como juiz. Chegou capengando, se balançando todo de um lado para outro e, com a ousadia inspirada na fubuia, foi logo apitando um pênalti contra a seleção local. Acontece que o goleiro defendeu o pênalti, encaixando a bola junto ao peito, para delírio da torcida. Mas, um leitãozinho que estava dormindo em um tufo de grama ao lado da trave, com a barulheira saiu correndo e entrou dentro do gol. Como o leitãozinho era da cor da bola, Carinha com a cara cheia de cana, enxergando o que não devia, achou que era a bola que tinha entrado e apitou marcando o gol, liquidando a seleção de São João da Ponte no minuto final!
À noite, já tendo tomado banho, curado a ressaca e passado o medo de taca, pois saiu do campo protegido pela PM, tomava uma fresca na porta da pensão, quando um baita de um negão torcedor fanático do São João da Ponte, fulo de ódio pelo tremendo roubo cometido contra o seu time, buscava uma vingança.
Não reconhecendo o Carinha, pois o mesmo estava disfarçado de capiau, com chapéu de palha, botina e roupa rasgada, o torcedor local foi logo perguntando: você viu aquele juiz manco que roubou do São João da Ponte? Carinha, que é malandro velho, respondeu na bucha: Ele se mandou de carona para Montes Claros...
Já o conhecido Luizão, gente boa dos Montes Claros, torcedor emérito do Galo, alto, corpulento, barrigudo, barulhento, espavorecido, voz de taquara rachada, acompanhava a comitiva do Ateneu que foi jogar contra o Ipiranga de Manhuaçú. O Broca ganhou pelo escore de 1 x 0, quando o cartola do time, o conhecido “cash man” Zezé, que estava presente nas comemorações da vitória, ouviu Luizão, para puxar o seu saco, falar alto e em bom som: foi na “gestação” de Zezé que o Ateneu teve e está tendo a sua melhor fase!
Essa não é fácil nem para a galera do meu Vascão! O cordão dos puxa saco cada vez aumentando mais!
Como nem só de graça e de presepada vive a história futebolística do Ateneu, Brant, na direção do time, levou a meninada para jogar um amistoso com o Pará de Minas, naquela cidade. Indo à frente, para as providências iniciais, como hospedagem e reconhecimento do campo, deparou-se com o saudoso Milton Ramos, antigo cartola e treinador do Ateneu, nos bons tempos dos anos 50 e 60.
Vestindo garbosamente a camisa alvinegra, foi até a sede do clube da terra para prestigiar o antigo técnico do Ateneu. Lá chegando, Milton Ramos ao ver as cores do Ateneu se esvaiu em lágrimas. Não agüentou segurar a barra da emoção e nem conseguiu falar aos jogadores. Brant tomou a palavra, fez a apresentação, falou bonito enaltecendo o antigo técnico do Broca.
Já o goleiro Trator, só jogava usando uma touca de malha na cabeça. Em uma disputa de campeonato, a partida já para terminar, o escorre era um x um, com a torcida do Ateneu rezando aos Orixás de dona Afra, quando o Ateneu cometeu um pênalti.
A arquibancada chorou ante a perspectiva de perder o campeonato com aquela falta! Trator não se intimidou e arregalou os olhos. O adversário bateu o pênalti, Trator defendeu abraçando a pelota. No pulo que deu, o seu gorro caiu dentro da rede. Por desinformação ou ingenuidade, acreditando que, com o pênalti defendido tinha matado o lance, abraçado com a bola entrou dentro do gol para apanhar a touca.
Foi a vaca pro brejo, pois o juiz, atento, marcou corretamente, de acordo com a regra, o segundo gol para as cores adversárias e o Ateneu perdeu o jogo.
Não teve coré coré, minha gente! Gol é gol aqui e na Cochinchina...



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Por Raphael Reys - 24/10/2008 06:43:59
SEM NOS CONSULTAR

Ontem, 22/10/2008, o Criador de todos nós, sem nos consultar pedindo a permissão levou para o seu lado direito o nosso poeta e escritor Reivaldo Canela. Houvéssemos sido ouvidos, certamente não teríamos concordado com a transferência do nosso bardo por razões emocionais.
Aguardávamos a publicação do seu segundo livro de crônicas, causos e poemas esperando que não fosse o último. O Menino Pescador foi o seu canto do cisne.
Reivaldo viveu como um pássaro da campina. Livre e apegado somente às coisas simples, como a família, os amigos, os colegas de infância, os compadres para dois dedos de prosa, os colegas de pescaria, seu universo e seu contato com a natureza. Imbatível como profissional da advocacia, uma águia forense. Um discípulo de Sólon.
Fez assim como o canto de Roberto Carlos, uma multidão de amigos. No velório, o criminalista Antonio Adenilson mostrou-me com visível contentamento um bilhete que recebeu de Reivaldo no início de sua carreira. O papel amarelo falava de incentivo e transcrevia a amizade. Adenilson o carrega dentro do seu porta notas.
Disse uma vez para Reivaldo que ele era um simplista com a veia Whitmiana. Buscava nas pequenas coisas e nos pequenos nadas da vida a sustentabilidade da alma. Aprendeu instintivamente a ser amigo de todos a se doar e dar uma palavra de apoio a quem dele necessitasse. Mesmo um afeto!
Talvez esse vate catrumano tenha descoberto os segredos da vida! Deus-Pai quando manda uma alma a este mundo, o faz em missão! A do nosso Reivaldo era a de ser sempre um afeto ambulante.
Era um iniciado nos mistérios da Cabala? Não, uma simples alma de um poeta que aprendeu cedo a viver e a lidar com a eternidade dentro de si.
Muito embora não tivesse a oportunidade de uma longa vivência com ele, em uma tarde ele se desnudou aos meus olhos, Parou-me na rua e me falou da saudade que tinha das prosas com meu saudoso pai, na nossa fazenda em Lagoinha.
Relatou-me as manhãs de domingo nos anos 60 que por lá passava nos visitando, proseando com meu pai, contando causos e comendo sonhos recheados que a minha mãe fazia com café bem quente Os seus olhos marejaram lágrimas! A emoção de um momento vivido. Um pequeno nada que representa o todo da vida!
Que Deu-Pai o tenha ao seu lado nobre atirador de poemas!


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Por Raphael Reys - 22/10/2008 07:16:54
O ANEL DO TURCO

Montes Claros, 1967, rua Presidente Vargas, centro comercial, Sinucão do Augustão, prédio da antiga loja Ramos e Cia.
Desde as 10 da matina no ambiente pululavam jogadores de baralho, de sinuca, de vida, sapos, palpiteiros, apostadores, coletores de aposta, ponteiros do jogo do bicho, informantes de polícia, agiotas, comerciantes, notívagos e outros componentes do baixo universo interiorano.
Turquinho, conhecido e falado bookmaker, apostava até em corrida de mosquito! Cobra mais do que criada nesse mundo de meu Deus, mestre de agá e contra-agá.
Certa tarde, dois ciganos passam pela rua Simeão Ribeiro no Quarteirão do Povo. Eram oriundos do acampamento que ficava instalado na rua Ray Kristoff e eventualmente promoviam festas típicas. Vendiam tachos de cobre.
Da janela do salão de sinuca o atacadista Jabur notou os ciganos e desafiou o Turquinho a provar a sua esperteza, enganando os gitanos.Era um desafio considerável e Turquinho topou na hora. Foram casadas as apostas na mão de Geraldo Monte Azul, o gerente da casa.
Turquinho abordou a dupla e contou uma história de mãe doente em São Paulo. Mostrou um grosso anel de ouro e propôs a venda por preço reduzido. Os ciganos cresceram o olho em cima e compraram o anel, já antecipadamente trocado por um similar falso, pelo esperto, enquanto conversavam.
Turquinho sempre trazia vários anéis na algibeira da calça, e os usava para enganar os otários!
Dia seguinte, da janela do salão a galera observava os dois ciganos enganados a procurar um turco do bigode, como diziam. Vieram para lavar a honra maculada por aquele malandro tupiniquim!
Jabur apostou cinco contra um desafiando o Turquinho a tapear pela segunda vez os mesmos ciganos, já anteriormente enganados.
Choveram apostas de todos os lados! Turquinho topou todas. Ato contínuo instruiu ao Maçarico, uma cobra criada da casa e o enviou a conversar com os ciganos, aplicando o agá.
Maçarico, experto que nem coelho, disse às vítimas que o cidadão chamado Turquinho passaria por ali dentro de instantes, era só aguardar. Em complemento, informou que o mesmo carregava no porta cédulas um anel de brilhante surrupiado da mãe e que o equivalente hoje a 10 mil reais.
Ao verem passar o enganador, os ciganos o apertaram contra a parede, lhe tomaram o falso anel de brilhante e, para não deixar o Turquinho na pior, deram a ele 2 mil reais de lambuja, mandando-o gramar o beco. Estava dado o segundo golpe, nas mesmas vítimas!
No dia seguinte, toda a família do acampamento cigano surgiu na rua Simeão Ribeiro caçando o Turquinho para lavar a honra da tribo ofendida! Da janela do Sinucão, a galera deitava e rolava de rir da situação vexatória, e aplaudiam o Turquinho, que embolsou farta quantia em dinheiro vivo.
Emmanuel Pinto que a tudo assistiu, confidenciou: esse turco não é cria desse mundo!


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Por Raphael Reys - 17/10/2008 06:42:19
DUAS DE PARAQUEDAS E DUAS DE BAIANEZ.
Maroto, notório chofer de praça com seu Odsmobile preto, trabalhou na cidade de 1940 a 1990. Era também piloto de aeronaves, notívago e Don Juan tupiniquim. Tinha um Teco-Teco amarelo com o qual cruzava os céus de Figueira.
Certa feita foi às Alterosas e trouxe o famoso pára-quedista Ricardo, um galã para fazer o primeiro salto sobre Montes Claros. O fato foi anunciado pelos quatro costados da urbe. No domingo marcado para o “show”, a população lotou o aeroporto local.
A bruxa, entretanto, estava solta e quando houve o lançamento do pára-quedista um forte vento com redemoinho o arrastou para uma mata próxima. Uma pequena multidão de afoitos e campesinos locais correu para prestar socorro ao “homem show” e como não conheciam o local, nove deles caíram dentro de uma cisterna abandonada. O pára-quedista se salvou, mas nenhum curioso escapou com vida!
Já em 1957, época da comemoração do Centenário da cidade, um avião Hércules da Força Aérea, com pára-quedistas, sob o comando do Tenente Álvaro, veio abrilhantar as nossas comemorações. A população delirava com a perspectiva do “show” e feitos os lançamentos novamente o vento do Romãozinho levou os pára-quedistas para longe.
Foram cair na chácara de Joaquim Costa, onde hoje fica o Bairro Santo Inácio. Enroscaram-se no bananal existente no local e foram encontrados todos besuntados de banana amassada...
Leônidas Lino, notório halterofilista com academia montada ao lado do campo do Ateneu, cheio de valentia e bazófia, por ter proteção de políticos para os quais prestava serviço de quebra-faca, costumava bagunçar nos lupanares após se encharcar de gole.
Certa tarde chegou ao Bar Maravilhoso, “point” central dos cabarés de outrora em pleno centro da urbe. Lá bebia e abafava um estranho recém chegado, vestindo terno de linho branco, sapato furadinho no bico, lenço de seda no bolso do paletó, abotoaduras e prendedor de gravatas de ouro. Estava com a mesa cheia das melhores e mais apetitosas mariposas da noite.
Leônidas chegou e logo enciumou em cima do galã baiano, recendendo a perfume “Nuit de Noel”. Beirou o homem, mexeu, desacatou, chamou para a briga. O dândi baiano se vendo pressionado pediu um cabide. Pendurou a camisa de seda, paletó e gravata. Tirou os adereços de ouro, o sapato de pelica e foi para fora para encarar a briga.
Aplicou dois rabos de arraia no nosso Leônidas e o botou de cara no chão. Ficaram só as bolotas dos olhos brilhando, o resto se encharcou de pó. Ao se levantar, recebeu mais duas chaves de pernas no pescoço e capotou em definitivo no solo tupiniquim!
O segundo coro aconteceu no Parque de Diversões instalado nos lotes vagos de Pedro Paulino, na rua General Carneiro, no bairro Morrinhos. Corria farta jogatina nas barracas ali instaladas e as cobras criadas da casa depenavam a população que se divertia arriscando um troco!
Chega um caboclo moreno, mal vestido, de sandálias de tiras, jeito de roceiro. Na verdade, era um baianinho, cobra criada no Recife e Fortaleza onde quebrava qualquer banca de apostas. Conhecia todas as treitas e roubos em jogos de azar! Como começou a ganhar sem parar, os donos da espelunca chamaram os policiais a paisano, que davam segurança à noite.
Detido sob falsa acusação, o baianinho, uma cobra criada, sabia o que o esperava e deu uma de sofredor abrindo o barreiro e pedindo à população para socorrê-lo. Flechou de gente em cima, atendendo aos gritos de desespero do pequeno homem que vendo seus braços soltos baixou a capoeira e deu a maior sova na dupla!
Ai choveu amarra-cachorros, puxa-sacos, cupinchas, mas não deu nem para começar. O homem era uma autêntica cobra da vida. Deu muita pernada, distribuiu porrada a valer e, logo após, saiu correndo como uma ventania sem que ninguém o alcançasse.


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Por Raphael Reys - 10/10/2008 08:19:20
ASPONES
Sigla nascida coerente com a globalidade em que vivemos, neste mundo grande, tolo e impelido por mecanismos da propaganda tendenciosa e dirigida, numa guerra subliminar. A coisa já atingiu um grau quase insuportável! Aqui nos Montes Claros, onde a política e suas variações sempre foram o boom, o assusto preferido, um verdadeiro fogo cruzado de informações.
Com a sempre crescente caça ao voto dos indecisos, os candidatos se vêem na corda bamba. Quando no poder, os políticos vivem a dar emprego a aqueles em que não se pode dizer um não. Criam para isso os cargos fictícios e bem remunerados, agasalhando Aspones (Assessores de P.... Nenhuma).
Os Aspones abundam nos points onde se respira política. Um desses pontos é o freqüentado Café Galo. Fincado nas confluências da Rua Simeão Ribeiro (Quarteirão do Povo), com a rua Presidente Vargas, em pleno centro nervoso, comercial, financeiro e político da nossa urbe. Aqui, o telefone não pára de tocar! Jadir, o proprietário recebe a ligação em primeira mão o que tem de melhor como novidade.
Além das notícias políticas, aparecem às financeiras, os óbitos (Sessão dos de cujus), os pendurados na CTI, da rede hospitalar local. A casa esta sempre cheia de autoridades, políticos de todos os escalões, locais, estaduais e nacionais, daí ser chamado de Senadinho do Jadir.
Aqui, é ponto obrigatório de todos os políticos e autoridades que visitam a cidade, olheiro, informantes de pesquisa, jornalistas, repórteres, fotógrafos, apostadores em resultado de eleição, de futebol, cash men, curiosos. Dentro da fauna que freqüenta o badalado café, não poderiam faltar os Aspones.
O marketing político monumental envolve enorme recurso de material, financeiro, psicológico, além da dramaturgia dos cabos eleitorais. Uma das maiores obras escritas da Era Contemporânea é, sem dúvida, A Divina Comédia, de Dante Alleghieri. Uma obra marqueteira escrita pelos inimigos políticos do Papa, da época para enfraquecê-lo.
Por aqui, os Aspones não deixam por menos! O Café Galo é o lugar perfeito para o lançamento de um balão ensaio e dar início a alguma ação de guerra sublinear os Aspones inventam de tudo, citando o resultado de possíveis pesquisas de opinião. Tomam um cafezinho com um pastel curraleiro e aproveitam para mostrar as pesquisas, muito bem elaboradas no papel. Inclusive copias de e-mails supostamente recebidos da direção dos partidos, tudo no maior agamenon!
É o agá do agá! Ou seja, o contra-agá!
A pedido do empresário Mauro, relato aqui as informações que recebi dele, que as recebeu de terceiros. Dentre os apresentadores de pesquisa diária, cada um tem a sua preferência, a do patrão que lhe paga...
Ao assessor político Pancho Silveira, se atribui à direção do Instituto Data Pancho. O ilustre funcionário público municipal e empresário nos ramos de guloseimas e coisas doces, Altamiro, o popular Tatu, conhecido como diretor do VOX TATU. E para finalizar o próprio empresário e lobista político Jadir divulga o seu IBOPE GALO.
Isso, sem contar a presença de olheiros como Luisão Atleticano, Maçarico Santiago, parentes, puxa-sacos, amigos e aderentes dos candidatos. Uns a vereador que já estão prestes a jogar pedra, de tão doidos que estão para serem eleitos...
E para encerrar esta crônica aproveito para lembrar aos meus bons e fiéis leitores da terra de Figueira e adjacências tupiniquins, o perfil apresentado e o perfil verdadeiro de alguns políticos conhecidos nacionalmente. Apenas como ilustração do que é capaz o marketing político.
Um notório deputado fluminense, conhecido como O Homem da Capa Preta ou O Homem da Metralhadora Lurdinha, vendia a imagem de valente e mau, mas na verdade era um tremendo embusteiro. Puro teatro! Um ex governador do Rio de Janeiro impressionava a todos pela sua eloqüência, falava como um estadista e na verdade era só um oportunista que pisava até no cadáver da mãe como fez com o próprio pai.
Um ex governador de Minas Gerais, um santinho do pau oco que se deu mal ante a macumba de uma família maranhense. Despacharam o homem via Ebó, na África, com o serviço de primeira. E por fim, um ex Presidente e ditador, um populista que imitava a oratória e a gesticulação de De Gaulle, um fanfarrão mulherengo amante da Virgínia Lane e pau mandado do Pentágono.
E estamos conversados, por hoje.


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Por Raphael Reys - 6/10/2008 06:33:48
MESTRE BENVINDO

Certo como dois e dois são quatro, assim era o mestre Benvindo. Bom homem no modelo antigo, habitante e cidadão da valente São João da Ponte, gente vinda do Condado. Embora uma fortaleza de pessoa e de palavra era um ser temente à ira divina!
Nascido no tempo das brabezas quando homem que era macho usava uma garrucha 380, munição não faltava, um canivete Corneta no currião, um naco de palha tenra no bolso traseiro da calça, para o paieiro com fumo sergipano, e na bainha um bom facão Kolynos, preparado para dar pano no lombo de vagabundo.
Honesto ao extremo, penhor da palavra dada, a sua valia era o fio do bigode. Trabalhou duro de sol a sol por toda uma vida na roça, ajuntou dinheiro, ficou rico com propriedades e nos comércios. Adulto e casado com dona Noélia, tinham padaria, pensão, comércio, bar na cidade. Uma grande criação de porcos na fazenda, um caminhão Internacional cara chata, com o qual transportava porcos, bois e fazia frete por contrato. Como tinha o temperamento súbito e roncante, se expressava de forma emocional e epidérmica. Quando falava, parecia um trovão a derrubar a casa!
Certa tarde, transportava uma porcada no caminhão, quando ouviu um estalo e o carro parou. Pediu ao Benvininho para descer e verificar o que acontecera. Benvininho logo falou: o semi-eixo quebrou! Irritado, mestre Benvindo saiu da boléia com o 38 em punho e vociferou para o caminhão como um ente: Vira um homem para eu encher sua boca de bala!
Quando o estresse o pegava, ou a fronteira da sua razão batia em algum costado de moralidade, mestre Benvindo se recolhia à sua torre de marfim, o salão do seu boteco com portas fechadas e luz apagada. Não sem antes levar uma boa garrafa de Insinuante, para amolecer o quengo. Instruía aos de casa para não atender à porta do bar.
Passada a tempestade, mestre Benvindo voltava aos afazeres com o seu atávico curraleiro, seus dogmas e preconceitos de homem da roça. Não entendia a modernidade do mundo, pois fora criado campesino e sertanejo. Era um forte! Todos os que o cercavam sabiam que ele não despachava para o bispo. Sua missa era de corpo presente. Em alto e bom som!
Certa noite mergulhado em sua bistunta, a garrafa de Insinuante quase no fim, portas e janelas fechadas, candeeiro apagado, só se ouvia o estalido dos lábios sorvendo a boa pinga e o barulho de algum animal noturno. Súbito alguém bateu à porta do bar com grande voz e estardalhaço!
O chegante tanto batia como gritava e os entes de dentro, em silêncio. Dona Noélia já incomodada foi pedir ao mestre Benvindo que atendesse. Podia ser alguma urgência! Benvindo colocou as alpercatas no escuro, pois o querosene do candeeiro já se esgotara, arrolhou a garrafa e se dirigiu à porta.
No trajeto, meteu o cano do osso da canela na quina de madeira do caixão de cereais. Logo saiu o primeiro impropério e a primeira danação! De dentro do bar, encolhido de dor fez a pergunta: Quem é que chama com esse barulho danado!
O interlocutor pigarreando respondeu: “Geraldo do Condado que vem avisar que o seu compadre João morreu”!”“ Morreu de que?”“ suicidou!”“ suicidou como?” “ tomou formicida” “ e qual foi à marca do formicida?” “ Tatu!” “ quem pé que mandou esse F.D.P. tomar logo Tatu. Tatu não alisa!” “ Podia ter dado um tiro no quengo! Já que sabia que Tatu não alisa e ia tomar, deveria ter deixado querosene para a lamparina de quem fosse avisar os amigos!”
E estamos conversados mais uma vez!


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Por Raphael Reys - 2/10/2008 06:38:43
ONOFRE CARNE PRETA, SALES PRETO, JARBAS JABURU.

Durante quarenta longos anos, Onofre Carne Preta trabalhou como ajudante de necropsia e encarregado de dar banho nos defuntos, na funerária Leonel Beirão, no Bairro Morrinhos. Entrou em 1960 quando veio escorraçado do Botafogo e saiu em 2002, quando bateu a caçoleta e se tornou, ele próprio, mercadoria da funerária.
Como nasceu presepeiro, foi cedo para o Rio de Janeiro e de lá veio às carreiras, sendo então agasalhado por aqui por Leonel Beirão, que lhe ensinou o ofício de dar banho em cadáveres, o que na linguagem forense é lavador de de cujus.
Logo, deu para encher o pandú de cachaça branquinha em conseqüência da dureza do ofício e passou a dormir, por comodidade dentro dos caixões de defuntos que ficavam expostos à venda no salão da empresa. Dava sempre um susto danado nos desavisados clientes que entravam já atanazados, para escolher um caixão para um parente ou mesmo aderente falecido.
Ele roncava que nem eixo rasgado de cardam de Opala quando dentro do esquife além de acordar, abrindo a tampa do dito de supetão e perguntando à senhora que escolhia o produto: que horas são? Teve gente que fugiu na carreira...
Com a proximidade das festas de fim de ano, ele ficava ruim de saúde de tanto beber e a galera do morro que tudo repara e nada perdoa, apostava que ele não emplacava o janeiro próximo. Sabedor de ser o objeto da aposta, ele enchia o quengo e descia a rua gritando a todos os pulmões: eu ainda vou dar banho em todos vocês seus F.D.P!
Era só estar bebum que ficava no espelho se penteando feito moça, para depois ir conversar com o poste que ficava fincado na entrada da funerária.
Já Sales Preto, mais conhecido como Sales Pintor, chegou a Montes Claros em 1964 vindo da Bahia, do Recôncavo. Como era pintor de faixas e cartazes e com o comércio em expansão por aqui, ele caprichava no serviço, atendia bem a clientela, havia a procura maior do que a oferta, só andava barrufado de grana...
Montou a sua oficina de serviços no galpão da Algodoeira dos Paula, que fica na rua Juca Prates, ao lado da via férrea.
Quando chegava à noite imitava o Claudionor Barbeiro, o enfeitado dirigente do Bahia Esporte Clube e só andava vestido de Branco e desfilava serelepe pelos bares e lupanares dos Morrinhos. Sapato Branco furado no bico, lenço no bolsinho do paletó, abotoaduras de ouro e cheirando a perfume Lorigan francês.
Na época dos fatos, Haroldo e Betim do Destak arrendaram o Bar do Miltão da Pedreira, na Corrêa Machado confluência com a Melo Viana e Sales Preto fazia do bar o seu universo. Chegava todo posudo e serelepe mandava descer um campari gelado e pedia para tocar um acetato de Julio Iglesias cantando Devaneios.
Pagava uma rodada de cana para a galera que estava na pior, pedia outro campari e outros Devaneios. Como era filho de Oxalá com Nanan Abaroquê, não baixava o facho e a cada meia hora pedia outra dose de bebida e mandava tocar outros Devaneios.
Quando bateu a caçoleta dado à cirrose e foi morar na cidade dos pés juntos todo vestido de linho Branco S120, sapato de pelica, corrente e abotoaduras de ouro, assim e no dedo médio da mão esquerda um anel de São Jorge Guerreiro.
Já Jarbas Jaburú, outro elegante morador do morro, todo cheio de agá foi acompanhado de mais dois colegas de desdita para morar e arranjar emprego em São Paulo. Ao desembarcarem no Terminal do Glicério, viram um sujeito brutamontes matando outro de porrada no saguão do logradouro.
Curiosos, perguntaram a um comerciante local o porquê daquela brutal agressão à vista de todos. O interrogado respondeu: apenas porque o agredido pronunciou a palavra farinha! Como os três montes-clarenses eram descendentes de baianos e comedores de farinha Morro Alto, olharam um para o outro no que Jarbas arrematou: vamos embora, pois se eles descobrirem que gostamos de farinha vão moer nós no pau!
E estamos conversados, mais uma vez!


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Por Raphael Reys - 29/9/2008 06:25:08
SELEÇÕES
De 1950 a 1960 estávamos no fim do Romantismo e o conhecimento geral nos vinha em forma de almanaques. O Biotônico Fontoura, o Capivarol e a Saúde da Mulher. A melhor de todas era a Revista Seleções Reades`s Digest, uma revista de seleção de textos com a lombada estilo canoa, contendo em média vinte e cinco matérias.
O êxtase maior eram os livros de capas duras condensados, contendo em média quatro histórias curtas. Quando muito, conseguíamos comprar uma revista Diners, que custava uma nota preta.
Os nossos pais e avós, nos anos 30,40 e 50 liam os almanaques Ecos Marianos, Almanaque Nestlé, Seleções Farmacêuticas Arlo, Almanack Cabeça de Leão e Almanaque Ross.
A revista Seleções durante o tempo da ditadura militar chegou a ser considerado um veículo do imperialismo norte-americano, acusada de fazer propaganda do chamado American Way Of Life. A maneira americana de viver.
A mim, me salvou a vida por duas vezes. Senão, vejamos.Um artigo ensinava a possíveis vítimas de afogamento a sobreviverem. Instruía ao afogado a manter a calma, ir para o fundo, agachar, dar impulso com as pernas projetando o corpo para cima e para o lado da terra firme ou para o raso, no caso de piscina.
Graças a isso consegui escapar de um afogamento na piscina do M.C.T.C., quando, em um final de tarde da semana me encontrava sozinho, aprendendo a nadar.
O segundo salvamento ocorreu aos 27 anos de idade. A matéria lida instruía que ao chegar em casa e estando uma criança segurando o seu revólver com as duas mãos, pular para o lado e rolar pelo chão. No susto, a criança sempre acabava apertando o gatilho. Pulei e escapei do besouro sem asa...
Outra matéria ensinava a massagear demorada e vigorosamente o couro cabeludo desde a infância, com a toalha, após o banho, o que retardava o aparecimento de cabelos grisalhos na velhice. Os meus permanecem na cor original, preto, apesar dos sessenta anos.
Outra matéria médica sugeria ao paciente portador de patologias a esquecer o mal. Sou portador de uma enfermidade cardíaca em estado crônico e renitente há mais de dez anos. E continuo tudo Capopi!
Os meus colegas de tratamento, nos leitos hospitalares, CTI´s, mesas de desfibrilação (sofri quarenta e duas seções) na sua maioria já estão no astral superior, ou vagando nas Câmaras de retificação dos Hades. Eu contínuo a caminhar até 20 quilômetros por dia, bater com pau de dois bicos, comer feijoada com torresmos crocrantes e a me apaixonar pela Gisele Bundchen. Estou dando show!
Na última revisão médica alcancei a medição de 8.4 na escala de Eros!
Quanto à informação de que a revista puxa a sardinha para os seus paises de origem, dou um aviso aos leitores navegantes: filtre o que você lê, passe tudo pela peneira doutrinária, pelo crivo da razão e pelo caminho do meio.
Quem vai na conversa mole é otário! Leia e retenha apenas o que é bom. Fique esperto e deixe de ser tolo!Saiba que a mídia, falada, escrita, televisada e digital, é um verdadeiro tigre de papel. Se você gosta de ler e acreditar em tudo, leia Ulisses, de Joyce. É um paredão de granito feito numa época em que falar sobre coisas difíceis tornara-se moda.
Vai servir como exercício de aprendizado antitolo!


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Por Raphael Reys - 23/9/2008 07:03:27
SÉTIMO CÍRCULO DO ÉREBRO

Marcava o calendário gregoriano o ano 2000, fim de uma e começo de outra era entre povos. Na bucólica cidade de Monte Azul, no Norte de Minas, transcorria uma cálida manhã de sol. Como em toda pequena urbe que se preze, a macharia na sua quase totalidade tomava uma branquinha com tira-gosto de uma boa talhada de requeijão.
A vida corria ao Deus-dará, o gado cagava pára trás no pasto botando o dono para frente, na cidade. A bolsa família provia o sustento da malandragem da roça, o morro azul cintilava no horizonte sob os raios do sol e as muriçocas dormiam nos galinheiros e nos telhados das casas...
Deu meio dia e Geraldo Foguinho, mui digno jogador do Odom Oliva Esporte Clube, eterno rival do Maec, um pouco antes do almoço abriu o livro de salmos alhures e entrou em prece agradecendo pelo alimento. Súbito sentiu um estalo no parietal direito, uma reverberação sonora e vibrátil na glândula pinel. Um som meio difuso sustenido.
Abriu-se uma janela metafísica e através da mesa um ser etéreo, portador de chacras humerais, que o vulgo e profano chama de asas de anjo o chamou-o a atenção fazendo, em seguida, uma predição. Instruiu-lhe a alertar com urgência a população sobre uma tromba dágua que logo mais se abateria sobre a cidade trazendo morte e destruição. Geraldo deixou o prato com o almoço sobre a mesa e saiu.
De porta em porta avisava aos moradores sobre a visão e a predição e logo subiu rumo à Esplanada e viu um boteco cheio de gente que tomava uma branquinha com rosário. Geraldo entrou no salão e pediu a atenção de todos! Relatou a visão e a predição do anjo do Senhor e conclamou a todos irem procurar abrigo seguro em suas casas.
O dono do boteco, o indefectível botequineiro habituado a delírios etílicos de seus clientes, bateu palmas chamando a atenção de todos adotou um ar de superior, fez boca de muxoxo sentenciou em alto e bom som: dessa água que vem aí eu bebo toda!
Mal pronunciou a zombaria e um ribombo com força de mil megatons irrompeu nos céus de Monte Azul!
Rasgou o firmamento de costado a costado e vindo das profundas uma tromba dágua lambeu a cidade.Parecia ouvir milhões de vozes no clamor de Castro Alves: Ventos, trovões, tempestade, rolai das imensidades, varrei os mares tufão!
Quando parou a catástrofe natural levando consigo os maus entes etéreos da cidade e os depositando no círculo mais profundo do Érebro de Dante, no centro da cidade, em frente à casa de Josias Mascarenhas na rua Odom Oliva nasceu uma cratera monumental que cabia em seu espaço forjado uma boa parelha de carretas com as devidas Julietas com três eixos trucado!
Geraldo Foguinho sabiamente ouviu mais uma vez a voz do seu “Deimom” e o mesmo lhe relatou, pela segunda vez, um dito da sabedoria popular Indiana: Quando o demônio viaja no seu baú, lembra-te do teu inferior.
Revelou ainda a visagem que o procedimento da tromba dágua fora adotado pela Providencia Divina para levar, pela força gravitacional e de atração vibratória, as almas penadas que abundavam pelas ruas da cidade em busca de machos para sugarem com isso o ectoplasma etílico dos mesmos.
Eram almas daqueles que morreram de tanto beber e que agora, por força da atração dos seus desejos, se encontravam anexadas as auras dos que estão vivos e se entregam ao Deus Baco curraleiro!


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Por Raphael Reys - 19/9/2008 06:50:50
FRAGMENTOS DA INFÂNCIA

1958. Colégio São José, o jumento Geminiano, o mascote da Fábrica de Óleos Mariflôr amarrado ao lado da nossa sala de aulas zurrava a cada trinta minutos e intumescia a genitália. Pedro Silveira, anotava na caderneta de apontamentos a periodicidade das zurras, visando provar que: jumento não tinha hora certa para zurrar. Ficou apelidado Pedro da Jega!
Malaquias Barbosa, como era oriundo de abastada família de pecuaristas era sempre apanhado no final da aula a cavalo. Um jovem agregado da fazenda do seu pai Osmane chegava montado em um cavalo Pampa. Malaquias subia na garupa, a galera com inveja aproveitava uma frase extraída de um conto infantil e repetia o refrão retaliando.
Malaquias é ladrão de vaca! Quem encontrar Malaquias vai ganhar como recompensa duzentos tostões!
Ele e o agregado condutor da montaria saiam no encalço dos colegas com a pirata em riste e os meninos corriam pelo pátio do colégio Marista. Era diversão garantida diariamente.
Havia dois Ed. O Edvard e o Edgar. Um era gordinho, alto, óculos fundo de garrafa tinha uma voz metálica. Um valente. Para gozá-lo reuníamos todo o efetivo vespertino do colégio e gritávamos: Princesa Isabel filha de Edgar meu mel!
Ou batíamos os pés sincronizadamente no chão com grande estardalhaço e gritávamos Ró, Ró! Ró, Ró!... Ele saia na mão com a turba. Dava porrada para todos os lados e em todos e a meninada gramava o beco...
O outro Ed era o Edvard o qual apelidamos de Defunto Banguela. Tinha a pele branco-amarelada, mãos gigantes, ajumentado no tamanho. O próprio pai e mãe da ignorância! Qualquer coisa saia na mão.
Terminada a aula descíamos pela rua Padre Champagnat coberta por uma grossa camada de pó fino com cinco centímetros de espessura. No trajeto, se encontravam os desafetos para resolver na tapa a contenda. Dava briga de mais de cinqüenta de cada lado. Os valentes do pedaço eram Duto Figueiredo, Dêma Mocó, Edvard, Magela, Taki Maia, Maurício Vilela.
A maioria voltava para casa depois de rolar na poeira. Só apareciam as bolotas dos olhos...
O nosso maior valente, entretanto, era Pindoba Nilo. Raçudo não corria de briga e enfrentava qualquer parada. Em contrapartida, Gabilera, era o terror do Bairro São João e tinha o hábito de furar bola dos times que treinavam no Bairro São José e adjacências.
Certa tarde, me encontrava treinando sozinho no campo em um lote vazio com a minha bola de capota G18, esperava a turma para o treino contra o time de Zé Doido da Igrejinha. Gabilera estava na campana e foi chegando com o canivete aberto na mão. Apanhei um grosso galho de roseira seca que estava no lote vago ao lado do nosso campo na rua Germano Gonçalves e encarei a fera!
Ele vendo a minha disposição para a briga ficou rodeando, com conversa mole. Esperava o momento certo de agir. Pindoba, que era componente do nosso time e estava no primeiro andar da sua casa, na rua Silvio Teixeira próxima, viu o meu sufoco numa briga desproporcional e partiu na sua bicicleta em desabalada carreira e em meu socorro. Aí fedeu biba queimada!
Voou bola, canivete, pau de roseira e lama para todo lado. Terminada a briga, selamos um tratado de paz juntas para as turmas freqüentarem a Lagoa de dona Alice e jogar bola nos lotes vagos e na lama do bairro.


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Por Raphael Reys - 12/9/2008 07:01:27
A VISITA

Nos idos de 1975, a tradicional boate Maracangália dirigida pela empresária Anália mudou-se do centro da cidade para o bairro Santos Reis. A casa noturna coloriu as noites montes-clarenses desde os imemoriais tempos do romantismo.
Dácio Cabeludo, noctívago filho da noite e dos prazeres era freqüentador da pista sintecada da boate e reuniu amigos diletantes com o objetivo de fazerem uma visita de cortesia à dama da noite.
Apresentaria os seus apoios à mestra da luxúria e recordariam os bons tempos, quando se dançava tango ao som da guitarra de Lauzinho em pista sintecada.
Reunidos médicos, empresários, comerciantes, bancários. Convidaram o cavaleiro da verve Zé Amorim, para compor a trupe de saudosistas e comer uma galinha caipira tomando uma cerveja gelada durante a notória visita. Zé reagiu, dizendo não freqüentar cabarés, pois, era bastante conhecido na cidade. Se fosse estaria se expondo.
Dácio argumentou que da turma fariam parte três médicos muito mais conhecidos popularmente do que ele. Não se preocupasse o Zé, pois àquelas horas da tarde não seriam notados. Convencido pela sábia argumentação do Cabeludo, Zé, cedeu. Chegando no lupanar, e ao botar o pé no portão Zé Amorim escutou o grito: Êita Zé, no cabaré a essas horas da tarde! Era o Geraldo Tataca, pedreiro que fazia um serviço no telhado do cabaré.
Na bucha o Zé respondeu: cala a boca seu F.D.P! Com tanta gente famosa aqui e você só enxerga a mim! Ato seguinte bateu em retirada!
Certa feita, Belém era o seu garçom chefe no restaurante Espeto de Ouro. A certa altura mostrou uma cédula de 10 cruzeiros e falou: veja Zé o que eu achei no salão, estou com sorte! Mais tarde o Belém achou novamente outra nota de 10 e mostrou-a para o Zé Amorim.
Corria já à noite e o Belém novamente veio a achar outra cédula de dez. Logo mais e mostra novamente outra nota de dez, achada no mesmo salão! Zé Amorim desconfiado disse: pobre não tem essa sorte toda, venha aqui que vamos esclarecer esse achamento. Verificado o bolso do jaleco de Belém estava furado. A nota de dez era a mesma que ele perdia em seguida achava perdia novamente e tornava a achar no salão da casa.
Na época, os cozinheiros do Espeto de Ouro eram quatro conhecidos gays barulhentos. Todo fim de semana, os mesmos iam detidos por algazarras e distúrbios feitos na noite. O delegado Miguel Abdo soltava-os pela manhã, para viabilizar o funcionamento do restaurante de Zé Amorim.
Certa feita chegou ao balcão do restaurante uma marmita enviada pelo citado delegado acompanhada de um bilhete no qual solicitava duas feijoadas completas e meia dúzia de cervejas casco verde.
Zé Amorim reuniu os cozinheiros gays e falou: essas duas feijoadas são fiadas na conta do delegado que não pagara conseqüentemente nada por elas. É o preço dos seus alvarás de soltura. Vai direto para suas contas!


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Por Raphael Reys - 8/9/2008 06:43:26
OURO DE TOLO
Raphael Reys

Maurício de Nassau, mui digno prefeito da vizinha cidade de Botumirim, nos saudosos anos de 1976, vinha sempre aos Montes Claros e usava como ponto de apoio o escritório da Imobiliária Nascimento, do saudoso advogado e corretor imobiliário Eduardo Nascimento.
Tratado como amigo da casa, numa tarde saiu para beber com o efetivo da empresa. Luciano Nascimento, Raimundo Chupa Dedo, Borém e os saudosos Eduardo Nascimento e Filomeno Bida. Quando a cachaça já ia alta o alcaide cheio de bazófia e como os companheiros de copo e de cruz eram todos mentirosos, afiançou que no seu município tinha uma grande mina de ouro desativada. Coisa mantida em segredo e que dava metal amarelo de montão.
No calor da cachaça fez então o convite formal aos amigos que acreditando no anunciado pelo colega de cruz e de mesa de boteco aceitaram o convite para passar três dias no garimpo do metal amarelo. Na quinta feira adquiriram os apetrechos de garimpagem no comércio local. Pás, bateias, enxadas, mangueiras e três garrafões da cachaça Viriatinha.
Na checagem do equipamento no escritório da imobiliária, o Filomeno Bida apresentou um saco contendo vinte pães no que o Borém observou: para que pão? Basta a cachaça! Em seguida, fretaram um carro na concessionária, botaram o pé na estrada cheia de buracos e poeira. No meio do caminho já haviam esgotado o primeiro garrafão de pinga!
O segundo garrafão esgotou na entrada da cidade de Botumirim!
Nassau os levou para a sua casa (dele) para tomarem banho e curar o escornamento, antes de irem para o garimpo. Logo o quarteto com os utensílios em mãos saiu pelo centro da cidade. A população juntou para observar o mico e eles pensavam que era inveja por estarem sendo tratados com distinção pelo prefeito local.
Esgotado o terceiro garrafão de cachaça mandou portador ao comércio adquirir mais dois de boa qualidade. De tira-gosto, lambiam o suor da mão. Durante dois dias durou a bateia e logo contabilizaram e meteram no embornal, três quilos e setecentos gramas do metal amarelo.
Feitas as contas do que deviam em aluguel do carro, utensílios e demais despesas de viagem, concluíram que estavam medianamente ricos. Tinham barrufado em pleno Norte de Minas!
Agradeceram ao prefeito pela acolhida, pela pala da mina e gramaram o beco de volta aos Montes Claros. Já acabaram de beber o quarto garrafão da maldita e estando próxima a entrada da nossa cidade, deparou-se com uma patrulha da Polícia Rodoviária.
Eduardo que estava dirigindo sem habilitação, saltou de lado e passou a direção para o Bida. O guarda, entretanto, manjou a manobra sorrateira, parou o veículo dos ébrios garimpeiros e aplicou multa pesada pela infração e pelo engodo. Eduardo Nascimento, o exaltado advogado-corretor-garimpeiro, no calor da cruel deu carteirada da OAB no guarda.
Recebeu voz de prisão e mais multas. Para piorar a situação já potencializada pelo calor da discussão, o Belém que estava escornado de balão apagado no banco de trás, acordou atordoado e vociferou: quem é que parou essa tarraqueta!
O guarda sacou a arma, deu-lhe voz de prisão por desacato à autoridade e lhe aplicou um par de algemas. Luciano Nascimento também de fogo e que até então apenas assistia estupefato, interveio com energia e também foi detido.
Filomeno Bida, no santo nome do Senhor, rogou ao guarda o perdão para aquele quarteto de bêbados alegando que os mesmos estavam comemorando a extração do ouro e a recente riqueza.
A autoridade sensível àquele momento dispensou os notívagos que logo chegaram à cidade e providenciaram a venda dos três mil e setecentos gramas do ouro para cobrir as dívidas e fazerem o esperado racha!
O material garimpado era o famoso ouro de tolo, sem valor comercial. Prá piorar ainda mais, a concessionária os processou-os por terem devolvido o veículo em petição de miséria!
O quarteto, ao avaliarem a dinheirama que ganhariam com a venda do produto baixou a sola no carro alugado detonando o mesmo na buraqueira da estrada sofrível e dando risada toda vez que a lataria balançava aos solavancos e as aceleradas maliciosas. Pretendiam pagar o carro alugado e sem seguida, para comemorar o jogarem dentro do rio do Melo.
Tomaram grana emprestada do Arnaldo para cobrir o prijú e evitarem as malhas da lei!


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Por Raphael Reys - 3/9/2008 07:39:29
GALÃ CURRALEIRO
Dilo Barbeiro, mui digno e saudoso profissional da arte, no dizer do baiano: aparume de cabelo e feitume de barba, vindo das barrancas do rio São Francisco, exatamente da cidade de São Romão, durante longos e terríveis cinqüenta anos foi o profissionalmente mais requisitado pela sociedade montes-clarense.
Fazia a barba e aparava o cabelo dos mais distintos políticos, empresários e comerciantes e como atendia também em domicílio, tinha agenda cativa e sempre cheia.
Alto, boa pinta, moreno chocolate, cabelo na brilhantina Glostora, bigode à Clark Gable, um canastrão na força explícita da palavra. Sempre bem vestido, metido em uma calça de Tusô, ou mesmo um linho S120 branco, sapato esporte branco e de boa qualidade, camisa mangas compridas em seda ou mesmo voil. Um dândi tropical!
Sempre recendendo à perfume francês, cinto de couro alemão, um ar blasé de quem tem savoir faire e está de bem com a vida. Caminhar calmo, enxuto e ondulante. Sorriso matreiro na face, um mestre cabotino. Virou lenda nesses Montes Claros! Com sua verve tupiniquim tinha lábia afiada para os rabos de saia.
Don Juan por opção, balançava corações suburbanos das mal casadas e das solteiras mal amadas. Era um verdadeiro bicho do mato! Usando saias ele não perdoava nada, traçava na hora! Mulher sorriu para o lado dele, era peixe na rede! Fez história e se transformou em ícone. Uma lenda dos lençóis...
Ao partir para o andar de cima a chamado do Criador, que resolveu dar um basta na libertinagem luxurienta do barbeiro, deixou muita suburbana às lágrimas! Nos anos 60, enquanto a Dita Dura Militar endurecia com o povo, Dilo em Montes Claros endurecia pra outras bandas mais festivas e gozosas...
Numa tarde quente de agosto, uma sua vizinha se abriu toda para ele. Como o maridão estava viajando, ele soltou a lábia, pulou o muro e foi festejar a conjugal ausência nos lençóis. No bem bom, o marido e titular da perseguida, como já estava desconfiado da esposa voltou de repente e esmurrou a porta de entrada, surpreendendo Dilo e sua amada em plenos trabalhos. Dilo manjou pelo buraco da fechadura o homem de arma em punho, e babando de ódio.
Serelepe, pulou o muro de volta ao seu quintal e o chifrudo entrou pelo fundo berrando: se eu pegar o F de P meto bala! Dilo, o famoso Pé de Anjo, já sorrateiramente instalado do seu lado retrucou, aplicando assim um Agamenon no testa enfeitada: Se ele pular para cá, meto bala nele!
Diz a sabedoria popular que: a galinha é poedeira e o galo é teatral! Dilo tinha medo de almas e de assombrações. Por isso comprou um rádio rabo quente, daqueles que levavam quinze segundos para esquentar as bobinas e sintonizar a estação escolhida, para só então funcionar.
Como tinha o hábito de desligar a chave geral ao sair de casa no dia em que comprou o radio RCA VICTOR capa de baquelita quando escutava a novela O Direito de Nascer, foi chamado à porta. Um cliente solicitava a sua presença em domicílio e ele, como hábito, desligou a chave geral e foi atender ao chamado.
De volta, aberta a porta e já dentro da casa sem desligar o rádio o rádio voltou, naturalmente, a funcionar. Dilo, assustado, arrepiou até raiz dos cabelos e saiu em desabalada carreira. Chamou a polícia, supondo que as vozes fossem de meliantes no interior da sua residência. Veio o capitão Coelho e todo o efetivo policial da época: um cabo e cinco soldados!
Com a casa cercada os homens da lei a invadiram de mosquetão em riste e só se depararam no seu interior com a conversa que saía do RCA VICTOR, rabo quente que, sintonizado no programa O Sombra, que falava com voz cavernosa: Ninguém sabe o mal que se esconde nos corações humanos! O Sombra sabe! Rá,rá,rá...! Com a saída da autoridade policial e a bronca que levou do capitão, o Don Juan irritado pelo mico cometido, explodiu.
Apanhou uma marreta de cinco quilos e reduziu o inocente rádio que pagou o pato a fragmentos ínfimos! O homem não tinha medo de bala dos maridos por ele traídos mas se assombrava com de almas do outro mundo.
Cada qual com o seu problema...


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Por Raphael Reys - 29/8/2008 07:16:11
EDIFÍCIO PEDRO MONTES CLAROS E O GANDULA PELÉ

Na saga da nobre estirpe dos Amorins, Sinval, o filho mais velho do patriarca Pedro Montes Claros construiu o prédio de dois andares no estilo art decó. Nos tempos de antanho, na confluência das ruas Doutor Veloso e XV, hoje Presidente Vargas.
No alto do casarão rococó, em baixo relevo, o nome do patriarca da família Amorim: Edifício Pedro Montes Claros. Nos bons tempos do brega da roça, das brabezas e das curraleiragens.
Sinval, o construtor, foi morar no andar térreo na avenida Coronel Prates, pois tinha vertigem de alturas. Convidou o seu pai para habitar o segundo andar no que o velho Pedro retrucou: Eita Sinval!Aí em cima só avião. Isso é departamento de Deus. Sou mesmo é do chão! Zé Amorim, que a tudo assistia, fechou sentença: se cair, não tem nem um pé de goiabeira para aliviar!
Todos os irmãos eram funcionários de sua pedreira na Vila Atlântida e Sinval lhes deu moradia no segundo piso do prédio, facilitando, assim, o serviço do carro da firma ao apanhá-los pela manhã, pra irem para o trabalho.
Lá no bem bom, debaixo dos mosquiteiros, a nobre estirpe: Bem-Pau-Véi, Santim, Dó Meu Fã e o mais famigerado dos Amorins, a ovelha negra Ataêni, o maior farrista que Deus pai mandou a este mundo!
6 horas da manhã, mês de junho, um frio de rachar! Sinval pára o carro à porta e com as mãos em concha chama os preguiçosos para o batente. Santin chega e volta com a ordem do irmão patrão para aviarem-se todos, imediatamente, pois é 28 do mês, dia de pagamento e, conseqüentemente, de se pegar no serviço mais cedo!
Santin retorna com a informação de que os quatro estão debaixo dos cobertores de lã Tognato e nem um pouco animados para se levantarem àquela hora fria da matina. Pedem que o Sinval que rompa na frente e eles logo irão.
Sinval não concorda e manda Santin trazer o malandro do Ataêni orelhado. Santin sobe as escadas e de pronto retorna trazendo um recado de Ataêni, para ele (Sinval): Tô debaixo do cobertor quente segurando a genitália intumescida! Não é hora d levantar da cama, logo agora..
Ataêni apanha 10 cruzeiros e vai ao mercado comprar dois quilos de carne de primeira. No caminho já de campana, encontra Boyzinho, seu notívago amigo, que sabedor dos 10 cruzeiros o leva no bico e o conduz ao elegante restaurante Valério...
Levado no papo, Ataêni de Boyzinho já estão tomando doses de cachaça Insinuante e bebendo cerveja Pilsen Casco Verde. Meio dia, hora de ir embora para casa, pois as mesas logo serão todas ocupadas para almoço. Vem à conta de 10 cruzeiros e Boy, esperto que nem coelho avisa ter esquecido a carteira em casa.
Ataêni caiu na chave e pagou com a nota. Logo, cabisbaixo, pois sabia da bronca que ia levar em casa pra desabafar comenta com Boy: Eita Boy. Esse Valério é gatuno! Cobrou 10 cruzeiros pelo que bebemos. Eita caboclo ladrão!
Ataêni era gerente da Caterpilar em Salvador, Bahia. Lá dirigia o time local da empresa, que ganhava todos os campeonatos. De férias nos Montes Claros Dó, seu irmão, pergunta qual a opinião dele (Ataênio) sobre o jogador Pelé e se contrataria o goleador do Santos para jogar no time da Caterpilar.
Ataêni, meneando a cabeça e bem ao seu jeito mal responde: Um negrim daqueles não pisa o pé no meu time! Dó, inconformado, pede ao seu irmão que refaça a sua posição ante a craquesa do jogador citado.
Ataêni, em cima da sua presopopeia tupiniquim responde e de peito inchado: Time que tem treinador branco, bonito, dos olhos azuis, um neguim daquele só serve de gandula, apanhar bola fora do campo e engraxar chuteira!...
Barrou Pelé e não quis conversa!


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Por Raphael Reys - 23/8/2008 07:19:25

FESTA DOIS PRÁ Lá, DOIS PRÁ CÁ

A foto ilustrativa abaixo é de montes-clarenses de nascimento ou de coração que estão entre os 58 e 62 anos. Sessentões em média!
No próximo dia 15 de novembro se reunirão aqui na terra do pequi em local a ser confirmado para a Festa dos 60-Dois pra lá, dói pra cá... Entre patrocinadores e convidados serão 200 participantes até agora confirmados. Será um evento para ficar marcado na história da nossa urbe, quando seus filhos sessentões presentes e ausentes se encontram em grande estilo.Dentre os presentes, jornalistas, músicos, instrumentistas, cantores, artistas e profissionais liberais.
O sociólogo Geraldo Maurício, o Nenzão está coordenando o evento e quem tiver a idade referida ou tenha feito parte da turma poderão se inscrever. Foi criado o blog: HTTP//fotolog.terra.com.br/piculino, Onde será centralizada a comunicação, a remessa de retratos e comentários.
Representantes da imprensa falada, escrita e televisada de Montes Claros e de Belo Horizonte serão convidados. Serão exibidos filmes, vídeos, fotos comemorativas dos anos 50 e 60. Haverá shows com artistas consagrados muitos já confirmados e que estão no blog.

Alguns bons amigos.

Pessoas de meia idade, homens e mulheres indistintamente, à uma certa altura do seu amadurecimento , se deixam levar por recordações saudosas de seu tempo de juventude e costumam retornar a lugares conhecidos e reviver situações passadas.
Este comportamento de fuga é bastante freqüente principalmente após a perda dos pais ou parentes próximos. Esta é uma típica manifestação de crise da idade adulta perante a inexorabilidade da morte.
O presente quase sempre é desagradável, apresenta uma alta dose de perigo e risco, uma vez que é sempre desconhecido e imprevisível, sendo invariavelmente um ato de desempenho solitário. É natural que se busque nas lembranças de tempos anteriores um referencial para reprisar acontecimentos bons, que, invariavelmente acontecem na infância e na adolescência.
Nestas viagens pelo tempo , quando se descobre que o passado já não mais existe ou as situações não são mais as mesmas, a possibilidade de frustração é muito grande.
De modo geral, estas lembranças fazem parte da história encenada pelos pais e somente coadjuvada pelos filhos. Quando isto não é verdadeiro e as ações rememoradas, foram iniciadas e protagonizadas pelos próprios adolescentes, mesmo assim todo o patrocínio , cenários, causas, conseqüências e responsabilidades são creditadas às seus pais.
Se nesta viagem é feita esta descoberta, assumindo a consciência de que este passado não era todo e só seu e que não se tinha nenhum controle sobre ele , percebe-se que a atual história do viajante é mais importante pois é real e tem a possibilidade de transcender em futuro. Esta consciência é adquirida junto com a certeza que se pode ser comandante do seu próprio destino e não um turista em um roteiro de lembranças.
Nesta hora, deitar ancora no “ aqui e agora” é o único mecanismo de retomada da realidade.


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Por Raphael Reys - 19/8/2008 09:00:28
O HIPNOTIZADOR

Nos anos 70, o nobre Joanir Maurício adquiriu pelo reembolso postal um livro que ensinava as artes do hipnotismo. Passou um bom tempo a estudar as técnicas sugeridas pelos mestres europeus e juntamente com o seu fiel escudeiro e caseiro Mário, que passou a ser seu ajudante de ordens, mergulharam fundo nas artes de Mesmer.
Mário, que além de caseiro era seu segurança e braço direito, se postou como cobaia do experimentador. Em conversação com Tico Lopes, Joanir lhe garantiu que em doze meses faria o Mário levitar.
Dia após dia a dupla se apresentava em praça pública em festas e eventos da família, nas fazendas de conhecidos Era um tal de : você está sob o meu domínio! Canta igual uma galinha! Ajoelha e reza de trás para frente! Levante o braço direito, abaixe a cabeça e cante uma música de Valdik Soriano!
Douta feita iniciava o show com o dizer: Você esta hipnotizado, faça tudo o que eu mandar. Aquilo era uma farsa combinada ensaiada pela dupla de notívagos, patrão e empregado, que se divertiam com a boa crença dos espectadores que fruíam a sua verve tupiniquim.
Joanir, quando inquirido pelo Tico Lopes sobre a veracidade dos movimentos apresentados, dizia: Quá Tico! Mário é um ajudante perfeito, qualquer dia desses boto ele levitando! Certa vez foram contratados para dar um show na oficina de Tio Landim. Na hora marcada para o espetáculo, a dupla chegou e se depararam com uma enorme platéia convidada composta de vizinhos e amigos do Tio Lanfim.
Todos vieram para conferir a verdadeira capacidade dos mágicos hipnotizadores e comprovarem, finalmente a validade da hipnose.Após a abertura e apresentação de praxe, Joanir iniciou a seção de hipnotismo descrevendo os experimentos a serem apresentados.
Iniciou o show: agora a página dois, Mário! Atenção, Levante o braço direito, feche os olhos e cante Boemia de trás para frente! Página 32 agora: Você esta remando uma canoa na correnteza brava do Rio São Francisco! Agora a página 44: Subindo o morro do Corcovado! Obedeça ao hipnotizador!
Prosseguiu: agora levante os braços, agache no salão e imite um jacaré! Feche os olhos ponha uma venda e sai andando e procure o hipnotizador. Levante o pé direito e mantenha levantado. Nesse instante o Tio Landim apanhou um maçarico, acendeu o bico e tomou o rumo do Mário.
Chegando perto, anunciou que chegaria o calor do bico na sola do pé do Mário, para comprovar se ele estava mesmo hipnotizado. Com o calor chegando perto, Mário abriu um dos olhos, localizou o Joanir hipnotizador e falou entre dentes: Joanir me desempenotiza logo se não esse Landim vai torrar a sola do meu pé!
Estava desmascarada a dupla de mágicos hipnotizadores tupiniquins!


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Por Raphael Reys - 14/8/2008 13:38:00
SIVUCA E JOANIR


1957. A terra de Figueira comemorava o seu Centenário e como uma das atrações principais houve apresentação do sanfoneiro Sivuca. A propaganda do evento artístico chegou até o nosso Joanir Maurício, pintor, caçador de mocós, sanfoneiro dos bons, seresteiro.
Ao receber a notícia do evento e por não conhecer o artista contratado, Joanir, consertando o chapéu Ramenzon XXX na cabeça ao estilo cowboy, desconsiderou. Torceu o nariz e falou: Quem? Sivuca! Mais quá!
Em cima do seu cavalo alazão, corpo torto pelo peso do Smith and Wesson 38, reafirmou a sua superioridade de sanfoneiro sobre o tal de Sivuca.
Ao interlocutor que ressalvava as qualidades do artista visitante disse: sou mais eu! Além de sanfoneiro sou desenhista, pintor, caçador dos bons e marceneiro. De um pedaço qualquer de madeira bruta faço um sanfoneiro marca Sivuca, com um pé de bode na mão!
Já ia rompendo quando voltou e completou o seu raciocínio: debaixo da minha sanfona de oito baixos eu respeito somente Luiz Gonzaga e olhe lá!
Dona Estela, sua esposa, que assistia ao diálogo, deu-lhe um ingresso para o show, caso ele resolvesse ir ver o tal de Sivuca.
No dia do espetáculo, boca da noite Joanir já tomava a sua Viriatinha quando deu a sapituca de ver o tal de sanfoneiro falado. O céu tinha cara de chuva e Joanir montou no seu fiel alazão, vestiu a capa Colonial três Coqueiros, calçou a sua bota Agabê, consertou o pau de fogo no currião e partiu.
Andando no seu pisadô manso, característico dos Mauricio, chegou ao Cine Montes Claros onde já acontecia o show perto do encerramento do mesmo. Tomou, sorrateiramente ao seu modo, o rumo dos fundos do palco, levantou discretamente uma beirada da cortina e se pasmou.
Sivuca, encerrando o show e para delírio da platéia que o aplaudia de pé, tocava no teclado da oito baixos os nomes das pessoas que eram lançados pela platéia. Dedilhava como os diabos e fazia a sanfona falar o que quisesse.A galera pulava como uma farândola de diabretes!...
Acabrunhado com o que viu, Joanir botou a sua sanfona no saco e gramou o beco de volta para casa.
Ao chegar em casa, apanhou a sua oito baixos, botou em cima de um velho pilão de madeira no quintal, tacou querosene no instrumento e ato seguinte efetuou seis disparos certeiros.
O fogaréu torrou a sanfona que chiava emitindo sons fantasmagóricos e desarmônicos.
Em seguida, o nosso Joanir tirou o chapéu em sinal de respeito ao sanfoneiro nordestino e encerrou aí a sua carreira de tocador de oito baixos tupiniquim...


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Por Raphael Reys - 8/8/2008 08:10:26
LEONEL BEIRÃO

Ele era um meteorito de energia, dotado de uma verve própria! Agia e reagia com extremado senso de humor a tudo e a todos. Onde ela estava, havia agitação na certa. Jogo de cintura, cara amarrada escondendo um mestre do humor e da quizila.
Era daqueles que dormia com um olho fechado e outro aberto. Chegava a ser cabotino.Na vida, foi de tudo: engraxate, carregador de malas, barbeiro, propagandista comercial, dono de funerária, cabo eleitoral, lobista político.Criou a famosa Boneca de Leonel, uma enorme boneca cabeça de papelão e roupa de chita.Copiou o modelo dos bonecos do carnaval em Olinda.
Por décadas promoveu o marketing das Casas Pernambucanas, no Norte de Minas. Festeiro e filantropo, Leonel enterrava de graça os que morriam e a família não tinham condições de arcar com as despesas do funeral.
Consta que, certa feita, ao retornar de uma viagem tomou conhecimento de um pobre defunto enterrado sem o caixão. Desenterrou o de cujus e o enterrou de novo, com o caixão de praxe.Leonel era propagandista da Cervejaria Antarctica, promovia a venda do casco verde. Tinha uma quota 0800 para beber e patrocinar rodadas de cerveja Antártica em bares.
Promoveu um banquete na sua residência na avenida que hoje leva o seu nome, Leonel Beirão de Jesus, quando convidou a equipe médica, enfermeiros, provedores de hospitais, políticos, comerciantes e empresários da comunidade.
A galera do bairro Morrinhos sabendo desse maior 0800 se agrupou e foi chegando no pedaço. Leonel, conhecedor da operosidade da galera, saiu fora, juntou os penetras e sentenciou: A festa é para a alta sociedade. Vocês aqui vão enxovalhar a minha casa. Voltem no c´. da madrugada para lamber a sobra. E estamos conversados!
Como Leonel era direto nas suas abordagens, acabava arranjando confusão da grossa. Debatendo com cabos eleitoras da oposição ao seu partido, o PSD, terminou engalfinhado com um cabo eleitoral. Detido por uma dupla Cosme e Damião, estava sendo levado para a carceragem da rua Doutor Veloso.
Como era sutil e malicioso Leonel falou aos policiais militares: não me levem pela rua Doutor Santos que estou com vergonha de passar em frente à casa do Doutor Alpheu de Quadros. O policial retrucou: pois vamos passar com você exatamente na porta dele para lhe humilhar o moral.
Dito e feito. Quando passava em frente à casa citada, Leonel deu um safanão na dupla e pulou para dentro do jardim do líder político e grande médico.
Sabedor do enorme prestígio do Doutor Alpheu de Quadros, de sua força moral, vendo-o já à porta, Leonel falou com boca de muxoxo: Cadê a valentia docês seus cuias! Quero ver é agora! Pulem para dentro se tiverem coragem!
Nada aconteceu.


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Por Raphael Reys - 2/8/2008 10:13:25
VIAGEM AOS ANOS 60
Tempos do fim do Romantismo que deixou saudades da coca-cola e do guaraná tomados no canudinho de palha. Logo vieram os modernos Grapettes, Cruhs, no canudinho de plástico. O copo era de alumínio com um cone de papelão por dentro. Hoje, são de plásticos, desprovidos de alma.
Na escola, a caneta era de bico de pena de aço molhada no tinteiro ou uma elegante Parker 51 com a pena foliada a ouro, utilizada por meninos abastados. A tinta azul com variações de tons, também fabricada pela Parker, estava no corpo da caneta em uma bisnaga de borracha. Dava status!
Os nossos avós faziam a barba com amoladas navalhas suecas da marca Solinger, em um ritual próprio de cada um. Nada de descartáveis, como os aparelhos modernos. O telefone era de baquelita preta, numa transição entre o rococó e o moderno. Envelopes de cartas estilo Air Mail eram colados com goma arábica ou com saliva humana. Nada de bastões fálicos, ao estilo moderno.
A sandália masculina era do tipo franciscana, couro de primeira, ou as confeccionadas artesanalmente de couro cru conforme influência do nordeste, as sandálias de tropeiro; a Alpercata Roda com solado de sisal, que chamávamos precata roda O adolescente usava o quedes que se modernizou e passou a ser chamado de tênis. Garotas usavam conga com pinturas feita à mão.
Os boleros eram extraídos de bolachões de acetato, o long-play de 34 ou de 78 rpms. A manteiga Alvorada era feita na Cooperativa e comprada no quilo envolta em papel celofane. Logo virou a insossa margarina vegetal.
O leite de primeira qualidade e natural era fornecido à porta de casa trazido em latões de flandres pendentes em lombo de burros, ou em um Jipe com o medidor tipo sucção e câmpola de vidro graduado. Pelo barulho da tampa do latão se sabia da chegada do leiteiro da roça.
Hoje, o produto é acondicionado em sacos de plásticos e não dá para visualizar o produto e excitar os sucos gástricos, como outrora.A drágea de chocolate era acondicionada em tubos de papel ou papel laminado e dada ao formato, tipo ventoso, grudava no céu da oca do feliz ganhador da guloseima.
Os retratos eram batidos nos lambe-lambe, nos estúdios românticos com os meninos eram fotografados com terno de linho S 120 branco, que fora usado na primeira comunhão. Retratos picotados nas bordas e montados em folder de papelão cinza, com divisória de papel vegetal.
Não tínhamos supermercados, mas havia o Armazém Globo de Antonio Barreto. Ruas eram calçadas com paralelepípedos ou broquetes. Desfilavam Cadillac, Pontiak, Studebaker, Simca, Pontíac e Impalas.
Senhoras usavam blusa crepe ou de tafetá preto, com broches de coco e ouro, ou um ousado vestido tomara-que-caia preso no busto por uma armação de arame.
As notícias vinham dos trailers do cinema, dos almanaques, ou pelas ondas galenas do rádio.


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Por Raphael Reys - 29/7/2008 08:58:38
DAS RECORDAÇÕES DA INFÂNCIA

Pedaços da minha infância nos Montes Claros provinciano dos anos 50 e 60, detalhes de um cotidiano bucólico, tipos humanos, coisas simples... Ternuras!A pança de Deba de Freitas, balançando a calca de linho S120. O ar tranqüilo e resoluto de Mário Veloso, na sua pharmácia de manipulação e o indefectível cabide rococó de colocar os chapéus dos elegantes cavalheiros de antanho que chegava para dois dedos de prosa.
Os óculos modelo Ronaldo do líder político Ronaldo de Neco Santa Maria, a traseira do Cadilac Rabo de Peixe de Oscar Gabriel, o baticum do reclame da Boneca de Leonel pelas ruas em paralelepípedos. O guaraná espumante no Montanhês e a conversa inteligente do elegante professor Pedro Santana.
Padre Agostinho, o último dos brutos atávicos vociferando impropérios à porta do confessionário e o estofado vermelho-fogo do Lincol Preto de Dom José Alves Trindade. A visão do contraste da mão branca de Virgínio Preto segurando a pirata com o cabo incrustado em prata. O cavalo Appaloosa do cowboy de Janaúba e as histórias hilárias e inteligentes de João de Paula.
O menestrel João Leopoldo cantando na nave da Catedral, os chapéus Ramezhonne da Casa Preferida à voz de Nivaldo Maciel e o Irmão Marista Idelfonso lendo e teatralizando os capítulos de Inocência de Taunay
O triste destino do menino no colo de Maria Babona, o pedaço de jornal com as letras para baixo de Geraldo Tatu, o tubo do lança perfume Rodoro metal no carnaval da Rua XV e a fantasia de Yalorixá de dona Afra Bichara abrindo o carnaval de rua e Lazinho Pimenta gritando Evoé foliões! A fantasia de Zorro de Biô Maia curtindo uma ressaca à porta do Cabaré de João Pena com o chapéu amassado.
O boné de couro do chapa Brigadeiro, a bengala cabo de marfim de Vavá Alfaiate, os suspensórios de Benjamin Rego e o Colt Cavalinho de Antonio Leite. Fragmentos de lembranças do gesto de Juca de Chichico e o seu que aperta e não machuca. Os inflamados discursos políticos de Mundim Atleta em cima de um caixote de cerveja à porta do Bar de Nelson Vilas Boas sentando o cacete em Juscelino. As ferradas de Manoel Quatrocentos!
A cachaça de Bem-Pau-Véi penducando o equilíbrio nas ruas em paralelepípedos, a bazófia de Leônidas da Onça e a baratinha de Jair Aminthas. O sabor do pão alemão feito na Padaria Santo Antônio e entregue no lusco-fusco das manhãs por Adão Padeiro. Das bolachas formato pastilhas de seu Tóta que grudavam no céu da boca.
O sabor indefectível da garapa gelada de Jason, o pão de doce com manteiga Alvorada o carro de madeira de seu Manoel dos Carneirinhos. O colorido dos colares de Ogum e Oxossi do babalorixá-Baba-Obá Zé Fernandes. A leitura na biblioteca universal da doutora Juracy Felix e as ilustrações de Gustavo Doré na Divina Comédia e a surpresa de ler As Estâncias de Dzian de Blavasthsk.
O sapato bico fino furadinho em marrom e branco, presente de aniversário que ganhei do meu padrinho Deba. O bloco de papel de cartas com a gravura de Bem-me-quer, mal-me-quer na papelaria de Nice David e o cheiro da fumaça do cachimbo de Benjamim do Anglo e o jeito matreiro e curraleiro de Benedito Gomes.
Da camisa Prist, a tampa dourada do isqueiro Ronson, mastigar o quente pastel recheado de vento do bar de Tiano e do cigarro Columbia no bar de Bebé no velho Mercado Municipal.
Da caixinha de sorvete Esquibom saboreado e olhando aquela menina morena jambo dos olhos verde mar e de vestido Bangu. O relógio Tissot Militar do meu pai e da sua biblioteca da Sociedade Teosófica. A caneta Parker 51, pena foliada a ouro comprada na Gráfica Orion de Laertes David e da voz metálica e gutural de Zé Amaro.
O latido do cão dinamarquês de Loyola e Cia., o embornal de milho ou balas 44 na cabeceira das selas aos roletes de cana caiana na talisca de bambu. Ver os caminhões atolados na lama da rua Doutor Santos, o passeio no Cedro no Ford Bigode de meu pai, o Mate Couro no canudinho de palha, da brincadeira de finca, do estraque deixa, dos banhos nus em pêlo no rio do Melo tomando Cinzano Rossi...


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Por Raphael Reys - 22/7/2008 08:37:09
AINDA AS RECORDAÇÕES DOS ANOS 60

As histórias de Bolão, Reco Reco e Azeitona. Os almanaques e a figura feminista de Luluzinha. A revista Amiguinho e a Cine fã. As investigações metropolitanas e o clima de urbanidade de Shell Scott e da Filmelândia. A Revista do Rádio, os quadrinhos da Disney o Pererê de Ziraldo e as fotonovelas de Você.
A Revista Alterosa, o Grande Hotel com as novelas quadrinizadas e os modelos de roupas extraídos da Revista Glamour. Os leques importados do oriente com os quais as senhoras se abanavam nas reuniões de fim de tarde nos clubes de serviço, tomando chá com torradas e usando algum broche coco-e-ouro, herdado da avó.
Mudaram-se os tempos, mudaram-se as vontades e as moças não usavam mais laquê para armar a Touca Holandesa no cabelo e quando se apaixonavam, dançavam ouvindo Billy Vaughan e se deliciavam pensando ser Andrey Hepburn, tendo como fundo a trilha de Moon River. Saias de mini e micro, longuetes, midis e Lewis Straus. Meias arrastão, bota de cano alto e a homossexualidade deixava de ser crime na terra da Rainha Elizabete. As coisas eram IN ou OUT e algumas calças jeans eram usadas escargaçadas.
Elas se encantavam quando viam Try Donahue. Usavam calça boca de sino e suspiravam com a Jovem Guarda. Logo trocavam o modelo pela calça Saint Tropez de Brigitte Bardot e assistiam o filme Americam Grafite. Tempos em que a bala que matou Kennedy foi preparada em um restaurante de Niterói, que pertencia à máfia de Marselha.
Amantes e apaixonados escutavam Dio Como Te Amo e Roberta. Veio o movimento psicodélico e os mantrans da Hare Krisnha Temple. Crescia o artesanato hippie, aparecia Gal Costa e o Beautiful People e os Beatles cantavam Baby You Are Rich Moon e todo mundo assistia Hair. Os meninos viraram bicho e estava todo mundo louco, oba!
Aqui na terra de Figueira, Hermes e Josefina de Paula praticavam ações e projetos para a preservação da cultura, da música, do folclore e da história dos nossos Montes Claros. Virginia de Paula a coisa mais linda, estava sendo imortalizada em tela pelo lutieur, músico e pintor, compositor e instrumentista Godofredo Guedes, que deixou-nos como herança o seu monumental acervo de pinturas, a voz do seu filho Beto Guedes, a paciência de Zeca e a sua maior obra, a criação do saudoso Pice Pato, Pato Bellum.
Para encerrar com chave de ouro, Betânia cantava Carcará, o atual ministro Gil ia em cana, Geraldo Vandré jogava violão na platéia e crescia o movimento Black is Beautiful. Havia Bob Dylan e Chico Buarque e o Festival de San Remo, com Roberto Carlos vitorioso com a música, Canzone Per Te:
La festa appena cominciata è giá finita / Il cielo non è piu com noi / Il nostro amore era l`invida di chi è solo / La mia richezza la tua allegria / Perché giurare Che sara l`ultima volta / Il cuore non ti crederà / Qualcumo ti darà la mano / E com um bacio um`altra storia nascerà / E tu, tu mi dirai / Che sei felice come non sei stata mai / E a um`altra io dirò / Lê cose Che dicevo a te / Ma oggi devo dire ti voglio bene / Per questo canto e canto te / La solitudene Che mi hai regalato / I ola coltivo como um fiore / ...ma oggi devo dire Che ti voglio bene / Per questo canto e canto te / La solitudine Che tu mi hai regalato / I ola coltivo como um fiore / Ma oggi devo dire ti voglio bene.


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Por Raphael Reys - 11/7/2008 14:46:31
TRÊS DE PEDRO, UMA DE NAZARENO.
Nos anos 60, quando o alcáide-médico da terra de Figueira tomou conhecimento de que notívagos pisavam na grama do bem cuidado jardim do Automóvel Clube, ordenou ao Departamento de Serviços Urbanos da Prefeitura confeccionar placa de advertência tendo a mesma sida afixada no referido gramado.
No mesmo fora escrito: É proibido pisar na grama! Logo em seguida, na segunda linha: Quem não souber ler, peça ao vigia para fazê-lo. A suprema incoerência foi alvo de chacotas em todo o território nacional. Saiu inclusive na coluna O Impossível Acontece da popular Revista O Cruzeiro.
Na mesma gestão do alcaide chegaram à cidade, vindos de São Paulo e atraídos pela renda da municipalidade, um magote de 171 fazendo marketing, venda, instalação e manutenção de um relógio para logradouros públicos.
O dito era modelo internacional, última moda mo primeiro mundo. Em cada uma das suas quatro faces havia um cronômetro que marcava a hora em Paris, em Londres, em Nova York e ainda outro em Brasília. Tudo via Intelsalt!
Usufruindo a bufunfa da municipalidade trouxa e dos comerciantes enganados, as malas sem alça levaram três meses por aqui para montar e fazer operar a novidade. O maior Agapito! Os comerciantes afluíam diariamente ao logradouro, buscando ver o bom nome das suas empresas brilharem em néon naquela citada obra de arte contemporânea.
Depois de inaugurada, sob forte aclamação e comoção pública e expressivo festejo por parte da municipalidade e demais autoridades políticas presentes, aliando-se a presença das famílias vestidas em roupa de gala que, durante uma semana, tempo de funcionamento do relógio-agá, afluíam à praça Doutor Carlos, palco do espetáculo urbano para ver as horas internacionais.
Não demorou e logo outra notícia curraleira veio a ser veiculada pela imprensa nacional. Na residência do prefeito-médico, à rua Belo Horizonte, no centro, uma macaca orotango, criada em regime doméstico era filmada e fotografada lavando uma trouxa de roupas no tanque.
A meninada, animada pela novidade, subia ao muro da casa para ver a Chita lavadeira. A visitação foi de tal ordem, que o animal foi transferido com as suas presepadas para a fazenda do prefeito. Comenta-se que os assessores do alcaide usavam como marketing político à filosofia: Falem de mim, bem ou mal, mas falem! Toda a presepada era fruto de manobra da inteligência politiqueira tupiniquim!
Logo outra notícia quente correu a cidade em comentários à boca pequena! O conhecido cidadão da urbe, o popular Nazareno, cobra mais do que criada nas adjacências do Ateneu, e que na ocasião exercia o papel de secretário de consultório do médico-prefeito, fez a cabeça do mesmo instruindo-o a cobrar uma taxa mínima no valor de cinco cruzeiros.
Autorizada a cobrança, o secretário ficou encarregado de usar a verba para pequenos gastos como limpeza, compra de material de consultório e cafezinho a ser servido à sempre expressiva quantidade de eleitores e pacientes, que para lá afluíam em busca de tratamento médico gratuito.
O esperto Nazareno logo abriu uma poupança em seu próprio nome e andava com os bolsos barrufados. Como a impunidade campeava à solta, aproveitava o horário de meio dia às 2 da tarde, quando o médico almoçava e fazia a sesta para colocar o jaleco branco e atendia os pacientes novos com o nome de doutor Julião Branco.
Uma receita aviada indevidamente por ele a uma paciente sem a necessária precisão médica, foi observada por um farmacêutico criterioso, que acionou a polícia. Não fosse a influência do alcaide, o doutor Julião Branco tinha curtido um tremendo xilindró!


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Por Raphael Reys - 8/7/2008 07:17:08
DUAS HISTÓRIAS LIGEIRAS

Primeira história: Relatamos o nobre montes-clarense Alexandre Lopes que nos bons 1970 enquanto a seleção Canarinho ganhava a Copa do Mundo em Guadalajara no México, ex-nadador e atual comerciante João preparava uma viagem comercial à vizinha cidade de Espinosa.
Naqueles tempos, a buraqueira fazia da viagem uma aventura, fora o perigo de se ficar sozinho à noite, com o carro quebrado, fez com que João procurasse um companheiro para a viagem. Encontrou o fazendeiro Quinca Queiroz, para sua companhia na empreitada.
Após o abastecimento do veículo os dois tomaram uma dose de conhaque para dar sustento e pé na estrada. Já levando a primeira poeira no rosto, João perguntou: de que nós vamos falar durante a viagem Quinca? O compadre Quinca respondeu na bucha: do melhor assunto do mundo. A vida alheia! E arrematou: pois a estas alturas a nossa vida tá na boca de todo mundo!
E assim transcorreu a viagem de parada em parada, de dose em dose, de prosa em dois dedos em prosa. João resolveu o que tinha que resolver em Espinosa e logo voltaram para a terrinha. As línguas estavam emboladas de tanto falar do alheio, às orelhas dos falados pegando fogo!
Vez por outra se ouvia uma interjeição: Virgem compadre, você tem certeza disso? - Então o homem é ladrão mesmo! - Isso vai dar cadeia. – e até agora ele ainda não sabe? Já avistavam Montes Caros, coração robusto do sertão, quando Quincas pediu uma parada.
Teatralmente botou as mãos na cabeça e João Galo perguntou: o que é que teve meu compadre Quincas? Ele respondeu: passamos-nos a viagem falando da vida de todo mundo e não falamos da vida do mais importante de todos! João perguntou: e quem é esse que esquecemos? Quincas em cima do pedido: de Darci!
João retrucou: vamos abastecer no posto do Max mim e fazer uma viagem completa só para falar desse aí!
Segunda história: Gordo herdeiro, fazendeiro só de chapéu e canivete na cintura, passava a vida tomando cachaça e esperando que o velho pai, líder político e agro-pecuarista viesse a bater as botas deixando as herdades adquiridas, ilicitamente, com a construção da estrada de ferro.
Como o pai não morria, resolveu candidatar-se e se elegeu prefeito da sua cidade natal à sombra do nome do paterno. Com a grana dos cofres públicos já nos bolsos, foi para São Paulo travar conhecimento com o mundo moderno e com políticos de projeção.
Passando pelo centro da capital paulista acompanhado de um assessor político de Jânio Quadros, parou em frente a um canteiro de obras cercado por estacas com baldes vermelhos nas pontas postos ali como advertência aos pedestres e como contenção dos mesmos em face ao perigo dos buracos.
Retirou da carteira uma nota de cinqüenta cruzeiros e a colocou dentro de um das baldes. O assessor político, sem entender o porquê perguntou entre assustado e hilário o motivo do gesto daquele prefeito curraleiro. Ele respondeu no alto da sua prezopopéia: eu sempre contribuo regiamente para as campanhas da Emobrás!
No balde, estava escrito EM OBRAS.
Ele imaginou que a presença das baldes (muito embora os mesmos estivessem de boca para baixo, postos nas pontas das estacas delimitadoras) indicava, ou sugeria o recolhimento de contribuição em moeda corrente para uma suposta organização de auxílio a necessitados, feita a nível de governo.
Era o delírio de um homem da roça na metrópole!


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Por Raphael Reys - 3/7/2008 06:53:26

O LENHADOR DE BUENOS AIRES E A JANELA EUROPA DE NOITE.

Nos idos de 1957, a cidade comemorava o seu centenário e o popular Manoel Quatrocentos há três anos morando em São Paulo, para onde fora em busca de aventuras retornou à terra de Figueira. Enquanto por lá estava, mandava notícias dizendo morar no bairro La Boca, em Buenos Aires, na Argentina.
Trouxe na bagagem vários ternos comprados no brechó do Bom Retiro com os quais desfilava garboso pelas ruas em festa da urbe. Retornou falando um caprichado portunhol amacarronado, dicção bastante carregada e fez enorme sucesso com as suburbanas do Sessé e adjacências. Deitou e rolou nas alcovas!
Afirmou que cortava lenha para Perón e Evita!
Belarmina Reis, minha avó paterna proprietária do Hotel Serra Azul na época do fogão à lenha, comprava carrada fechada do produto para a queima em sua cozinha. Enviou recado ao Manoel visando contratá-lo para o corte da lenha reativando o costume antigo de tê-lo como lenhador.
Manoel chegou vestindo elegante terno modelo inglês, sapato Fagionne bico fino furadinho, cor marrom e branco, chapéu de coco, bengala, dentes com obturações a ouro aparecendo, bigodinho a Clark Cable. Um lenhador dandi!
Gesticulando teatralmente despejou a sua verborréia internacional, negociou o preço dos serviços em grande estilo, falou dos seus amores tropicais com a cantora Sarita Montiel, tudo sob a concorrida assistência da meninada da rua Tiradentes que brilhava os olhos de contentamento aos escutar as novidades do Manoel Quatrocentos.
Como era ousado, imitava o cantor Jorge Veiga se apresentando no programa de calouros de Alceu Queiros, na ZYD7. Dotado de natural verve, Manoel Quatrocentos arranjou uma nova companheira que passou a ser chamado pela galera de Maria Tostão.
Comprou o seu barracão no alto dos Morrinhos onde hoje está instalada a TV canal 4, e como porta instalou uma grande janela de madeira maciça de duas bandas, obtida do desmanche de um casarão colonial. Com a vista privilegiada do seu barraco, batizou a porta/janela de Europa de Noite, alusão a um filme de sucesso da época.
Como era mestre na arte do trocadilho e freqüentador do bar do Zim Bolão, sempre ao chegar aplicava uma das suas ferradas em algum cliente, antecipando assim a gozação dos habitues, que testavam as suas respostas precisas a qualquer pergunta ou questionamento.
Uma tarde, ao chegar ao badalado local, viu um guarda de trânsito comendo um pastel e logo aplicou uma das suas ferradas. Falou: quem come guarda repete a comida! Deu zebra. O policial exigiu esclarecimentos e por pouco o nosso Manoel não caia no cassetete!
Certa feita, um mala sem alça ganhador de um prêmio de loteria para se ver livre dos parentes pobres fez circular pela cidade o boato de que quem havia sido premiado era o Manoel Quatrocentos. Cheio de bazófia, o Manoel confirmou o boato e aí passou a trocar de terno três vezes por dia, curtindo o maior barato pelas ruas da cidade!
Despertou o olho gordo da malandragem de plantão!
Na calada da noite, enquanto dormia com a Maria Tostão, sua companheira, e após tomar cinco doses de cachaça branquinha no Bar do Bebé, os meliantes arrombaram a porta Europa de Noite do seu barraco. O manietaram juntamente com a sua companheira e os espancaram, buscando encontrar o suposto dinheiro escondido no local. Como tudo era uma bazófia como vingança cobriram o Manoel no coro!
Socorrido por vizinhos na manhã seguinte, foram internados em estado grave na Santa Casa local.


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Por Raphael Reys - 28/6/2008 06:38:28
DAS RECORDAÇÕES DA INFÂNCIA

Pedaços da minha infância nos Montes Claros provinciano dos anos 50 e 60, detalhes de um cotidiano bucólico, tipos humanos, coisas simples... Ternuras!A pança de Deba de Freitas, balançando a calca de linho S120. O ar tranqüilo e resoluto de Mário Veloso, na sua pharmácia de manipulação e o indefectível cabide rococó de colocar os chapéus dos elegantes cavalheiros de antanho que chegavam para dois dedos de prosa.
Os óculos modelo Ronaldo do líder político Ronaldo de Neco Santa Maria, a traseira do Cadilac Rabo de Peixe de Oscar Gabriel, o baticum do reclame da Boneca de Leonel pelas ruas em paralelepípedos. O guaraná espumante no Montanhês e a conversa inteligente do elegante professor Pedro Santana.
Padre Agostinho, o último dos brutos atávicos vociferando impropérios à porta do confessionário e o estofado vermelho-fogo do Lincol Preto de Dom José Alves Trindade.A visão do contraste da mão branca de Virgínio Preto segurando a pirata com o cabo incrustado em prata. O cavalo Appaloosa do cow-boy de Janaúba e as histórias hilárias e inteligentes de João de Paula.
O menestrel João Leopoldo cantando na nave da Catedral, os chapéus Ramezhonne da Casa Preferida à voz de Nivaldo Maciel e o Irmão Marista Idelfonso lendo e teatralizando os capítulos de Inocência de Taunay
O triste destino do menino no colo de Maria Babona, o pedaço de jornal com as letras para baixo de Geraldo Tatu, o tubo do lança perfume Rodoro metal no carnaval da Rua XV e a fantasia de Yalorixá de dona Afra Bichara abrindo o carnaval de rua e Lazinho Pimenta gritando Evoé foliões! A fantasia de Zorro de Biô Maia curtindo uma ressaca à porta do Cabaré de João Pena com o chapéu amassado.
O boné de couro do chapa Brigadeiro, a bengala cabo de marfim de Vavá Alfaiate, os suspensórios de Benjamin Rego e o Colt Cavalinho de Antonio Leite. Fragmentos de lembranças do gesto de Juca de Chichico e o seu que aperta e não machuca. Os inflamados discursos políticos de Mundim Atleta em cima de um caixote de cerveja à porta do Bar de Nelson Vilas Boas sentando o cacete em Juscelino. As ferradas de Manoel Quatrocentos!
A cachaça de Bem-Pau-Véi penducando o equilíbrio nas ruas em paralelepípedos, a bazófia de Leônidas da Onça e a baratinha Volkswagen de Jair Aminthas. O sabor do pão alemão feito na Padaria Santo Antônio e entregue no lusco-fusco das manhãs por Adão Padeiro. Das bolachas formato pastilhas de seu Tóta que grudavam no céu da boca.
O sabor indefectível da garapa gelada de Jason, o pão de doce com manteiga Alvorada o carro de madeira de seu Manoel dos Carneirinhos. O colorido dos colares de Ogum e Oxossi do babalorixá-Baba-Obá Zé Fernandes. A leitura na biblioteca universal da doutora Juracy Felix e as ilustrações de Gustavo Doré na Divina Comédia e a surpresa de ler As Estâncias de Dzian de Blavasthsk.
O sapato bico fino furadinho em marrom e branco, presente de aniversário que ganhei do meu padrinho Deba. O bloco de papel de cartas com a gravura de Bem-me-quer, mal-me-quer na papelaria de Nice David e o cheiro da fumaça do cachimbo de Benjamim da Anglo e o jeito matreiro e curraleiro de Benedito Gomes.
Da camisa Prist, a tampa dourada do isqueiro Ronson, mastigar o quente pastel recheado de vento do bar de Tiano e do cigarro Columbia no bar de Bebé no velho Mercado Municipal.
Da caixinha de sorvete Esquibom saboreado e olhando aquela menina morena jambo dos olhos verde mar e de vestido Bangu. O relógio Tissot Militar do meu pai e da sua biblioteca da Sociedade Teosófica. A caneta Parker 51, pena foliada a ouro comprada na Gráfica Orion de Laertes David e da voz metálica e gutural de Zé Amaro.
O latido do cão dinamarquês de Loyola e Cia, o embornal de milho ou balas 44 na cabeceira das selas aos roletes de cana caiana na talisca de bambu. Ver os caminhões atolados na lama da rua Doutor Santos, o passeio no Cedro no Ford Bigode de meu pai, o Mate Couro no canudinho de palha, da brincadeira de finca, do estraque deixa, dos banhos nus em pêlo no rio do Melo tomando Cinzano Rossi...


36296
Por Raphael Reys - 23/6/2008 07:09:21
DAS RECORDAÇÕES....

Alguém chegou a dizer que a vida é feita de pequenos nadas e o poeta Manoel de Barros afiançou: as coisas que não servem para nada têm grande importância.
Fragmentos da minha infância nos românticos anos 50, instantes do cotidiano bucólico, flashes de imagens e memórias de sons. No desfile das recordações surgem o impostado locutor Eron Domingues (cobra implantada pelo sistema) transmitindo pelas ondas galenas do rádio o Repórter Esso, o atentado da rua Toneleros, a condenação do inocente Tenente Bandeira.
A novela O Direito de Nascer, o gingle de o petróleo é nosso e a chatura de ouvir as vozes de Marlene e Emilinha disputando tronos de rainha. O maiô Catalina, as divinas coxas de Marta Rocha e o frenético solo de bateria de Sinatra em O Homem do Braço de Ouro. O Fla-Flu, a voz e a beleza de Sarita Montiel, a pose encorpada e chique de Evita Perón.
Os discursos amacarronados do pau mandado do Pentágono Getúlio Vargas, as revistas pornográficas de Carlos Zéfiro impressas no mimeógrafo, as maravilhosas crônicas de Rachel de Queiroz na Revista O Cruzeiro, o útil almanaque Biotônico Fontoura, a brochura O Coyote e as fotos peladona de Luz Del Fuego e sua jibóia, na fatídica ilha das mil e uma noites tropicais.
As gravuras em nanquim de Gustavo Doré ilustrando as páginas de A Divina Comédia, os poemas de Tagore, a leitura de As Estâncias de Dzian de Blavasthsk, os metafísicos manuscritos das Leis de Nodim, os apócrifos e as cartas de Paulo Apóstolo à Rufo de Tostosa, os livros teosóficos da biblioteca do meu pai.
Alice nos País das Maravilhas e o trote do cavalo Rocinante, a imortalidade de Fédon de Platão, a beleza descritiva do Germinal de Zola.
O estofamento de couro em vermelho-fogo do Impala 1955, o rabo do Cadilac Rabo de Peixe, a beleza romântica das linhas do Belair e a manivela do Ford Bigode os bondes românticos sobre os trilhos de um Belo Horizonte rococó em suas linhas simétricas de Aarão Reis e a Igreja da Pampulha de Niemeyer, com suas linhas curvas.
Cavaleiros de terno e chapéu de palhinha, damas com blusa de crepe de chine e jóias de coco e ouro. Rescendiam a perfume Nuit de Noel ou ao sensual Lorigan.
O glamour em óculos Ray-Ban dos socialites na pérgula do Copacabana Pálace a felicidade de minha avó Bella em assistir o Congresso Eucarístico no Rio, a minha Kodak caixa metálica, lente plena.
As borbulhas do guaraná champanhe da Antarctica no canudinho de palha, o Colt Cavalinho do meu avô, as alpargatas Roda, a galocha de borracha e o meu presente importante de um sapato bico fino furadinho marrom e branco, estilo cáften. A bicicleta sueca o clique charmoso do isqueiro Ronson, o bloco de papel de cartas com a gravura de Bem-me-quer, Mal-me-quer, o texto e a voz de Felippe Prates em Jerônimo, O Herói do Sertão.
Os bilros, a renda em arte, o indefectível xale preto e o cigarro de zabumba branca de minha bisavó Maria Rosa aceso na sua crise asmática.
O relógio Tissot Militar do meu pai, a caneta Parker 51 pena folheada a ouro e o couro de amolar a navalha Solinger do meu bisavô. A moda dos óculos modelo Ronaldo, a Lurdinha e a Capa Preta de Tenório Cavalcanti a mística do PDT. A caixinha do sorvete Esquibon, o tubo de papel metalizado do Chocolate Kaufman.
O aparelho telefônico de baquelita preta da Siemens ao listrado tecido da camisa Prist, o lança perfume de Rodoro metal, o arroto produzido pela ingestão da Coca-Cola, a maciez e a permanência do sabor das balas Toffe a cara de cachaça de Araci de Almeida cantando Conversa de Botequim, de Noel Rosa.
A dramaticidade passional de Gardel, a cara de mal de Gregório guarda-costas de Vargas, o marketing teológico de Marcelino Pão e Vinho, o trapézio do Circo Burney, a Winchester Papo-Amarelo do detetive Perpétuo, as contas brancas do colar do Babalorixá Joãozinho da Gomeia, o altar de purificação do gongá de Mãe Menininha de Cantois.
Os enlatados épicos: A última Carroça, o Último dos Moicanos ao romantismo de Um bonde Chamado Desejo, o topete de James Dean e os seios de Marylin Monroe em Os Desajustados. A boca orgástica e a barriga sensual da novata Brigite Bardot, o ar de inocente de Vivian Leigh e o bigode canastrão de Clark Gable em E O Vento Levou.
Os desfiles da Bangu, o perfume Coty, as calças Roebucks, cabelo à Príncipe Danilo um Martini com azeitona tomado escondido, um bolachão de acetato 78rpms tocando Cauby Peixoto...Conceição/ eu me lembro muito bem/ vivia no morro a sonhar/ com coisas que o morro não tem/ foi então/ que lá em cima apareceu/ alguém que lhe disse a sorrir/ que, descendo à cidade, ela iria subir/ se subiu/ ninguém sabe, ninguém viu/ pois hoje o seu nome mudou/ e estranho caminho pisou/ só eu sei/ que tentando a subida desceu/ e agora daria um milhão/ para ser outra vez/ Conceição!


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Por Raphael Reys - 18/6/2008 10:03:53
A FALTA QUE NOS FAZ
Os sabores, coisas e sons dos Montes Claros dos ainda românticos anos 50, seus caprichos e o seu comércio com atendimento próprio de compadres e comadres.
A geração moderna, comedores de carne de gado confinado encharcado de química e de petiscos industrializados não se deliciarão com o sabor da galinha caipira, na bacia de alumínio do bar do Calisto, o borbulhante guaraná Antarctica acompanhado do pastel delicioso da Leiteria Celeste, de Zé Priquitim, o café da manhã com o biscoito de farinha de Zim Bolão.
Não jantaram o Baião de Dois de Miguelzinho, na Mineira, o filé A Parmegiana do Restaurante Palhoça, a feijoada do Baiano, a carne de sol de João no Bar do Toco e nem se deliciaram com a surpresa de comer o pastel recheado de vento quente do Bar do Tiano nem saborearam a Vaca Preta com canapés de Josias Loyola, na Cristal nem comeram o PF de Leopoldo Cozinheiro.
Triste é morrer sem sentir o sabor do churrasco de Leon, o caldo de cana de Jason, a cachaça fubuia de Zé Saruê, o PF suculento de Pedro Granadeiro no mercado sem comerem como sobremesa de uma talhada de geléia do Artur. Não verá a paciência de Calisto Souza servindo cafezinho e nem verão Zezinha vendendo bilhetes, e cafezinho padrão em cima de um caixote de madeira.
Mais triste ainda é morrer sem no sábado tomarem o erótico caldo de mocotó da Natália, sem a farofa de jurubeba, de Jacinto Cozinheiro, o mexido de feijoada do Intermezzo, também conhecido como Roupa Velha, que tinha até prego de tábua de chiqueiro misturada nos seus componentes, acrescido do torresmo crocrante de Juvenal. Deixaram de saborear a carne de sol no boteco de Pedro de Capitão Enéas, não comeram o PF da Zezé à porta do bar de Zé Saruê.
Não verá a catrumama bicicleta sueca de Adão Padeiro, entregando o pão alemão da Padaria Santo Antonio, no lusco-fusco das manhãs. Não comerá da pizza, no restaurante do Mário Torino, tomando uísque Cavalo Branco. Sem provar os roletes de cana caiana na talisca de bambu, ou pirulito de rapadura na tábua furada.
Não saberá das aventuras da Agulha do Gera, o requebro de Nilsinho, o tango da meia noite na Papillon de Afrânio, nem verá a esplendorosa beleza de Etelvina, dançando bolero na boate Maracangalha sob o prisma da luz vermelha e o efeito multicolorido das bandeirolas no teto. Não conhecerá os encantos de Kama-Sutra e as delícias de mil e uma noites, da alcova de Maria Bocaiúva e os seus olhos de mistério.
O cheiro do Rodoro de metal, no lenço nem ouvirão a voz de Dincanga embriagado cantando, Marta Campolita Del Rosa nem apreciará O sex-appel de Boneca desfilando serelepe nas noites tupiniquins, a cachaça Subejo de dona Nieta, na casa Minas Gerais nem verão o seu efeito colateral fazendo Geraldo Tatu cantar o Hino Nacional de trás-prá-frente.
Uma caderneta de fiado, no Armazém Globo de Antonio Barreto e o picolé de groselha e água do Bar Sibéria. Jaú da Pensão, falando dentro dos ouvidos dos burros carregados com bruacas de rapadura e amarrados à porta do Mercado Municipal.
Não verá o seu avô amolando navalha Solinger na tira de couro e nem sentirão o perfume Nuit de Noel da sua avó, o vestido tomara-que-caia, amarrado com arame no busto, o maiô Catalina e as divinas coxas de Marta Rocha, nem ouvirá Cauby Peixoto cantando...

Conceição/ eu me lembro muito bem/ vivia no morro a sonhar/ com coisas que o morro não tem/ foi então/ que lá em cima apareceu/ alguém que lhe disse a sorrir/ que, descendo à cidade, ela iria subir/ se subiu/ ninguém sabe, ninguém viu/ pois hoje o seu nome mudou/ e estranhos caminhos trilhando/ só eu sei/ que tentando a subida desceu/ e agora daria um milhão/ para ser outra vez/ Conceição...


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Por Raphael Reys - 11/6/2008 06:49:07
BOSSA NOVA E GIM TÔNICA

Um cantinho e um violão/ esse amor uma canção/... Em 1957 Tom e João Gilberto cantavam Corcovado essa música cool quando o país vivia musica de dor-de-cotovelo. A bossa nascia no Beco das Garrafas na boate Bottles. Carlos Lyra, Menescal, Luiz Eça e Elizete Cardoso gravavam o primeiro LP de bossa nova.
Canção de Um Amor Demais marcou época e Nara Leão, a grande musa do movimento, incrementava festas em sua casa propagando o novo movimento musical.
Montes Claros comemorava o seu Centenário Hermes de Paula trazia ao palco do Colégio Imaculada Vinicius, João Gilberto e Baden Powel, que chegaram e cantaram: o pato/ vinha cantando alegremente/ quem...quem.
JK era o mito brasileiro chamado de presidente bossa nova. Tom e João Gilberto davam o primeiro concerto internacional no Carnegie Hall em Nova York e Frank Sinatra se apaixonava pela bossa e o seu balanço suave.
Aqui nos Montes Claros, Nenzão Maurício formava a roda dos aficionados da Bossa Nova que reunia em sua casa na Avenida Coronel Prates, no centro. Dona Zezé agüentou muito barulho e ouviu muita voz desafinada de notívago!
Os Cariocas se apresentavam na boate Au Bom Gourmet em Copacabana, Jobim lançava o seu álbum com Astrud Gilberto cantando e Stan Getz no trombone enchendo o ar de solo mágico.
Na curraleira terra de Figueira a bossa Nova ia de vento em popa. Nos reuníamos na Cristal, nas praças, nos clubes volantes, amanhecíamos o dia na rua escutando o bongô de Ruizinho, a percussão de Julião batendo com os dedos na mesa do bar e Walmor de Paula imitando o solo de Stan Getz ou cantando música saudosista, Conversa de Botequim, de Noel.
Aconteceram na Faculdade de Arquitetura do Rio de Janeiro os famosos shows de Nara Leão, João Gilberto, Vinhas, Menescal, Alf e outros. Marcaram época. Vinícius e Edu Lobo compunham Arrastão, canção que se tornou símbolo do fechamento da Bossa Nova.
Garota de Ipanema era a música mais cantada no mundo e Sinatra, The Voice e Jobim gravavam o internacional disco Francis Albert Sinatra e Antonio Carlos Jobim.
Aline Mendonça arrasava no Rio de Janeiro e em Montes Claros com o seu vozeirão cantando ao bom estilo da vanguarda de esquerda. Saíamos aos bandos na noite dos sertões montes-clarenses tomando vodca ou gim tônica com canapés. Serestas, festas e víamos o sol nascer escutando: tão bonita/ que ela é/ cabelos lisos/ como eu nunca vi/ camisa esporte/ sobre a calça Lee...
Para variar, cantávamos imitando Ataulfo Alves, Ary Barroso, Pixinguinha e mesmo o rock`n`rol de Bill Halley e Elvis Presley.
Desde a sua composição nas mesas do Bar do Veloso em Ipanema a música Garota de Ipanema passou a ser o hino da Bossa Nova:
Olha que coisa mais linda/ Mais cheia de graça/ É ela menina/ Que vem e que passa/ Num doce balanço, a caminho do mar/ Moça do corpo dourado/ Do sol de Ipanema/ O seu balançado é mais que um poema/ É a coisa mais linda que eu já vi passar/. Ah, porque estou tão sozinho/ Ah, porque tudo é tão triste/ Ah, a beleza existe/ A beleza que não é só minha/ Que também passa sozinha/. Ah, se ela soubesse/ Que quando ela passa/ O mundo sorrindo se enche de graça/ E fica mais lindo/ Por causa do amor.
E ficava mesmo!


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Por Raphael Reys - 4/6/2008 07:31:50
A QUEDA DO AVIÃO

Um caminhão de defuntos! Em 1955, caiu sobre esta terra de Figueira uma chuva que durou quarenta dias. A cidade ficou isolada por terra, com as estradas rompidas e sem socorro aéreo dado ao nevoeiro constante e a chuva que caia ininterruptamente.
Com uma aparente melhora do tempo em um dia, passageiros que estavam em Belo Horizonte ficaram afoitos e motivados pela saudade do lar fretaram um avião executivo voando para Montes Claros.
Como o tempo piorou o piloto não encontrava o aeroporto as autoridades convocaram os proprietários de veículos que rumaram até à pista de pouso e a iluminaram, buscando permitir o pouso de emergência.
Por pouco o avião não pousou na Praça da Catedral, em virtude do piloto devido à neblina ter avistado a luz vermelha no alto da torre e confundido com a da pista o aeroporto.
A cidade entrou em oração e ação! O destino, entretanto, foi mais contundente. Após voar em círculos e em baixa altitude já de noite, para gastar o combustível, e diminuir o risco de incêndio durante o pouso, deu-se a tragédia e o avião chocou-se contra o topo de um morro nas cercanias da nossa cidade sem sobreviventes.
O resgate dos corpos, a passagem difícil em macas pela forte correnteza de um rio e o transporte até a cidade, foi uma aventura comandada pelo capitão Coelho, delegado de polícia local. Requisitaram-se voluntários entre os moradores locais, para compor o efetivo.
A operação foi fartamente documentada por fotos clicadas pelo fotógrafo Coriolano Guedes, do estúdio CG, montado na rua Doutor Santos, no centro.
Recolhidos os corpos das vítimas e empilhados na carroceria de um caminhão da prefeitura foram transportados até à rua Tiradentes em frente ao número 216, porta da casa de dona Maria Ramiro. Dado a impossibilidade da vinda de legistas da capital para fazerem as competentes necropsias em tão grande quantidade de corpos, o juiz de direito e George o agente de saúde que morava naquela rua liberaram esse trabalho confiando-os aos médicos locais.
De pé, na janela rococó da casa de Maria Ramiro, minha vizinha pude então vislumbrar o quadro dantesco do estado dos corpos quando a lona que os cobria foi retirada para a vistoria do agente e do juiz, quase desmaiando pelo impacto da cena. Um militar chamou o capitão e informou que o corpo do piloto, um gigante de tamanho e força ainda tinha movimentos.
Ele perdera a perna direita e os braços durante o impacto, assim como outros passageiros e os membros estavam amontoados no fundo da carroceria.
Os corpos, dado à umidade da chuva constante, não exalavam mau cheiro, apesar do tempo transcorrido entre o acidente e o resgate, mais de uma semana.
Impressionado, em decorrência da terrível cena vista, passei mais de trinta dias sem comer carne!
Por mais de um ano o acidente tornou-se assunto cativo de rodinhas das esquinas que comentavam o fato e os detalhes do acontecimento macabro.


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Por Raphael Reys - 29/5/2008 15:19:45
NOVE FIGURAS NO PANO VERDE

Por tradição, a nossa urbe era nos anos 40 e 50, das mais conhecidas e destacadas pelas suas mesas de carteado. Mesmo depois que o Presidente Dutra assinou o decreto proibindo o jogo no solo Brasileiro e a jogatina perdurou nas nossas mesas do pano verde.
Por aqui, tínhamos o empresário João Pena, que manteve a chama da mística do Casino Minas Gerais. Trouxe, assim como o seu antecessor Sinval Amorim, para nossa urbe, levas de turistas barrufados de grana, vindos da Argentina, Uruguai, Paraguai e de outros estados da nossa federação. Tentavam a sorte no nosso pano verde nas nossas roletas.
Aviões fretados saiam de Petrópolis trazendo jogadores ricos habitues do Hotel Quitandinha, bolsos recheados para gastar na nossa boemia.
Tínhamos o elegante Píndaro Figueiredo, cobra criada nesse Butantã, que foi jogar nos cassinos da Itália. Com a desativação do Cassino, João Pena abriu o seu Bar Dólar Furado e o Clube Montes Claros fez história com o seu pano verde e as nove mandalas de figuras geométricas, que enfeitiçavam os notívagos da urbe.
Em cima da Casa Alves na rua XV o cassino de João Ferreira, época em que Dadú e Cabeção gerenciavam a jogatina do Clube Montes Claros. Ali cobras do baralho como Barretim Relojoeiro, Gentil, Aveno, Gilbertão, Grimaldi, Neco Jabuti e Alcides. Tempos românticos de cavalheiros bem vestidos, elegantes e do bolso cheio do vil metal.
Entre os nossos ases do baralho, destacavam-se Sinval Amorim, e os irmãos Figueiredo, que animavam as mesas. O elegante Dominguinhos, rico pecuarista tinha ingresso em todos os cassinos do Brasil. O médico Moreira Cezar entre outros eram animados participantes.
Bookmaker, jogadores, garçons, patos barrufados e cobras criadas saboreavam lautos tira-gostos do Bar do Sinval, do Restaurante Mangueirinha, e do Bar do Leon, trazidos pelos garçons.
A portaria do clube era rigorosa, só entrava sócio e ou convidado especial. Pif-Paf, batidas pôquer, chemim de fér, entre os atendimentos de Tião, Cesário Pedro, ainda pequeno e já faziam escola de malandragem na noite.
Logo veio o modernismo e o carteado do Automóvel Clube, com uma nova geração de cobras: Dimas, para esquentar a mesa, Ney Mesquita para detonar os patos pára-quedistas que aportavam por aqui tentando ganhar grana de otários da roça, mas levavam chumbo grosso na asa.
Aqui, só tem cobra criada! Nos somos da roça, em troca, porém um verdadeiro Butantã de ofídios tupiniquins, quem chega para tentar nos enganar, sai liso, leso e louco!
No pano verde, nas fichas, nos dados e em qualquer jogo que rola, nós fazemos escola!


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Por Raphael Reys - 23/5/2008 06:41:58
MURRÃO DA ROÇA

Dentre os valentes dessa terra de Figueira em tempos de antanho, tínhamos o Chico Dominguinhos, o Tenente Estrela, e nos anos 50 Lêro Reis o boxeador.
Nos Montes Claros ainda românticos, o halterofilista Leônidas era um modelo de masculinidade da época. Só que rasgou a boca no arame ao desafiar um magro e pequeno forasteiro chamado Baianinho, um mestre em capoeira, que lhe aplicou uma surra na terra poeirenta e vermelha das ruas de então.
Chapas de caminhão costumavam serem valentes e fanfarrões, assim como Leonel Cara Cortada, ou Leonel Estrelinha que foi furado no pescoço por Gerinha Portuguesa, outro valente. E também o chapa Brigadeiro, que não usava camisa tinha empunhadeiras de couro nos pulsos e andava se balançando todo. Feito pato descendo o morro!
Aí veio a geração de valentes presepeiros, como o Canário Pardo que tinha os braços tatuados e só andava em cana; Negão da Titia, que assombrava a Malhada Santos Reis. O bairro Roxo Verde era palco de muitos valentes: Zé Louro, Tião Chapa, Jailson e Xuxú um guarda costas de políticos.
Dentre outros valentes do pedaço havia o Sapatão da Vila Oliveira, o Zé do Burro que era guarda costa de Manoel do Bandeira 2. Noé Santana no Alto São João, Zé Piolho na Vila Ypiranga, ex-atleta e torcedor fanático do Bela Vista.
Dentre os valentes e bazofistas o Zé Veloso da Santa Rosa, que derrubava os juizes de futebol que marcavam pênalti contra o seu time de estimação. O Geraldim Puliça no Renascença e o Sansão na Vila Brasília. O João Tijolo valente empreiteiro de mortes encomendadas e o folclórico Eduardo Pistoleiro.
Didi Fofo, nos Morrinhos que foi enrolado em fios de arame farpado e jogado ladeira abaixo rolando. O exemplo não adiantou nada!
Nenzim e João Brejeiro, Paulo do Dnocs, Gabilera do Alto São João, que furava bola em jogo e Zé Doido e João Capa Preta, na Igrejinha do Bom Jesus.
Da equipe de peões da Matsulfur dois valentes que davam trabalho: Edson Estragarraça e Nogueirinha, toda segunda feira tinham que ser tirados da carceragem por Necésio de Moraes. Na baixada da Matriz, os valentes eram o Borreta e o Leonídio!
Na galeria dos destemidos e valentões, cita-se Wilson Fróes, Walter Zorro, Geraldo Pau de Sebo, Cabila do Roxo Verde e o negão Torresmo, da nova geração das escolas de capoeira. Não podemos deixar de citar o valente e dom Juan arrasador de corações de mulheres mal amadas, o Dilo Barbeiro, com seu facão curto dentro da bolsa a tiracolo.
E para encerrar a crônica, citaremos um frouxo e laxativo. Evandro Canzil, um cruzeirense enrustido que veste camisa do Atlético para despistar e bagunçar o coreto dos atleticanos. Ele é tão frouxo que corre de medo de despacho arriado na encruzilhada e medalha com o signo de São Salomão! É tão medroso que não passa na porta da Casa Minas Gerais.
Nós temos histórias. Somos curraleiro, mas, somos chiques. Arrasamos até em murrão da roça!


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Por Raphael Reys - 16/5/2008 13:43:09
O bloco carnavalesco Feijão Maravilha foi fundado pelo líder sindical Nivaldo Feijão, ora aposentado. Nivaldo foi o fundador do PT em Montes Claros.
Na época áurea dos carnavais de rua de 1978 a 1988 o bloco, juntamente com a Escola de Samba Destak representava o bom carnaval do bairro Morrinhos. Chegou a ter quatrocentos componentes em suas alas.
Na sua sede própria à rua Corrêa Machado, 267, ensaia diariamente com toda garra para trazer animação ao carnaval temporão que será realizado entre os dias 22/23 e 24 do corrente, tendo como passarela as folclóricas ruas da Praça da Matriz e adjacências.
Tudo sob a coordenação da Secretaria de Cultura do município e a Agrocar.
O bloco, hoje com duzentos componentes tem como quesito nota dez o samba no pé e a sua bateria, coordenada pelos mestres Eduardo Bastos, (também autor da letra e música do samba enredo do bloco) e o Bolota. Nos tamborins, o mestre Delei faz a coordenação.
A ala Mestre sala e Porta Bandeira serão confiadas aos artistas e professores de dança Daivson e Luciana que formam o casal.
Desfilaram concorrendo ao primeiro lugar os blocos Lequedê do Bairro Santa Rita, os Unidos da Vila, que representa a Vila Guilermina e o bloco Sacy do bairro Santo Expedito.
Os componentes da bateria nota dez são: SURDO- Nil, Bim, Aruca de Cizino, Tim, Biga, Divino, Quiné, Abel e Ró. - SURDINHO-Getúlio, Nenzim, Frank, Willham, Chapolin, Carel e a garota Márcia. - RIPINIQUE – Dio, Fernandinho, Amaral e Zé Maria da capoeira. - TAROL - Mestre Bolota, Carlinhos, Landi, Tanekão, Wellington, João, Maicon, Marquinhos, Cascão e Betinho de Zacarias. - TAMBORIM – Mestre Delei, Nino, Erick, Fabinho, Tiago, Antonio Marcos, George, Osmar, o pequeno Pedro Henrique e as garotas, Rafaela, Luam, Janaina, Mahira, Larissa e Elizângela.- CHOCALHO – Zeca, Elias, Biluca, Ró e Willham. - AGÔGÔ - O cobra criada Viví, promete fazer o instrumento falar na avenida!
As Rainhas que trarão o encanto à frente da bateria foram apresentadas pelo jornalista e colunista social João Jorge, do Jornal O Norte de Minas e ligado ao evento. São elas:
Mariana Martins do Santos Reis, Gláucia Lopes estudante da FUNORTE, a musa do carnaval, Ísis Daniele e Gislaine Moreira do Vera Cruz. O rei momo será o folião Pablo Ruan, que já prepara a fantasia no capricho.
Com a volta do bloco Feijão Maravilha ficou em evidência o Beco dos Carijós, passarela ao lado que agora foi elevada à categoria de Alameda dos Carijós. Como no morro tudo é exótico e diferente, temos também como vizinho uma igreja evangélica e o conjunto habitacional Zacarias I com duas torres gêmeas.
Quem nasce nos Morrinhos, já nasce sabendo sambar. Tem o samba no sangue e a ginga nos pés.
O samba enredo: SERA?
Será mentira?/ Ou é verdade?/ Que o carnaval voltou pra esta cidade. / Será verdade ou é mentira?/ que o carnaval voltou pra avenida. /Será que a alegria voltou a reinar?/ Com o carnaval se voltou pra ficar / Será que alegria voltou a reinar?/ Com o carnaval se voltou para ficar/
O morro desce/ O morro pára a avenida/ Com o bloco Feijão Maravilha/ Tem mulher bonita, pois é!/ Tem capoeira e muito samba no pé/ Mas a alegria não vai faltar/
(REFRÃO) Com o Feijão Maravilha vamos lá/ Mas a alegria não vai faltar/ Com o Feijão Maravilha vamos lá/


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Por Raphael Reys - 10/5/2008 06:49:13
EFEBOS E RITOS INICIÁTICOS DE ALCOVA
Nos românticos 1957, próximo às festividades do nosso Centenário, surgia na rua Ceará, no bairro Morrinhos, uma dama da noite, a notável Sá Eliza.
A garotada fazia fila à sua porta aguardando a vez de receber os seus préstimos de alcova. Ela muito criteriosa, negociava com cada menino, pessoalmente.
Antes de entrar no pórtico do seu oráculo de lascívia, o menino dizia o quanto tinha de dinheiro no bolso. Pura formalidade, pois normalmente era aceita a quantia disponível.
Pululava pela cidade um verdadeiro batalhão de efebos comedores ( no mau sentido) de galinhas caipiras. Apanhavam as penosas quase sempre no quintal do vizinho, e, à força, satisfaziam os seus instintos carnais. Como sempre matavam o galináceo.
A vinda de Sá Eliza aliviou o prejuízo dos criadores domésticos de bípedes.
Sempre à tarde, para não chamar à atenção dos comissários Altinin e Zé Idálio, a galera mirim deitava e rolava.
Na boate Maracangália, também conhecida como Cabaré de Anália, tinha a Baixinha, uma profissional especializada em primeira vez, cujo quarto de serviços ficava na parte externa da boate e logo à entrada, ela também operava sob a luz do sol. Lá, a fila formava-se no passeio em frente, já que estavam no Centro.
A piscina da Praça de Esportes freqüentava a Maria Fumaça, oriunda do subúrbio e que ao entrar nas águas da piscina provocava uma verdadeira corrida de garotos que, com seu consentimento, apalpavam as suas partes íntimas. Ela adorava se ver cercada de pequenos intumescidos!
Na Avenida Ovídio de Abreu, no Centro, havia um conjunto de barracos com tetos de palha e barro, que serviam de abrigo, e local de serviço às profissionais do sexo oriundas de outras terras e que, por aqui, não haviam conseguido a devida licença policial para operar como dama da noite.
Era tudo controlado pelo delegado que as acompanhava evitando a passagem de caloteiras pela urbe. Lá nesse conjunto levantavam o capital necessário para voltarem as suas origens campesinas!
A profissional especializada em meninos era a Lurdinha, que dado à sua pouca experiência nas artes de Vênus, e sendo ainda orgástica, quando se tratava de um menino simpático ela entrava no platô e dava o maior esparro gritando: Eu estou morrendo! Mata-me meu amor!
Muito garoto iniciante desconhecendo, o arroubo do fator genésico feminino corria pela avenida apavorado vestido apenas de cuecas Torre, botão de pressão. Embrenhavam-se pelas matas do bairro São José, com a bermuda na mão e o suspensório arrastando uma ponta pelo chão, fugindo de um possível crime de morte!...
Para curar o efebo assustado executava-se a terapia curraleira. Nele, mesmo gaguejando de medo, aplicava-se uma pancada na cabeça com uma colher de pau. A colher rachava e voltava o paciente ao ritmo sinusal.
Foi aí que o cavaleiro da verve, o nosso Zé Amorim, sentenciou: Ela gritava tão alto que caía manga verde do pé. Puro tratamento de choque com raízes e qualidade tupiniquins!


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Por Raphael Reys - 5/5/2008 07:43:40
MILTINHO

Afonso Ramos, conhecido entre amigos como Dom Afonso, ou simplesmente Hifi, posando como empresário da noite com o seu inefável copo de vodka na mão, sempre muito inteligente e habilidoso, enviou o se assessor especial Tico Lopes ao Rio de Janeiro, em missão! Contratar o cantor Miltinho!
O objetivo era trazê-lo para cantar no Bar Quintal, na época dirigido pelo empresário Ênio Almeida. No quintal era a sede do Clube dos Amigos da Noite nos bons 1982. Chegando à Cidade Maravilhosa, Tico foi para a boate Un, Deux, Trois, famosa casa noturna da moda, onde Miltinho era a atração principal todas as noites.
Após tomar uma garrafa de bom uísque com Miltinho, Tico acertou a sua vinda a Montes Claros. Miltinho chegou por via aérea na sexta e foi recepcionado no aeroporto por uma ilustre turma de notívagos. Dácio Cabeluo, Augustão Bala Doce, Maçarico, Cláudio Athayde entre outros dignos representantes da sociedade montes-clarense.
Quebrando já uma garrafa de Balantines levaram o homem para supervisionar o ambiente do show. Lá, o conjunto MC-5 de instrumentos afinados ensaiou os primeiros acordes sob a aprovação do cantor.
O show programado para iniciar às 23 horas e como a turma só sabia encher a cara de gole a platéia deu o grito, exigindo o início do espetáculo. Miltnho tomando o microfone, prometeu iniciar às 24 horas e cantar até as seis da matina.
Dito e feito! Terminado o show, a turma partiu para uma visitação às casas noturnas Da cidade. Entre almoços, jantares e bebedeiras, foram à casa de Edna, Leobina, Zinha, comeram a incomparável galinha caipira, na casa de Walmira. Em cada local visitado, Miltinho dava uma canja e cantava.
Você mulher/ que já viveu/ que já sofreu/ não minta/ um triste adeus/ nos olhos seus/ mulher de trinta.
Muitas emoções, muito choro, românticas engrossavam a turma e o coro, o uísque rolava alto, as contas sendo pagas por participantes e os corações das damas da noite aos pedaços sob a voz nasalada de Miltinho: Cara de palhaço/ roupa de palhaço/ foi este o meu amargo fim...
Já no sábado à noite, a turma andando inseparável quando se formou a dupla um conhecido professor universitário e Miltinho, em versos e rimas. O embarque do cantor foi adiado para segunda e a farra rolou nas madrugadas.
Na terça a esposa do cantor ligou para Tico Lopes pedindo informações sobre o seu marido e Tico aplicou um 171 curraleiro, informando que chovia torrencialmente e o avião não podia decolar. Madame Miltinho, cobra criada telefonou para o nosso aeroporto onde lhe disseram que havia meses que não caía um pingo de chuva.
Madame ligou para o Tico Lopes e deu-lhe uma esculhambação caprichada e acabou com a alegria do marido ameaçando de porrada e desquite...
A farra seguia às altas horas o homem cantando: você mulher/.... o embarque adiado e, finalmente quarta à tarde Cláudio Atayde e Tico levaram o homem para o aeroporto. Com o avião já taxiando na pista, Tico sentencia: êita, Cláudio, ainda bem que o homem já vai! Nos estávamos para não agüentar tanto gole! Cláudio falou: o rabo de foguete é se o avião voltar!
Mal disse essas palavras e o avião fez meia volta para espanto de todos! A porta se abriu e eis que surge Miltinho que aos gritos, avisa: Tico! Telefona para mim para o Flávio Cavalcanti e avisa que não dá para estar no seu programa Boa Noite Brasil, hoje à noite!
Dessa vez o avião foi mesmo, para alívio dos dois assustados boêmios!


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Por Raphael Reys - 29/4/2008 13:14:15
O DEFUNTO É SEU!

Nos idos tempo de 1960 era de se comer uma boa fatia de mortadela Otani em um pão da Padaria Santo Antonio, ou de saborear uma lingüiça Maria rosa com uma Viriatinha. Dim Pimenta e Alexandre tomavam uma gelada no Bar Sibéria, quando Quinzin fazendeiro às margens do rio Pacuí chegou à mesa.
Quinzin vinha suado e ao se sentar com os amigos informou que o seu vaqueiro internado na Santa Casa havia falecido. Ato seguinte solicitou aos amigos presentes o favor de ajudá-lo a conduzir o corpo do “de cujus” até a sua fazenda Inhaúma, em Coração de Jesus, onde transcorreria o velório regado a muita cana e farofa de galinha caipira.
Terminada a rodada de cerveja o trio partiu para levar o corpo do morto. Chegou à Santa Casa, embromaram o meio de campo, aplicando um agá no responsável e, surrupiaram o cadáver enrolando-o em um lençol e colocando-o em seguida na caminhonete de Dim Pimenta.
Andavam pela estrada de rodagem, já na saída dos Montes Claros para Pirapora onde hoje é o Posto Barral receberam sinal de parada dada por um volante( esse o nome que os fiscais da Receita Estadual eram conhecidos).
Bons tempos de Sadi, Alírio, João Freire, Joaquim Mourão, Elesbão usavam jipe com capota de aço!
Após a verificação da carga no veículo o agente da Receita indagou sobre a origem daquele volume embrulhado em um lençol. Sabedor de se tratar de um defunto exigiu o competente atestado de óbito e as demais guias municipais cabíveis.
Eram tempos em que a Receita Estadual incentivava a chamada AR (adicional reembolsável). Trocava notas de compra por cautelas que davam direitos a concorrer a uma Rural Willys novinha em folha, prêmios em dinheiro, eletrodomésticos etc. Época em que Novais ganhou cem mil cruzeiros no primeiro prêmio.
Informado da ausência total da documentação exigida e não aceita pelo volante as desculpas do trio caridoso, Quinzim, esperto como sempre, subiu na traseira da caminhonete segurou os pés do defunto e solicitou a Dim Pimenta segurar no outro extremo.
O volante, vendo a cena perguntou: o que é que vocês vão fazer com a carga. Quinzim respondeu na bucha: vou deixar aos seus cuidados até que aviemos a papelada!
Tocado pelo medo em estar a sós com um desconhecido de caçoleta batida e sendo temeroso das coisas de alma, o volante de pronto liberou o trio para seguirem viagem...Sem as conseqüentes guias de praxe.


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Por Raphael Reys - 25/4/2008 07:13:33
MESTRES GARÇONS, E GRAVATAS BORBOLETA.

O garçom está presente na história de qualquer comunidade. Tradicionalmente, é aquele que atende e serve em eventos, comemorações, boates, bares, restaurantes, clubes e similares.
De avental limpo ou quase limpo, com logotipo ou grife na lapela, de terno preto, branco, de smoking com gravata borboleta e de cadarço. Quase sempre bebe muito, contagiado pela verve da noite ou pela mística romântica do ambiente já que trabalha no local onde as pessoas se divertem.
Faz escola entre os habitués, gente que sabe da noite e das coisas, malandros ou não do pedaço. Como cobra criada em Butantã, eles se tornam, e quase sempre, cobras criada! Nos Montes Claros de antanho, alguns garçons fizeram história.
Muitos com olhos inchados, outros vermelhos, alguns esbugalhados de ressaca, de fogo mesmo, como conseqüência do sono perdido por completo e de noites mal dormidas pegando no trampo.
Lacerda, que veio do Rio de Janeiro, inovou e lançou os filés A Parmegiana e À Cubana. Montou o Restaurante Intermezzo, que foi vendido para Olimpinho. Macedo e Madame, um casal que criou e popularizou o Baião de Dois no seu restaurante A Palhoça, na Vila Ipê.
Outro que fez história foi o Mestre Cuca com a sua canja com torradas. O restaurante Redondo tinha o garçom Sílvio, O restaurante Mangueirinha o Zé Brejeiro, havia também o Chininha e o Pedro, assim como o Mário que atendia no Clube Montes Claros.
No Hotel São Luiz, servia o Bené, o Fernando, Abel, no restaurante do Automóvel Clube, e Robertão e Jair, no Bar Montanhês. Vivaldo Tip Top, era garçom de luxo, servia no Palácio do Planalto em Brasília-DF. Lidava com JK, Oscar Niemayer e outros famosos.
Careca e seu irmão Vivaldo, assim como Viana, irmão de Analha, atuavam na noite. Tony Buck Jones, Alfeusão e Paraíba, na boate Papilon, Pedro Boca Rica, Mário Capivara, Pedro Folha Santa e Zezinho, irmão de Maçarico.
Geraldo Monte Azul, na sinuca do Augustão, Salvador Bocão e o seu irmão Ninim, Abel, Tone Leite, Zé Barriquinha, Enéas, Domingos, Geraldo e Chapinha que atendiam a festas e eventos particulares.
E o restauranteur Valério, O rei dos jantares de confraternização, todos inventados por ele para dar movimento à sua casa, do Restaurante Valério, que só servia a celebridades e ricos nas mesas de sua casa com as mesas forradas em tecido branco, engomado.
Outros mestres garçons que a memória nos trai a lembrança, e todos os outros que por exigüidade de espaço, não foram citados, assim como os modernos garçons, profissionais ou amadores, que atendem gentilmente e servem na labuta diuturna dos nossos Montes Claros, o nosso respeito, a nossa homenagem, com as nossas desculpas.


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Por Raphael Reys - 19/4/2008 07:29:38
HERÓICOS CAMINHONEIROS

Os caminhoneiros de antanho trouxeram o progresso para o nosso Montes Claros. Indo e vindo por estradas de terra e lama, caminhos apertados, cortando riachos, córregos, subindo e descendo ladeiras, levando o nosso gado, a nossa mamona e trazendo os bens de consumo dos grandes centros.
Por aqui crescemos ouvindo estórias de caminhoneiros e suas aventuras. As longas viagens de Chico Coutinho transportando feijão, Argemiro e Clarindo de Sá vindos de Mato Verde. Aristides Souza, das poeirentas estradas de Porteirinha, Bolívar Batista, o Bola, Carrinho Domiciano, homens de bem.
Zé da Gata contava causos da Segunda Grande Guerra, pois, ele era ex-combatente, falecido recentemente. No L-16 Horação Paulista viajava acompanhado da esposa e no FNM de Bolívar encontrava-se um caminhoneiro destemido e corajoso. Lorim e sua buzina-gaita de oito foles tocando Asa Branca serra abaixo, nos encantava.
Manoel Seriema no seu FNM com a gaita de seis foles tocando Pisa Na Fulô.
Além desses, Zizí Leite, pai de Artur Leite, Alaô, Rolim e os V-8 Buldog, Santim de Buriti Grande e Djalma de Freitas, começando a vida como caminhoneiro.
Na lida da estrada, o caminhoneiro era como um jornalista, repórter das novidades, do progresso. Era mecânico, enfermeiro, padioleiro e servia como anjo da paz quando apartava os conflitos de estrada. Transportava mesmo pacientes para consulta médica, tratamento e internamento. Pessoas recém-operadas, dirigindo de mansinho para não abrir os pontos.
O caminhão era ambulância, rabecão, rádio patrulha, carro fúnebre, palanque político. Transportava até casais em plena lua de mel!
O motorista de caminhão tinha status era sempre bem chegado, recebido carinhosamente principalmente no lar. Viajando sempre com um ajudante e carregando na boléia um aprendiz de direção, levava vida de príncipe.Conduzia policiais em diligência pelo sertão, parteiras, até soro antiofídico para atender alguma emergência de estrada, quando alguém era mordido de cobra.
O caminhoneiro era visualizado na linha do horizonte, com alegria. Trazia contentamento e progresso, um homem respeitado.Havia o Ford Roquete de Inácio, de Baixa R. de Zé e João Brejeiro, de Lero, que morava na Praça da Matriz e alugava bicicleta para um volta na praça a cinqüenta centavos, que marcaram época.
A todos os que aqui foram lembrados, verdadeiros heróis, aos que não foram citados por lapso de memória ou por exigüidade de espaço, aos ajudantes de caminhão, aos modernos caminhoneiros montes-clarenses, paus para toda obra, os nossos cumprimentos e o nosso reconhecimento pelo seu reconhecido e valioso trabalho, árduo e sacrificado, artífice do desenvolvimento comercial da nossa cidade.


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Por Raphael Reys - 15/4/2008 07:26:58
SABORES DA NOSSA INFÂNCIA - SEGUNDA VIAGEM.

Viajando no arquivo feliz da infância e tendo como companheira de jornada Virgínia de Paula busca no fundo da memória os registros de sabores, aromas e prazerosas lembranças das guloseimas que marcaram a nossa infância campesina.
Eram muito gratas e ainda o são a expectativa de ver passar pela rua o carrinho de pipoca do Rosalvo vendendo mingau baiano com gosto de cravo e canela. O sabor de madeira deixado na boca após mastigar a mutamba, os fiapos de jatobá enganchados entre os dentes, ou grudados no céu da boca e descolados com as pontas dos dedos.
Encravados em nossa memória olfativa ontem, hoje e sempre o dulcíssimo melão de São Caetano arrancado das ramas nas cercas e que deixava a boca melada e o estômago borbulhando. O insubstituível sabor do sorvete em caixa Eskibon com aquela casca crocrante e o seu clone cremoso e com cobertura de chocolate, vendido aqui na terra de Figueira por José Lafetá ( e o seu substituto sertanejo na sorveteria do bairro Roxo Verde).
Encher os bolsos com o doce colibri feito por Ana Veloso. Tínhamos que atravessar a pinguela de madeira que interligava o bairro ao centro, numa verdadeira aventura. Saborear os pastéis Lolita e Lavínia, o doce Queijão feito com leite e ovos e depois uma copada de Qsuco de groselha com os cubos de gelo nadando no líquido vermelho...
Relata-nos dona Ruth Tupinambá, que na sua época o doce da moda era o pudim veludo e o de leite feito por Sinhá Cândida. Outros doces que faziam sucesso nas festas de casamento, batizados eram o siricáia de dona Luiza de Totó, os doces cristalizados, de casca de laranja com rapadura.
Outros doces que encantavam nos anos ainda românticos eram a maçanzinha de côco, os bolinhos da Sinhá, o amor em pedaços, a maçanzinha com folhas de jabuticaba e os doces de festas feitos pelas irmãs Conceição e Helena Melo Franco.
A goiabada cascão feita por Domingão Tupinambá e as cocadas com doce de mamão feitos por Swagar.A groselha de fundo de quintal de João de Paula.
O queijo catupiry na caixa de madeira, o caldo de mel de laranja baiana sem umbigo feito por dona Fina de Paula. A moreninha de rapadura, bicarbonato e laranja da terra. A jacuba de raspa de rapadura de Monte Azul com água e farinha de milho, um hidromel curraleiro.
O doce em casca de dona Vina, os roletes de cana caiana na talisca de bambu verde e posto no tabuleiro por seu Carrim. Os incríveis bolos caramelados de dona Eulina Souto, os sapotis de Sá Rita no tabuleiro, as quitandas de dona Liça, os doces de Aracy com seus casadinhos em formato de meia lua.

Os frutos do cerrado que enchiam as nossas panças de alegria: a cagaita de vez, já que a madura embriagava. O murici bem molinho e com o olho que tudo vê no meio, a araçá, a goiaba dos deuses, o panã ou cabeça de nego que deixava um cheiro que buscava nossa pituitária a um quilometro de distância.
Almoçar um arroz de forno pincelado com gema de ovos e preparado por João Aprígio tendo como sobremesa o manjar de côco com ameixas pretas e calda de mamão.
Um bom surubim assado ou um pacomã grelhado com uma suculenta fatia de moranga um gole de frisante Michellon bebido escondido, dois copos de água da fonte do DER esfriadas na bilha de barro e para dar o arroto final, uma talhada de melancia da praia.
A sesta sob a sombra de um umbuzeiro esticado numa rede de palha cheirosa de tucum sob os raios abrasadores do sol da tarde. Acordar às 15 horas e se deliciar com uma poção de bolota de queijo com marmelada cascão e uma ambrósia gelada sorvendo um grapette.


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Por Raphael Reys - 8/4/2008 07:15:23
RELOJOEIROS E PATEK FILIPE

Dentre os antigos relojoeiros dos Montes Claros, a história cita o Gromilde e o Vitor, com casa na rua Padre Augusto, no centro. Comenta-se também sobre o Eustáquio, da Citzem, assim como o Cardoso, da Jabur Jóias.
Salvador Viana da Omega e Zé Maria seu irmão fizeram história juntamente com as suas famílias, montaram a Omega, a Viviane, a Voga, dentre outras empresas. Os saudosos que não mais estão no nosso meio são os Geraldo Mió e Eduardo Teixeira.
Na Mido Relojoeiros, a famosa equipe composta por Ricardo, Wilson, Haroldo, Eduardo entre outros. Na Rui Barbosa, tínhamos Luiz, irmão de Ita e o Mendes Relojoeiro no ramo de jóias. A família Vilela e a família dos Gonzaga que por muitos anos exerceram o ofício de ourives e relojoeiros.
Havia verdadeiras raridades. Os relógios Junclan, os da marca Monsone, da Silco, e o Shaton, dentre os de pulso o mais destacado. Os nossos avós preferiam o Tissot Militar, o Roscoff Patente, o caríssimo Patek Felippe, o médio luxo Mondaine.
Depois vieram as marcas mais populares. o Lanço, o Teknos, e o mais popular e vendido, um campeão de preferência que era o Sheiko nos anos 60.
Dentre os colecionadores que se destacaram na nossa urbe o empresário José Romualdo, o comerciante José Barreto, da Vila Rica, o promotor e empresário Carlos Albuquerque, o Padre Murta e o executivo Henrique Tondinelle.
Havia os colecionadores de relógios de ouro. O saudoso Afrânio Tenpone e o restauranteur Argemiro Baiano. Exibiam marcas como: Dashon e Cartier.
No bairro Roxo Verde tínhamos o relojoeiro Geraldo e na rua doutor Santos o conhecido Zé Maria Rodrigues. Os instrumentos mais usados no ofício são: a pinça, a ponceira, a saca platô, as lentes de aumento, a Benzina e o óleo Móbil.
No tempo das vacas gordas a indústria relojoeira produzia relógios com rubis, que serviam de rolamentos na engrenagem.
Na cidade. Já havia os trambiqueiros, verdadeiros 171, que operavam com relógios montados na gambiarra, os chamados bobos micha. As feras que aplicavam os golpes nas ruas, apanhando os incautos, eram: Padeirinho, Lô, Teta entre outros.
Dentre os profissionais relojoeiros que fizeram sucesso com a profissão, segundo relato de Zezão Relojoeiro é: o Tone, o Daniel da Cartier, e o Afonso Coelho. E o que mais tempo trabalhou e viveu entre nós, foi o Mendes, irmão de Ducho, falecido aos 99 anos de idade.
Na atual era moderna a relojoaria bem cotada para consertos é a do Zezão no Quarteirão do Povo, que se fará suceder pelo seu filho Milton, o gigante e a relojoaria do Paulinho Relojoeiro (o homem da prótese capilar fulva) a mais fera de todos, considerado o relojoeiro das damas da alta sociedade montes-clarense.
Uma verdadeira cobra criada em laboratórios paulistanos! Aí não é brincadeira minha gente.
Outros nomes que não foram lembrados por lapso de memória ou por exigüidade de espaço, o nosso reconhecimento!


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Por Raphael Reys - 3/4/2008 11:16:56
CHAUFEUR DE PRAÇA

Em meados de 1950, falava-se em chaufeur de praça e a profissão conferia status já que o número de veículos em circulação pela urbe era reduzido, e os profissionais de praça, botavam banca!
O povo era pouco desenvolvido e andar de carro, considerada uma aventura!Daí, alguns chaufeurs se tornaram verdadeiros don Juans. O fato se dava porque toda senhora casada que queria se vingar do marido procurava um chaufeur para fazê-lo, dado à mobilidade que o veículo conferia além do natural e conveniente álibi de tratar-se de uma passageira...
Predominavam os veículos importados, verdadeiras relíquias do Romantismo. Packard, com Elpídio Dourado, Ford Sedã, com David e Mário, Oldsmobile com Geraldo Colares e Osvaldo Preto e Chevrolet, com Zé Antonio.
Um Buick, com Jaime Estopa Suja e Júlio Antonio. O Ford Cupê 46 de luxo com Leopoldo. Depois veio Gê Sanfoneiro com seu Ford Preto e a paixão por Asa Branca e Luiz Gonzaga.
Levando os nossos passageiros sempre bem vestidos para passeio, João Brejeiro com um Mercury, Leví Cheiroso com uma Sedã Chevrolet Passeio, Marquinhos, Pedro Vieira, Hélio de Rocha, Zé de Juca.
Havia também José Antonio, pai de Pedro Cantinflas, Zezinho Preto, Leví, Mário Nortista, Ferreirinha com suas cólicas de matar e Isáuro, sempre muito alegre, que colecionava quarda-chuvas achados e cantava Ave Maria.
Alguns dirigiam caminhões como o L -16, o V- 8 e o Buldog.
Logo chegou a modernidade e Mariano era instrutor de direção, profissão que exerceram por cinqüenta anos. Aí vieram os Aero Willys, as Rural Willys, Os Gálaxies, o Simca Chambords, as Pic Ups, os Dauphines, apelidados de leite Glória, pois desmanchavam sem bater... Os Gordinis, e a população já tinham acesso a financiamentos e os chaufeurs, passaram a ser chamados de motoristas de táxis.
Dentre os instrutores de direção, destacavam-se ainda Alcebíades e Moacir.
Quem conservava carro romântico era Jair Amintas e sua Baratinha Alemã, Dominguinho Braga e o Impala, Oscar Gabriel e o Cadilac Rabo de Peixe, Leví Daltro e o Sinca, Romeu e o seu Itamaraty.
Muitos outros chaufeur que não citamos, por lapso temporário de memória, ou por exigüidade de espaço, as nossas desculpas e o nosso respeito.


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Por Raphael Reys - 28/3/2008 12:19:40
LAIKA

Em 03/11/1957, a cadela russa Laika virou vedete internacional ao ser a primeira criatura viva a participar, como tripulante de uma viagem espacial pelo cosmo. A humanidade acompanhou emocionada a ida, a permanência e o retorno da nave com a pequena criatura a este mundo grande e bobo.
Aí, a moda pegou com borra! Em todo o planeta, milhares de cadelas que nasceram coincidentemente com o evento, receberam o pomposo nome de Laika.
Nos Montes Claros, não foi diferente! No bairro Morrinhos o hoje mestre de obras Adail, na época um dos componentes da equipe de montadores de ferragens do mestre Tonicão, batizou a sua cadela de Laika.
Apenas lembrando que Tonicão foi o responsável pela ferragem do Edifício Ciosa, no centro. Já findando a obra e estando Adail e mais alguns companheiros mais ou menos folgados, pegaram um bico para abrir uma cisterna no bairro Delfino Magalhães, um ermo sem água encanada.
Aceitaram a empreitada na tora, já que nenhum deles era habilitado em perfurações de cisternas. Botaram a tralha nas costas e partiram entre trilhas pelo hoje Santa Rita I e bairro Cintra, até atingirem o local determinado.
Como a Laika era treinada para correr atrás de objetos atirados e trazê-los de volta ao dono, a levaram para se divertirem no caminho, nos momentos de folga e tê-la como guardiã da cesta de vime com os almoços.
Em certa altura da perfuração depararam com uma camada de pedra. Adquiriram com Marciano Fogueteiro uma banana de dinamite artesanal com o objetivo de romper o obstáculo. Sem conhecimento das técnicas a serem empregadas em perfuração e todos já cheios de goró, partiram para o improviso. Botaram um pavio longo, acenderam, lançaram o petardo no buraco quando a pedra deveria ter sido perfurada e nela introduzida a dinamite.
A banana acesa ficou presa em um garrancho na borda do buraco. Laika, certa de se tratar de mais uma brincadeira do dono, abocanhou o explosivo e o levou para o dono. A galera fugiu horrorizada abrigando-se em uma construção no interior do lote. Entraram e saíram pelas portas e janelas e a Laika nos seus calcanhares com a banana de dinamite na boca
Quando o estopim estava a vinte centímetros do explosivo, um peão teve uma idéia salvadora. Apanhou uma manga no chão, lançou longe e gritou: pega Laika! Deu certo. A cadela se afastou no encalço da fruta e a galera se mandou pelos fundos via bairro Cintra, na direção oposta.
A construção virou pó com a explosão e Laika entrou em órbita, para não mais retornar...


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Por Raphael Reys - 25/3/2008 07:01:00
EFEBOS E RITOS INICIÁTICOS DE ALCOVA
Nos românticos 1957, próximo às festividades do nosso Centenário, surgia na rua Ceará, no bairro Morrinhos, uma dama da noite, a notável Sá Eliza.
A garotada fazia fila à sua porta aguardando a vez de receber os seus préstimos de alcova. Ela muito criteriosa, negociava com cada menino, pessoalmente.
Antes de entrar no pórtico do seu oráculo de lascívia, o menino dizia o quanto tinha de dinheiro no bolso. Pura formalidade, pois normalmente era aceita a quantia disponível.
Pululava pela cidade um verdadeiro batalhão de efebos comedores de galinha caipira. Apanhavam as penosas quase sempre no quintal do vizinho, e, à força, satisfaziam os seus instintos carnais. Como sempre matavam o galináceo.
A vinda de Sá Eliza aliviou o prejuízo dos criadores domésticos de bípedes.
Sempre à tarde, para não chamar à atenção dos comissários Altinin e Zé Idálio, a galera mirim deitava e rolava.
Na boate Maracangália, também conhecida como Cabaré de Anália, tinha a Baixinha, uma profissional especializada em primeira vez, cujo quarto de serviços ficava na parte externa da boate e logo à entrada, ela também operava sob a luz do sol. Lá, a fila formava-se no passeio em frente, já que estavam no Centro.
A piscina da Praça de Esportes freqüentava a Maria Fumaça, oriunda do subúrbio e que ao entrar nas águas da piscina provocava uma verdadeira corrida de garotos que, com seu consentimento, apalpavam as suas partes íntimas. Ela adorava se ver cercada de pequenos intumescidos!
Na Avenida Ovídio de Abreu, no Centro, havia um conjunto de barracos com tetos de palha e barro, que serviam de abrigo, e local de serviço às profissionais do sexo oriundas de outras terras e que, por aqui, não haviam conseguido a devida licença policial para operar como dama da noite.
Era tudo controlado pelo delegado que as acompanhava evitando a passagem de caloteiras pela urbe. Lá nesse conjunto levantavam o capital necessário para voltarem as suas origens campesinas!
A profissional especializada em meninos era a Lurdinha, que dado à sua pouca experiência nas artes de Vênus, ainda orgástica, quando se tratava de um menino simpático ela entrava no platô e dava o maior esparro gritando: Eu estou morrendo! Mata-me meu amor!
Muito menino iniciante desconhecendo, o arroubo do fator genésico feminino corria pela avenida apavorado vestido apenas de cuecas Torre, botão de pressão. Embrenhavam-se pelas matas do bairro São José, com a bermuda na mão e o suspensório arrastando uma ponta pelo chão, fugindo de um possível crime de morte!...
Para curar o menino assustado executava-se a terapia curraleira. Nele, mesmo gaguejando de medo, aplicava-se uma pancada na cabeça com uma colher de pau. A colher rachava e voltava o paciente ao ritmo sinusal.
Foi aí que o cavaleiro da verve, o nosso Zé Amorim, sentenciou: Ela gritava tão alto que caía manga verde do pé. Puro tratamento de choque com raízes e qualidade tupiniquins!


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Por Raphael Reys - 19/3/2008 15:57:42
AGENTES DA BOA SORTE

A turma de Figueira vez em quando é bafejada pela boa sorte! Caía do céu um primeiro prêmio das loterias Mineira ou Federal. Loterias de tiras, ou gasparinos como são conhecidos os bilhetes. Muitos cambistas revendedores e vendedores de bilhetes criaram as suas famílias nessa profissão.
Muitas já saudosas, agentes da boa sorte aos Montes-clarenses. Outros cambistas, Júlio Pereira, Pecinha, Tinin 171, Severo, Wenceslau, Neco, Diozim, Benedito.
Muitos trabalhavam em duplas como Dema e Jenesica, Romeu e Adão, dois irmãos do Alto São João e que revendiam com over price...
Zezinha ainda fazendo ponto no Café Galo, aprendeu vender bilhetes com Jonas de Almeida, Juiz de Paz e dono de lanchonete. Quando o bilhete encalhava, ou passava tempo sem sair à sorte grande, arriava-se um despacho na Praça Doutor Carlos, e logo vinha a sorte grande.
João do Bode, Ubaldino, trabalhavam com Israel. Zé Carlos conhecido como Dignidade vende a sorte até os nossos dias. Tinha também Jovi Nortista e Teixeira do salão. Sant Clair cobra criada e Luiz, o cambista que fugiu com um bilhete premiado e nunca mais foi encontrado.
Nilson, Edgar do Mapa da Mina, Pedro Nu, um dono de pensão, seu Manoel da bengala, Pedro Cura Santo e seu Adair Sarmento, o mais antigo de todos.
O cliente escolhia o bilhete dentre os 25 grupos de bichos, como são chamados:
Avestruz-01, 02, 03,04 Águia-05-06-07-08 Burro-09-10-11-12- Borboleta-13-14-15-16 Cachorro-17-18-29-20 Cabra-21-22-23-24 Carneiro-25-26-27-28 Camelo-29-30-31-32 Cobra-33-34-35-36 (a mais popular de todos as dezenas) Coelho-37-38-39-40 Cavalo-41-42-43-44 Elefante-45-46-47-48 Galo-49-50-51-52 Gato 53-54-55-56 Jacaré-57-58-59-60 Leão-61-62-63-64 Macaco 65-66-67-68 Porco-69-70-71-72 Pavão- 73-74-75-76 Peru-77-78-79-80 Urso-81-82-83-84 Tigre -85-86-87-88 Touro-89-90-91-92 Veado-93-94-95-96 Vaca-97-98-99-00.
Seu Pio, um dos cambistas mais velhos e ainda entre nós sobe diariamente a rua Melo Viana, pelo lado direito, o lado dos largos. Vende gasparinos da loteria Federal e jogos de números já prontos ( quina ). Para se manter cobra um pequeno over price.
Muitos cambistas dormiram com a cara cheia de gole no sábado e acordaram no domingo ricos com os bilhetes não vendidos e premiados na bolsa. Foram bafejados pela mística do Midnete Rabú, o anjo da sorte!
Na rua Melo Viana que liga o centro da cidade aos Morrinhos, somente do lado direito de quem sobe a rua 16 moradores já foram contemplados com o primeiro prêmio ou da loteria Mineira ou da loteria Federal.
É a banda dos largos. Passe por lá para você pegar a nossa boa sorte!


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Por Raphael Reys - 13/3/2008 14:24:25
O ENTERRO DE JK

Montes Claros, 1955, o pé de valsa Juscelino Kubistchek, então candidato ao cargo de governador do Estado de Minas, fazia promessas de campanha. Assegurava, se eleito fosse, trazer para a nossa escura urbe geradora de energia elétrica, movidos à diesel.
Já como governo e novamente em campanha agora para Presidente da República discursava da sacada do Hotel São José, do exótico e saudoso Juca de Chichico. Gesticulava como Charles de Gaule, sonorizava como Getúlio, com grandes gestos teatrais e tome promessas e mais promessas...
A praça pululava de gente, toda bem vestida conforme requeria a ocasião, quando da rua Camilo Prates um forte alarido anunciou a passagem de uma passeata de estudantes de ginásio, oriundos do Instituto Norte Mineiro de Educação, à frente do movimento, Joãozinho de Almeida, Lazinho Pimenta, Márcio e Quitú.
Gritavam palavras de ordem contra o governador e cobravam com razão as promessas de campanha feitas pelo mesmo em sua anterior visita a nossa urbe. Formavam uma rumorosa passeata, carregando um caixão de defunto, num enterro simbólico do governador.
O efetivo policial militar, de então, tenente Coelho, um cabo e quatro soldados chegaram armados, apontando ameaçadoramente os fuzis para os manifestantes, paralisando a passeata. Deram vozes de comando aos populares que já aderiam ao movimento, afastando-os.
Pra melhor efeito e demonstração de poder e força, o oficial deu uma rajada de metralhadora Ina direcionada para uma grande parede de adobe que cercava o terreno dos Pereiras, ao lado do logradouro.
Morador próximo, meus pais deixaram que fosse sozinho assistir o comício. Com os disparos, a turba desenfreada provocou um tumulto. Estabelecido o pânico, era cada um por si.
O meu tio Lero Reis, grande e forte boxeador carioca apareceu, de repente, apanhou-me e me conduziu levando-me por cima da turba. Colocou-me em segurança no lar.
No tumulto, a multidão se dispersou e Quitú, como era grande e gordo, ao se esconder em um forno no fundo do quintal de uma casa próxima ficou entalado. Duas pernas balançando do lado fora pedindo socorro com seu vozeirão de Tim Maia.
O incidente deu pano para manga! Foram seis meses de dissse-me-disse, que alimentou a conversação das rodinhas, efetivando com antecipação de duas décadas, uma amostra do efeito produzido pelos atuais balões de ensaio fabricados na boca maldita dos Montes Claros: o Café Galo!
Lá, concorrido ponto de encontro localizado no centro nervoso da cidade, os balões de ensaio de natureza política são lançados por Jadir em pessoa. As bombas voadoras contando notícias quentes são de produção do empresário Mauro, ao divulgar as informações fornecidas pelo popular Arnaldo Maravilha. Estes estão sempre de plantão no Senadinho do Jadir.
Nós temos história, somos da roça, mas somos chiques!


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Por Raphael Reys - 10/3/2008 07:29:04
PODE FALAR ALTO!

Agosto, 1970. Vestindo terno xadrezinho, modelo inglês, colete, gravata borboleta, sapatos de verniz alemão, lencinho de organdi no bolso superior do paletó, abotoaduras de ouro, topete de artista francês e cheirando a nuit de Noel.
Este cartão de visitas dizia ser diretor presidente de uma fábrica de peças de reposição para fornos industrial em São Paulo. Gestos delicados, boquinha de fresco, movimentos faciais e labiais de finesse. Perguntou se havia muito engenheiro estrangeiro com sotaque na empresa e queria ser recebido pelo diretor João Bosco.
Após a minha informação, João Bosco falou: estou muito ocupado e não vou receber esse cavalo de charrete. Manda-o cacarejar em outro terreiro.
O enfeitado saiu pisando em brasas por não ter sido recebido. Empurrei a bomba para a Cowan, lhe sugeri falar com o Zé Amorim, diretor da empresa citada.
Como o Zé era prático e explícito, além de adotar a funcionalidade nos seus afazeres de diretor da indústria cerâmica, atendia na entrada do prédio. Sem portas. Tudo aberto. Controlava tudo ao vivo e em cores.
O dândi chegou, sentou e fez uma cara de muxoxo, com biquinho de boca, pois, imaginava um gabinete com poltronas de veludo e ar condicionado.
Zé por trás dos óculos aro de tartaruga já sacara o enfeitado e a princípio não foi com a fachada daquele presidente de indústria de meia tigela.
Iniciado o diálogo o homem exagerou na gesticulação cuidadosa. Movimento refinado, boquinha de finesse, falava baixinho e o semblante refletia meia gravidade.
Com o natural calor dos fornos da indústria, aliado à temperatura escaldante de agosto e a frescura daquele almofadinha lhe enchendo o saco tupiniquim, a gola da camisa Volta ao Mundo do Zé ensopou.
Não deu outra! Insuflado pela pressão tripla o Zé vociferou entre dentes: essa empresa aqui é nossa e não devemos nada a ninguém. Portanto, fique a vontade e pode falar alto seu F.D.P! Aqui não tem fresco e nem dama de alta sociedade! Portanto, pode abrir a sua caixa de ferramenta, e falar logo um bom dia fidúma égua!
O almofadinha, que estava no seu dia de cão, se sentindo escorraçado, escafedeu-se e gramou o beco de volta à terra da garoa.


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Por RAPHAEL REYS - 3/3/2008 11:02:20
UM PUNHADO DE BALAS, DOIS VELÓRIOS, UMA BAIANÊS

O notável Tico Lopes, músico, homem show, benzefala, instrumentista de cordas, filho de santo da linha Ogum Megê, e que toca instrumentos desde o cavaquinho até o agogô dos orixás, vinha de uma farra altas horas da noite acompanhado do músico Rui Queiros, o homem do bongô.
Rasgaram o silencio da noite em uma serenata regada à cachaça Viriatinha.
Ao passarem pela rua Irmã Beata, no centro, Tico, sabedor de que o escritor Georgino Junior( filho do coronel Georgino) deixava sempre no alpendre da sua casa, balas de canela, para refrescar a boca dos notívagos que por ali transitassem, entrou e apanhou um punhado de petiscos.
Rui Queiros estando de fogo pergunta: Ué Tico, o que você está fazendo no alpendre do coronel Georgino? Tico responde ainda de costas: apanhando umas balas! Rui indaga usando a analogia de ser aquela a casa de um coronel de polícia: de que calibre é?
Transcorria o velório do coronel Lopinho, conhecido líder político do Partido Republicano ao lado do Automóvel Clube quando Tico e Didú Tourinho chegam para aproveitar os lautos comes e bebes, numa madrugada fria. A dupla de glutões marcava presença no gerúndio do verbo comer. O negócio era não ficar deprê.
Como o coronel era de estatura pequena e magro, consequentemente o caixão era do tamanho infantil três, Tico fala ao ouvido de Didú: êta caixãozinho pequeno! Didú entregue aos seus próprios pensamentos acaba sem querer falando bastante alto: aí tombou o velho jequitibá! Em seguida bateu-se em retirada, pois, estavam pegando mal.
Certa vez, sabedores de que na sentinela do industrial Mark Oliffson rolava farta comilança a dupla foi chegando, já com os sucos gástricos excitados. Eram adeptos da filosofia de François Gaston: não adianta marcar encontro com o passado. A deles era com o presente.
Didú de frente ao corpo do de cujus e sabedor que o empresário era fumante de boas cigarrilhas francesas e bons charutos cubanos e usando a sua analogia de comparar tudo com futebol acaba, sem querer, falando alto na presença dos parentes e amigos do falecido: cada tragada que ele deu, era uma bicuda de Nelinho no pulmão!
Tornando explícita a causa mortis do velado potencializou então as emoções dos presentes irrompendo assim choros convulsivos, de familiares e amigos presentes no que a dupla gramou o beco de volta para casa.
Já na rua, Didú quebrando o silêncio da noite grita a seu modo: Tico Lopes dois, Didú três! Tico Lopes dois, Didú três! Tico Lopes dois, Didú três! Tico Lopes dois, Didú três! Em seguida para e pergunta: Tico, eu estou repetitivo... Repetitivo... Repetitivo... Repetitivo... Repetitivo?
Tico e Haroldo Cabaret, irmão de Didú comeram muito acarajé próximo ao terreiro de Mãe Menininha de Cantois em Salvador. Acometido de cólica, Cabaret agacha em um canto de muro em uma encruzilhada. Chega um filho de santo da casa e pergunta: Ôxem! O que o mineirinho está fazendo no muro de Pai Pequeno? Cabaret responde na bucha: arriando o barro!
O cambona de santo, na maior baianês conclui: o que é comido na Bahia dos Orixás é arriado na Bahia dos Orixás!


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Por Raphael Reys - 28/2/2008 07:39:53
O VELÓRIO DE JUVENAL

Tonicão, exímio armador de ferragens em construção civil foi tão bom de serviço que botava banca com mestres de obras e engenheiros. Sua presença era requisitada nas maiores obras da construção civil em Montes Claros.
Tinha a sua própria equipe de serventes e operários que ajudavam a erguer a novos Montes Claros e, como ele, viviam no maior porre. Dentre os melhores de serviço e de copo, Juvenal. Bebedor diuturno,
Bem casado, Juvenal desfilava com uma parceira morena tipo abre alas de escola de samba. Faceira, lábio grosso e sensual, bumbum proeminente, fechava o comércio quando passava. Como Juvenal era um galo valente, a galera só a devorava com os olhos de soslaio...
Morto o gato o rato toma conta. Após uma farra homérica, Juvenal elevou demais a pressão arterial e bateu as botas. Foi para a cidade dos pés juntos.. A viúva recorreu ao Tonicão, solicitando do patrão providenciar as despesas do enterro, já que o “de cujus” gastava tudo que ganhava. Era um “bartira”!
Tanto o patrão como o peão morava no alto dos Morrinhos, e como a vida por lá é em fraternidade de iguais, Tonicão, esperto, fez uma lista para angariar fundos para as despesas do enterro.
Arrecadou três vezes mais de que precisava, já que o caixão encomendado na funerária de Leonel Beirão fora do tipo popular. Pano roxo e madeira trançada, o dito caixão de quinta categoria.
O restante do capital empregou em uma homérica farra no barracão do falecido, durante o memorável velório. Muita comida, muita cachaça e muita cerveja, enquanto a alma do morto vagava nos Hades dantescos. O pandeiro correu solto, o cavaquinho chorou e logo um puto samba de fundo de quintal irrompeu na madrugada!
A viúva, corpo escultural, vestido coladinho, bumbum tremendo que nem gelatina, toda vez que curvava pra beijar o rosto do falecido soluçava, fazendo tremer a sua apetitosa nave morena.
Já tava todo mundo de cara cheia, o pandu arrastando no chão, quando um gostosão do pedaço, que vibrava de tesão pela morena, cheio de gás foi logo passando a mão nos glúteos da viúva.
Deu o maior rebú!O cunhado do morto, irmão da gostosura cor de canela, um valente do pedaço, gigante de tamanho e de músculos, meteu a mão nas fuças do engraçadinho. Ai o pau quebrou na casa de Noca! Logo o delegado Miguel Abdo chegou com a sua equipe e levou todo mundo em cana.
O corpo do defunto ficou dependurado no paredão do morro e o engraçadinho cheio de tesão foi de ambulância para Belo Horizonte, onde penou seis meses flertando com a morte dentre leito hospitalar e UTI. Nem Pitanguy deu jeito!
E estamos conversados!
Nos Morrinhos é assim, escreveu não leu, o pau come na fuça!


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Por RAPHAEL REYS - 16/2/2008 07:40:15
PATÃO
O notável artista plástico e músico Hélio de Castro Guedes sempre foi chamado carinhosamente de Patão. Oriundo de uma família de artistas e músicos, cresceu no estúdio do pai, o famoso pintor Godofredo Guedes.
Patão é irmão do cantor Beto Guedes e tio do cantor Gabriel Guedes. É um mestre do bom humor e da irreverência. Fazendo parte do conjunto folclórico Banzé, certa vez estava desde as 4 horas da tarde no Automóvel Clube aguardando a chegada do governador do estado que seria homenageado.
O homem só chegou às 22 horas e Patão se aproximou e aplicou um beliscão na barriga em represália, falando na bucha:
- Isso são horas, seu moço?
Escapou de uma cotovelada a tempo.
Estando o Banzé em noite de gala no Max Min Clube, ocasião em que se recepcionava o idoso casal de diretores presidentes do grupo empresarial e industrial Servienge-Matsulfur, havia uma grande mesa em U, recheada de frutas, que decorava o centro do clube.
Dona Zezé Colares, a notável criadora e líder do conjunto folclórico que já correu mundo várias vezes, estando afônica, solicitou que um componente do grupo fizesse as apresentações do Banzé. Patão, representando a equipe de artistas, tomou a palavra. Pra quê! Disse:
- Senhoras e senhores! Prezadas crianças (já era meia noite, e não havia crianças no interior do clube).
Dirigindo-se ao idoso casal homenageado:
- Meus velhinhos cheirosos...
Prossegue a apresentação:
- O Banzé é isso aí, bicho!
Repete:
- O Banzé é isso aí, bicho! Banzé significa bagunça!
Transcorre um grande, terrível e angustiado silêncio no recinto, quando então conclui:
- Vamos deixar de frescura, apanhar as frutas da mesa e fazer uma vitamina!
Aos 59 anos recebe uma visita que lhe levou um convite para a sua participação em um grupo de terceira idade. Indignado, Patão vocifera:
- Eu sou roqueiro, bicho! Eu sou roqueiro!
São 10 horas da manhã. Vindos de uma noite de farra e completamente embriagados, entram na igreja Matriz e se postam na fila da comunhão. Padre Dudu, indignado com a invasão do magote de notívagos, entre eles Tico Lopes, Roxo, Sula, Tino Gomes.
O padre, indignado, aborda Patão na frente da fila e pergunta:
- Vocês ao menos fizeram uma primeira comunhão em suas vidas?
Patão responde, na bucha:
- Zero a zero, bicho!
Em um domingo, voltando de Barretos, onde fez uma apresentação na festa do Peão Boiadeiro, o grupo Banzé parou em Belo Horizonte. Dona Zezé convida todos para passar a noite em seu apê. Como os componentes tinham obrigações com trabalho ou estudo na segunda-feira, ficou somente Patão, que era autônomo.
Ele, imaginando ficar sem um companheiro na sua estada em Belô, convida o Bego para lhe fazer companhia. Bego pergunta:
- Dê-me uma razão pra eu ficar!
Patão responde em cima do pedido:
- Vamos riscar o sintecão do apê de dona Zezé!
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PS: A citação a seguir é de autoria do escritor montes-clarense Felippe Prates, que presta uma homenagem a Patão:
Grande Patão! Soube que o querido amigo está doente. Resista, saia dessa, caboclo! É o que, de coração, lhe desejamos a você, nossa lenda, eterno e indubitável


31826
Por RAPHAEL REYS - 12/2/2008 07:16:18
SOB A ÉGIDE DA LUA

Na pia batismal, em 24/06/1944, recebeu a graça de João Walmor, por ter nascido no dia do santo festeiro. Vindo ao mundo sob o céu sob o signo de Câncer, redondinho com cara de lua, olhar zangado e atento, época em que já terminava a Segunda Grande Guerra Mundial. E, definitivamente, não gostava de ser incomodado.
Pequeno ainda revelou memória excelente e talentos precoces. Quando foi para o primeiro ano do primário, já sabia ler, aprendeu sozinho folheando revistas de quadrinhos. Logo, desenhava as suas próprias revistas, montava enredos, escrevia contos, crônicas e ensaios. Escreveu várias peças de teatro, sempre parodias. Enredos cômicos, ao estilo de As Nuvens, de Aristófanes.
Quando cursava o científico, ganhou o concurso de contos da Revista Alterosa, com o texto: O Rapaz Que Se Apaixonou Por Uma Lata de Sardinha.
Estudou, sempre tirando as melhores notas, nos Colégios Santo Antonio e Santo Agostinho em BH. Lia os clássicos e fazia comentários sobre mitologia grega e musicas clássica. Em Montes Claros, estudou no Gonçalves Chaves e na Escola Normal.
Desde cedo era assaltado por temores e premonições. Tinha medo de mar, corria de ondas e de avião. Não entrava em aeronaves nem que as mesmas estivessem estacionadas. Aeroporto para ele era como campo de concentração nazista.
Formou-se em medicina em 1966, pela UFMG, ocasião em que foi considerado um dos melhores currículos daquela universidade. Fez especialização em diabetes e fisioterapia. Desenvolveu escrita e leitura taquigráfica que usava para anotações na ficha dos seus pacientes.
Como era detalhista, uma vez anotou a queixa de uma cliente que relatava falta de apetite: dotô! Já faz tempo que eu não tô mais apetitosa!
Fã de Chico Buarque, de Paulinho da Viola, de David Bowie e Lennon. Sambista da antiga cantava Noel em rodas de boteco e fazia o solo do piston com as mãos em concha sobre a boca. Tocava pé de bode e teclado, dominando por completo o piano acordeom, uma relíquia do acervo de família, muito embora se saísse bem com qualquer outro instrumento que lhe viesse à mão..
Embora aparentasse ser um solitário, criou a moda de jogos de inteligência, que predominaram nas noites dos anos 60. Desenvolveu tabelas de pontuação criando campeonatos que começavam no Cristal e rodavam pelos encontros cabeça que se faziam na nossa urbe. Desenvolveu jogos de antônimos e sinônimos, estimulando o uso e estudo de dicionários.
Na mesa do bar, Nenzão Maurício solava bossa nova ao violão, Rui e Julião Prates faziam à percussão no tablado de madeira da mesa, enquanto notívagos imitavam João, de Astrud Gilberto. Sempre aparecia alguém fazendo um solo de piston ao estilo Stan Gaets. Estes, os percussores da bossa nova no Norte de Minas.
Walmor, quando com a alma enlevada pela mística do puro samba solfejava imitando o nasal de Noel Rosa: Seu garçom faça o favor/de me trazer depressa/uma boa média/que não seja requentada/um pão bem quente, com manteiga/traga um guardanapo, um copo dágua bem gelada/fecha a porta da direita com muito cuidado/que eu não estou disposto/a ficar exposto ao sol/vai perguntar ao seu freguês do lado/qual foi o resultado/do futebol...
Walmor retornou ao Criador, de onde foi emanado em 18/02/84.


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Por Raphael Reys - 7/2/2008 14:50:42
O PETRÓLEO É NOSSO!

1955. A marchinha de carnaval que fazia sucesso na voz das rainhas do rádio era cantada assim... Penicilina/cura até defunto/petróleo bruto/faz nascer cabelo/mais ainda está para nascer um doutor/que cura dor de cotovelo/aiaiai...
A canção transformou-se em marketing político pelo governo Vargas pontificando e estimulando o povo para o nacionalismo, o, já que brotara petróleo em solo brasileirto.
A propaganda fora incrementada pelo Pentágono, pois éramos uma colônia de campesinos cucarachos a serem por eles explorados e espoliados. O coração do povo palpitava e pelas ruas se ouvia as pessoas cantado a marchinha, repetindo o refrão: o petróleo é nosso!
Vivíamos em pleno Romantismo, Deus era brasileiro, quase ganhamos à Copa do Mundo no Maracanã e para nossa urbe, chegava um escroque interestadual. Um tremendo 171.
Cabelo na Glostora, terno de luxo, colete, gravata borboleta, sapatos italianos de duas cores, chapéu coco, bengala com cabo de baquelita. Essa era a figura do malandro que se hospedou no hotel de Juca de Chichico.
Lembro-me como hoje da figura respeitosa que ele sabia fazer presença. Um glentlemen. A notícia da chegada do forasteiro se espalhou como pólvora.
Alegava ter vindo para a nossa cidade próspera, dizia, aplicar o seu rico dinheiro. Comprou uma chácara no Morro Vermelho, onde hoje é a Vila Oliveira. Lá ofereceu à sociedade um lauto almoço animado por um pianista de São Paulo. Foram convidadas as autoridades, o clero os comerciantes e criadores de gado, além dos artistas. Um sarau de primeira linha! Tive a felicidade de lá estar com os meus pais. Foi o seu debut na sociedade montes-clarense.
Não demorou, fez alarde anunciando ter descoberto petróleo na chácara. Abria-se uma cisterna quando o jato do ouro negro jorrou! Daí a mais fina flor dos ricos locais acudiram e juntos com ele, em número de sessenta, montaram uma empresa para a exploração do petróleo nascente.
Imagina só petróleo em Montes Claros! Estavam, todos ricos!
À bem da verdade, o velhaco trouxera de Santos um tambor com 200 litros do produto, enterrou bem fundo e uma bomba de sucção retirava lentamente petróleo mineiro que agora manchava o solo de Figueira com glória. Retirou à vista de todos os boquiabertos sócios o ouro negro ao vivo e em cores.
Matou a cobra falsa e mostrou o pau sujo!
Junto com o tambor agora de petróleo montes-clarense, ele fez uma viagem de negócios, trouxe um gerente para controlar a empresa o laudo evidentemente comprobatório confirmando que as amostras levadas eram mesmo de petróleo.
Com a bolada em maõs para comprar a maquinaria própria para a extração do ouro negro, ele esticou cabelo e nunca mais deu notícias.
A chácara, único bem disponível com autorização judicial foi vendida e o montante apurado dividido com os sócios lesados, não cobriu nem dois por cento do prejuízo...
Nós somos da roça, mas somos chiques! Até nos trambiques!Aproveitamos para lembrar que cavalo não desce escada!


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Por RAPHAEL REYS - 24/1/2008 09:28:03
BALA, QUATRO OLHOS VERDES E ARREPIOS AO SOM DE CHET BAKER.

Terça, 22.01.2008, desembarco na capital das Alterosas, com dois dias de antecedência da data marcada para exames do marcapasso no laboratório da UFMG, visando também almoçar com os escritores Felippe Prates e Augusto Vieira, o Bala Doce, como de costume, no “Rei da Empada”, do Mercado Central.
Felippe, com problemas de cicatrização de recente cateterismo e de malas prontas para a cidade maravilhosa, transferiu sua quota gastronômica ao Bala, para quem liguei e logo me veio à mente a figura terna da jornalista Márcia “Yellow” Vieira, a quem ele carinhosamente chama de “prima”. Nascida sob a égide do signo de Câncer, essa flor do Jardim Suspenso de Iemanjá tem os olhos translúcidos como os da Marcinha, que certamente nos atenderia no “Rei da Empada”. Tenho medo de olhos verdes quando me observam. São uma dádiva de Pteros, o Eros alado. Produzem uma tensão na alma de quem está sendo objeto da contemplação. Já dizia o filósofo Zé Amorim que olhos verdes são duas bolas de gude que brilham.
Almoço com o Bala sob a luz dos olhos verdes de Marcinha e, após a compra de pequis e carne de sol, nos dirigimos ao seu apê, no Gutierrez, onde passamos a tarde em seu oráculo, que é um misto de estúdio musical, cinema, biblioteca e escritório.
Navegamos no vozeirão de Nat King Cole, ouvimos Caetano Veloso cantar magistralmente “Sotisficated Lady” e “As Time Goes By”, na voz de Natalie Cole, filha do primeiro. Elis e Adoniran Barbosa, Tom Jobim e Chico Buarque foram saboreados em gravações caseiras, descontraídas e quase inéditas. Mergulhamos nas águas do negro mar dos “blues”.
Voltaram-me à lembrança os olhos translúcidos de Márcia “Yellow” e vaguei no estático da solidão das passarelas de tapete asfáltico, na solidez vibrátil do concreto aparente dos edifícios e no vazio do espaço táctico e tenebroso daqueles olhos verdes a me fatalizar. D. Célia entrou no oráculo com uma jarra de suco de uva, que molhou nossas goelas, secas pelas emoções até então vividas.
Debati com o notável Bala Doce a metafísica do “Banquete” de Platão e a psicologia de Wilhelm Reich, tendo como fundo musical “O Haver”, recitado pelo próprio Vinícius de Morais, com Toquinho fazendo o fundo musical. Observamos os poetas e escritores (muitos deles montes-clarenses) que dormitam, enfileirados e simétricos, nas prateleiras da bem cuidada e farta biblioteca.
Relembramos nossa infância feliz em nossa urbe, a Boate da Praça de Esportes, as horas dançantes do Clube Montes Claros e cantamos, com Bala ao violão, bossas-novas que João Gilberto lhe confidenciara, em 1957, quando da inauguração do auditório do Colégio Imaculada Conceição.
Feliz, encerrei o vespertino circuito lítero-musical, contaminado pelos vírus dos olhos verdes das duas Márcias e com a epiderme eriçada, ao final, quando Bala, maliciosamente, pôs Chet Baker para cantar “Someone to Watch Over Me”.


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Por RAPHAEL REYS - 21/1/2008 08:14:42
PEQUI ROIDO E SANGUE NA PAREDE

O cavaleiro da verve, Zé Amorim, criador das Amorincianas, sentados à porta de sua residência em confortáveis cadeiras de balanço, feitas de palhinha Alagoana, conversava com seu vizinho Tico Lopes, enquanto apreciavam a rua e os seus passantes.
Dawidson Rego, vizinho de fundos, e seu afilhado, transita pela rua àquela hora sem camisa e com o corpo todo escalavrado. Observando aquele caboclo ajumentado no tamanho, massa corpórea toda arranhada, sangue coagulado nos ferimentos, riscado de cima em baixo, o Zé pondera:
Êííí...Iááá! Esse caboclo não toma banho com bucha. Ele usa é esmeril, Tico!
Qualquer hora dessas vai dar lucro para os Beirões!
Viajando para a Bahia de moto, para participar de uma cavalhada, Dawidson, tomara um tombo espetacular e por pouco não fora parar na cidade dos pés juntos! No dia seguinte à conversa com Tico Lopes, Zé Amorim acometido por uma grave crise de bexiga foi levado às pressas para o Hospital Santa Teresinha, onde foi operado pelo doutor Cláudio.
A enfermeira termina a raspagem de pêlos pubianos, quando o médico entra no quarto para conferir o paciente e pergunta carinhosamente: como é que ocê ta Zé? Ele, fazendo um muxoxo com a boca, abrindo os braços teatralmente responde na bucha e à moda amorinciana: Tô com o saco parecendo dois pequis roídos!
Realizada a cirurgia com sucesso, o aparelho urinário do Zé já de novo zerado, e após o paciente ter recobrado os sentidos foi sentado à cama amparado sob os seus travesseiros de plumas de ganso, no maior conforto tupiniquim!
Solicita à enfermeira, telefonar aos seus familiares, instruindo lhe fosse enviado, com urgência, um aparelho vídeo cassete para que ele pudesse desanuviar a cabeça enquanto transcorresse a sua convalescença naquela unidade..
Um portador trás e instala o aparelho e, o Zé pedindo a sua atenção passa-lhe um bilhete a ser entregue na volta aos seus familiares. No dito, estava escrito textualmente por ele, lia-se ao bom estilo dos Amorins: Mande filmes de faroeste, daqueles que espirram sangue de bandido pelas paredes.



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Por Raphael Reys - 16/1/2008 07:49:30
A LENDA VIVA

Nascido nesses rincões campesinos dos Montes Claros em 22/agosto/1943, filho de Mario Matias, o Mário Português e da conhecida dona Chininha, sob a égide do signo de Leão e em plena conflagração da Segunda Grande Guerra, na pia batismal recebeu a graça de Geraldo Vasconcelos Santos.
Quando veio ao mundo chovia besouro sem asa pelos céus da Europa.
Na hora dos ritos, consta ter padre Dudu dito: Os anjos que estavam aqui no batismo gramaram o beco. O rebento rachava a caixa torácica no puro grito e o padre sentenciou: Aqui vai dar trabalho pesado, estou vendo isso nos seus olhos! Valha-me Bom Jesus da Lapa!
Como era um efant terrible, no primeiro dia de aula na Escola Normal levantou a saia da professora, perguntou que hora era o recreio e foi logo expulso. Teve que estudar em casa, trocando de professora particular mensalmente. Ninguém era feito de ferro para agüentar.
Já rapazinho, foi posto de novo na escola, fazendo parte da famigerada sala 2 B, para onde iam só as cobras criadas no Butantã. Logo, logo, armou rolo pesado, deu muita porrada em menino, e levou muita cacetada. Pedrada de atiradeira, feita com borracha de câmara de ar de bicicleta sueca!
Cresceu e se mandou pelo mundo, foi parar em Goiás, puxou pepino grosso e levou dois petelecos de chumbo quente. Rachou o pequi, com armas e bagagens para o Mato Grosso e lá empresepou e caiu no treisoitão, novamente. Quase vira tábua de pirulito!
Voltou para a nossa urbe, onde fundou a famigerada trinca de Gerinha, conhecida também como Turma de Gerinha Português. Faziam parte entre outros pestinhas: Sisí Santa Maria, Marco Antonio, Marco Aurélio, Odorico, Lú, Saulo e Waltin.
Viajavam em um jeep Land Rover sem capota nas festividades em Januária, e ao saírem da cidade, certa vez, todos ficaram nus dentro do veículo! Tudo só para bagunçar o coreto! Em festas da alta sociedade nos Montes Claros, vestiam capa de gabardine, estando sem roupas por baixo, só para arranjar encrenca.
O nosso Gerinha, como não despacha para o bispo e a sua missa é de corpo presente, se meteu em mais de cem rolos, com lesões corporais diversas. Brigou até com cachorro policial. Parece que o nosso herói tem o corpo fechado! Patuá de defesa feito em Nazaré da Farinha arrematado na gira de Cachoeira de São Felix, na Bahia.
Hábil negociador, resoluto e decidido dedicou a sua vida profissional ao crash in hand. Tendo sido, por toda a sua vida, gerente financeiro do conglomerado comercial atacadista dos Cunhas.
Empresário bem sucedido, saltitante, cheio de energias com sessenta e quatro primaveras, se sente realizado, por ter formado as duas filhas e o filho. Lá na sua casa, ninguém puxou o pai, saíram todos com o temperamento materno.
Ainda bem!
A sua maior alegria, entretanto, é falar dos netinhos. Aí os seus olhos marejam e o leão se transforma num gatinho de estimação...
Como é leitor assíduo do nosso mural, receba aqui esta homenagem, a sua natural bravura tupiniquim.
O homem é uma lenda viva! Que Deus lhe conceda muitos anos de vida, para alegria da família, incontáveis amigos e admiradores, entre os quais nos incluímos.


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Por Raphael Reys - 10/1/2008 05:52:31
ENCONTRO DE ASSOMBRADOS À PORTA DA CRISTAL

6 da tarde quente nos saudosos1982. A cerveja gelada e a cachaça rolavam soltas no Bar Quintal do Waltim. Numa mesa, Tico Lopes, Dácio Cabeludo, Cláudio Ataíde, Popó e o próprio Waltim. Combinaram uma farra na noite seguinte na Cristal.
Devido ao não comparecimento de Cláudio, os demais se desestimularam e a farra foi adiada. Passaram-se dias e o quarteto dos filhos de Figueira, com pós-graduação em botecos e lupanares até no exterior se encontram novamente no Bar Quintal. Cobraram do Cláudio um esclarecimento.
Esse, abrindo um sorriso amarelo relata que na noite anterior ao quase encontro marcado na Cristal, voltava para casa já a uma da manhã vindo do Automóvel Clube e ao passar pelo cruzamento da rua Simeão Ribeiro com Governador Valadares, no centro, quase foi atropelado por um elefante gigante.
Freou o veículo a tempo, deu marcha ré largou o carro abandonado e gramou o beco. Fez uma oração às almas pedindo para livrá-lo daquela assombração africana. Na manhã seguinte, foi tomar uma no restaurante de Zé Priquitim para aplacar o estresse. Ocasião em que relatou o fato.
Zé Priquitim e para seu assombro maior declarou que também estava sendo perseguido por assombrações. Ao abrir o freezer na dispensa do seu restaurante, uns bifes congelados saltaram de dentro e grudaram na sua camisa. Há dois dias não entrava lá! Estava apavorado com a perseguição dos bifes.
Cláudio continua o relato alegando que Popó lhe confidenciara que toda fechadura de porta que ele olhava via um rabo de lagartixa saindo e entrando. Estava apavorado! Para piorar a situação, Waltim alegou que há trinta dias vinha sendo perseguido por uma boquinha fantasma.
A mesma tentava morder as suas orelhas e ele para se precaver estava fazendo umas novenas de joelho.
Cláudio informou ainda que para tirar a cuanga tomara banho com uma garrafada de água do Rio Paraguaçú, colocara sete folhas de arruda machas no pé de sapato esquerdo e comprara uma medalha benta de São Salomão Bin Bin na Casa Minas Gerais!
Para fechar o corpo, usava um patuá feito das sete forças do Ebó de Exé, confeccionado pela Mãe Baiana, na roda de Oxum Maré.
Naquele dia, entretanto, os jornais publicaram reportagem dando conta que um grande elefante fugira naquela noite do circo que estava na cidade. A fuga fora motivada pela fome que o animal passava. Invadiu o Mercado Municipal e comeu dezenas de melancias!
E como o encontro com o paquiderme foi real, a turma, para comemorar, reeditou e fez a dita folia na Cristal.


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Por RAPHAEL REYS - 6/1/2008 06:27:06
EU SONHEI QUE TÚ ESTAVAS TÃO LINDA…

O escritor Marques Rebelo inventor do jucapratismo no início dos anos 50, após uma homérica farra regada a White Horse no Cabaré de Sinval Amorim escreveu uma crônica em que dizia: o cabaré de Sinval fervilhava como um nigth club da Brodaway.
Nas noites montes-clarenses fervilhavam também o Cabaré de João Pena, sucessor do Cassino Minas Gerais e o cabaré de Chico Telheiro, esse na exótica rua Lafaiete, point da luxúria tupiniquim. Uma via de pecado!
Bem perto dalí, havia a casa do austero delegado de polícia, Tonico Maia. Vinda de Monte Azul para trabalhar nos afazeres domésticas da casa daquela autoridade, Conceição, Ção, como era chamada a morena que se fez querida pela família.
Lourival, jovem músico negro, alto, magro, cabelo cheio, sempre vestido de terno, perfumado conforme a moda da época, tocava a noite, no Cassino Minas Gerais e convivendo com boêmios cedo aprendeu a sorver generosos goles de conhaques.
O policiamento notuno das vias de Vênus, era feito pelos agentes Zé Idálio e Altininho. Os crimes, quase sempre cometidos a mando dos coroneis, ensanguentavam as ruas da cidada e eram executados na escuridão da noite. Matava-se três e deixava-se dois amarrados para o dia seguinte.
Lourival, apaixonara-se pela Ção, e tarde da noite vinha acompanhado de uma orquesta de boêmios, filhos da lua e das estrelas que com ele cantavam apaixonadamente à janela da morena…sonhei/que tú estavas tão linda/numa noite de raro explendor…
Tonico Maia, temeroso pelo destino da moça, proibíra o namoro. Imagine namorar com um homem que trabalha na noite e ainda por cima dado a bebida! O dito de Veríssimo é: como ser subjetivo sem ser injusto. Tonico dava conselhos mas, quem ouve sábias palavras se o coração, tem razões que a própria razão desconhece.
Lourival cantava repetidas vezes à janela da amada…sonhei/que tú estavas tão linda/numa noite de raro explendor Diz-nos Borges que: o tempo amplia o âmbito dos versos, e o coração de Conceição cedeu aos amores do seresteiro.
Sob as benções do sagrado sacramento do matrimônio se uniram para sempre Lourival e Conceição. Uma festança daquelas que dificilmente se verá outra!Vieram os notívagos, os músicos, os familiares dos nubentes.
Naquela noite, os notívagos brindaram à união. Aí, o Cabaré de Chico Telheiro, fervilhou como um nigth club da Brodaway. E a música que iluminou os corações foi…
Eu sonhei que tú estavas tão linda/Numa festa de raro esplendor/Teu vestido de baile lembro ainda/Era branco, todo branco,meu amor/A orquesta tocou umas valsas dolentes/Tomei-te aos braços, fomos bailando/Ambos silentes/E os pares que rolavam entre nós/Dizem coisas, trocavam juras/a meia voz/Violinos enchiam o ar de emoções/E de desejos uma centena de corações/Para despertar teu ciume/Tentei flertar alguém/Mas tu não flertaste ninguém/Olhavas só para mim/Vitorias de amor cantei/Mas foi tudo um sonho, acordei…


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Por RAPHAEL REYS - 28/12/2007 21:42:08
ASSOVIANDO BOLERO

Cowan, 1979. Zé Amorim, então diretor da indústria cerâmica andava de um lado para outro no pátio, arrancando os fios dos cabelos, cheio de preocupações. O forno contínuo estava parado há quinze dias. Produção zero, caixa em vermelho!
Uma engrenagem vital para o funcionamento do forno estava quebrada. A Retifica União avaliou o estrago e sugeriu enviar a mesma para São Paulo, onde havia mais recursos.
O Zé andando pra lá e pra cá, no pátio da Cowan, quando recebe a visita de Tico Lopes, notando a cena de sofrimento procura ampara o amigo desolado.
Toma a cena e fala: calma, Zé! Dê tempo ao tempo. Tudo vai se resolver. Já que o prejuízo é inevitável relaxa e toma uma Viriatinha vai comer uma farofa de galinha caipira na Zinha, aí em frente. Muda de ares e vai dar tudo certo!
Zé, moralmente severo, olha acusatoriamente para o Tico, aquelas alturas meio hippie, vestindo calças jeans rasgadas e sentencia ao bom estilo Amorim-Curraleiro:
Eu não sei é como você não endoida seu F.D.P! Andando para cima e para baixo com essa bolsa de couro de homossexual pendurada à tiracolo e cheia de fitinhas frescas. Cordãozinhos atravessados e babilaques. Cabelo iêiêiê... e cheirando à vodka.
Completando a sentença amorinciana o Zé conclúi: Tem trinta e cinco peões há quinze dias assoviando bolero no pátio! Eu tô é lascado! E você desfilando com essa bolsa viadeira!...
Tico leva o Zé para passear no Mercado Municipal, visando desanuviar a cabeça do homem de negócios. O Zé sai à procura de laranja flor, sua paixão. Logo depara com um bruaqueiro rebuçando a beirada de um saco de aniagem cheio das laranjas.
Por cima do monte ensacado, três laranjas descascadas e com o tampo superior cortado e pendente. Zé arranca os tampos e, com avidez, suga as laranjas uma a uma deixando só a bucha. Ato seguinte cospe teatralmente os caroços retidos na sua boca, um a um, numa pontaria certeira, os lançando na lata de lixo.
O Tico pergunta três vezes: Tá doce? Na quarta vez que pergunta, o Zé responde: só falta uma mão de cinza e um tacho de cobre!...


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Por Raphael Reys - 20/12/2007 19:33:21
SEGUNDA VIAGEM NO JEEP 54 DE BIÔ MAIA

Inicio a segunda viagem, no exótico jeep 54 de Biô Maia, pelos Montes Claros ainda românticos dos anos 50.
Vejo os gestos calmos de Jaiminho Rebello, atendendo no balcão da Loja Colombo, os dedos cheios de anéis de brilhantes de Antonio Barreto, a pose de Oscar Gabriel dirigindo o seu Cadilac rabo de peixe, conduzindo como carona, Analhinha, a mais bela das damas da noite.
A boca babada de cerveja Pilsen, de Leonel Beirão, fazendo lobby político para a campanha de doutor Alpheu, no Mercado Municipal, o ensebado caderno de anotações de corretagem de gado, de Edson do bar e as empunhadeiras cheias de presilhas de metal do chapa Brigadeiro e sua aura de valente fanfarrão, as boinas azuis e a abertura lateral (?) das saias das alunas do Colégio Imaculada.
O cinturão de couro, tipo barrigueira, que Cintura Fina usava e a mancha branca, no topete de Leonel Cara Cortada. O elefantismo de seu Pascoal e sua senhora, no bar da estação ferroviária, a gesticulação obscena de Dedé dos Bodes.
O gesto de estou duro de Picolino, a mãozinha de Zoca Gontijo segurando a Cuba Libre, o dedo acusativo de Zé Mariane quando fazia perguntas do tipo besteirol. A mística de altruísmo fabricado e a pose de rico de seu Cursino do banco e a expressão de paciência do eterno sargento Piloto, com o inconfundível toque marcial da sua banda.
O Sinca Chambord azul herdado por Manoel Seriema e a sanfona oito gaitas do FNM de Lourinho, tocando Asa Branca serra abaixo. A classe de Áflio Mendes vestindo o seu uniforme de major do Exército e o dedilhar romântico do violão do saudoso Antonio Augusto Soldado, irmão de Théo Azevedo.
A cara de falsidade daqueles dois casais, falsos ricos, à borda da piscina do AC, dizendo que só passam férias na Europa, quando o fazem na roça. O smoking engomado de Valério, a copa toda branca do seu restaurante e a boca de Pedro Mentira falando uma verdade temporária, no pátio da REFFSA.
O bico de lata decorada da flauta de madeira com a qual imitava o Mago de Merlin, a atiradeira certeira de Lucídio Cutelo feita de borracha vermelha de câmara de ar de bicicleta sueca e a blusa buclê das meninas chiques!
A pose do cachimbo do meu amigo Walter Lins, com seu chapéu Cury e a agenda de garotas de programa de Marinho Luxúria, piloto mignon de monomotores e de Boeings sensuais, a coleção de pingas suspensas do bar de Nelson Vilas Boas.
O relógio de pulso com o mostrador virado para dentro de Walmor de Paula quando estava zangado e a cesta de vime de Emanuel Pinto, carregando um 38 cabo de madrepérola e um pacote contendo algum agá, para negócio e uma firmação para a encrusa.
A pança de Zé Amaro, a pontaria certeira de Luiz Jabur e a farra de Tinin e Luiz Milton, cheios de vodka dançando can can pelados, enquanto Alberto Graça (também pelado) tocava piano. O jumento Geminiano que marcava as horas intumescendo a genitália, no pátio da Mariflôr.
O gingado de Tião do Banco se equilibrando enquanto dançava um bolero na pista sintecada da Boate Maracangália, o relógio do Mercado Municipal dando as horas, o sino da matriz de Padre Dudu e o apito da sirena a vapor, da Fábrica de Óleo Mariflor. A cara de ciúme de Arlindo Tiririca, quando namorei a sua musa secreta.
Gal, amigo e empregado de Biô Maia, ao falar com ele num telefone baquelita preta Siemens pela primeira vez na vida: Ué! Como é que cabe seu Biô aqui dentro! Em seguida, arrancou as veias e artérias daquela estrovenga, buscando salvar o patrão!
Tempos que não voltam mais, tempos em que éramos felizes e não sabíamos!- como dizia o eterno Ataulfo Alves...


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Por Raphael Reys - 13/12/2007 05:46:35
TEMPOS ROMANTICOS, CRIMES ROMANTICOS.

´dedico essa crônica ao notável jornalista Carlos Linderberg que me honra com a sua leitura. Sou seu leitor de carterinha. Uma crônica dos Montes Claros de um tempo em que éramos inocentes e não sabíamos”

Nos saudosos anos 50, crimes mancharam com o trágico o romantismo festivo da nossa urbe. Era o lado aventureiro e bandido dos que aqui vinham para nossa cidade em busca de fortuna fácil.
O assunto da moda era o Crime de Sacopã no Rio de Janeiro, com a morte de Marina, por quem o Tenente Bandeira, inocentemente condenado, cumpriu 20 anos de cadeia. Na verdade, uma trama do Pentágono, que incriminou inocente e queimou arquivos, eliminando segredos da participação do Brasil na Segunda Grande Guerra.
O presidente Getúlio Vargas era pau mandado dos States!
Por aqui, um rico comerciante de eletrodomésticos contratou um pistoleiro, o João Tijolo, para dar cabo do atleta e vendedor de eletrodomésticos, conhecido como Zé Pai da Mata. Zé, considerado um galã e modelo masculino da cidade, o que fazia dele um excelente vendedor para as compradoras femininas.
Como recusou a gerência da loja do mandante, foi executado, tendo o crime sido praticado no bar de Nonda Lopes, no centro. Seu Gama, gerente de vendas de loja, também especializada em eletrodomésticos, foi também assassinado a mando do mesmo comerciante.
Um comerciante de eletrodomésticos que por aqui fazia sucesso na área, foi, no lugar do verdadeiro mandante, acusado, condenado injustamente e cumpriu pena, sendo inocente.
Maria Loura, uma dama da noite, que foi testemunha ocular do crime, chamada para depor em Juízo, se atrapalhou quando o meritíssimo lhe perguntou a sua profissão. O escrivão respondeu por ela: é mulher da vida seu Juiz! O Juiz ditou para o escrevente: a testemunha declara ser mulher de vida fácil.
Maria Loura, indignada com essa avaliação de sua profissão, respondeu na bucha: não é fácil não! O que nós agüenta rindo, ocês home não agüenta chorando!
O comentário da moda era o chamado Crime da Fera da Penha, ocorrido na capital federal. Uma amante, se sentindo abandonada pelo amásio, seqüestrou e matou uma filha menor do mesmo. O crime abalou o país!
Outro crime que fez história foi o do cabeleireiro Ronaldo. Matou Aida Cury, no Rio, lançando moda dos óculos modelo Ronaldo.
Aqui em Montes Claros, Oscar Gabriel, rico comerciante de tecidos e confecções, tinha como amásia a mulher mais bela da cidade, a profissional da noite, Analhinha! A ela, ele dedicava os fins de semana levando-a como sua acompanhante nas viagens aos grandes centros.
Sua esposa, enciumada, o obrigou a armar uma cilada para a rival. Levaram a Analhinha na boleia de um caminhão até um local ermo. Lá, a esposa do comerciante, que estava oculta na cama, atrás do banco do veículo, apareceu de súbito e efetuou o atentado.
Com várias coronhadas na cabeça da vítima, que teve seu corpo abandonado no matagal. Um vaqueiro de fazenda próxima, que se encontrava na mata, testemunhou o crime, socorreu a vítima que foi levada para Belo Horizonte onde, tratada, recuperou-se.
Contratou dois criminalistas, que conseguiram em Juízo, uma indenização equivalente à metade dos bens do acusado.
A esposa matriz, a verdadeira autora do crime, ficou de fora, já que o marido pressionado pelos filhos, assumiu a autoria, evitando o constrangimento decorrente do fato. Madame pediu desquite e levou a outra metade dos bens.
O homem terminou os seus dias de vida no Mercado Municipal, encharcado de fubuia.
Nós temos história, somos bregas da roca, mas somos chiques! Arrasamos até em crimes de morte...




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Por Raphael Reys - 6/12/2007 07:01:39
BICICLETA SUECA “FAIADÊRA”

Florianópolis, Ponte Pênsil, 1973. Lincão Mesquita, ferido gravemente por disparo de arma de fogo de grosso calibre, em incidente de rua. Operado, por sorte, por uma equipe de especialistas que coincidentemente ministravam um Congresso Internacional de Cirurgia e Reconstituição na cidade.
O paciente em estado crítico, mas já teimosamente sentado à cama. Ney Mesquita, seu pai, emocional como era, estava em depressão. Encorujado e chorando a um canto do quarto. Inconsolável!
Recebe a visita inesperada de uma turma de montes-clarenses pesos pesado. Walduck Wanderley levou um magote de notívagos objetivando dar apoio moral e curraleiro ao amigo Ney. Dentre outros, o cavaleiro da verve Zé Amorim, Dácio Cabeludo, Mamoeiro, Tião do Banco, Zé Paraíso, citando apenas os cabeceiras.
Por milagre de Deus, a turma compareceu sóbria, em respeito à gravidade do quadro apresentado. Sentados, decentemente, ao lado do convalescente pitombado, quando uma tremenda loura, a Miss Santa Catarina, namorada da feliz vítima, deu entrada no quarto vestindo uma curtíssima mini-saia. Modelo Mary Quant, o chique da época!
Moda quente que expunha as suas calibradas coxas. A todo o momento abaixava-se, para limpar a secreção que saia do nariz do namorado, ocasião em que deixava à mostra a calcinha, à vista dos demais.
Exibia o seu volumoso traseiro modelo Deustschland, o que era apreciado com gosto pelo esquadrão de raparigueiros presentes. Ney, alheio à cena erótica, chorava copiosamente, quando Zé Amorim o chamou a um canto da sala, mas ainda ao alcance dos ouvidos atentos de Walduck.
Buscando consolar o depressivo, o nosso Zé, filósofo da vida e psicólogo das fatalidades do cotidiano, falou: para de chorar Ney! Esse fiduma égua do seu filho não vai morrer não! Ele tem o corpo fechado! Deixa de chorar e aprecie o panorama desse traseiro branco à sua frente, caboclo! Se esse cara tivesse que morrer, já tinha morrido. Bala dundun mata na hora.
Continuou a terapia de consolação, mantendo a mão sobre o ombro do choroso pai da vítima: Desanuvia a cabeça homem! Quando você chegar a Montes Claros compra uma bicicleta sueca ‘faiadêra”, daquelas com problema na corrente e na catraca.
Concluiu as observações falando: toda vez que você lembrar da pitombada que esse animal levou e do panorama desse traseiro branco, suba a ladeira do Alto São João com a bicicleta chiando rock... catrak...vupt...catrak...corrot...catrakt! Escorregando o pedal, “faiândo” e você suando frio!
Respirou teatralmente como um ator de estúdio curraleiro e concluiu a seção de psicologia aplicada, suspirando fundo abrindo os braços espaçosamente e sentenciando: quando você chegar ao Parque de Exposições, já terá esquecido a pitombada deste fiduma égua presepeiro. Vai se lembrar somente do panorama desse traseiro alemão, que está balançando pra lá, e pra cá!





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Por RAPHAEL REYS - 29/11/2007 17:29:13
TESOURAS E LOÇÃO DE BARBA

O mais tradicional e folclórico dos salões de barbeiro da nossa urbe foi o de Pedro Montes Claros, em 1930. Nos saudosos anos 50 o mais luxuoso era o salão Rex, da família Guedes, na rua Simeão Ribeiro. Pedro, Antonio, Deusdth e o galã Dilo. Entre os aprendizes de então Nelson, Bigode, Manoel, Genésio.
O salão Azul era na Presidente Vargas, com Geraldo, Cachangá, Antonio, usava-se Água Velva e creme Williams para barbear. Um salão na rua Doutor Santos era o Montes Claros, de Antonio Teixeira, onde Juvim, um barbeiro, dormiu embriagado com quatro bilhetes por ele não vendidos da Loteria Federal de número 40040, nos bolsos. Acordou rico no domingo e se mandou da cidade.
Na rua Melo Viana havia o salão de Horácio e Agenor, além do salão dos Macaúbas e o de Tone Ruas,que funciona até hoje na Corrêa Machado, 369.Atendiam os ferroviários e o povo dos Morrinhos. Lá, tesouras Solingen, navalhas Dois Gêmeos e cadeiras Genaro Ferrante.
Em destaque, havia o moderno salão de Nelson Cabeleireiro, que atendia políticos, músicos e carnavalescos. Cortes modelo Príncipe Danilo e topete pega moça. Dilo Pé de Anjo, um Dom Juan de subúrbio, conquistador de mal amadas, calçado de sapatos brancos executava o modelo de corte Alemão.
Uirapuru, biótipo de índio Xavante, extensa cabeleira bebia todas e era mestre na quizila. Apresentava-se como ex-combatente e chegou a receber indenização do governo federal. Já Abel, um nordestino, sempre no linho branco S 120, usava um Colt na cintura e trabalhava de frente para a porta de entrada.
Temia vindita, pois tinha deixado inimigos na sua terrinha. Teve morte trágica!
Ivo Barbeiro, na Presidente Vargas, local de encontro de caçadores, pescadores e colecionadores de armas de caça. Tinha a melhor tralha de pescaria da urbe, uma referência.
Saudosos, o elegante Nem Barbeiro, Caneca da Pioneira dos Milhões. Muito bem vestido, Claudionor, um dândi, dirigente do Sport Clube Bahia, um bom gourmet. Antonio Teixeira, que ganhou o primeiro prêmio da Federal com o número 13752, assim como Medeiros Cabeleireiro.
Outro Dom Juan era o Agenor, irmão de Totonho Barbeiro, na rua Altino de Freitas. Foi flagrado pelo marido traído. Estava com a pecadora sentada no seu colo na cadeira de barbeiro em pleno exercício do coito. Escapou fedendo!
Dos antigos oficiais barbeiros ainda entre nós, Pedro Guedes, Bigode, Sinval do tradicional Bar Hollywood, Tone Ruas, Moisés, Zezinho Macaúba, um cobra criada. Zé Barbosa, na rua Grão Mogol, que passava álcool no rosto dos frequêses inconvenientes e cantando a moda popular: quero ver você chorar!
E para não dizer que não falei dos mais antigos, Pedro Montes Claros, patriarca dos Amorins, que em 1930 tinha escarradeira de cerâmica em seu salão e colocava bola de ping-pong na boca do freguês, para melhor escanhoar a barba.
Encerrando a crônica, uma placa em um salão de barbeiro no Guanambí de 1957. Salão Elite- feitune de barba 3,00- aparume de cabelo 5,00 -dizazanga de garrucha trezentos e oitenta e zivinte.


29751
Por Raphael Reys - 23/11/2007 14:36:32
ALFAIATES E CAVALHEIROS ELEGANTES

Nos saudosos anos 50, a nossa urbe pululava de elegantes e alfaiatarias. Mestres de ofício, tecidos de luxo, dândis, janotas e executores de moda.
O quartel general da moda masculina tinha o seu pontificado na rua Simeão Ribeiro, hoje Quarteirão do Povo. Lá a alfaiataria mais luxuosa era a de Wilson Drumond e seu contramestre Elzino do Alto São João. Vavá Alfaiate, o mais elegante, sempre de terno, colete, chapéu côco e bengala com cabo de baquelita.
O ateliê de João e seu irmão Terezo era freqüentada pelos maçons. Havia o Chagas Alfaiate que tinha como gerente o professor Edmundo Andrade, o mestre Manoel Barbosa, vindo de Januária e que trabalhou por vinte e nove anos em Bocaiúva.
Miltão, Nilo Coto, Miltinho e Rosalvo, que ao mudar-se para a Capital bateu os sapatos na plataforma de embarque da estação ferroviária, tirando o pó de Montes Claros e jurando não mais voltar. Dois meses depois foi trazido pela alma do pequi...
Existiam , ainda, o ateliê de Joaquim, um elegante mulato, ao lado do Maravilhoso Bar. Cicílio Barbosa na rua São Francisco, Benjamin Ribeiro na Camilo Prates, Antonio Gomes, na Visconde de Ouro Preto, todos no centro comercial da urbe.
Era tempo de fartura, de preços fixos, de juros calculados pela tabela Price, os amigos eram diletantes e a vida transcorria em dolce fair niente! Vivia o romantismo em ambiente de art decó!
Nas prateleiras da Casa Colombo, o tecido Maracanã, um nacional que fazia sucesso nos States. Usava-se o tropical inglês, a casimira Aurora, a Sarga, o Sargelim, o Sargelim Aurora. Linhos eram os S120, S 129, S 120 Pele de Ovo.
Os abastados usavam o Yorkshire e o super Pitex 1504. Os modelos iam do clássico aos italianos, Paletó Saco, Cintado, Dois e Três Botões, Jaquetão e o Scaraveli.
Os nossos elegantes cavalheiros eram o João Chaves, sempre impecavelmente vestido. Píndaro Figueiredo, considerado o mais luxuoso de todos, foi para Roma, na Itália, representar o Brasil entre os mais elegantes e jogar nos cassinos internacionais.
Ururaí Filpi, o Barão, os fazendeiros Dominguim Braga, Dezinho Tropical, José Costa, Marcelo Alcântara, o notável esculápio e escritor João Valle Maurício, o advogado Mourão, o comerciante Benedito Gomes eram, também, elegantes.
Como somos chiques, tínhamos uma escola de alfaiates. Uma pequena faculdade de moda masculina, administrada pelo mestre J.Pandú, chamado de O Craque da Elegância, situada na rua Presidente Vargas.
Lá, formaram-se gerações de contramestres e mestres alfaiates!
Eram tempos de sofreguidão, de boêmia, de lenços de organdi no bolso do paletó, manchado de batom vermelho carmesim, resíduos de Grant`s, de perfume Nuit de Noel, umedecidos com lança perfume Rodoro.
Nos Montes Claros modernos, temos o Jerry Zonaldo, que aqui chegaram em 1955, vindo da guerra política de Monte Azul, chamado de O Dedal de Ouro, e o seu contra mestre Baltazar, com ateliê na rua Simeão Ribeiro. Elzino Alfaiate, atende hoje no Alto São João, onde mora há cinqüenta e cinco anos, desde que o caminhão pau de arara, que o trouxe do nordeste, quebrou o eixo.
Lá onde o eixo quebrou, Elzino ficou! Nós somos bregas, da roça, mas somos chiques, nós temos história...





29623
Por Raphael Reys - 17/11/2007 06:24:44
“Esta crônica é uma homenagem às reminiscências de Virgínia de Paula. Uma flor colhida nos Jardins Suspensos de Yemanjá”.

FOOTING

Já findando o Romantismo dos anos 50, o footing dos Montes Claros era na exótica rua Quinze, hoje Presidente Vargas. Tempos de Getulismo, de ouvir a novela Direito de Nascer, do Repórter Esso, das revistas Cruzeiro e Capricho, de fitas com Rock Lane e de assistir Mundinho Atleta discursar da pérgula de Ramos e Cia.
Moças usavam a fragrância de Chashemere Bouquet.
Nos anos 60, o footing mudou para a Praça Coronel Ribeiro. Rapazes circundavam pela direita, moças pela esquerda do logradouro. A praça foi apelidada de quem me quer e a Praça da Matriz de já te achei. Na Matriz os casais constituídos namoravam.
Aconteciam esbarrões, bilhetinhos, recados mandados, pequenas flores, drops, pastilhas Valda, bala Toffe.
Elas bebiam guaraná com canudo de palha na Montanhesa e os rapazes, Coca Cola no bar do Nelson Vilas Boas. Elas usavam saia, anágua, blusa buclê, banlon, diadema na cabeça. Eles, calça Roebuck, camisas Prist, sapatos Clark, cabelos cheios, isqueiros Ronsons e cigarro Capri.
A rapaziada que mais se destacava no circuito contava, entre outros, Márcio Nilo, Agnaldo Drummond, Waldyr Aguiar, Osmar e Takaki, esses últimos com suas calças de nycron e suas Lambretas italianas e Vespas, compradas na loja Ramos e Cia.
As moças mais bonitas e charmosas do circuito eram a Zione Drummond, Tetê Santa Maria, e Marly Alcântara. Algumas moças tomavam Postafen para aumentar o bumbum e passavam azul metileno no cabelo. Ficava uma cor preto-azulada.
Zione, trajando vestido tubinho, assim como outras meninas da sociedade, promoviam animadas horas dançantes em suas casas após o footing. A radiola de baquelita tocava Long-play de acetato: João Gilberto acompanhado pelo violão de Baden. Twist, Hully-Gully, Beatles, rock and rol, Papa Hum Mau Mau, e os apaixonados curtiam a voz de Nat King Cole.
Os românticos dançavam ao som do conjunto de Ray Coniffe, tocando La Paloma. A rapaziada tomava ponche! A moda era assistir os jogos de futebol de salão no MCTC. As moças aplaudiam o time dos “bem lançados” da sociedade.
Roberto Carlos cantava Rosa Rosinha e Calhambeque, a moçada prafrentex comprava jeans Lee e Roebucks no Armarinho Jabbur, roupas masculinas formais na Itália Modas e as meninas elegantes vestiam-se com a moda da Geraldino Boutique.
Bebia-se Martini Dry, Cinzano Rossi, Cuba Libre, Hi fi, vodka Smirnof, gim tônica, acompanhados com tira-gosto de canapés.
Virginia de Paula esbanjava charme e sex appeal, com seu maiô elanca da Catalina, nas picinadas na Chacrinha dos Abreu e Paula. Comia-se baião de dois no Mangueirão, tomava-se Vaca Preta e Vaca amarela no Cambuí, dançavam-se na Juventude em Brasa do AC, nas horas dançantes do Clube Montes Claros, da boate da Praça de Esportes além dos clubes volantes e na festa junina das Quebradas de Pedro Veloso.
Já havia a festa de São Pedro no Pentáurea, com a contemplação das chamas da fogueira gigante, estilo Celta, armadas por Zé Cocá. Comia-se uma lauta farofa de carne de porco acompanhada de uma salutar Viriatinha.
Gerinha Portuguêsa perturbava a tranqüilidade do centro da cidade com sua galera até que a turma de Gera Moleque desceu o morro e botou fim na presepada. Foi o maior côro da história montes-clarense.



29488
Por Raphael Reys - 9/11/2007 13:16:39
“Esta crônica é uma homenagem às reminiscências do notável autor Augustão Bala Doce. Um pouco da sua infância, certamente fará brotar lágrimas em seus olhos”.
G A L

Estatura média, tez mulata, corpulento, musculoso, carrancudo e generoso. Este era Gal! Amigo do peito e empregado da fazenda Lagoinha de propriedade de Biô Maia. Alpercatas de couro, canivete Corneta, palha macia e fumo de rolo, calças Triunfador, camisas riscadas.
Meio desligado das coisas deste mundo bobo, meio desatento, seu espírito passeava no etéreo e ele caminhava na realidade. Empregado da Fazenda Lagoinha, Sancho Pança do Dom Quixote Biô (Gabriel da Silva Maia), proprietário das terras, assim era Gal.
Nos bons 1950 ele vinha à cidade buscar Quita Maia para passar uns dias no Cedro. Imitando Ford Bigode, ele botava a menina pendurada na sua costa e saia guiando feito carro pelas trilhas até a Lagoinha. Pisava tão macio que Quita chegava dormindo no destino.
Vendida a fazenda, seu único rincão, veio com o seu amigo e patrão, orar no apartamento de Quita Maia, já adulta e casada, na Rua Dom Pedro II, no centro de Montes Claros. Não ficou embora tivesse cama, mesa e banho. Detestava modernidades, não misturava o seu barro humano ao barro das gentes da cidade.
Lá havia escadas e os botões do elevador para apertar. Ele não sabia mexer em botões! A solidão da urbe agregou à sua alma o peso da saudade. A cachaça, sorvida na meiota, aliviava. Às vezes, duas meiotas. Era difícil subir todos aqueles degraus com os parietais pegando fogo e as pernas bambas.
O bom mesmo era morar no plano, no chão de Meu Deus, lá na Lagoinha, onde tinha canário cantador sob a amplidão dos céus, as lagartixas comendo inseto nas palhas.
A modernidade trouxe a telefonia automática de Hildebrando Mendes e, com ela, o aparelho de baquelita preta da Siemens.
Relata-nos Augustão Bala Doce, que Gal, chamado para receber um comunicado do patrão, vindo em espirais metálicas pelo telefone e como o berço não lhe embalara a retórica, exclamou no dialeto “pé-quebrado”, estando espavorecido!
Ué! Como é que cabe seu Biô aqui dentro desse trem preto! Ato seguinte arrancou os tentáculos e artérias daquele monstro grudado na parede. E com sua violência em nome do pudor, quebrou tudo visando libertar o patrão, possivelmente espremido ali na barriga daquela estrovenga.
Voltou para a Fazenda Lagoinha e foi morar numa palhoça no pé do morro Dois Irmãos.Não tinha mais Biô para dois dedos de prosa e conversava com os duendes, com o espírito da pedra e com o caipora das florestas. Assoviava com os passarinhos e escutava o choro da mata no anoitecer e o chiado do chocalho da cascavel!
Assistia o sol nascer, via as sombras do lusco-fusco e as assombrações da chapada.
Chegou o vento de agosto, o mês do desgosto. Uma lufada de ar atiçou uma faísca do fogão de barro e a Salamandra do pé da serra pôs fogo na palha do casebre.
Naquela noite, Gal tinha tombado no chão de terra batida, vencido pela cachaça branquinha, saída da cabeça do alambique e ingerida sob a égide da tristeza.
E aí, foi fogo no lombo de Gal! Ficou que nem tição! Virou cinza. Retornou às cinzas de que viera e como uma Fênix alçou vôo com as asas de Pteros.
Deuses, gigantes, ninfas, efébos e homens-menino, quando morrem por aqui vão para o Olimpo. Lá chegando, o Arcanjo Gabriel amparou-o sob suas asas.


29359
Por Raphael Reys - 3/11/2007 10:40:45
Fincado na confluência das ruas doutor Santos e Pedro II, no centro comercial da cidade, situava-se o prédio onde nos anos 60 o empresário Cambuí instalou a Sorveteria Cubana.
Foi o point dos adolescentes que ali se relacionavam nas tardes e princípio de noites dos sábados, domingos e feriados, às vezes durante a semana na sortida lanchonete, sucessora das antigas leiterias, em que se inovou um aprimorado serviço de fast food.
As vovós e vovôs de hoje, quando moçada ainda romântica, namoravam nas mesas da Cubana, comendo fatia de bolo com garfo e faca quando eram servidas suculentas Vacas Pretas, Vacas Amarelas ou tomando inocentes guaranás. Era o fim do romantismo!
Alguns bebiam acanhadamente Cinzano Rossi, Martini e vodka Smirnoff, essa última na versão hi fi, embora a moda fosse Cuba Libre. ( rum com coca-cola)
Cambuí, atarefado entre o serviço de balcão e o caixa, correndo para atender uma demanda sempre crescente de mocinhas e rapazes cabeludos, não notava o cano que alguns rapazes aplicavam. Reginauro Silva e outros inconfessos compravam dois sorvetes e davam no pé sem pagar, aproveitando a confusão.
As inocentes namoradas aguardavam à porta do Cine Fátima, sem saberem que o namorado estava liso e aplicara um golpe no Cambuí, para agradá-las. Depois de lavar as mãos e a boca e ao som de Doucement Mon Amour, assistiam aos trailers e aos chorosos enlatados da moda.
Tempos ainda de se ver trailer dos Beatles, de mocinhas usando cabelo com coque e cheiro de laquê, resíduos das festas de gala da noite anterior. Tempos em que os mais ousados, Felipe Gabrich, Fernando Gontijo, Deca Rocha e outros notívagos, iam à matinê levando alguma dama da noite, apanhada propositadamente nos românticos lupanares da época. Era só para mostrar serviço e provocar falatório.
Tempos de esperar o 8 e meio de Felline, a obra prima da Cinecitá, de ver 007 o herói fabricado e de se arrepiar de medo com o suspense de Hitchcok em Janela Indiscreta. Melosas fitas italianas ao som de Dio como Ti Amo.
Da Cubana partíamos para a Cristal, para o Intermezzo, para o Mangueira. Ali, naquela esquina, marcávamos as festas dos clubes volantes, os piqueniques nas fazendas, as piscinadas no MCTC, a hora dançante no Clube Montes Claros e o frison da boate da Praça de Esportes. Sabíamos em primeira mão dos novos amores, das broncas e das presepadas.
Eram tempos de paz e de romantismo à porta da Cubana, uns Montes Claros divertida, ainda inocente, servida por uma bem sortida rede de restaurantes e bares, com atendimento pessoal e a preços módicos.
A Bossa Nova alegrava os nossos corações com a doce voz de Astrud Gilberto, o pistom de Stan Gats, e o dedilhar do mágico violão de Baden.
Tempos de beijos com sabor de Milk Shake, drops Dulcora, balas Toffe ainda compradas no bar de Adaíl Sarmento, de cigarros Colúmbia acesos com isqueiros Ronsom.
Tempos de Nensão Maurício solando Garota de Ipanema e de Julião Prates datilografando com os dedos na mesa do bar, de maneira instintiva as conversas que rolavam de tempos que não voltam mais.
Tempos de Viche Uai e de Virgínia de Paula, uma flor colhida no Jardim de Yemanjá com suas anotações, para o diário de frases ouvidas, nas rodadas de conversas jogadas fora, via nossos corações saudosistas...


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Por Raphael Reys - 29/10/2007 15:34:52
JOÃO SAPATEIRO

O universo não seria o que primeiro notaríamos, muito menos o sublime ou o grandioso – Borges

Foi o personagem que propiciou um tom exótico á minha infância. Fui privilegiado espectador de suas curas espíritas. Sua história começa em 1950, aos sessenta anos de idade e sob a ação de retificações cármicas era leproso.
Nessa ocasião mendigava pelas ruas poeirentas dos Montes Claros, usando um cabo de vassoura com uma lata de marmelada vazia, presa à extremidade, evitando assim o contato direto com o passante que, depositava ali, um tostão.
Estatura baixa, magro, porém musculoso, jeito simples de nordestino, comedido, roupas rasgadas, chapéu de couro, uma embira no lugar do cinto. Morava numa choupana de palha e adobe no Cristo Rey, local reservado pela Prefeitura para portadores de hanseníase. Ali viviam confinados parcialmente.
Esse local ficava onde atualmente é o Feijão Semeado, no lado a Praça Itapetinga. Quando ainda portador do mal, João foi acolhido por uma equipe de obreiros Kardecistas, que executaram a sua cura desobessesiva, já que o mal maior era de fundo espiritual.
Curado, construiu o seu barracão próximo onde se situa hoje o DER. Passou então a fazer parte atuante da mesma equipe que o atendeu. Sapateiro por profissão confeccionava sandálias em couros crus, solados de pneumáticos. Modelo rústico.
O nosso relacionamento cresceu quando o meu pai tornou-se habitual comprador desses produtos artesanais, para revenda em sua loja, a Casa Boa Vontade.
Da equipe fraternal formada para atendimento avançado de pacientes graves, em seus domicílios e que funcionou de 1955 até meados de 1963, fizeram parte, como líder; Maria Rameta, a mestra doutrinária, além de Laertes David, Claudionor enfermeiro, Alcides Sapateiro e Dona Baroniza.
Outros, constantes e ocasionais colaboradores fraternais, que cuidavam do banho dos pacientes, corte de cabelo e curativos.
Aos oito anos a minha função no grupo era o de transportar a pesada maleta de madeira contendo a medicação de urgência e utensílios para curativos e pequenas cirurgias. O atendimento dos pacientes era feito com a caravana indo a pé até o objetivo. Posteriormente no Ford Bigode logo depois, na Rural Willez do meu pai.
Levávamos também alguns pacientes e acompanhantes a pé até a casa de João Sapateiro para tratamento. Como caminho usava a manga de pasto do conhecido fazendeiro Cow-Boy de Janaúba. As margens da Lagoa de Dona Alice, no matagal de tabuas do hoje, Bairro São José.
Lá chegando encontrávamos um ambiente simples com uma grande mesa de madeira, usada para o culto do evangelho e a doutrinação das entidades sofredoras. A especialidade de João Sapateiro era o expurgo. O paciente atendido e em estado grave, após os passes, expelia pelo nariz as chamadas materializações de entidades ovóides, que estavam provocando a sua subjugação ou loucura.
Essas partes semi-etéricas depois de expelidas eram enterradas no quintal. E o paciente curado voltava à normalidade. Emanuel Pinto adorava assistir as seções.
Seu João é o fundador das fraternidades espíritas Francisco de Assis no norte de Minas. Consta ter falecido já centenário.



29100
Por Raphael Reys - 24/10/2007 09:53:29
SABORES DA NOSSA INFÂNCIA

Dos românticos anos 50, as reminiscências de gostos e sabores que marcaram a infância, na nossa aldeia de Figueira.
O agradável e borbulhante sabor dos guaranás Champagne, tomados no bar de Nelson Vilas Boas, com canudinho de palha, deixando a língua entorpecida e uma sensação de ar preso na barriga.
O sabor encorpado e permanente das drágeas de chocolate Bhering, grudados no céu da boca, e a coca cola que nos fazia arrotar feito turco, nas matinês do Cine Coronel Ribeiro.
A queimadinha de suco de laranja curraleira com bicarbonato, tirada com a concha da lata de flandres, nos fundos do Mercado Municipal, ao lado da loja de Joel Stark. Era beber e sair correndo para o banheiro!
A maciez e o sabor das balas de chocolate Toffe, compradas com exclusividade no bar de Adaíl Sarmento. O gosto de infância do guisado espremido, os bolos ao estilo capitão na casa de Geraldo Lopes, amassados à baiana pela minha bisavó Dinha.
O café feito no fogão de pedra e adoçado com rapadura, o pouco gelado e pouco higiênico caldo de cana de Jason, que fazia descer o pedaço de pão de doce com cheiro de manteiga Alvorada, atravessado na garganta. No meio do pão, uma gostosa e suculenta fatia de requeijão de Salinas.
O doce “cavaquinho” de rapa com açúcar de Dinha Preta, as cocadas com mamão de Dona Swargar, vendidas no Colégio Diocesano e o pirulito Gostosão da Padaria Globo.
Os docinhos de leite em formato de coração de dona Bila, irmã de Chininha, tia de Nair Macedo, e a gostosa e insuperável pomadinha de leite e os doces pingados de dona Lica de Abreu, avó de Virgínia de Paula. O levíssimo frango caipira com arroz grudento, quiabo e um ovo estrelado por cima, de dona Carmelita Martins.
O prato de esmalte era posto em cima do fogão de lenha e dava para sentir o calor do borralho na perna esquerda. De sobremesa, doce de fígado cristalizado, ou de caju, esses tirados na casa de Pedro Paulino, depois de longa negociação.
As gemadas consistentes da minha avó Belarmina e a bacia de flandres cheia de bolinhos de bacalhau Noruega da minha tia Preta, servida nas intermináveis partidas de buraco, aos parceiros.
Os sonhos e o cheiroso vinho caseiro feitos por dona Geny Freitas, no bairro São José, ainda uma lagoa cheia de tabuas e de cavalos do Cow-boy de Janaúba.
O seu bife com fatias de abacaxi, feitos a pedido da meninada. A mesa farta e saborosa da fazenda de Tiãozinho Viriato, nas Cabeceiras e o gosto do Cinzano Rossi e o sabor da azeitona gelada no Martine Dry, tomados escondido às margens do Rio do Melo.
Beijos trocados com a namorada com sabor de drops Dulcora e de pastilhas Valda.
O jenipapo de sabor ocre colhido no fundo da casa dos Martins no bairro São José, com as mãos cheirando a esterco do curral, visgo de pegar passarinho e da borracha de atiradeira.
Outros sabores e aromas foram próprios da nossa infância campesina nos saudosos Montes Claros dos anos 50. Só para encerrar, o saboroso pão alemão quentinho, entregues sob encomenda e na bicicleta, por Adão Padeiro, ainda no lusco-fusco das manhãs ainda romanticas.


28966
Por RAPHAEL REYS - 19/10/2007 06:07:21
BIÔ MAIA

Na pia batismal em 29/03/1929, foi batizado Gabriel da Silva Maia. Filho de Tonico Maia e dona Badú Maia. Nasceu madeira pura. Maia com Maia. Sexto filho de uma prole de nove, nascido na fazenda Lagoinha, no Cedro.
Caladão, sisudo, quieto, bigode siciliano, gestos comedidos, sistemático, impunha respeito. Aos que lhe eram queridos, um breve sorriso de contentamento.
Nos folguedos de infância e adolescência os amigos sempre fieis: Alfredo Barreto, Henrique Chaves, Telé prates, Reinaldo Simões e Augustão Bala Doce. Colegas para dançar bolero, para beber, pescar, rodar de jeep nas noites de orgia e ir ao Clube Montes Claros.
Nos carnavais, no Clube Minas Gerais, no Cassino, fantasiava-se de Zorro, juntamente com Reinaldo Simões, até que, durante um quebra pau entre foliões, saíram pelo exíguo buraco da janela e lá se foi o chapéu do herói. Desistiu de se fantasiar a caráter!
Seresteiro de primeira, de instrumentos, tocava bandolim e violão, estando deitado à sombra próxima ao engenho de cana, da fazenda dos pais, se chamado, respondia: vâmo ficar aqui sem fazer nada que é melhor.
Tinha um jeep 54, direção mecânica, que fez história nas noites dos anos 50. Ele falava- olha a curva do Redondo! O carro obedecia! Sendo seu chamego, conservava-o polido na flanela.
Biô era bom companheiro para qualquer obra ou pescaria. Era só chamar, ele punha a tralha no exótico jeep e partia.
Entretanto era intuitivo! fosse com a cara da pessoa bem, se não, amém!
Freguês habitué do Bar Sibéria, servia a sua própria dose. A mão treinada simétrica, certinha, calculava no olho e só bebia com o copo tapado.
Colocava uma caixa de fósforos por dentro de uma das lentes dos óculos, tapando um olho, sempre às dez da manhã, quando um raio de sol, coincidentemente, incidia no seu rosto. Como era criterioso, preferia tapar o sol, mas não saia da cadeira de sua preferência.
Alma pura, era dotado de verdadeira adoração às crianças, altruísta pois na semana das crianças, distribuía brinquedos, guarda-chuvas e sombrinhas entre a gurizada.
Solteirão convicto, passou boa parte de sua vida morando na casa de Quita Maia, sua irmã. Alex, seu sobrinho predileto, todas as noites, enquanto ele dormia, colocava o seu relógio Mido impermeável dentro de um copo de água, testando a sua pouca paciência.
Os sobrinhos em sua homenagem fizeram o bloco carnavalesco Biô e Salomé, precedido do bloco caricato Bosta, com as suas sobrinhas adolescentes. Teve direito a samba enredo.
Em 1998, quando nos deixou voltando aos mundos Súperos, teve como últimos parceiros de gole, tomando uma boa cana Seleta, Timbó e a Baianinha. O tira-gosto era chocolate branco, Sonho de Valsa.
Que Deus o tenha, nobre guerreiro!


28692
Por Raphael Reys - 13/10/2007 16:30:52
MARIMBONDO E MARIMBONDINHO

Já em 1900, no Beco do Marimbondo predominava o cabaré de Ana Capivara, onde farreavam os nossos tataravôs e bisavós. Foi onde Antonio Ramiro matou o Fala Grossa, um valente da época, aproveitando a escuridão.
Na era de Trinta era o cabaré de Chico Telheiro, avô de Tino Gomes, foi onde o poeta maior Carlos Drummond cantou a dançarina espanhola das tetas moles e toda mordida de muriçoca. Um habitué era Waldemar Versiane, médico e autor do Jornal de Serra Verde.
Tempos de tomar conhaque, absinto, e de gatos de porcelana que se duplicavam nas penteadeiras, onde as mariposas viam refletida a luz da lua que de mansinho entrava pela janela e encharcava corações.
Do lado doméstico da Rua Altino de Freitas (Rua do Marimbondo) e separado da parte festiva, moradores ilustres: Deba de Freitas, líder político, Dona Luíza do famoso mocotó da Luíza, e a mãe do saudoso bancário Kitú, que jogava futebol, pelo João Rebello.
Em 1940 o cabaré da moda estava sob a direção do empresário Sinval Amorim, na Rua 15, onde está o Ponto Frio. Lá estiveram bebendo White Horse, e dançando com as lindas damas da noite: o cronista Rubem Braga em 1942 e o romancista Marques Rebelo da Academia Brasileira de Letras, que regulamentou o Jucapratismo.
Nos anos 50, o atendimento dos valentes baleados, ou esfaqueados na disputa pelos amores das filhas de Vênus era feito ao vivo e em cores, no local das vias de fato, pelo competente esculápio João Valle Maurício, sempre elegante ao som de gramofones da RCA VICTOR que tocavam acetato de 38rpm, chorinhos, valsinhas e boleros.
Tempos de escutar Gardel cantando...Corrientes 348/que ariba ao segundo piso ascensor/ E de corpos que se atormentavam e recendiam a sabonete Eucalol, e rolavam em lençóis de tafetá dourado que refletiam a luz lilás dos abajures, e aromas de Lorigam e de Nuit de Noel.
Seres que buscavam amplexos entrelaçam fios de cabelos, exudam ectoplasma veneziano, de línguas, que como pequenas serpentes úmidas, deslizavam através de formas curvas, incidentes convexos e terminavam abruptamente em um vértice de suprema paixão e apogeu convulsivo.
Tempos de assistir aos trailers do Cine Montes Claros e ver as divinas coxas da Virgínia Lane, as duas polegadas a mais da eterna Marta Rocha os carnavais do Municipal, do Quitandinha, a ilusão das colombinas e dos pierrôs que sonhavam sob confetes e serpentinas. Sonhos de lantejoulas arabescos e agôfares. Devaneios!
Tempos de comprar Rodoro de metal na loja Jabbur, sassaricar calçando as Alpargatas Roda, mastigar pastilhas Valda e de usar Gumex no cabelo. Para fixar o topete.
Tempos de se consultar com o doutor Sinval e manipular os medicamentos na Pharmacia de Mário Velloso.
Nós temos história, somos bregas da roça, mas somos chiques!


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Por Raphael Reys - 3/10/2007 06:03:12
MENINAS MOÇAS E RAPAZES AINDA ROMANTICOS

Nos anos 50, as festas dançantes se realizavam no Clube Montes Claros, onde hoje se situa o Conservatório Lorenzo Fernandes e no Clube dos Bancários, na Rua Presidente Vargas, no prédio da família Jabbur.
As meninas moças preparavam as indumentárias no capricho, confeccionadas pela modista Natália Peixoto e suas blusas bolero, com vestidos tomara que caia e saias tipo garota do Alceu, além dos tradicionais bordados.
As jovens da elite faziam suas roupas no atelier de Teresinha Colares e os conjuntos de pelica, bolsas, cintos, sapato e luvas, compravam-se na Sapataria Elí. Outras copiavam os modelos dos calçados das revistas de moda e levavam o desenho à Sapataria Penalva, que os produzia artesanalmente.
As mães compravam roupas de luxo na Loja Imperial, em mãos de Dona Mercês Prates Correia, e usavam creme Rugol para esconder as rugas. Francisco Alves cantava Carlos Gardel e as meninas moças freqüentavam barraquinhas e os leilões da Igrejinha de Bom Jesus.
Firmino Paco-Paco confeccionava com penas de garça as asas de anjinhos para crianças menores usarem nas festas religiosas. Rapazes compravam camisa de Jersei na Loja Camiseiro. Logo chegariam as marcas Prist e Mack Gregor. Compravam-se cigarros Lincoln e Astória, no bar de Tito dos Anjos acesos com isqueiros Monopol.
As famílias jantavam pratos clássicos no Restaurante do Valério, com os seus tradicionais guardanapos e toalhas em branco impecável. Os mais modernos, comiam o mexido de Zé Priquitin na Leiteria Celeste. As sextas o mexido de feijoada, só para os notívagos e os bons de gole.
A melhor geléia de mocotó era a da Luiza, na Altino de Freitas, e a mais gostosa caçarola italiana feita por Zim Bolão. Bila produzia um inigualável doce de leite, em forma de coração.
O Bar do Tiano, no Mercado Municipal, vendia pastel com vento quente. O felizardo que encontrasse carne moída, ou azeitona, era premiado.
O carro mais charmoso da cidade o Cadilac Rabo de Peixe 55 de Oscar Gabriel, e Ronaldo Tofanni já encantava as alunas mais afoitas do Colégio Imaculadas, ensinando-as a namorar, com aquela abertura lateral da saia virada para o centro. Fez história!
Wilson Drumonnd e Cicílio Barbosa faziam os ternos da rapaziada em tecido de giz riscado. No bolso externo superior esquerdo, com a presilha à mostra as canetas Parker 51 pena de ouro 18 quilates, comprado na Gráfica Orion, ou na papelaria de Nice David.
Jamelão cantava Torre de Babel e Juca Carteiro servia na sua casa na Rua Doutor Veloso 875, a paçoca de carne de sol e farinha Morro Alto. De sobremesa doce cristalizado. Os instantâneos eram batidos com câmera Kodak quadrada, caixa de ferro e os filmes revelados no estúdio de Coriolano Guedes, na Rua doutor Santos. Os álbuns tinham de capa de madeira.
A melhor cerveja era a casco verde, uma saborosa pilsen da Antártica, tomadas no bar de Nelson Vilas Boas, na Praça Coronel Ribeiro.
A equistosomose, a popular chistose grassava ferozmente, infectando a rapaziada que tomava banho nos rios e córregos da cidade, todos contaminados e o Ambilia, remédio novo vindo do Rio de Janeiro, fazia mais mal do que bem, aos doentes.
Os doutores Konstantin e Jason Teixeira curavam os males que afligiam a população; Mário Veloso manipulava a medicação e Dr. Alpheu de Quadros já fazia cirurgias para retirada de tumores em membros e articulações.
Orlando Silva cantava a música da moda: tu és a criatura mais linda que os meus olhos já viram/ tu tens a boca mais linda que a minha boca beijou...….
Montes Claros vivia e curtia o fim do Romantismo


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Por Raphael Reys - 27/9/2007 18:37:58
(Obs ; Essa crônica é em homenagem a escritora Iara Tribuzzi e as suas lembranças.)

VIRGÍNIO PRETO

Era assim mesmo que ele era conhecido e chamado. Bastante alto, parecia um guerreiro Zulu. Um gigante de ébano. Musculoso, imponente, sempre vestido com roupas de qualidade, botas canos altos com fivelas de alpaca, chapéu Ramenzoni abas larga a proteger do sol.
Carregava na mão direita, presa ao pulso, uma pirata com cabo ricamente confeccionado. Detalhes de prata faziam a decoração da peça. Na cinta e por debaixo da camisa manga comprida, um revólver Clark, cabo de marfim.
Ao andar era imponente, se mostrava mesmo, locomovia-se com as pernas semi-abertas demonstrando importância. Falava como um trovão. Timbre metálico, forte, rouco, às vezes arrastado, gutural, persuasivo.
Andava fazendo barulho com as esporas colocadas nas botas e próximas ao solo. Era só figuração!
Teatralmente apontava para o interlocutor com a mão da pirata, fazia gestos torcia o nariz, abria e fechava os olhos demonstrando o seu parecer, o seu contentamento ou a sua reprovação.
Tirava e colocava o chapéu em estudados movimentos. Puro teatro!
Imitando um ator de academia, chegava até a babar um pouco quando “filosofava” sobre a vida. Como tinha o conhecimento prático do mercado, era um experto que só levava vantagem.
Funcionário da empresa Anglo inglesa, gerente do “pastorador” (terreno em que hoje fica a Coteminas), um grande curral onde era guardado o gado a ser analisado que passavam por Montes Claros.
Na verdade, o comprador era o engenheiro Benjamim do Cachimbão, que sucedera ao inglês Mister Stuart, e Virgínio auxiliava na seleção e despacho da boiada. Benjamim Veiga, o expert em bovinos, fechava o negócio. Viajavam a cavalo, de carro, de avião.
Dado à roupagem psicológica que vestia e a imagem que passava, a função que exercia como auxiliar crescia sobremaneira e impressionava pecuaristas que, julgavam ter ele poder de decisão na compra do gado. Todos comiam na sua cumbuca, era tratado à pão de ló.
Como o seu ego inflado falava com estardalhaço e tratava a todos de: vem cá menino! Na verdade, ele era corretor de cavalos de raça, mas montava as espécies postas à venda como se fora o proprietário dos mesmos.
Certa feita, um novo delegado moralista resolveu botar ordem na cidade. Escorraçou bêbados, malandros e como Virgínio era um desbocado, falava o que bem queria à hora que bem lhe conviesse, e com quem estivesse à sua frente, o homem da lei o prendeu e o processou, para servir de exemplo.
Deu o maior rebú! Os pecuaristas revoltam e Virginio foi solto a poder de muita influencia política e o delegado transferido.
Representando a comunidade nos negócios de gado, rodava pela noite como cicerone de compradores, vendedores e gerentes de frigoríficos que para cá afluíam em busca de negócios e de prazeres noturnos.
Substituía Benjamim Veiga um recluso, que não tinha a vivência da noite.
Montava sempre animais de raça, arreiados com sela trabalhada e arrematada com presilhas de prata. Virgínio uma figura ímpar e exótica dos dias e das noites montes-clarenses, de outros tempos.


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Por Raphael Reys - 22/9/2007 07:03:11
NOITES MONTES-CLARENSES ANOS 50

A pista sintecada da boate Maracangalha refletia o tripudiar das bandeirolas vermelhas e amarelas, o beije claro da calça de linho de Zé Pai da Mata, a brasa do cigarro Lyberty Ovais do dândi Ururahy Filpi e o brilho do vestido de seda de Aurora, que usava uma dália no cabelo e dançava com um gringo argentino.
Lauzinho da Guitarra tocava, e Dincanga, inebriado e lamentando o amor impossível pela doce Ceci, cantava imitando Bienvenido Granda... Perfume de gardênia/belíssimos testejos/la luz en tu mirar...
Lurdinha Loura enxugava as suas lágrimas em um lenço de organdi, sob a média luz. Penava, assim, o fim do seu romance com Ronaldo Toffani.
Walduck, Zé Cabecinha e Walquir se encharcavam com White Horse on-the-rock, e planejavam levar Roxilda. Aparecida Gorda e Baiana para tomarem banhos no rio do Melo, sob a tenda da amplidão.
Pecados rasgados do lado de baixo da linha do Equador!
Beijamim do Cachimbão executivo da Anglo, se fazia acompanhar de pecuaristas vindo do Norte da Bahia, convidados para saborear uma canja de galinha caipira no exótico Bar do Calixto.
Neco Santa Maria, líder político, ciceronava deputados em visita aos Montes Claros. Usava o seu costumeiro terno de linho Oxtrite um par de óculos modelo Ronaldo. Na cintura o inseparável revolver Clark, cabo de madrepérola.
Notívagos tomavam um porre de conhaque no Clube Montes Claros, enquanto batiam uma animada partida de “chemim de fer”.
Eram tempos de fartura, de sofreguidão, de romantismo, de degustar um lauto baião de dois no Baiano, de saborear um prato clássico no Valério, onde em 1956, Cauby Peixoto foi homenageado com um jantar e cantou para um “petit comitê”... Marise/você vive a sonhar/com as coisas do altar...
No dia seguinte as tietes curraleiras movidas pela mística do pequi rasgaram em pedaços o seu terno de tropical inglês. Em seguida cortaram a sua gravata de seda com uma grande tesoura sollingen. Temendo por sua vida ele ficou imóvel e pasmo. Estava desfilando de carro aberto pelas ruas.
Depois, lhe sapecaram um monte de inúteis beijos manchados de batom!
Tudo, sob as bênçãos de Figueira e as emanações do Astro Rei.
Tenório Cavalcante, o lendário Homem da Capa Preta, deputado eleito pela UDN,com seu chapéu de feltro espanhol, saía do Hotel São José, acompanhado pelo Doutor Pedro Santos. Oculta sob a mística Capa Preta, sua possível metralhadora portátil Ina 45.
Meninos da turma da Rua Tiradentes, eu, Wagner, Waltinho, Chiquinho, Mano Candido, Paulinho e o saudoso Zé Carlos Priquitin, à porta do Mercado Municipal fazíamos comentários à boca pequena sobre a hipótese de presenciarmos um atentado à bala contra o monstro sagrado da política nacional.
Imaginávamos o matraquear da Lurdinha de Tenório, na Praça Doutor Carlos, contra os da situação, possíveis agressores, quando um gaiato da turma botou fim à nossa viagem no mundo colorido da imaginação.
Gritou: Ê hei ê! Não adianta. A capa dele é blindada por dentro! Derramou areia na nossa projeção.


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Por Raphael Reys - 17/9/2007 07:08:18
LEONEL CARA CORTADA

Era esse mesmo o seu apelido: Leonel Cara Cortada, ou Leonel Estrelinha. Chapa de armazém por profissão exercia o seu oficio no atacado de cereais nas ruas Carlos Gomes e Coronel Joaquim Costa, onde era temido pela sua personalidade bufa, zombeteira, praticante e patrocinador de violências gratuitas. Um tremendo pega-mal!
O seu semblante tinha um aspecto vertical, por cicatrização de cortes feitos por navalha, numa constante amostragem de um resultado perfuro cortante. Com o biótipo de banto, bastante alto, musculoso, parecia um atleta olímpico. Tinha uma voz metálica, que chamava a atenção de todos os presentes e passantes quando conversava ou mesmo dava as suas gargalhadas estridentes onde bem estivesse.
Em todos os locais que trabalhava ou trafegava, nas imediações da sua residência no inicio do bairro Delfino Magalhães, nas noitadas em lupanares e botecos sujos, arranjava sempre confusão. Era um trapalhão contumaz. Um mestre da quizila.
Era um filho das ruas, criado na larga, sem nenhum código de postura moral. Não tinha amigos era um fanfarrão solitário. Dobrasse ele alguma esquina da cidade, e assustava quem se locomovia em sentido contrário. Ousado, pedia dinheiro aos passantes intimidando-os com a sua mística de malandro urbano, e de violento.
Carregando ou descarregando algum caminhão, disputava a comissão do carreto com os demais colegas de profissão, gerando sempre prejuízo ao serviço.
Um ser trágico, chegado à comedia jocosa, um gozador debochado, estava sempre riliando alguma pessoa. Rolando engalfinhado pelo chão com algum contendor, sorria a bandeiras despregadas, irritando o opositor e procurando desmoralizá-lo com a sua zombaria.
Presenciei um luta do mesmo com um gerente de armazém atacadista de cereais. O homem armado com uma travanca de ferro, usada para reforçar porta metálica, aplicava golpes violentos nas suas costas. O instrumento batia e voltava como se atingira um pneu de caminhão. Ele, às gargalhadas, enquanto era agredido.
Irrompia-se gritaria na zona boêmia, era Leonel sem dúvida, aprontando mais uma, desentendendo-se com algum freqüentador, ou mesmo com uma dama da noite.
Em uma ação na qual surrupiara a barra de direção de uma Rural Wills estacionada no centro comercial da cidade, para vendê-la a terceiros, foi caçado e capturado pela autoridade policial. Quem ficou preso foi o comprador, acusado de receptador e que na ocasião, portava o produto do roubo.
Dotado de excelente memória e jogo de cintura, se virava nas acareações, saindo sempre livre e culpando a outra parte, confundindo a polícia ou mesmo a vítima.
Terminou a vida executado com seis disparos de revolver, desfechados por um vizinho cuja esposa estava sendo assediada por ele, o que acontecia quando voltava para casa já embriagado.


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Por Raphael Reys - 15/9/2007 08:19:34
E O CIGARRO VAI, TARDE.

O nobre guerreiro urbano, poeta das gerais e autor montesclarino, mestre do bico de pena, Georgino Junior, parou de fumar. Na verdade, deixou o mal cheiroso vício. Ele, assim como eu, exerceu o prazer oral do tabagismo por quarenta anos, sofregamente. Deu-nos testemunho recente, numa sua crônica publicada no suplemento Opinião, do jornal O Norte de Minas.
Os aquarianos são assim: decidem na maior, na tora, no peito e na raça, na bruta, na curraleira, no murrão da roça. Nada de frescuras de xaropes, pastilhas fru-fru, de adesivos epidérmicos e nem de chupar “bala doce” (as de mastigar, claro).
Apto, portanto, para sentir na plenitude o cheiro dos orvalhos das manhãs, época de comemorar o seu natalício, e de prolongar a vida por mais 43 longos anos. Assistirá o final da terceira guerra mundial. Combates com arco e flecha e xingamentos de nome de mães dos inimigos. Mostrando o dedo indicador ereto.
Os meus bisnetos em 2027 serão brindados com suculentas crônicas e com poemas Whitmianos do bom velhinho ex-tabagista. Quem viver, verá.
Falo de cadeira. Prepare-se Georgino Junior, para novas emoções. Com a desobstrução das veias e o arejamento dos alvéolos pulmonares sentirás o cheiro e mesmo o sabor da epiderme da(s) parceira(s), notadamente quando a(s) mesma(s) estiver (em) no platô (aquele período que antecede ao desejo venéreo feminino, propriamente dito) Serão dias de ira!
Já que parastes de fumar saberás então o porquê do lirismo romântico dos quase sexagenários, e ex-tabagistas. Compreenderás por que me apaixonei perdidamente pelos olhos da Jerúsia. Estou atolado de amores nobre guerreiro!
Conhecerás finalmente o priapismo. A sua libido será a mesma dos 18 anos, varonil, plena, polutiva! Compreenderas o trecho do poema de Jorge Luiz Borges... Vigas de aço... De aço torpe... Ocorrerão sonhos virtuais com a Bruna Lombardi aos 18 anos enrolada somente num casaco de vison, entre flores no Jardim Suspenso de Afrodite.
Em bebop cantarás no ouvido da "pareja", e logo no início das preliminares, “When It`s Steep Time Dowm Shout” ao bom estilo de Luis Armstrong.
Quando estiver dormindo e a sua alma sair em uma projeção astral, encontrarás com a Marta Rocha aos 19 anos, quando foi eleita a miss Brasil. Poderás finalmente constatar aquelas citadas duas polegadas a mais nas suas divinas coxas. A minha experiência foi com a Brigit Barbot, quando a mesma tinha 17 anos, em Marselha. “Ela chamou-me, num espanhol amacarronado de ‘mina pasion denodada” com aquela boquinha de chupar rolete de cana caiana. Depois cantou baixinho “C`Est Si Bom”, que bom! Na época já havia cobertura de chocolate em gel.
Como admirador confesso da sua obra poética e literária, e participante daquelas outrora rodadas de papo cabeça, regadas a baforadas de cigarro torpe; naquelas tardes de sábado e domingo na sua casa da Praça da Matriz. (E a maravilha dos debates com o seu saudoso pai... um mestre do "saber fazer”). Já se passaram trinta e cinco anos por debaixo da ponte!
Rolava de tudo. Literatura, poesia, mística, esoterismo, ciência política, humor... “Posso escutar as suas sonoras gargalhadas quando ele contava as suas ‘brabezas georginianas” e da sua emoção terra-terra. Bons vinhos, boa comida, lindas mulheres!

Finalmente conhecerá na pele a observação do poeta Virgílio, feita a Dante na passagem do Inferno para o Purgatório. A força do “Amore Ânimo” (“A alma por estar escravisada ao amor, tende ao prazer”) o moto impulsionador da lubricidade. Intumescimento de corpos cavernosos gerando 1.6 na escala de Eros!
“Te cuida Ivete Sangalo, a fera vai sair em campo”!



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Por Raphael Reys - 10/9/2007 11:20:26
UM CHEIRO DE PHARMACIA, UM AROMA DE PERFUME, E UMA DANÇARINA DE GRANADA.

1950. A pharmacia de Seu Vicente Lobo era instalada em pequeno cômodo na Praça Doutor Carlos, onde depois funcionou a Loja Modinha, de Urze de Almeida. Duas estreitas e altas portas de madeira ao bom estilo rococó. Lá cheiros e aromas se misturavam.
Vicente executava em sua casa as prescrições vindas do Além. Senhoras faziam consultas por carta ao médium Chico Xavier e ele aviava a medicação alopática e a homeopática.
No ambiente o cheiro natural dos medicamentos e da perfumaria ainda romântica se misturava ao aroma dos perfumes importados, que as damas da noite, suas freguesas preferidas, usavam. Vedetes argentinas, paraguaias, dançarinas vindas da longínqua Granada em Espanha, para o palco do Clube Minas Gerais, o Cassino.
No ar, Nuit de Noel, Lorigan, Dói e Lorial de Paris. Pura sedução!
Havia a Pharmácia de Mário Veloso, onde os aromas de perfume eram das damas locais, Promessa, Myrurgya, Royal Briar, Cahsmire Bouquet e as injeções de estreptomicina para curar os males tropicais de Elzinha, uma pequena deusa blondi trazida da noite de Belo Horizonte e leiloada para Virgírio Preto, o comprador de gado da Anglo.
Na pharmacia do Vicente preparava-se a mistura a ser adicionada no banho profilática das damas das camélias. Vinicius de Morais, o poetinha disse: vão tomar banho de assento no vértice supremo da paixão! Pomadas e ungüentos para assaduras oriundas do excesso de roupas, do clima tropical e das muriçocas que volitavam nos becos.
Meninos de calça curta e usando suspensórios iam para espiar de perto as lindas damas do pecado, vindas da “estranja” ao vivo e em cores.
Pomada Antisardina 1 e 2 para a pele ressecada, pente de ferro, esquentado no braseiro para esticar o cabelo das locais, afro-descendentes.
Vicente, cinquentão cabelos grisalhos, bigodão turco, manso, um cavalheiro. As damas eram atendidas em separado, vindas das noites de orgia, onde corpos se atormentavam, em ritmo de bolero, com côncavos buscando convexos em amplexos, ao som de valsinhas, chorinhos e tango portenho.
Pequenos e eficientes ventiladores Arno com grossas sapatas de ferro mantinham o frescor das alcovas tropicais.
Na sofreguidão da noite, a lua se movia no abstrato da chapada, de mansinho entrava pela janela e se refletia nos espelhos das penteadeiras das filhas de Vênus. Precursoras do progresso de antanho e da atual modernidade. Vieram aos rincões da terra de Figueira como almas mandadas pelo Senhor, em missão de renúncia!
Cada qual com seu cada qual, cada alma em sua rota evolutiva. O mundo é composto, e os instrumentos da felicidade, segundo um trecho de uma rumba caribenha são: una escalera grande, otra chiquita!
Nós temos história, somos bregas da roça, mas somos chiques!


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Por Raphael Reys - 4/9/2007 06:45:42
A LUZ DE DONA VIDINHA, O RÁDIO DE PEDRO CANELA, A ZYD7 E A IDADE DO VELHO GD.

Nos antes, a energia elétrica que iluminava os Montes Claros era fornecida pela usina de Dona Vidinha Pires. Como sinal antes de ser diariamente desligada, ia e vinha em intensidade. Para se conferir se estava acesa, carecia acender um palito de fósforo. Aí entrava a lamparina a querosene.
1953- A casa de Pedro Canela ficava na Avenida Cula Mangabeira. Lá, Pedro produzia lenha padronizada para os fogões da época. Extraída de madeira de boa qualidade e as toras cortadas simetricamente. Um primor! Passava os dias a escutar os programas da ZYD7, a Furiosa, trazida a essas plagas do Figueira, por Jair de Oliveira.
Faziam parte do conteúdo o Chico Pitomba e Mané Juca, o poeta maior Cândido Canela e Antônio Vitrola com suas modas caipiras. Nos fins de semana, o Alceu Queiros, com a sua atração de calouros transmitido direto do Cine Ypiranga, na exótica Melo Viana. Revelava talentos.
Tempos em que Dincanga, o palhacinho, foi aclamado a Voz de Ouro do rádio de Montes Claros. Da melódica interpretação de rouxinol de Iracema, uma moreninha mignon cabelo de índio que cantava divinamente e fazia ao vivo os comerciais do macarrão que recebeu o seu nome: Macarrão Iracema.
Os românticos escutavam a programação dos três Irmãos Carajé: Ducho e seu violino, Antonio e Mendes.Comerciais do Rum Creosotado, notícias de Luz Del Fuego e as vozes de Marlene, Dalva de Oliveira, e Emilinha Borba cantando a marchinha do Pirata da Perna de Pau.
Os medrosos escutavam o programa O Sombra que falava com voz cavernosa: ninguém sabe o que passa no coração do homem, mas o sombra sabe!
Numa tarde tropical, com o sol a se deitar sobre a inclemência do tempo, Pedro Canela chegava à sua citada casa no Alto Severo (hoje Santo Expedito), quando se deparou com um operário da moderna Companhia de Força e Luz de Minas Gerais postado em cima de uma escada no poste onde se encontrava a entrada de energia elétrica, se preparava para cortar o fornecimento, já que a conta estava atrasada e a fornecedora não perdoava um só dia.
Pedro, estando ainda do lado de fora da casa, gritou para a patroa ligar o rádio na ZYD7 com o som bem alto. Sacou o seu Colt Cavalinho 38” e falou em alto e bom som, enquanto apontava o pau de fogo para as pernas do operário encarregado do suposto corte. Se Emilinha parar de cantar meu rapaz, você vai cair que nem um jenipapo!
O serviçal prestes a borrar as calças desceu macio, arriou as ferramentas no chão, montou na sua bicicleta sueca e gramou o beco de volta ao escritório da Companhia. Ele é que não seria cuidado pelos Beirões!
Sentado à porta da casa e tomando uma boa Viriatinha com Walquir Jansen, galã catrumano que usava brilhantina para fixar o topete, vestia-se com tropical inglês, cheirava à colônia Nuit de Noel e calçava sapatos de pelica feitos à mão, pelo mestre Penalva. Juntos escutavam o chorinho André de Sapato Novo. Um sucesso da época.
1960. A CEMIG era a fornecedora e o velho Gelson Dias, homem feito transmitia os clássicos do futebol, e fazia os comentários: aqui está o maior c.´de boi, meus caros ouvintes. O saudoso Fernando Gontijo nos hoje 2007, se aqui estivesse certamente diria:ele tem setenta e caquerada!


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Por Raphael Reys - 30/8/2007 08:50:15
NOITES MONTES-CLARENSES-ANOS 40

O Beco Cláudio Manuel ligava a Rua Costa Carvalho, atual Altino de Freitas à Rua Carlos Gomes, passando apertada ao lado da escada do exótico Hotel Alhambra. Oráculo das dançarinas internacionais que vinham animar as noites de glamour e carteado do Clube Minas Gerais, o Cassino.
Cavalheiros vestindo calças azuis de gasimira Aurora, ternos de linho irlandês, camisas Tanhrausen, sapatos Fox; e cheirando a perfume Coty iam tomar Grant, na pensão de Firmina. Lá a Baianinha, uma fogosa mestra da luxúria, era a atração maior.
Pelas ruas, um Bellair de linhas românticas!
Zé Figueiredo passava pela rua montado em um Manga-Larga, com imponente sela, arrebites de prata20, quando um guarda de trânsito, o único que havia por aqui, sinalizou parada. Perguntou jocosamente: cadê a placa, Zé? Levantando a cauda da montaria e expondo o traseiro disse: anota aí!
Walter Zorro, ainda rapazote, fazia uma farra com Adão do Pinho, um rico fazendeiro de Salinas, no Cassino, quando Tião do Espeto entrou apressado avisando para João Pena: tem um tiroteio lá fora!
Era o Toffani que chegara montado na sua Harley Davidson onde se lia, escrito no tanque: cemitério é terra de bons. E do outro lado: azar para mim é festa. Levou um disparo de 38, no maxilar, disparado por Leonídio Carroceiro, um pistoleiro. Os dois disputavam os prazeres de Maria Loura, que bebia no Bar São Benedito, servida pelo cozinheiro Leopoldo o primeiro homossexual assumido de Montes Claros.
Damas da noite, comerciantes, boteniqueiros, tomavam dinheiro emprestado de Chico Preto, comerciante português que trazia para cá os conterrâneos ávidos de Brasil.
Godoy ,um bookmaker, trazido de Curvelo, era o testa-de-ferro de coronéis, sócios da jogatina com glamour internacional que não apareciam. Os ricos da época eram Lincoln de Freitas, Jabbur, Filomeno Ribeiro e Seu João Martins da Silva Maia que tinha tanta grana que construiu com recursos próprios a estrada que liga Montes Claros a Maria da Cruz, cobrando pedágio por sua utilização.
Na Rua Dom Pedro II havia uma casa de portas fechadas, com segurança à entrada. Era o paraíso de luxúria de ricos fazendeiros e conhecido engenheiro que se cotizavam e mantinham em ambiente requintado e fechado ao público, vedetes vindas do Rio de Janeiro, para seu deleite. Havia lá, uma ampla varanda com cadeiras de palinha Lá a estrela maior da beleza, a dançarina Ailha, um show de sedução, recendia à Doi de Paris e vestia-se com seda importada. À noite vestia-se com camisola de organdi suíço com rendas de Sevilha. Uma casa das mil e uma noites mantida com dinheiro ganho de concorrências de obras públicas, principalmente a ferrovia.
Construía-se a estrada de ferro Montes Claros-Monte Azul, bebia-se quaraná RC para aplacar a ressaca, viajava-se a bordo de DC-3 da Panair tomando Smirnoff com Tanger, fumando Astoria, e mastigando pastilhas Valda.
Rapazes já contestavam usando calça de brim curinga, calçando quedes, vestindo camisas de gabardine, usando motos BSA, comendo chocolate Behring, no tubo, e bebendo Cinzano com conhaque.
Miro Pereira fabricava a cachaça Rumo Certo, em Patís, e Alípio Mendes, na sua fazenda em Mirabela a famosa cachaça XXV que depois de fabricada, erra enterrada, no chão, por vinte e cinco anos antes de ser posta à venda. Um luxo de qualidade e requinte artesanal.


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Por Raphael Reys - 24/8/2007 17:32:16
O GLAMOR DA POSSE DE EDGAR, AS LÁGRIMAS DO BALA , E O AZUL BRILHANTE DOS OLHOS DE PATRÍCIA.

Edgar Antunes tomou posse na cadeira numero oito da Academia Montes-clarense de Letras. Na verdade inaugurou um novo ritmo em posses da academia. Em grande estilo e recheado de glamour. Com uma organização impecável. Marcou em definitivo o seu estilo, arrojado, e nobre.
Bufê farto em uma noite memorável, com o AC completamente lotado. Lá estavam os intelectuais, os acadêmicos, as autoridades, os jornalistas e a alta sociedade da nossa tribo. Um monólogo de autoria do novo acadêmico interpretado por ator excepcional deu um tom brilhante à festa. Uma aura de respeitabilidade.
Na mesa de honra um show de inteligência de Ivone Silveira, do mestre Wanderlino Arruda, com sua vastidão de saber e de fazer. Benedito Said, jornalista e professor fez a apresentação do livro ‘ Ventos de Agosto’, do neo-acadêmico que tomava posse. Deu um show de refinada cultura!
Estabelecido o clima de fraternidade no ambiente as pessoas se abraçavam, todos muito formais, bonitos e bem vestidos o que fez o notável Augustão Bala Doce, escritor convidado a debruçar no meu ombro. Por duas vezes ameaçou chorar, abrindo as compartas estanques do seu coração inflado de emoções. É um apaixonado pela nossa aldeia. Tiramos retrato para a capa do livro que estamos escrevendo a quatro mãos “Noites de Cabaré”, um resgate a memória das cafetinas de antanho.
Sentados à nossa mesa, o fabuloso escritor e jurista o decano Petrônio Braz e Dário Cotrin, o historiador do IHGMC com as respectivas esposas.
Logo chegaram Marcelo Mameluque e filha e a escritora Amelinha Chaves. O grande Bala Doce incontido, a toda hora aplaudia o evento.
A maestrina Clarisse Sarmento deu o tom místico com o seu coral!
Como o diabo tem uma capa e uma campa, a minha felicidade ficou completa. Como um bombom insólito achado dentro de uma caixa , finalmente conheci Patrícia de Paula, filha do saudoso Virgílio de Paula.
Dona Olímpia fez a minha identificação, ela veio até a mim e por segundos fiquei mudo ante a sua beleza cigana. Logo reagi e ganhei um amplexo, dei um beijo na sua testa e fiquei estonteado, apaixonado pelo azul brilhante daqueles olhos fatais, que faceiros sorriam e se divertiam com o meu embaraço. Assim como o Bala Doce sou um nativo do signo de Peixes: passional, plástico, emocional e trágico! Uma vítima em potencial..
Ronaldo José de Almeida encantado com o novo visual blondi da doce jornalista Angelina Antunes. Na minha opinião, vestida para matar!
Artur Junior e esposa vieram à mesa, fazer companhia a Patrícia e demais e degustamos um lauto jantar. A xeretinha (after day) fotografou a minha felicidade; o meu rosto junto aquele rosto de deusa cigana, registrando, assim para a posteridade o meu 23/agosto/2007 de glória.
Que boa hora fui ao AC ver um confrade do IHMC lançar o seu livro “Ventos de Agosto”, e tomar a sua posse na acadêmica, enxugar as lágrimas de Augustão Bala Doce (já com seis generosos scoth no juízo) e sentir um perfume de cigana e suplicar pelos olhos azuis de Patrícia.
O jornalista Artur Junior prometeu enviar por e-mail os instantâneos daquele raro momento, e o Grande Bala já confortado pela presença do seu ídolo Haroldinho sentou-se com o mesmo sempre falando em fechar a noite que fora memorável na boate Zoom, em grande estilo. Ele tem horas de vôo suficientes. É cobra criada na larga desse mundo de meu Deus!
E viva Edgarzinho, e viva a Academia Montes-clarense de Letras, Casa de Ivone Silveira!


27174
Por RAPHAEL REYS - 21/8/2007 11:13:27
O COME TERRA DA LAGOINHA

Amores, agora como no antes, muitos se ligam a por interesses financeiros. Algumas filhas de Vênus chegavam mesmo a extorquir ou mesmo dilapidar patrimônios dos cônjuges parceiros e ou felizes otários apaixonados.
O diálogo a seguir foi-me relatado por Walquir Jansem e ocorreu na campesina comunidade de Lagoinha, onde João da Lagoa retornou após dez anos de sumiço. Ao encontrar o seu compadre Hortêncio, indagou do mesmo pelo amigo comum Maciel Dias. Vai aí o diálogo:
Cadê o amigo Maciel compadre? – Morreu compadre!- Uai! E o que é que o matou?- Foi o come terra. - O quê que é o come terra? – É a coisa da amásia dele compadre, aquela morena gostozona! – Mais eu pensei que isso se chamava de perseguida. Não conhecia como come terra, por que come terra? – É porque o bicho comeu as três fazendas que ele tinha!
Vinícius de Morais o poetinha chama a gruta do amor de vértice supremo da paixão e chega a localizá-lo, dizendo que o mesmo está a um palmo abaixo do umbigo. Como ele, muitos poetas ou não, sensíveis machos cantaram e morreram e outros tantos morrerão de paixão pelo come terra.
Na visão romântica, e no falar doce dos franceses é o baquett, e o localizam dizendo: está à la bas. A sabedoria popular cita centenas de nomes, desde os carinhosos até os pornográficos e pejorativos, para identificar o orgão tão desejado.
A mulher, esse ser sensível e divino, foi feita para o amor chegando mesmo a ser comparada a um anjo; e ao descobrir o lado negro da sua força, oriunda do seu poder de sedução, faz do otário um capacho, escravo de sua seletividade, e da sua gostosa luxúria. Algumas vezes chega mesmo a matar o parceiro de prazer!
É o famoso chá de come terra.
O homem exercita o seu fator genésico por prazer carnal e a mulher o faz por sentimentos. A mídia usa e abusa das formas arredondadas próprias do ser feminino, para engabelar o consumidor masculino, pois o mesmo detém um forte potencial rotulado de otário consumidor, compulsivo e não saciável.
O ser masculino é emocionalmente programado no seu conjunto pavloviano e reflexo, para ser visual e táctil. A mulher é auditiva, cerebral, táctil. Daí a diferença de tempo, de uso e da duração dos estímulos. Fatores determinantes para indicar quem é a vítima, e quem é o agressor no jogo amoroso.
Dante Alighieri, na sua obra clássica A Divina Comédia, na passagem do Inferno para o Purgatório filosofa dizendo que, o que move o desejo carnal, e consequentemente, o instinto de preservação é o ânimo do amor e arremata concluindo: A alma por estar escravizada ao amor, tende ao prazer.
Nós temos história, somos bregas da roça, mas somos chique!


27076
Por RAPHAEL REYS - 17/8/2007 05:39:23
GALINHA CAIPIRA, FAROFA DE TATÚ.

Dos saudosos anos 70 aos anos 90 o “point” das quartas-feiras à tardinha era a galinha caipira e a farofa de tatu, na casa da Zinha, no trevo da Cowan. Políticos, empresários, bancários, homens de sociedade, se reuniam em fraternidade para saborearem as delícias da cozinha da cafetina.
Moradores próximos encomendavam porção da tão apreciada culinária tropical.
O ambiente se transformava em restaurante e os freqüentadores, pouco se atinham às artes de Vênus. Um dos motivos comentados era o banheiro único coletivo, no corredor de acesso ao salão principal. Com tantas celebridades às mesas, a maioria das mulheres não se aventurava a desfilar de toalhas pelos corredores.
Comemorava-se o retorno de Darcy Ribeiro, quando o mesmo já alto e bem ao seu modo franco, dirigiu a palavra em público ao seu irmão e lhe sugeriu a construir para aquela casa de entretenimentos, quartos com banheiros privativos, propiciando tranqüilidade e conforto aos adeptos da cozinha e da luxúria.
Numa farra em homenagem ao presidente do Tribunal de Justiça, que se fazia acompanhar de seus assessores e da sua secretária de gabinete, conhecido bacharel ligado profissionalmente à política da situação, estando já embriagado e inconveniente falava, aos gritos à mesa. A secretária do convidado solicitou que ele baixasse a voz, pois estava atrapalhando a conversação.
Petulante como era e por estar na zona boêmia, retrucou: “cala a boca você, rapariga! Mais tarde eu te procuro”. Foi o maior qüiproquó, deu rebú.
Zinha comemorava anualmente em 27 de setembro a festa de “Cosme e Damião” com grande presença de convidados. A sua casa era referência para visitantes.
Sendo ordeira, metódica, e obediente à maioria das leis, checava todos os que batiam à porta de sua casa. Só entravam conhecidos, ou algum estranho sendo apadrinhado por freqüentador habitual. Mantinha a “respeitabilidade” no seu ambiente comercial. Conhecido jovem contador, embora já de maior idade e casado foi barrado por ser de estatura mignon “e parecer” de menor. Só entrou apadrinhado!
O episódio mais comentado foi o de conhecida professora, ligada à política e de tradicional família local, que resolveu adentrar ao recinto, visando dar um susto nos adúlteros freqüentadores e constatar se o seu velho marido não lá estava.
Ela era dotada de temperamento extrovertido e brincalhão. Arcanjo, bancário conhecido na sociedade e solteirão, porém adiantou-se a ela, prevenindo aos comensais comedores das bípedes, que se esconderam nos quartos.
A professora foi recebida condignamente, comeu um bom naco de galinha caipira, tomou uma cerveja, proseou com as meninas de plantão e, ao sair, trocou beijinhos e foi gentilmente conduzida até à porta, pela alta administração da casa.
Tudo muito chique. Arcanjo está a disposição para maiores esclarecimentos.

Raphael Reys


26914
Por Raphael Reys - 10/8/2007 20:23:55
DO BOLA PRETA AO ALHAMBRA

1947; A espelunca do Bola Preta estava localizada na Rua Altino de Freitas, próximo ao Beco dos Marimbondos. Teve vida curta, pois vendia fiado à notívagos, “habitues” da noite: Zé Paraíso, Walquir Jansem, Flavim, Sirim, Zé Cabecinha, Mamoeiro, Tião do Banco (ainda pobre),
No estoque da casa apenas um quinto de cachaça curraleira, uma garrafa vazia para intermediar o serviço de balcão e um só copo de vidro para todos.
Era a mais pura fraternidade dos bons de gole. E como até o dono do bar participava da bebedeira, as portas eram fechadas às 10h30min. Já estava todo mundo de fogo! O tira-gosto era sempre o mesmo. Três metros de lingüiça curraleira, que o Zé Paraíso trazia enrolada na cintura por baixo do paletó.
Untavam o tira-gosto com cachaça e sapecavam fogo comendo o petisco muito mal passado, com muita sofreguidão.
Ao saírem do bar, a turba já embriagada passava em frente à casa do professor Cristiano Três Forquilhas, um “certinho,” fazendo-o torcer o nariz em represália.
No dia do fechamento da casa, estando o Bola Preta já falido, este jogou a chave no telhado, deixou as portas abertas e se mandou com a farândola para comemorar o encerramento das atividades e a sua conseqüente quebradeira. A farra só terminou altas madrugadas no Hotel Alhambra.
O Hotel Alhambra onde se alojavam as mulheres esculturais que vinham fazer ponto, ou shows no fantástico Cassino Minas Gerais e que ficava localizado no primeiro andar do prédio de João Rodrigues ainda hoje em pé, na confluência das ruas Lafetá e Carlos Gomes. Usado também para memoráveis noites de farra e de alcova, em seus grandes quartos.
Lá, ao chegarem para o fechamento das comemorações com chave de ouro, depararam com uma inusitada cena de Feline.
Conhecido fazendeiro oriundo de tradicional família de pecuaristas havia subido a escada encerada montado no seu cavalo alazão. Dançava no salão impunemente, ao som de um bolero mostrando a capa poli - crônica do seu Ego campesino.
A troça terminou em mutirão que uniu as sempre belas mulheres do Alhambra com os cavaleiros notívagos, numa operação de resgate escada abaixo, com o animal amarrado por cordas e levado até à rua. O pai de Maçarico era o porteiro.
Foi uma farra com gente escorregando e rolando pelas escadas abaixo, todos já muito tomados, resultado da bebedeira que tomaram para comemorar a subida do cavalo. Dava gosto ver as esculturais damas da noite de vestido “tomara que caia”, saias tipo garotas do Alceu, boinas, brincos de balangandãs e muita jóia coco e ouro. No ar o cheiro do lança perfume “Rodoro” se misturava às fragrâncias de Lorigan francês, ou mesmo do Nuit de Noel. (A escada ainda hoje está preservada.)
Era o mais puro romantismo!
O Bola Preta está hoje com 92 anos e ainda mora no centro. Prevaleceu desse exótico acontecimento, o dito sempre citado por Ibrahim Sued “cavalo não desce escada”, e “à demian”, que eu vou em frente!




26776
Por Raphael Reys - 6/8/2007 09:56:57
OS CHATOS, O MENINO FINTÃO E O BÊBADO JANOTA.

1960. Quarto de aluguel na rua Padre Augusto, ao lado do cabaré de Belinha. Na flor dos seus 14 anos, o menino de cabelos fogueados e de olhos esverdeados, além de esbugalhados, mãos trêmulas, suor escorrendo pela testa, rosto vermelho, na perspectiva de sua primeira vez nas artes do amor. Sua iniciação de alcova.
Vinte Cruzeiros era um dinheirão para um rapazote, naquela época de romantismo, mas esse era o preço cobrado por uma iniciação na zona boêmia.
O garoto, hoje próspero educador e executivo escolhera às 2 horas da tarde para evitar a patrulha de fiscais do Juizado de Menores, que não dava trégua para a garotada. Zé Idálio, Altinim e o pai de Maçarico.
A dama da noite, então dama do dia, se despiu rápido sem um mínimo de consciência profissional premida pela certeza de que “Time is Money”. Baixa, magrela, muito branca, quase Albina, rosto já marcado pela quilometragem rodada e pelas noites de orgia. Apontou para a cama, sem a menor consideração e disse: Deite-se logo menino!
O moço ainda vestido assustou-se pela visão feliniana do púbis da mariposa estar todo branco, resultado da aplicação de Neocid em pó, certamente usado para matar uma colônia de chatos que infestava a “perseguida” gruta de amor.
Notando o espanto do menino, ela foi logo concluindo: “se não gostou é problema seu. Paga logo os vinte mangos que você tomou o meu tempo e dê no pé!”.
Ato contínuo sacou da sagrada penteadeira uma navalha Solinger, abrindo-a e aterrorizando o candidato.
O rapazola, rápido como um raio, destravou o ferrolho da pequena janela empenada na torta parede de adobe e, de ponta cabeça, se jogou de qualquer jeito para fora.
Vavá Alfaiate, conhecido boêmio estava escornado, curtindo o maior porre no chão do beco, vestindo terno de luxo, colete, gravata borboleta, chapéu de coco e bengala de cabo de madrepérola, quando recebeu na barriga o impacto do corpo do fujão.
Para piorar a situação do fintão fugitivo, Vavá abriu o berreiro: Socorro, gente! Estão me matando aqui no Beco da Belinha!”
O infeliz infante que nem chegara a se iniciar nas artes de Vênus, caiu no bengo e se escondeu no cemitério que ficava atrás da Catedral.
Fugiu de medo dos vivos e foi se esconder sem medo no meio dos mortos, ainda virgem!


26634
Por Raphael Reys - 29/7/2007 20:38:36
AFRA BECHARA

Nascida em 24/05/1910 recebeu na pia batismal o nome de Afra Bechara. Vinda para nossa aldeia, proveniente de Jequié, na Bahia de todos os Santos. A cidade a chamou de ‘Dona Alfa’.
Fisicamente bem conformada, caucasiana, rosto expressivo, sobrancelhas arqueadas, voz possante e vibrátil, persuasiva mesmo, embora demonstrasse sempre bom humor. Tinha o dom de transformar o ambiente em que chegava. Era uma alegria vê-la conversar.
Representante típica da mulher baiana usava grandes brincos balangandãs, pulseiras e broches em côco e ouro, roupas vistosas, que bem assentavam no seu biótipo corpulento. Impunha pelo seu porte e pela sua personalidade expressiva e direta.
Não despachava para o bispo, a sua missa era de corpo presente, entrementes o seu coração fosse de ouro. Grande como seu tamanho, era o seu sentimento. Promovia periodicamente lautos almoços, para os detentos da cadeia pública local, assim como arrecadava fundos para a aquisição de produtos de higiene pessoal, agasalhos e medicamentos.
Digna de nota era a festa folclórica de “Cosme e Damião’ promovida anualmente por ela para amigos, pacientes, admiradores e vizinhos.
Paralelamente, a mesma Afra era a rainha dos carnavais de rua, figura central da festa de Momo. Ela era o abre-alas, a frente dos blocos, dava o tom do carnaval da cidade. Era o encantamento da nossa infância. “Meninos e meninas vestidos com fantasia e acompanhados dos pais para ver ‘ Dona “Alfa” passar vestida de baiana”.
No pátio da escola arriscávamos o palpite de como seria a sua roupa no carnaval próximo.
Alma iluminada, e vinda a esse mundo em missão, como era detentora de dons curativos, atendia fraternalmente aos aflitos que a procuravam para isso. Usava as suas energias benfazejas e o seu conhecimento espiritualista.
Como tinha origem “gitana” manipulava como ninguém a milenar arte das cartas do Tarô Cigano usadas para a leitura da “Buena Dicha” dos consulentes.
Hábil benzedeira atendia os que padeciam de males físicos e espirituais, pessoas vindas de todo o Estado de Minas e Norte da Bahia. A consulta dos ausentes era feita através de solicitações em carta.
Em 1944, quando morava na rua Juramento, hoje Coronel Antonio dos Anjos, uma menina sua vizinha, “Quita Maia”, lia as cartas recebidas respondendo a bico de pena com previsões e conselhos dados por Dona Afra ao interessado. A menina era a sua assistente intelectual. No tempo da tinta Parker!
Cedo ainda, em 27/02/1967 aos cinqüenta e sete anos, Deus Pai a levou aos mundos Súperos, pois havia cumprido a sua missão entre nós!
Salve, pois! A rainha dos carnavais de ruas, o socorro de todos os aflitos, a guardiã dos encarcerados. Deixou gravado na história da nossa urbe, o bom nome da família Bechara.
Dona Afra é mãe do conhecido bancário aposentado e ex-jogador de futebol “Bechara”. Goleiro do Ateneu no tempo em que o time ainda não era de Dona Albertina.


26505
Por Raphael Reys - 23/7/2007 07:42:27
OS PRATES, O GRANDE BALA, E O FEIJÃO TROPEIRO COM MULHERES P.O.

12hs, dezessete de julho de 2007. Encontro do trio de cronistas montes-clarenses no Ponto do Empadão, no Mercado Central da Augusto de Lima, na grande BH. Objetivo: Comer um lauto feijão tropeiro recheado com suculentos e crocrantes torresmos. Por Baco! Que boa idéia!
Que beleza! Felippe Prates com sua pinta de “capo” siciliano, e o grande Augusto Vieira Neto, o Bala Doce com sua careca ao estilo Marlon Brando em” Apocalipse Now”. Dois “Big Mans”. Felippe com suas sonoras e retumbantes gargalhadas e o bala com seu coração emocional e o seu apetite peso pesado.
O Bala sozinho, já dava para agitar o logradouro. Finalmente fomos servidos pela Maninha e seus olhos verdes infantis e com um leve toque de “não realizável”.
As gargalhas da dupla atraíram a atenção dos freqüentadores, roubando a cena. Falamos das estórias dos Prates, das valentias e, a toda hora, algum habitué do local, expelia farinha pela boca, dado a verve que se formou no exíguo espaço do ponto exótico.
Que beleza ficou o Mercado Central, após ter se transformado em ponto turístico. Bala falou de sua felicidade em ter uma mãe internada para curar ressaca de Bourbon Jack Daniels, ao contrário dos demais viventes que quando as têm, é por Alzheimer ou outras patologias, ditas graves.
Um trio com muitas horas de vôo diuturno e com experiência libidinosa, inclusive em rincões internacionais.
Falei da avaliação do Genival Tourinho que diz que: "a cidade que produz as melhores mulheres do mundo, é Januária", e o Bala Doce relatou ter levado até Jairo, seu primo “ao vivo e em cores,” e tão somente para efeito comparativo, uma dama da noite que carrega na identidade o nome de três famílias tradicionais da nossa urbe.
Provando, assim, que dama da noite nasce também em famílias importantes!
Terminado o repasto, Felipe com os olhos cheios de lágrimas de tanto rir foi cumprir alguns compromissos e o notável autor montes-clarense Augusto Vieira Neto, com o seu incomensurável coração curraleiro, fez questão de me acompanhar até a porta do Laboratório de Referência em Marcapasso da UFMG, na Alfredo Balena.
Deu-me seu apoio e o seu grande abraço fraternal desejando-me felicidades na recuperação da recente cirurgia realizada e dos ajustes e rateio feitos pela doutora Eleni Rincon no “modo VVIR”, já previamente implantado.
Combinamos outros repastos culturais e gastronômicos, desde que recheados a torresmos crocrante, sempre que estivermos nas Alterosas.





26428
Por Raphael Reys - 19/07/2007
PAIXÃO CURRALEIRA

Transcorria o patético e campesino ano de 1960 na terra de Figueira. Tempos de carros de boi, de bruacas de couro, de fazer “cumpadres e cumadres” pulando fogueira nas festas de santo. Chovia fora de época e a bandeiras despregadas, quando Nonato Pampa, conhecido condutor de carros de bois voltava para casa.
Entregara a última "carrada" de boa lenha na padaria do povoado e tangia a junta, batizados distintamente de ‘Melado e Rochedo”. Melado tinha cor de burro fugido, chifres longos, e era esguio. Rochedo, uma fortaleza de músculos, cara de mau, branco e preto. Como era durão, carregava uma argola "contedora" nas fuças.
Sua cumadre Antera de Júlia, lavadeira por profissão ia logo à frente com uma grande trouxa de roupas envolta por uma capa Colonial três coqueiros e apoiada na ródia. Saia amarrada na altura da “perseguida” para não sujar da lama que abundava na estrada carroçável. A encomenda seria entregue numa fazenda próxima.
Antera, pernas grossas, bumbum empinado, seios fartos, lábios carnudos e um olhar negro e desafiador era a paixão oculta de Nonato. Ele vivia sonhando com uma noite de dádiva, de lascívia tropical. Lá ia aquela potranca pela estrada afora.
Apertou a junta de bois, imprimindo velocidade. ”Vâmo Melado, vâmo Rochedo, vâmo boi!” Objetivava alcançar a morena e lhe oferecer carona.
Ao passar pela mesma falou: “aonde vai com esse peso todo criatura? Nessa chuva doida cumadre!” Ela respondeu abrindo um sorriso farto: “vou entregar essa trouxa na fazenda de seu Calú!” Nonato concluiu: “’suba aqui, ponha a trouxa de lado e se senta na bruaca vazia, que eu vou passar em frente à porta da dita fazenda” (mentiu).
No balanço do carro de bois e na flexão da bruaca vazia sob o peso do corpo quente, as coxas da Antera batiam uma na outra. Clof... Clof... Clof! Nonato, já atanazado e mentalmente queixando-se, não às rosas, porque estas são para amores incomensuráveis, mas às gotículas de chuva que escorriam nos seios da mulher desejada, aglutinando nos bicos intumescidos.
Lembrou-se, entretanto, que o marido da mulher era um conhecido valente. Por qualquer coisa acochava a faca no bucho de qualquer contendor, ou desafeto. O condutor intumescido avaliava os riscos que correria. E corajosamente puxou prosa debaixo daquele “mundaréu” de água que São Pedro mandava.
Observando maliciosamente a rima da sua própria cantiga ao enxotar a junta, ”vâmo Melado, vâmo Rochedo”, em seguida, entrou no compasso e deu sua disfarçada cantada na Vênus campesina, que já abria enorme sorriso, com as monumentais pernas de fora, a “perseguida” aparecendo “en baguett” e os fartos seios balançando.
Pteros, o deus alado forneceu asas e coragem ao amor carnal prevalecendo ainda, o dito drummoniano ”a semântica libidinosa do homem da roça.”.
Soltou a cantada: ”vâmo Melado, vâmo Rochedo, eu queria falar um negócio com a cumadre, mas tô com mêeedo..!” Antera, toda faceira retrucou no calor da rima” Êia Rochedo, Êia Melado, se eu fosse o cumpadre, eu já tinha falado”.
Nonato Pampa, firme nas rédeas, deu o freio da roça: “Ôoooa boi”!
E ambos se deram e se amaram...


26355
Por Raphael Reys - 14/7/2007 05:30:02
O HOSPITAL DO MEU SANTO

“o coração não tem nada a ver com nada! Fora a sístole e a diástole e a sua fisiologia medíocre" - Luiz Fernando Veríssimo.

Após oito anos de um episódio de fibrilação atrial, que se tornou persistente e crônica, resistindo a dezessete internações, para controle e tratamento médico e de emergência, que me fez na visão do velho Rubem “caçar ventos e melancolia” finalmente, em face à urgência, o amigo do peito Dr. Noasses Diamantino, contatou o renomado Dr. Reynaldo Castro Miranda.
Esse seu amigo, diretor do Hospital Universitário São José em BH e, finalmente foi feita a ablação do nó AV, colocando um fim a tão extenuante incidente.
Dra. Mônica Magalhães aviou o risco cirúrgico e fui buscar a perícia do Dr. Luiz e, a mobilização de Rose no TFD. Aprontei a sacolinha e pé na estrada! Marieta Magalhães e o seu filho Ricardo Reis me receberam no apê da Tomé de Souza, no fundo do palácio da Liberdade, me colocando à vontade.
Suando em bicas, mais do que “tirador de espíritos’ dado aos 110 batimentos cardíacos por minuto, fui internado no Incor Minas que tem como regente, o meu padroeiro, São José. Tudo como um pecado do lado de baixo da linha do Equador.
No terceiro andar conheci a doçura da Ludmila, da Milena, e da Verônica. Um show de atendimento, carinho e inter-relação para com os pacientes, mesmo com o expressivo número dos que chegam e logo são atendidos. Lá, os olhos verdes e brincalhões da enfermeira Patrícia confirmavam o dito do poeta “deixavam uma sensação perfeita de graça e leviandade no espaço”.
A prima loura Elení Freitas pelo lado materno, acudiu como minha acompanhante, já que o notável escritor Felippe Prates, que iria me acompanhar, foi internado com uma crise de pneumonia.
Fui apresentado pelo Dr. Reynaldo a sua equipe de eletrofisiologia cardíaca nota dez. Dra. Tereza Grillo, e o seu auxiliar Dr. Henrique, o gigante careca, esse, nascido aqui na terra de Figueira. Enfermeiras da cirúrgica e o anestesista.
Agradeci pelo procedimento, atendendo a um pedido pessoal do nosso competente cardiologista Noasses Diamantino e, fui portador do “cumprimente ao Noasses, por nós, quando voltar”.
Que beleza! Nas mãos da melhor equipe de eletrofisiologia cardíaca das Alterosas! Ambiente moderno, aparelhagem última ponta, alta tecnologia, exímios profissionais, em um tom de azul aconchegante. Relaxei, e só me restou, mesmo que induzido quimicamente, a mergulhar nos braços de Morfeu, o deus do sono. Enquanto os céus sustentavam o astro rei que brilhava, pulei da trave da objetividade explícita para o mundo colorido dos sonhos.
Fazendo a mesma pergunta que Calderon de La Barca “a vida, sonhos são?”... No meu estado onírico revi a Belo Horizonte de 1951, a Avenida Afonso Penas com seu visual art decó, os trilhos francêses bitola 21, e os bondes românticos, a arquitetura em linhas curvas, rococó, e o traçado urbano modernista projetado por Aarão Reis e Francisco Bicalho.
Nas ruas, garotas usando boina de feltro, saia tipo garota do Alceu, ousadas senhoras com vestidos “tomara que cáia” damas das camélias com blusa de tafetá negro brilhante, crepe de chine... Nas ruas, Ford Bigode fazendo fonfom. No ar o som de um bolachão de vinil 45rpm, Cauby Peixoto cantando: O amor é uma pérola rara/e tem a cor de um rubi... Eu puxando um filtro de ar de Packard preso por um barbante e levado pela mão por minha mãe, que usava broches côco e ouro. Cavalheiros de terno e chapéu palhinha fumando Liberty Ovais, cantarolando Chico Viola. Moças com topete “pega rapaz” e no ar a fragrância do perfume Nuit De Noel. Uma lata de pastilhas Valda.
Ainda tomado pela anestesia continuei o meu delírio falando que era feliz, pois, em meus sonhos-realidade surgira outra Patrícia, essa, uma cigana a la española, mistura “caliente’ de louro-morena, nascida numa transição escorpião para sagitário, olhos de ‘femme fatalle’, uma cabeça intelectual em uma alma espiritual. Quando Deus quer, Deus manda a felicidade!
Acordei no leito 460 no quarto andar, tendo como vizinho de cama o compositor Antonio Braga, operado de próstata que me falou do projeto de seu CD próximo, declamou sonetos urbanos e prometeu enviar-nos algumas poesias.
Um abraço carinhoso a fantástica equipe do Incor Minas!




26275
Por Raphael Reys - 11/7/2007 05:53:41
O EMBAIXADOR TUPINIQUIM

Ele mesmo! O notável e exótico Denílson Arruda. Nascido nessa terra de Figueira em 16/julho/62, um Canceriano com transição para Leão. Biótipo alto, rosto de lua, hoje com barriga proeminente pela idade e pelo apetite glutão.
Moreno tropical médio, olhos atentos. Observa a tudo e a todos. Humor constante e de efeito arrasador. Emana alegria, contentamento, está sempre de bem com todos e com a vida. Fazendo jus ao refrão popular de que” rico ri à toa”.
Por coisa qualquer ele dá uma gaitada de efeito “rebound sound Cank”, com características de “to repeat and extend”.
Bem sucedido empresário no ramo de incorporação e empreendimentos imobiliário e da construção civil. Com um bom nome de família a zelar é sucesso garantido!
Representa a nova geração dos nossos executivos da gema do ovo e do pequi. Por herança familiar herdou o intelecto e a fraternidade do pai e o altruísmo e a alegria da mãe. Já veio preparado de berço!
Mestre em ciências da Educação pelo Instituto superior José Varona em Havana, Cuba, e em Gestão Empresarial, Logística Empresarial e política pela UNI-BH. É cobra criada! Um guerreiro tupiniquim.
Chega sempre junto quando a comunidade dele solicita algo. Constrói e doa obras de caráter social e filantrópico. É um mahatma!
Hábil palestrador, temperamento destemido e dono de opiniões autênticas, é também o habitué número um da “Fraternidade Exótica da Cachaçaria do Durães” Por lá ele é o grão mestre!
A imprensa escrita o trata carinhosamente de “Dom Denílson de Cuba y Fidel”, já que agora neste momento em que você lê esta crônica, ele estará na Santa Terrinha, Portugal, para nos representar e para dois anos de doutorado, nos Trás os Montes. A imprensa certamente o chamará de “Dom Denílson de Cuba y Fidel e Trás os Montes”. Pois, Pois!
É o único montes-clarense que comemora dez aniversários por ano. Na verdade, promove o maior 0800 catrumano. Um fantástico e lauto jerimum com lombo de porco e pequi. Ele só quer é ser feliz e promover a alegria e a felicidade dos que o admiram e o cercam. Só enfrenta quem agüenta!
É uma beleza conhece-lo e, ser seu amigo, certamente um privilégio!
Raphael Reys



25761
Por Raphael Reys - 26/6/2007 18:14:48
GÊRA CAPA DE REVISTA

Era um campeão de energia. Biótipo médio, magro, quase sisudo, caucasiano. Corpo e cara do cantor Ney Matogrosso. Este, assim como ele, um leonino.
Na pia batismal da igrejinha dos rincões campesinos do Brejo das Almas recebeu o nome de Geraldo Caíres. Para os muitos amigos diletantes era Gêra Capa de Revista. Orlando, amigo e companheiro de estrada o chamava de Gera Paia, açulando-o, já que o mesmo fora bem de vida no início dos anos 70.
Gera, assim como o seu pai, só andava nos trinques!
Chamavam-no mesmo de Gêra do Brejo, como uma homenagem à querida cidade de Francisco Sá, sua origem campestre. Passou os seus mais profícuos anos de vida aqui nos Montes Claros, onde transitava no mercado de veículos.
Captador, vendedor, gerente e proprietário de uma conhecida agência de automóveis, a qual ele mesmo chamava de Internacional. Era sua a máxima “vir a Montes Claros e não visitar a Agência Internacional é a mesma coisa que ir a Roma e não beijar a mão do Papa”
Carismático como pessoa e como profissional angariou um vasto círculo de amizades e de admiradores. Dotado de bom humor e portador de um coração de ouro, aparava o cavaco de todos os amigos que o procuravam, pois não sabia dizer “não”. Muitos abusaram da sua bondade e do seu bolso sempre farto.
Vestia com esmero roupas da moda e mesmo clássicas. Sapatos de verniz ou de pelica. No inverno usava blusões importados, com forro de pele de carneiro, sobre uma camisa de seda chinesa.
Comercialmente era uma águia. Como convinha a um bom negociante tinha a palavra fácil e ouvido de mercador.
Fora do serviço era o dono da noite. Bons restaurantes, bares, boates. Nas pistas de dança um tremendo pé de valsa. Rolava com as damas da noite. Tinha a boca de glutão e vivia num “dolce far niente”. Aonde chegasse para farrear era animação na certa!
Um amigo do peito! Corajoso e destemido, defendia os amigos e companheiros de jornada. Ajudou-me a enfrentar uma situação de perigo em 1980. Aparou o cavaco na hora! Quando saía para farrear portava dois revolveres 38, puro exibicionismo, ocasião em que eu o chamava de “cintura 76”.
Um guerreiro com alma espiritualizada em um coração terra-terra. Gostava de um bom vinho, de um “scoth on the rocks”, e um coquetel “Manhatan”. Viveu e morreu de forma exótica! Em um acidente automobilístico sob uma ponte. Os amigos passaram dias à procura do seu corpo, cabendo a Tim Silveira, seu conterrâneo, encontra-lo numa manilha.
Sabemos que nos mundos Súperos, onde certamente se encontra, será sempre um amigo. O nosso querido e inesquecível Gêra Capa de Revista!


25551
Por Raphael Reys - 22/6/2007 08:44:39
PEDRO MONTES CLAROS

O n° 1 do clã dos Amorins, pai da nobre estirpe de Sinval, Ataenie, Zé Amorim, Bem-Pau-Veio, Tuca e de Dô-Meu-Fã, as moças da família não fazem parte deste relato adotou o nome de Pedro Montes Claros, como uma homenagem a esta cidade.
Sinval construiu o Edifício Pedro Montes Claros, com o nome do pai gravado na fachada, situado na confluência das ruas Presidente Vargas e Doutor Veloso, em frente ao Conservatório, antiga sede do extinto Clube Montes Claros. Tudo no tempo em que se amarrava cachorro com lingüiça, e em que os viventes eram temerosos das iras de Deus.
O seu salão de oficial barbeiro era situado na mesma rua Doutor Veloso, no Centro. Alma campesina e reta, Pedro Montes Claros trabalhava vestido conforme os modelos rústicos da época.
Calças de brim Triunfador, paletó jaquetão azul, com um lencinho de seda no bolso. Chapéu Ramenzonni abas largas, botas de cano longo, cabelo fixado a Gumex, cinturão de couro cru, com fivela de prata20. Na cinta, um estojo de couro, com um bom canivete Solinger.
No bolso da algibeira uma tabaqueira de cobre com um bom rapé.
Como era funcional e prático, nos seus afazeres profissionais, introduzia na boca do cliente masculino, sentado à sua cadeira de ofício, uma grande bola de ping pong, visando melhor escanhoar os pêlos do rosto. Sendo um apaixonado por montarias, certo dia, ao fazer a barba de um cliente saiu à porta para ver passar um alazão bom de trote.
Solicitou ao cavaleiro, que conduzia a montaria, permissão para dar uma volta no quarteirão, no que foi atendido de bom grado. Deixou para trás o freguês com a bola entalada na boca. Este, vendo a demora do barbeiro, saiu suando em busca de socorro. Na tentativa apressada de extrair a peça, quase rasgou a própria boca!
Pedro gostava de pitar um cigarro de palha, e para isso montara, num canto da sala, uma escarradeira, o que era moda nos anos 30. Construída de um grande ladrilho cerâmico posto sob um montículo de areia grossa. Raspava a sua garganta com grande espalhafato e dava a cusparada certeira no aparelho.
Um cliente que, assim como ele, fumava um “paieiro”, com encorpado fumo sergipano, e que também tinha voz de trovão, raspou a garganta, fazendo tremer as paredes do salão, e ato contínuo rumou à escarradeira para concluir o intento.
Pedro “atalha o cliente, segurando-o pelo braço, leva-o para a rua e lhe explica:” Desses grandes, compadre, tem que ser aqui fora! Lá dentro encarde as paredes”.

Sinval Amorim, seu filho, encontra-se com um amigo que lhe diz: “Como vai Sinval. Olha que barulho de trovoadas. Parece que vai chover grosso”. Sinval respondeu: “Não é trovoada não! É papai e Matias Peixoto, que estão raspando a garganta e gritando, na rinha de galo aqui perto. E arrematou:” Os dois juntos parece trovoada mesmo!”“.

Raphael Reys



24917
Por Raphael Reys - 13/6/2007 10:22:34
Mensagem: O RABO DA ONÇA

O peão tinha o apelido de Bocó de Argola. O levamos para um garimpo de quartzo junto com outros que também foram contratados no pátio da Central do Brasil, onde dormiam temporariamente, enquanto aguardavam um porto para ancorar. A mina a se explorada, ficava no município de Francisco Sá, numa fazenda abandonada de propriedade do amigo Felisberto Brant, então meu vizinho no Bairro São José. Tempos do saudoso 1968.
Chegando ao garimpo, o Bocó se revelou o mestre da embromação, da catimba. Gastava quase todo o tempo útil a enrolar cigarro de palha, levava horas banhando-se e se esfregando com bucha no poço. Enquanto os peões faziam quatro viagens carregando trinta quilos por vez, ele executava apenas uma viagem, levando no máximo quinze quilos”.
O moral do pessoal de serviço já estava afetado pela sua habitual e irritante malandragem. Hipólito, o encarregado da extração, arrancava os cabelos de preocupação com ele. Foi quando resolvi intervir, usando a malícia. Avisei ao encarregado da minha intenção, e na madrugada seguinte, às quatro e meia, saí na frente e me alojei no leito seco de um córrego, entre os tufos de capim alto e abaixo do tronco, passagem obrigatória de todos.
Levei um cone para potencializar a voz e esperei que toda a turma atravessasse a pinguela. Bocó vinha atrás, já bastante atrasado fazendo um cigarro de palha, o saco de estopa dependurado no ombro, quase caindo, o corpo gingando. Parava, batia os pés no chão, no ritmo de uma moda caipira que cantava com grande contentamento e impunidade.
Na campana montada, esperei que ele pisasse na pinguela e pelo cone bradei um grande urro, imitando o esturro de uma onça! O seu chapéu de palha volteou no ar demoradamente até chegar onde me encontrava. Escutei os seus berros de medo, morro acima, Bocó correndo no cascalho miúdo, que afundava a cada passada.
Dei distância e corri pela trilha, parando e urrando. No caminho encontrei os seus pertences perdidos. Chegando ao platô onde acontecia a extração, e após se recuperar, ainda arfando e gesticulando desordenadamente, relatou os fatos ao encarregado. O mesmo, conhecedor da região sentenciou: não foi onça não seu Bocó, é melete velho, que urra que nem onça, No que ele retrucou: Foi onça sim seu Hipólito, o rabo dela bateu no meu nariz, quando saltei a pinguela, fazendo ela errar o pulo ne mim.
Daí por diante, Bocó era sempre o homem do meio na fila indiana de peões, mas não agüentou dois dias, batendo-se em retirada, a pé. Sequer esperou o pagamento semanal.


24891
Por Raphael Reys - 13/6/2007 06:49:04
GÊRA CAPA DE REVISTA

Era um campeão de energia. Biótipo médio, magro, quase sisudo, caucasiano. Corpo e cara do cantor Ney Matogrosso. Este, assim como ele, um leonino.
Na pia batismal da igrejinha dos rincões campesinos do Brejo das Almas recebeu o nome de Geraldo Caíres. Para os muitos amigos diletantes era Gêra Capa de Revista. Orlando, amigo e companheiro de estrada o chamava de Gera Paia, açulando-o, já que o mesmo fora bem de vida no início dos anos 70.
Gera, assim como o seu pai, só andava nos trinques!
Chamavam-no mesmo de Gêra do Brejo, como uma homenagem à querida cidade de Francisco Sá, sua origem campestre. Passou os seus mais profícuos anos de vida aqui nos Montes Claros, onde transitava no mercado de veículos.
Captador, vendedor, gerente e proprietário de uma conhecida agência de automóveis, a qual ele mesmo chamava de Internacional. Era sua a máxima “vir a Montes Claros e não visitar a Agência Internacional é a mesma coisa que ir a Roma e não beijar a mão do Papa”
Carismático como pessoa e como profissional angariou um vasto círculo de amizades e de admiradores. Dotado de bom humor e portador de um coração de ouro, aparava o cavaco de todos os amigos que o procuravam, pois não sabia dizer “não”. Muitos abusaram da sua bondade e do seu bolso sempre farto.
Vestia com esmero roupas da moda e mesmo clássicas. Sapatos de verniz ou de pelica. No inverno usava blusões importados, com forro de pele de carneiro, sobre uma camisa de seda chinesa.
Comercialmente era uma águia. Como convinha a um bom negociante tinha a palavra fácil e ouvido de mercador.
Fora do serviço era o dono da noite. Bons restaurantes, bares, boates. Nas pistas de dança um tremendo pé de valsa. Rolava com as damas da noite. Tinha a boca de glutão e vivia num “dolce far niente”. Aonde chegasse para farrear era animação na certa!
Um amigo do peito! Corajoso e destemido, defendia os amigos e companheiros de jornada. Ajudou-me a enfrentar uma situação de perigo em 1980. Aparou o cavaco na hora! Quando saía para farrear portava dois revolveres 38, puro exibicionismo, ocasião em que eu o chamava de “cintura 76”.
Um guerreiro com alma espiritualizada em um coração terra-terra. Gostava de um bom vinho, de um “scoth on the rocks”, e um coquetel “Manhatan”. Viveu e morreu de forma exótica! Em um acidente automobilístico sob uma ponte. Os amigos passaram dias à procura do seu corpo, cabendo a Tim Silveira, seu conterrâneo, encontra-lo numa manilha.
Sabemos que nos mundos Súperos, onde certamente se encontra, será sempre um amigo. O nosso querido e inesquecível Gêra Capa de Revista!




24415
Por Raphael Reys - 7/6/2007 10:37:18
PAPO DE CABARÉ

Ataénio Amorim, irmão do saudoso Zé Amorim, morava na Bahia. Informou aos parentes que estava chegando a passeio; entretanto, a verdade era que retornava de volta a Montes Claros seu rincão natal, acometido de segundas intenções.
Preparava-se para aplicar um golpe do baú.
Após almoço de boas vindas, no solar do seu pai, Pedro Montes Claros, foi convidado por seu irmão Santinho Amorim para visitar uma gleba: uma pequena fazendinha de sua propriedade, localizada na saída da cidade. Lá se foram a pé os irmãos Zé, Santinho, Sinval, Ataénio e Bem-pau-véi.
A nobre estirpe dos Amorim. Os cavaleiros da ”verve.”.
No caminho o topógrafo Zé Sales, que passava dirigindo a sua Rural Willys ofereceu carona ao quinteto. Sales era conhecido por dirigir devagar e andava que nem uma lesma no transito. Zé, conclusivo e sincero como era, disse na bucha: Obrigado! Vamos-nos mesmo é a pé, pois estamos com pressa!
Retornando da visita a propriedade quase rural, Zé perguntou ao irmão recém cegado: que tal a gleba do homem? Ataénio respondeu:” É uma fazendinha F.D.P., uma só bola de arame dá para cercá-la e ainda sobra a metade!”.
Na noite seguinte, o Amorim recém-chegado foi beber se fazendo acompanhar do fazendeiro e bon vivant Zé Paraíso. Uma noitada na exótica casa da Roxa.
Lá, Ataénio depois de ter tomado quatro doses de uísque Cavalo Branco, confidenciou e pediu segredo ao colega de farra, que voltara por estar falido financeiramente. Prosseguiu o relato afirmando que estava de olho em uma sua ex-namorada e atual recém viúva rica, com a qual objetivava se casar ficando, assim, rico novamente.
Não agüentava mais viver quebrado!
Zé Paraíso como era maldoso, completou: manda encerar o salão da casa logo após o casório. Leva ela pra dançar tango toda noite, calçada de chuteiras.
Ataénio quis saber o “por que” das chuteiras. Zé Paraíso, explicou: é para ela escorregar e quebrar as pernas e a bacia. Se você tiver sorte ela morre da queda, e aí, eu te ajudo a “tacar o pau” na grana. Você compra este cabaré da Roxa com porteira fechada.


24164
Por RAPHAEL REYS - 30/5/2007 07:30:33
É BALA!

23/05/2007, 11h00minh, manhã de calor na Boca maldita do nosso Montes Claros, o Café Galo, deparo-me, e com enorme prazer com o notável autor Augustão Bala Doce, o mesmo emérito magistrado Augusto Vieira Neto.
Olho direito vermelho, resultado de uma recente cirurgia. Inchados como resultado da homérica farra da noite anterior. Sem dormir até àquelas horas! Suava as bicas, tremia o couro cabeludo, e estava afônico, A sua metralhadora passou a noite a despejar energia.
Pareceu-me que babava um pouco. Em considerando em quem roda nas noites, tudo pode acontecer, o que é potencializado pelas horas de vôo do Bala, e como bem dizia Rachel de Queiroz que “quem mora no beco, só aspira ao beco” fiquei a conjeturar hipóteses fundamentadas no Kama Sutra curraleiro.
Para meu prazer, ele é meu leitor( imagine só o privilégio) no Montesclaros.com, e juntando a fome com a vontade de comer, sou seu leitor e admirador confesso.
Exprime o seu desejo de escrever a série “Noites de Cabaré”, como uma homenagem, e mesmo um resgate à memória das maestrinas da luxúria que encantaram e trouxeram prazeres as nossas noites de antanho.
Fala com saudades de Roxa, de Leobina, de Anália, de Edna, mestras das artes de Vênus. Recorda os saudosos anos 50, das noites de orgia, de tango, do uísque Cavalo Branco, dos amigos diletantes. Lembra do interregno no início dos anos 60, fim do romantismo e começo da nova era das noites tupiniquins.
O freqüentador número um das noites montes-clarenses, mareja os olhos de lágrimas, lembrando então de Walmira, de Zinha. Fala das que já foram para os mundos Súperos. Cheio de contentamento na sua grande alma barroca me agradece por escrever e trazer à lembrança os seus amigos Waldução Wanderlei e Zé Amorim, o cavaleiro da verve.
Lembra com saudades da sua turma de amigos, de companheiros e companheiras de farra e dos seus familiares.
Trocamos e-mail, e prometamos passar informações sobre os personagens que farão parte das suas ” Histórias de Cabaré”.
Sempre cheio de saudades dos amigos que ficaram em BH, liga a todo o momento no celular passa o fone para Nonato Pampa, inter-relacionando amigos comuns.
Relata-nos com prazer a noite memorável quando recentemente recebeu o título de Cidadão Belo-horizontino. A farra com os baianeiros que o prestigiaram participando da festa, da cantoria, da comida tropical, da alegria.
Bem a seu modo, expressivo e teatral, fala da sua mãe e sugere terapias para controle da pressão arterial da mesma. Conclui que irá sugerir metade de medicamento e metade de uísque Jack Daniels, cow-boy ou mesmo on the rocks.
Fala de outros escritores montes-clarenses, cita com destaque Carmem Netto Vitória, que, assim como eu, somos crias que foram incentivadas pelo mestre Haroldo Lívio, que logo se retira atendendo à sua agenda, e a rodinha se desfaz, saindo também eu , Nonato e demais clientes do café que também participavam da animada conversação.
No banco de pedra do Café Galo, fica o mahatma Augustão Bala Doce, o notável autor, cronista, pai da Baladocianas, e Cidadão Cívitas 150 anos.
Ró Meira aproveita para filar os últimos charmosos cigarros marrons, importados, que o Bala lhe dá, já de saco cheio!

Raphael Reys


23988
Por Raphael Reys - 25/5/2007 07:40:57
O REI DA JABOTICABA PRETA


O homem se sentia o próprio Rei da jabuticaba preta. A que ele vendia, era preta de “tinir”, mais gordinha do que as outras e super doce. A melhor jabuticaba vendida no Mercado Municipal dos Montes Claros, no saudoso 1970. Indiscutivelmente, a melhor e maior de todo o Norte de Minas. A jabuticaba de Antônio de Maria Rita.
O preço das mesmas era salgado, mas o produto de primeira. Só atendia sob encomenda, feita sempre com uma semana de antecedência. O pagamento era em moeda corrente e no ato da entrega. Dona Belarmina, fizera a encomenda e no sábado fora apanhar o produto, para o deleite de suas netas que vieram da Bahia e, chegando ao mercado só encontrou o espaço demarcado vazio. Nada do rei da pretinha!
No sábado seguinte, lá estava a Dona Bela, bem cedo, fazendo a sua queixa ao Rei da jabuticaba preta. Este, macio que ele só, contou o incidente que lhe havia privado do fornecimento habitual das jabuticabas aos clientes, no sábado anterior. O fato se dera disse, quando subiu a serra na sua propriedade, como habitualmente fazia nas sextas-feiras à tardinha, para apanhá-las. Carregou a lata de 18 quilos, de suculentas jabuticabas, aprontou a ‘rodia’ na cabeça, ato contínuo, desceu o morro. Lá vai Antônio com a lata na cabeça.
Andando a passadas largas nos seixos miúdos no chão da serra, o barulho das alpargatas, chap... chap...chap! Já escurecendo; só a luz da lua, de repente ao levantar o pé direito em mais um passo, pasmem! Atravessada na trilha, dormindo profundamente, uma onça pintada. Foi Deus que não a deixou acordar com o barulho até então.
O rei da pretinha ficou parado, a lata foi pesando na sua cabeça, o tempo passando, e ele sem fazer barulho para não acordar a “bicha feroz’. De repente o pensamento fatal! Ela vai acordar de manhã, com a barriga vazia, vai me ver e, adeus o rei da jabuticaba.
A lata foi pesando, o pescoço afundando, doendo horrivelmente, o desespero chegando, e aí bateu a intuição! Tirou a lata da cabeça calmamente, encostou-a numa moita de unha de gato ao seu lado direito, tudo lentamente; inclinou a lata aos poucos, e as jabuticabas foram escorrendo pelas ramas sem fazer barulho. Estando o recipiente vazio, virou-o de boca para baixo... “Aproximou do ‘escutador” da pintada e, emitindo um grito apavorante, deu uma tapa nos fundos da lata: Paaa!...A fera deu um salto vertiginoso; deu um segundo e um terceiro salto, urrando, e desapareceu bufando em desabalada carreira, só se via galho quebrando! O pau cantou na casa de “Noca’”.
Dona Bela que assistira ao trágico relato ficou patética! Pode entender o atraso na entrega da sua encomenda, e conformou com o preço aumentado recentemente do produto; não era fácil conseguir jabuticabas como aquelas, só mesmo o Rei da jabuticaba preta, o primeiro e único da terra do Figueira.


23848
Por Raphael Reys - 18/5/2007 06:17:25
INTUIÇÃO MATERNA


Aos dezenove anos me apaixonei por roupas estilos safári. A aura reinante na moda jovem ainda era a do blue jeans. Blusões, jaquetas e calças de algodão prevaleciam. Tudo costurado com linha aparente, com zíper ou botões grandes.
Adquiri um tecido de algodão seridó, ocre claro, um diagonal mesclado, uma beleza. Copiei o modelo de uma jaqueta francesa, extraída de uma revista internacional de modas. Para confeccioná-la, encomendei-a a minha mãe, uma libriana com apurado gosto estético. Muito habilidosa em tudo que fazia.
Na ocasião, ela passava por um momento psicologicamente difícil de sua vida, uma fase que a deixou sensível e fina, suscetível a variações de humor. Exigiu ela mesma comprar os aviamentos e fazer, ao seu gosto, variações na estética do modelo.
Como tenho um sexto sentido para o perigo, ocorreu-me o insight que algo fora do habitual aconteceria a partir daquele seu posicionamento.
Pronta a confecção, fui experimentá-la. Foi quando notei que os botões postos eram de um pesado metal amarelo, modelo da Alpaca Eberle. As peças tinham um baixo relevo acentuado. Eram bastante grandes em tamanho para servir na função de abotoar, estando também dotadas de uma base pontiaguda disposta em cone rombudo, Essas peças eram habitualmente usadas em decoração de selas gaúchas.
Na jaqueta, sem a sustentação correta, as partes ficavam com a face para baixo, dando à roupa confeccionada um tom ridículo, destituído de um sentido estético. Enfim, um peso ingente.
Algo me disse para não reclamar - a intuição materna tem lá origens consistentes. Fiquei calado contra a minha vontade. No meu entender, o modelo ficou bastante alterado, impróprio. Reservei-o para uso em atividades não urbanas.
Num fim-de-semana prolongado ao lado da turma dos Durães Barbosa, companheiros de outras viagens, de aventuras, caçadas e pescarias, numa manhã em que caia uma garoa fina na fazenda, sob os incentivos de Zizi Rocha, partem para um treinamento coletivo de tiro ao alvo.
A plataforma de exercícios foi montada em uma velha cerca abandonada, feita de lascas de aroeira. Distribuímos as armas entre os atiradores, colocando ainda às latas nas pontas das peças, e iniciamos a sessão.
Tive uma sensação de peso nos parietais. Era a intuição do perigo. Ela sempre se me apresenta assim.
O segundo tiro praticado partiu de uma carabina Winchester 44. O projétil, com a ponta achatada, atinou o corpo endurecido da aroeira e ricocheteou, acertando-me na altura do coração.
A grande peça metálica colocada no referido casaco como botão partiu ao receber o impacto! A base da peça afundou-se na minha caixa torácica, dilacerando o tecido e terminando amparado numa falsa costela, com o que, felizmente, o projétil foi desviado. Fragmentos acertaram a aba de um chapéu jaberrou que eu usava na ocasião. Lá estavam à serventia das feias peças de metal, escolhidas por minha mãe para que abotoassem a minha jaqueta.
O aparente desacerto feito por uma mãe - é sempre certo para um filho - é uma providência divina! A sua implicância em colocar os aviamentos - completamente contrários à minha escolha - foi uma dádiva que, com certeza, salvou a minha vida!


23709
Por Raphael Reys - 14/5/2007 10:51:47
QUETA MOÇA!

Conforme rotina, Walduck levou o Zé Amorim quase na marra para BH. Alegou contratar os seus préstimos visando o gerenciamento, e por poucos dias, de um escritório temporário na capital. O fato se devia à grande quantidade de dinheiro a ser confiada ao então gerente ocasional, daí a pessoa do Zé ter sido escolhido para tal empreitada, um cargo de confiança. Tudo, entretanto, não passava de mais uma armadilha para provocá-lo.
Viajando de caminhonete, e já na BR 135, se depararam com o Dilo barbeiro que vinha correndo na estrada, quase entrada do Pentáurea e vestido só de cuecas Torre. Estando todo inchado teve que ser trazido para internamento na Santa Casa.
Estava na roça namorando escondido no mato atrás de um silo, quando escorou, para se apoiar e puxando uma capiôa para si, e sem notar espremeu com as costas da mão uma caixa de marimbondos pendurada na parede do depósito. Foi atacado pelos marimbondos, guerreiros voadores. Dilo era chegado numa galinha caipira de vestido chitado.
Zé vendo a cena grotesca sentenciou: Caiu no ferro negão! Isso é só o começo, seu pé de anjo, você ainda vai ser picado é de chumbo quente, aí só o doutor Pedro Santos pra fazer os curativos no seu dodói seu pé de anjo.
Internado o dom Juan suburbano para tratamento, eles prosseguiram a viagem para a capital. Lá chegando, o Zé Amorim sentado na ante-sala do gabinete particular de conhecido empresário da construção civil, o anfitrião e os demais entraram e informaram que demorariam na negociação sigilosa umas duas horas; que Amorim aguardasse.
Colocada ao lado do nosso herói, uma profissional da noite, jovem loura bem dotada e vestida com uma minissaia à moda quente da época, puxava conversa com o Zé. Fora contratada para provocar a cena cômica e conclusiva.
Durante o enredo contratado, ela foi chegando cada vez mais para perto da vítima; ele afastando-se para a ponta da poltrona de alvenaria; ela chegando mais, pegando no nosso herói, e já passando as unhas na sua camisa, informou-lhe ter predileção e fantasias com homens mais velhos.
Moralmente severo e disciplinado, o Zé já suava as bicas, a jugular quase estourando, a gola da camisa Volta ao Mundo ensopada, torcendo as mãos, balançando a cabeça negativamente, a voz rouca e estridente, deslizando cada vez mais para a parede, quando a modelo contratada, para tal mister executou a cena final.
Apertou o Zé contra a parede e lascou-lhe um beijo à força no que ele gritou: queta moça, a senhora é doida! Os demais, voyeur, assistiam a tudo por uma brecha aberta na divisória de Duraplac. Neste ponto, Walduck não agüentando mais deu uma gargalhada explosiva.
Amorim colado à parede, espremido pela modelo e reconhecendo a risada do amigo sentenciou: eu sabia que isto era obra sua, seu carroceiro! Coisa desse naipe só pode partir de um cabloco do seu quilate. Tira esta moça daqui, gente!


23611
Por Raphael Reys - 10/5/2007 07:16:38
“BLOW UP”

1950, o inesperado estava para acontecer! Havia completado três anos de idade, e por necessidade de tratamento médico especializado fui levado por minha mãe para Belo Horizonte, onde permanecemos por seis meses. Tempo do meu tratamento e recuperação.
Recebida a alta médica e para registrar a data alvissareira, a minha mãe levou-me ao jardim…… na época um luxo, um primor. Forrada a grama com uma toalha confeccionada pela minha bisavó paterna, especialmente para o registro do instantâneo. Trabalho feito com aplicações de renda trabalhadas à mão, como acabamento final, conferia nobreza à cena documentada.
Vestido com roupa de marinheiro estilizado, moda dos anos 40 ainda em voga, o cabelo cheio e penteado com gumex para fixar o redemoinho, registrados as seis fotos numa Kodak metálica com lente plana, o chique da época .O serviço de revelações foi entregue a conhecido estúdio próximo.
De volta às origens, dias depois recebemos a encomenda pelos correios. As fotos, afixadas em um álbum com capa de madeira trabalhada e decorada com motivos florais, manuseei-as várias vezes buscando avivar o registro na memória.
Poucos dias após chamaram à nossa porta. Surgiu um Oldsmobile com quatro cavalheiros bem vestidos, terno chapéu panamá, sapatos de verniz e de duas cores. Após identificar a minha mãe, destinatária das fotos, já recebidas, perguntaram pelo chefe da casa.
Em posse da informação, partiram. Logo retornaram com o meu pai que havia fechado o comércio para atendê-los. A cena ficou indelevelmente gravada na minha alma. Eles receberam o álbum, retiraram cinco instantâneos, deixando só o momento em que eu aparecia deitado e como elemento único fotografado.
Aqueles senhores eram componentes de uma quadrilha especializada em roubo a bancos e apareciam nas cinco fotos, pois estavam no logradouro no dia do crime, onde montavam campana, e foram advertidos por um olheiro.
Vieram em busca das fotos, elemento táctil e base passível de uma ampliação fotográfica reveladora . Descobriram o nosso endereço após rastrearem os estúdios fotográficos próximos ao jardim denunciador.
Pela consideração e, mesmo pela elegância que tiveram conosco, nos poupando de vexames e violência, o meu pai agradeceu. Minha mãe empalideceu e desmaiou, quando as fotos foram rasgadas. Eles voltaram as suas vidas de crime, e nós permanecemos na nossa bucólica e campesina terra de Figueira.
Naquela época numa cidade interiorana como Montes Claros, aquilo era uma cena inconcebível, mesmo se contada como simples historia. Eram as mãos do destino karma e a providência divina equilibrando a ação retificadora.
Fomos a catedral para orar pelas almas dos velhacos granfinos, verdadeiros patifes de casaca.
Aqueles senhores deixaram como presente para mim, um menino que nada estava entendendo daquilo, um tambor e uma flauta de madeira e boqueira de lata como a do mago de Merlim, aquele que conduzia os ratos para fora das cidades, atraídos pelo som da sua flauta.
Um enredo para sucesso garantido de uma película cinematográfica: seis inocentes fotos, um possível “blow up”, um jardim romântico nos anos 50, uma campana de meliantes “dândis”, uma mãe feliz, um pequeno rapazinho vestido de marinheiro, uma Belô de ‘art noveau”, de linhas curvas, de bondes, de tempos bucólicos, de copos de papel em cone dentro de taças de metal, de jardineiras com buzina fon fon, de utópicos cavalheiros penteados com brilhantina, e de ruas; como disse Affonso Romano: que cheiravam a jasmim e damas da noite.
Tempos de garotas usando boina de feltro e saias tipo garota do Alceu, de jóias coco e ouro, da tabela Price, dos preços fixos, de Chico Viola e de uma melodia no ar. Como ‘tema’ e fundo musical. “Carlos Gardel.... Buenos Aires chorava o teu canto... Buenos Aires cantava o teu canto...E ouvindo suplicavam tua voz..!”

Raphael Reys


26083
Por Raphael Reys - 07/05/2007
DEDAL DE OURO

Era uma vez, era uma vez, numa pequena cidade do interior chamada Rio Pardo, nasceu um menino que mais tarde veio a se chamar Dedal de Ouro. Embora tenha o nome de grife internacional, o nosso alfaiate tupiniquim, já foi de tudo na vida. No início da carreira em Monte Azul, na flor da adolescência foi enfermeiro de certo coronel líder político. Função que exerceu por dez anos, com garbo.
Na verdade chegava a fazer pequenas cirurgias para retirada de projéteis alojados no corpo dos jagunços do mandatário. Algodão, álcool, mercúrio, esparadrapos, pinças, bisturis e muito amor para dar.
Dava preferência aos ferimentos perfuro contusos, deixando de lado os incisivos, ou os de corte de cima para baixo, ou vive-versa!
Juntamente com seu amigo Roque, presenteavam a “Mudinha”, uma personagem popular de então, dando-lhe pão com sardinha e caixa de fósforos, com objetivos supostamente libidinosos. Dedal de Ouro ficava de olho enquanto os demais usufruíam do pecado.
Veio para Moc e se instalou na Rua Padre Augusto como “Alfaiate Junior”, fazendo sucesso na montagem de fantasias carnavalescas. Uma das suas criações foi levada para Paris, onde um carnavalesco internacional desfilou ganhando o primeiro Lugar. Na época ele era chamado de ‘ Radio Globo”, dado a sua língua ferina.
Houve uma demanda com conhecido alfaiate e hoje, bacharel local quando disputou o posto de pai da “criança inventada”, modelo de calça masculina sem costuras laterais. Foi o maior qüiproquó! Voou stras por todos os lados!
Um menino contratado como seu auxiliar de alfaiataria, há quase quarenta anos trabalha com ele. É um eunuco da roça, ou seja, um rapaz donzelo.
Em 1975 o nosso Dedal de Ouro desfilou como destaque em um carro alegórico da escola Vanguarda do Samba. Vestido a caráter ao lado de conhecido cantor e costureiro internacional, ambos em cima de um elefante. Foram ovacionados!
Convidado para ser assessor parlamentar do deputado federal Clodovil, está analisando as condições impostas pelo parlamentar para o exercício do cargo “fazer o que o deputado faz, e ainda costurar”.
“Entre moldes; tesouras, esquadros, plumas e paetês, o seu atelier de costuras Dedal de Ouro e quartel general do seu ‘ entourage” e “fuxique”, esta localizado no Quarteirão do Povo, (Rua Simeão Ribeiro, em cima de Zezão Relojoeiro). É só conferir!


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Por Raphael Reys - 6/5/2007 07:55:12
O CAVALO MANIADO



1968-O cenário era a Fazenda Larga de propriedade de Durval Durães, no alto do platô. E ao chegarmos, e após termos passado pelos caminhos que circundavam a serra, e abertos os vinte e sete mata-burros, numa verdadeira Via Crucis, desfrutamos o clima de montanha, propício a um bom e reparador sono; dormido em um colchão recheado com flor de marcela. Era o puro e exótico cheiro dos sertões. Na nossa bagagem, uma caixa de Viriatinha!
Como na propriedade não havia a presença incômoda de muriçocas, a primeira que se desprendeu de uma peça de roupa dobrada, que levamos, e ao ser vista, provocou uma perseguição envolvendo todos. Só paramos após a captura e extermínio da vampira.
Numa noite em que lá estávamos numa serenata ao luar, contemplando a vastidão dos céus, do alto da montanha, tomando umas e escutando o arrojo do acordeão de Dizim Barbosa; resolvemos para contrariar o clima reinante, abater um porco preto e magro da propriedade a tiros. Dico Barbosa alegou para o Durval, termos atirado em uma onça preta na escuridão. Da carne, fizemos farra abastada por três dias.
Como nas pedras no alto do platô havia uma manada de bodes e cabras, que voltaram à vida selvagem após fugas progressivas há mais de uma década, aproveitamos o ensejo e preparamos uma caçada, montados a cavalo e usando carabina e cartucheira Boito 16 como armas.
Dico Barbosa me empurrou como montaria um cavalo já selado, de que não gostei á primeira vista; a intuição me fez refugar aquele animal, entretanto a turma forçou e acabei aceitando, e caí na armadilha do cavalo maniado, que era o ídolo da fazenda. Ao aproximarmos das pedras no alto da serra, me deixaram como o último da fila na exígua trilha, que ficava ao lado de um enorme precipício, do qual se avistava parte do Norte de Minas. Lá embaixo as mangas de colonião dos Gomes e as casas vistas daquela elevação, do tamanho de uma mosca.
Eu estava com um mau pressentimento, já sentia um frio enorme, arrepios, quando o dito animal, deixando as patas dianteiras apoiadas na trilha, jogou a traseira no despenhadeiro. Impossibilitado de subir de volta, agarrei instintivamente na cabeça do cavalo e gritei por socorro aos demais companheiros; quando escutei a algazarra. Desceram das montarias e rolaram no chão de tanto rirem, todos por lá já conheciam o mau costume do cavalo para com os visitantes incautos.
Depois de alguns segundos pendurados no precipício assustador, o animal subiu de volta a trilha, e para completar o meu assombro, relinchou de contentamento, por haver feito o batismo de mais um trouxa.
Passei o resto do dia com a moral à zero! Teve companheiro que foi acometido de cólicas de tanto rir.
A caçada não deu em nada, os bodes e cabras eram muito ariscos e se escondiam entre os talhes das pedras altas; não se conseguia localiza-los facilmente, para fixar a pontaria.
Levei dois dias para me recuperar plenamente do trauma provocado pelo cavalo maniado. Os gozadores fizeram festa com o meu batismo da roça, e a minha cara de espanto.
Raphael Reys



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Por Raphael Reys - 2/5/2007 06:40:44
BARRACA DO CEARÁ

Na verdade uma birosca. Montada a partir de um carrinho de pipoca, e fundeada no meio fio do passeio que circunda os jardins, outrora exóticos e românticos, da Praça da Matriz. Lado esquerdo de quem desce do Quarteirão do Povo.
O proprietário, originalmente nascido na pequena cidade portuária de Camocim, divisa do Ceará com o Piauí do meu coração. Batizado Pedro Francisco de Assis Lopes. Ao lhe dar o nome do " povorelo” a mãe, na verdade, tencionava aplicar um 171 no santo...
O nosso Pedrim Ceará da barraca não tem nada de santo! É cobra criada pelo mundo de meu Deus. Mestre de adaptabilidade e sobrevivência tropical. Chegado há nove anos no nosso meio, cultivou um enorme ciclo de amizades. Como o mundo é composto e todos são necessários ele se dá com gente boa e com a malandragem. Com cruzeirenses e atleticanos!
Aqui firmando comércio, se “amarrou’ com Dona Geny, gente fina e ‘braba’ da Boa Vista, município de São João da Ponte. Só enfrenta quem aquenta! Se o Pedrim “treitar e relar” ou” mijar fora do pinico”, vai entrar no chumbo quente! Quem viver, verá. Ele pensa que se deu bem mais uma vez, mas está amarrado no “terecô”. O seu nome está costurado na boca do batráquio!
Na birosca, vende de um tudo, a preços módicos. Bolo, biscoito, cafezinho, cigarro e guloseimas. À vista e fiado. A freguesia composta dos funcionários da agencia central dos Correios, do Centro Cultural, policiais militares da PM em patrulha preventiva, balconistas das lojas de produtos do Paraguai próximas, lavadores de carro da parte alta e baixa do logradouro. Atende a passantes e ocasionais. De tudo um pouco!
Mentirosos vindos principalmente do bairro Todos os Santos, e que por lá fizeram o seu ponto. Passantes, indo e voltando do mercado municipal, gente da Malhada, assessores de deputados estaduais, contadores de vantagens, bazofistas, membros do “Clube das Cabeças Enfeitadas”, e o “Gêra do Independência” (cobra mais do que criada), segurança da porta da igreja do palácio do bispo. Aí, não é fácil! Haja munch para levantar o ‘peso.”
O Pedrim, que já rodou meio mundo, tornou-se um excelente expert avaliador de “cabeças-jardim”. Basta ele olhar para já dar uma justa nota no sócio. Na relação que confeccionou para a classe, constam os cem tipos e modelos mais usuais: O cururu, o tijolo maranhense, o suicida, o amigo, o docinho, e o mais recente modelo: O “corno mingau”!
Este, enquanto o marido na janela esfria o mingau de araruta que a patroa fez para o neném, para não embolar ela, sempre de vestido, se inter-relaciona com o “pé de pano”, atrás do tanque e no fundo do quintal.
Sendo a birosca um espaço aberto, é só conferir. A sua visita é aguardada.


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Por Raphael Reys - 28/4/2007 06:54:56
MANGA VERDE

Walduck Wanderley levou o Zé Amorim para uma viagem a Belo Horizonte, como habitualmente fazia. Entre os demais companheiros de jornada, Dawidson Rego, o contestador. Este já previamente acordado com os demais combinou para pegar no pé do saudoso filho de Pedro Montes Claros durante a viagem.
Já agulhando o Zé, o criador de Pit Buls relata que a turma comentava que ele (o Zé Amorim) não prevaricava, e que o tema em questão, já despertara polêmica entre todos. O instigador deu um colorido mais intenso à observação visando potencializar o desafio, já que conhecia o temperamento severo e afobado do nosso herói campesino, um autêntico representante da terra de Figueira.
“Esperavam, na verdade, que o saudoso cavalheiro da verve explodisse e saísse com mais uma das suas tiradas inteligentes e espirituosas, as quais eram sempre dadas ‘ em cima do pedido’”. Pois com ele, era tranchã!
Zé, entretanto, manteve aparentemente a calma, embora mordesse os lábios, a jugular já estivesse para arrebentar e a gola da camisa Volta ao Mundo ensopada de suor, em face do agulhão recebido. Os Amorim, por hábito, não despachavam conversa para o bispo; a missa com eles era de corpo presente.
Dawidson Rego manteve o diálogo instigador: não acredito Zé, me perdoa. Na minha concepção todo homem é adúltero! Zé, como bem competia a um Amorim da gema, percebendo a armadilha que lhe armavam escapou com o inteligente monólogo a seguir.
- Êta cabloco! Vocês nunca viram um Amorim num serviço de cama (já chamando a atenção dos demais abelhudos que a tudo escutavam fingindo não fazê-lo) Já vi que vocês não me conhecem na prática!
- Olhem aqui, seus orelhas seca f.d.p.! Quando eu era rapaz; naquelas casinhas de adobe localizadas ao lado dos pés de mangueiras da Avenida Ovídio de Abreu; ficava com uma moreninha baiana que morava lá. (Falava enquanto fazia gestos elucidativos, e teatralmente ao seu bom estilo) Tinha dia que a colcha da cama encharcava tanto de suor, que era torcida a dois, com o caldo escorrendo pelo chão de terra batida. E prosseguiu: a coisa comigo era tão brava que ela gemia e gritava tão alto que chegava a cair manga verde do pé.

Raphael Reys






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Por RAPHAEL REYS - 24/4/2007 05:14:01
O PARQUE

1955- Canário Pardo conhecido meliante e brutamontes, arrombador de casas comerciais, encontrava-se mais uma vez preso na cadeia local. Corria de boca em boca a informação da troca de tiros com o efetivo policial de então, durante a sua captura. Coronel Coelho, um cabo e quatro soldados.
A Praça Coronel Ribeiro era um extenso chão de terra batida, não havendo urbanização.
Brincávamos de roda com as meninas “fui ao tóróró beber água e não achei!”. Soltávamos arara, batíamos finca nas águas, quilávamos bola de gude e fazíamos guerra de caroço de mamona no estilingue. Exibíamos as roupas novas!
Chegou um parque de diversões e, a nossa alegria era, agora, esperar a meia noite e, escondidos dos pais, assistirmos ao teatro de marionetes, dadas as obscenidades faladas pelo operador. Domésticas, “en passant”, rapaziada do Sésé calçada de alpargatas Roda e a meninada escondida onde podia.
A esposa do palhaço, manipulador das marionetes, enquanto a galera esperava, vendia pão com caldo, roletes de canas, aperitivos, groselha. Era um luxo poder assistir e depois contar para aqueles que não tinham coragem de fazê-lo.
Naquela noite, enquanto esperávamos uma turma de detentos passou correndo pelo logradouro. Fugiam da cadeia. Na evasão, o líder, Canário Pardo, que tomara o fuzil de um soldado, ao passar exibiu o mesmo como um troféu, acenando em seguida para o público atônito. Corriam vestidos apenas de cuecas. Logo em seguida passaram os policiais.
Um gaiato viu no medo que se apossou dos presentes a potencialidade do pânico e deu algumas tapas nas folhas-de-flandres que cercavam o picadeiro, produzindo de forma sincronizada som similar a disparo de armas de fogo.
Muitas pessoas ao correrem escorregavam no cascalho miúdo e foram ao solo, o que parecia terem sido atingidas pelas balas perdidas. Gritos, pedidos de socorro. O palhaço operador das marionetes saiu, atracando-se em luta corporal com o gaiato, por traz do palco. Os gritos de ambos acentuaram o pânico dos que corriam. Imaginavam confronto de policiais e bandidos.
Os militares que há poucos instantes passaram na captura dos fujões, escutando os “estampidos” voltaram. Efetuaram disparos ( verdadeiros) persuasivos para o ar, dando voz de comando buscando imobilizar os possíveis fujões. Quem por lá ainda estava padeceu de pavor!
Aí a coisa ficou preta! O que era uma brincadeira tomou rumo de veracidade e a praça em pouco lotou com populares que vieram assistir a “troca de tiros" entre presos fujões e policiais militares.
Numa cidade pequena como era Montes Claros, o acontecido serviu de repasto para alimentar as rodinhas de prosa por mais de trinta dias.


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Por Raphael Reys - 17/4/2007 08:29:39
BELMIRA REZADEIRA

Ela veio dos rincões baianos para a terra de Figueira, na grande migração de 30. Chamava-se Belmira e morava na Rua Corrêa Machado, início do Bairro Morrinhos, em um barraco de taipa e barro. Próximo onde fica o Viaduto Manoel Emiliano.
Estatura média, mais para gorda, carapinha branca, em 1952 já com os seus oitenta anos, o rosto denotava severidade, mas dava gargalhadas estridentes, metálicas e assim era a sua voz que chegava a assustar. Retumbava pela vizinhança.
Nascera filha de escravos livres na Bahia de Todos os Santos e a arte da reza de benzer e de desmanchar mandinga aprendera com a sua avó Pulucena, uma iniciada nos ritos puros de candomblé na rama de “Cantois”.
Criava aves que circulavam por um acanhado quintal com uma moita alta de bambus e variadas espécies de plantas para chás, infusões, rezas e a arte de benzer. No centro da casa, no chão de terra, um fogão de lenha, circundado de pedras, sempre com uma panela de ferro no fogo.
Era o caldeirão da bruxa, o forno do alquimista, ponto de transmutação vibratória era lá que se preparavam às garrafadas, as contra mandingas, os banhos. Era onde se queimava o batú, e batia a ‘fundanga” africana A sua voz forte vibrava com os cânticos em dialeto das suas origens ancestrais.
Pelos cantos, tocos de velas acesas, de cera de mirindiba e pavio entrelaçado na gira da roda de Aruanda.
Minha avó paterna me confiava levar pessoas de suas relações, para uso dos serviços de Belmira Rezadeira. Eram hóspedes da pensão Serra Azul, gente vinda de Guanambí, do Morro do Chapéu, de Caculé, na Bahia e de BH, a capital de todos os mineiros.
Vizinhos, amigos, aflitos dos males do corpo e da alma. Crianças com quebranto, mau olhado, com doenças malignas. Senhoras com enguiço. Gente com ziquizira!
Ela avaliava o paciente visualmente antes do mesmo entrar na sua choupana e me dizia: “dá uma volta menino e depois vem buscar a pessoa-. Senta ele aqui que vai ser ligeiro. - Não entre que está carregado!” Sorrateiramente através das rachadoras nas paredes de bambu e barro eu assistia a tudo, mesmo a descarga pesada, para retirada de ovóides. Vi coisa do arco da velha! Gente botando sangue pisado pelo nariz, pela boca.
Quando entrava para apanhar de volta o consulente, chegava a sentir o “peso” no ar, o cheiro da “cuanga” que fora retirada, junto aos aromas da palha, das ervas aromáticas, do chão de terra batida No solo, as folhas murchas, resultado da limpeza e descarga vibratória do doente.
Crianças eram atendidas no colo da mãe, ou da acompanhante. Ela orava em Ioruba e soprava nos ouvidos do pequeno ser fazendo a manipulação, mantendo na mão um azeviche de ébano: “cosi oba can afí Olurum”! Num pequeno quarto de fundo, o seu Sanctun Sanctorum, o ‘altar de Oxalá”, o seu aledá, o ponto das firmações, e do culto a Santo Expedito.
Belmira faleceu em 1964, já quase centenária, sem nunca ter atendido a um telefonema. Dizia: esta instrumenga não é coisa de gente; é coisa de fuxico!

Raphael Reys


22832
Por RAPHAEL REYS - 13/4/2007 14:43:44
BIGODE VERMELHO

Reunida à turma do “dolce far niente” tupiniquim, Mário Ribeiro, Tiãozinho do banco, Mamoeiro, Zé Paraíso, Afrânio, e demais montes-clarenses companheiros de jornadas partiram juntos em viagem ao Rio de Janeiro. O objetivo era visitar Darcy Ribeiro. Para que a empreitada fosse feliz e agradável levaram de encomenda o Zé Amorim!
Lá, sabedores do apreço do Zé, por fitas de faroeste e de ação, o levaram a um cine em Copacabana, para juntos assistirem a um filme com o galã Nick Nout. Mocinho e bandido, tudo a que o Zé adorava!
Logo no começo iniciou-se um tremendo tiroteio entre artista e bandidos. Zé, já inflamado pela ação heróica fala para o Marão: êta caboclo do bigode vermelho Mário! Que cara de mau!- O artista despejava uma saraivada de balas na bandidagem e Zé: Veja que lapa de homem Marão!Os “ói’ parecem duas bolas de gude azul”. A platéia se manifestava contra: “Psiu… Psiu.! Cala a boca! Que barulho é esse! Eu quero assistir ao filme...”!
A ação continuava e o Zé inflamado em ver tanto cadáver de bandido no solo e imaginando o desfile de ‘ caxãozada” na cidade dos pés juntos, de novo fala:”- Psiu... Psiu êta Marão! É cada tirambaço que do currião para cima não sobra nada na bandidagem!... Cala a boca f.d.p.!”.
Mais um pouco e o Zé admirado com o trabalho do mocinho fala novamente: ”Eta caboclo da cara séria Marão, com ele o pau canta na casa de Noca! Bandido se lasca todo! Vira tábua de pirulito.”
Contente pela ação retaliadora do artista Zé exclama novamente: ’vão fazer curativo no Pedro Santos tropa de f.d.p.’
A platéia exclama indignada: ’Psiu… Psiu.. Fecha a matraca seu f.d.e.!”- ‘Fecha esta boca de babáca!”
Um pouco de silêncio e o Zé com vontade de ir ao banheiro, e como era medroso e não andava no escuro sozinho, não encontrando o Marão ao seu lado, pois o mesmo prudentemente já trocara de lugar, Zé insiste na procura e chama: Marin… Marin… Onde é que o cê tá! A platéia explode ‘Fecha esta boca f.d.p.!- Vou te entupir de porrada!’
A urina aperta e Zé: “Marão... Marão...Cadê o ce, Marão! Me atravessa nesse breu que eu tô pra urinar nas calças.”

Raphael Reys


22688
Por RAPHAEL REYS - 9/4/2007 15:10:34
VIRGÍLIO DE PAULA, MAHATMA

Diz-nos o trágico poeta Agatón que: “por uma das habilidades do Amor que se geram e nascem os viventes”. Relatarei, pois, nessa prece escrita, o lado alma, que animou esse vivente: Virgílio Abreu de Paula. Seus anseios e suas virtudes.
Não a realidade visível, mas a imaterial.
Ele era um bonachão, uma grande alma. Sessenta anos de sorriso e de compreensão. De amor à arte, à cultura, ao folclore, e à nossa história.
Sentado à mesa de um bar, da minha adolescência, batendo papo, cantando bossa nova. Ele era uma enciclopédia de arte e conhecimento geral. Dava gosto, os dois dedos de prosa que se estendia noite adentro. Papo de Noel Rosa... Agora vou mudar minha conduta, eu vou pra luta pois eu quero me aprumar... Até a mística de Téo Azevedo, cantando “Ternos Pingos de Saudade” com Cândido Canela.... Passando pela interpretação de Ray Charles adaptando Eleanor Rigby dos Beatles.
Papo de cinema velho e de cinema novo. Às vezes uma viola caipira rasgando a noite e fazendo chorar os nossos corações.
Mesmo um lundu cadenciado, quando as auras se comungavam numa só emoção e já tocados pela inspiração da Viriatinha. Um saudosista!
Virgílio se doava! Sentia gosto em ser cortês, em ser útil. Buscava sempre o refino nas inter-relações com terceiros. O seu coração era para fora! Bastava tocá-lo e ele exteriorizava a sua bondade, o seu afeto, a sua contemplação platônica.
Do seu jeito utópico, introvertido, buscava compartilhar das mazelas dos homens, e da vida. Parece ter vindo a este mundo grande e bobo em missão de observação!
Quando insatisfeito com outros que se lhe faltaram com zelo ou com virtudes, gesticulava a seu modo, buscando explicar e mesmo justificar, evitando magoar com suas respostas. É próprio das grandes almas o exercício da compreensão e a capacidade de perdoar.
Quando conversando, ou sendo interpelado, mesmo em situações desagradáveis, respondia empaticamente, visando uma conciliação de partes, um esclarecimento. “Parecia fazer o dito de Eurípedes:” juram os meus lábios, não minh´alma’. Guardava para si as verdades não ditas.
Montes-clarense nato lutou com suas armas para preservar, assim como o seu pai o fez, a nossa cultura, o nosso folclore, a nossa história. A nossa alma catrumana!
Fez jus à sua missão! Chamado de volta ao seio do Eterno padecendo dores de alma, por não ter aceitado os desdouros e a ineficácia dos homens.
Que os santos anjos do Senhor o tenham, nobre guerreiro!


22637
Por Raphael Reys - 5/4/2007 07:50:37
DAS BRUACAS DE FIGUEIRA AO CÉU TUPINIQUIM-2ª.parte

Saudamos, ó Pai, os filhos que mandastes ao nosso rincão para povoar, fazer as coisas e cantar a alma sertaneja, compondo a nossa urbe com hábitos provincianos. Como diz o trecho da canção portenha: cada qual, com seu cada qual! Cada um a seu modo!
Os seus executivos e capitães de indústria: João Bosco e o escritor poeta, e cacife maior Luiz de Paula, e a beleza de ‘ Momentos”. A vontade de vencer e o saber fazer do casal Raquel e Ruy Muniz. A energia resoluta do Magnífico reitor Paulo César Almeida.
Do lirismo poético de Reivaldo Canela ao bom estilo romântico de João Caetano. Da preciosidade de Georgino Junior à sensibilidade de Petrônio Braz, às pinceladas precisas do mestre Konstantin, do prisma geométrico de Carlos Muniz, à Art Naif do novato Chico Lopes, até a eterna clássica Yara Tupinambá.
Das "Clarices" Sarmento e Maciel, a Marina Lorenzo e a internacional Zezé Colares, suas embaixadoras. Da precisão terapêutica de Propércio Gomes ao diagnóstico de Jason Teixeira, e a sumidade de João Canela, ao conhecimento de Noasses Diamantino. Sem se esquecer das crônicas de puro romantismo de Carmem Netto Victória.
Do Psíu Poético do anjo tupiniquim Aroldo Pereira, do raciocínio rápido e inteligente de Cascão, e da mística do projeto do grande pirulito de Valduck e da sagacidade cucaracha de ‘ Tatu’.
Falaremos, ó Pai, do morder o lábio e da energia de síntese da apressada Mirinha Maciel, de Virgínia de Paula, uma rosa que foi colhida nos Jardins Suspensos de Yemanjá. Falaremos e por que não? Da gargalhada mafiosa e dos cachorros peludos Zé e Lia de Raí de Ducho e os seus óculos tropicais. E porque não falar da rapariga do guerreiro urbanóide Elthomar Santoro.
Do sorriso retumbante e eletrostático de Dom Denílson de Cuba e Fidel, da esperteza felina de Durães da Cachaçaria, do trocadilho de Gôda Porrêta, da guitarra cabaré de Lauzinho, do sorriso aberto de Tone da Caixa, da esperteza de Maçarico Santiago; até da curraleiragem de Hildeu e Mariane.
Do intelecto privilegiado de Wanderlino e do joie de vivre da ilustre acadêmica Yvone Silveira, e das fotografias magníficas de Manoel de Freitas.
“Não nos esquecemos da autoridade de Mundinho Atleta, das incríveis Baladocianas e da flatulência declarada do notável autor Augusto Vieira, até da esperteza política de Pancho Silveira e o seu carisma de ‘capô” tropical.
E como o mundo é composto e precisamos de todos, falaremos da cachaça ‘ Sete Folhas’ daquele boteco de estrada que já fez muita gente viajar ao astral superior.
Não esquecendo dos suspensórios herdados por Dawidson Rego, e dos seus Pit Buls, que foram para os jardins suspensos de Obatalá. Sem falar na eterna beleza de Virgínia Wanderley, a nossa sempre Marta Rocha.
E vós, ó Pai, para não ficardes com as vossas vastas mãos abanando, nos destes a vontade poética de Giovani Santa Rosa, o molde de calça masculina sem cortes laterais de Jerry Alfaiate e seu auxiliar eunuco. Não se esquecendo de nada; destes-nos também a sapiência cash e o saber de tudo que aconteceu de Jadir do Café Galo e o seu senadinho, e a confecção da “ortóse” capilar fulva de Paulinho Relojoeiro. Agora, diga se é mole para o meu Vascão!

Raphael Reys


22514
Por RAPHAEL REYS - 31/3/2007 05:31:57
ALINE MENDONÇA
O ANJO METAFÍSICO

Magra, empinada, nariz proeminente, atenção concentrada, olhar atento, voz de trovão, vontade de ferro, e uma energia inesgotável. Falo do saudoso anjo lírico Aline Mendonça. Um anjo torto com uma voz de contestação às opressões que a vida nos apresenta.
O Instituto Norte Mineiro localizado onde hoje é o Automóvel Clube, em l955 cursávamos o primário. Uns Montes Claros romântico com professor Márcio, o dândi, com seu paletó de veludo verde tentava conter o ânimo de Aline, que afrontada por algum menino, mandava um téco na hora.
A sua missa era de corpo presente, não despachava para o bispo. Cresceu e foi para as grandes metrópoles levar o seu protesto, a sua voz e a sua arte tendo que editar o seu primeiro LP.
Das homéricas serenatas que fizemos varando as noites deste sertão e, com a sua voz violando os nossos corações e rompendo o silêncio das madrugadas, tudo sob os acordes do violão de Nenzão Maurício.
Começávamos na Praça Coronel Ribeiro, com Ornellas solando o Prelúdio de Bach; o ensaio para o vôo. Daí e pela noite a cantar no prédio em construção da Escola Normal. As paredes tremiam como uma caixa de ressonância sob o efeito das nossas vozes, tudo regado a Hi Fi.
As quatro da matina chegavam quando Deus era servido, e comíamos o pão saído do forno da Padaria Globo lambuzado de manteiga Alvorada, e sorvíamos o fumegante café. Dormíamos quando bem aprazia o sono de justos pecadores, sob a tenda da amplidão na Praça da Matriz, sobre, e sob jornais, e a companhia dos parceiros da noite, do canto e do vagar em busca da sofreguidão.
Desta turma, saíram artistas: O maestro Armênio Graça, os violinistas Nenzão Maurício e Ornellas, o cantor e ator Tino Gomes, ainda adolescente, e tantos outros, hoje avós.
“Fecho os olhos e me vejo no trio de vozes com Tinin, e ela cantando ‘Conversa de Botequim”, e sorvendo gim tônica. Walmor de Paula fazendo com as mãos e a boca às vezes do trombone e Julião Prates marcando a percussão com os dedos na mesa do bar. Tempos que não voltam mais!
Tecendo, assim como Penélope, o romantismo às avessas!
Na sua ida para o mundo superior estivesse entre nós o poeta maior Vinícius decerto teria dito: Meus amigos, se durante o meu recesso virem por acaso passar a Aline. Peçam silêncio geral! Depois... Apontem para o infinito. Ela deve ir como uma sonâmbula envolta numa aura...
No infinito, onde agora se encontra junto ao anjo João Chaves, e a cantarem suavemente como uma dádiva: ’Amo-te muito, como as flores amam. O frio orvalho que o infinito chora. Amo-te como o sabiá da praia. Ama a sangüínea e deslumbrante aurora. Oh! Não te esqueças que te amo assim. Oh! Não te esqueças de mim. Amo-te muito como a onda à praia e a praia à onda, que a vem beijar... Amo-te tanto como a branca pérola. Ama as entranhas do infinito mar. Amo-te muito, como a brisa aos campos e o bardo à lua derramando luz. Amo-te tanto quanto amo o gozo e Cristo amou ardentemente a cruz.
Raphael Reys


22416
Por RAPHAEL REYS - 27/3/2007 15:04:39
DIN BOLERO

Batizado Waldir Alves, era conhecido na noite como “Din Canga”. Walduck Wanderley, companheiro de serestas e de noitadas e seu fã número um, o chamava de ”Din Bolero”. Morava com sua mãe, na pensão da família na Rua Altino de Freitas, centro da cidade.
Mestre do tango na pista sintecada da boate Maracangalha, “habituê” de boleros e ritmos tropicais, crooner com ou sem instrumentos, acompanhando na noite viveu em dolce far niente nos Montes Claros dos anos quarenta a noventa.
Era conhecido como O Rei do Rádio no programa de Alceu Queirós da ZYD7, levado ao ar no Cine Ypiranga.
Partiu desse mundo grande e bobo levando uma paixão platônica por Cecí, uma maestrina da luxúria, dama da noite. Varou noites cantando “Marta...campolita del mar..”. E não amoleceu o coração da amada . Imitava Caubí Peixoto e sorvia doses generosas de Scotch. Abraçado aos amigos na noite, se emocionava e chorava quando contemplava a beleza de Analhinha a Rainha da Noite. Dois amores platônicos!
Tipo caucasiano, barriga proeminente, cabelo acaboclado, rosto de lua cheio de papadas, vermelho pimentão, gestos largos e calculados, voz forte e persuasiva. Jogava nas dez, e batia com pau de dois bicos!
Era o mestre da sugesta, do contra-agá. Entrava e saía em qualquer lugar e sempre se dava bem. Chegava liso e voltava com grana no bolso.
Na sua caixa de ferramentas, tinha a boa disposição para rodar diuturnamente, a alma servente da luxúria, a boca de glutão, a verve da sofreguidão, a garganta para cantar Maria Helena, as mãos para jogar sinuca e amigos diletantes.
Deus Pai o mandou para o nosso meio e o próprio Deus Pai o levou, quando quis! Cada alma que aqui vem, vem em missão e cada qual com o seu cada qual!
Tinha como máxima de vida, a frase escrita em letras garrafal na parede do salão da sinuca do Augustão: “A vida só é vida, depois que você se envolve na vida de uma mulher da vida! ’ E estamos conversados!
“Nos mundos mágicos de meu Deus em que hora ele certamente habita, com sua alma alegre e vivaz, nos receberá cantando quando lá chegarmos:” Maria Helena és tu A minha inspiração Maria Helena vem ouvir meu coração Na minha melodia eu ouço a tua voz A mesma lua cheia a de brilhar por nós. Maria Helena lembra do tempo que passou. Maria Helena o meu amor não se acabou. Das flores que guardei uma secou Maria Helena és a verbena que murchou.

Raphael Reys



22278
Por Raphael Reys - 23/3/2007 15:24:40
LINHA NOVENTA
Viajando para Salinas, onde iria conduzir a defesa de um rurícola acusado de bárbaro assassinato, o advogado Geraldo Kleber, alegando que o Zé Amorim estava muito folgado, o levou como companheiro para supostamente contar causos na estrada e comer algumas talhadas de requeijão no mercado municipal daquela cidade.
No trajeto Kleber parou o veículo três vezes, não controlando as gargalhadas provocadas pelas tiradas espirituosas do Zé.
Mal sabia o inocente carona a armadilha em que iria se meter!
Usando de astúcia o advogado e para acalmar os ânimos dos parentes do frio criminoso, contratantes dos serviços, alegou que aquele senhor que o acompanhava era o “doutor Amorim, um desembargador”, que viera para analisar o caso e emitir o alvará de soltura do réu.
Voltaram para as origens tendo a alma do Zé permanecido na sua maior inocência, já que não tivera a oportunidade de assistir ao diálogo esclarecedor.
Três meses após o incidente, o engenheiro Ítalo Telles, indo viajar a serviço convidou o Zé para fazerem o mesmo percurso já anteriormente citado; entretanto com propósitos de alegria. Chegando a cidade rumaram para o mercado municipal, pediram uma cerveja gelada e várias talhada do gostoso requeijão local.
Rumores externos fizeram com que Ítalo fosse averiguar o que se tratava. Inteirado do assunto, voltou já suando as bicas, e informou ao inocente Zé, que a família do criminoso sabedora da presença do desembargador Amorim na cidade, viera até o logradouro, com o objetivo de exigirem o imediato instrumento de soltura do parente detido.
Zé em face da situação de perigo que se fazia saiu, pisando alto e já ostentando o fhysique de role de desembargador e usando a sua voz de barítono tupiniquim falou em alto e bom tom: podem voltar para as suas casas, que amanhã cedo eu vou libertar o homem, hoje estou tomando umas, e outras.
Com a retirada da turba excitada, a dupla de inocentes, saltou a coivara e deram no pé. Já na estrada, com a volta forçada para casa estando ambos de orelhas murchas, o Zé falou:
- Êta ferro! Tâmo que nem coelho encolhido na moita. Orelha murcha e rabo escondido entre as pernas!Eu não sabia que doutor Kleber tinha poderes para nomear “desembargadores”! O doutor José Amorim aqui, quase engasgou com uma talha de requeijão. Fazendo o gesto de instrumento de corte com os dedos polegar e indicador da mão direita arrematou: Êta Ítalo! Desta vez cortamos linha noventa!

Raphael Reys




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Por raphael reys - 19/3/2007 13:20:12
CLAUDIONOR BARBEIRO

Baixo, esguio, moreno chocolate, olhos estufados, boca e beiço de quem sabe tudo. Habitualmente vestido com terno e gravata, chapéu de massa aba curta com uma peninha, sapatos lustrados, todo nos trinque, mais parecia um cáften cucaracho. Pisava alto como um ser superior. Sempre mordendo um palito. Fingia não olhar para os lados, mas reparava tudo!
Era um desportista, e dono de time Bahia Esporte Club, onde era o treinador e cartola. Flamenguista doente, um torcedor chato!
Só tomava as suas refeições em restaurante, dos quais conferia se no WC masculino havia um bom espelho. Caso este estivesse embaçado ou quebrado dificultando os seus retoques, reclamava. O que fazia de forma esparrosa.
Idevando Oliveira, proprietário do restaurante Mangueirinha, já não mais suportava aquele cricrí! Confidenciou ao Zé Amorim que iria preparar uma cilada para escorraçar aquele cliente de espelho da sua casa.
Sabedor do horário de chegada do enfeitado barbeiro, Idevando pendurou uma caixa de papelão vazia dessas que vem com geladeira, amarrou-a por um cordão, deixando-a estrategicamente colocada em cima do lugar em que o “rico” se pentearia.
O metido chegou, criou o seu caso logo na entrada e rumou-se ao banheiro para a maquiagem. A um sinal do garçom Idevando soltou a armadilha, encaixotando o dândi.
Como era afobado e desconfiado, pois tinha receio de um atentado a bala, Claudionor apavorou-se com o inusitado, e rolou por dentro da armadilha. Gritava assustado e pedia socorro.
Derrubou as caixas de cascos vazios, passando por cima de tudo. Foi uma cena dantesca e laxativa! Apareceu gente de todo lado, para acompanhar os fatos, e o enfeitado que estava vestido com terno de linho branco, saiu todo “breado”.
Sabedor dos fatos, Zé Amorim confidenciou:
-“ Êta coisa boa que você fez Idevando. Vai levar muito tempo pra que ele volte a ter aquela pose de industrial africano. Aqui no meu restaurante ele não entrava, mandei tirar o espelho logo que ele beirou a primeira vez, fiquei livre daquele cavalo de charrete”.


21698
Por Raphael Reys - 6/3/2007 13:34:42
MANTENHA DISTÃNCIA PÉ DE ANJO!

1960. O Dom Juan das gerais, Dilo Barbeiro estava no auge de suas conquistas amorosas. Com sua lábia tropical arrasava corações suburbanos.
Calça de tropical inglês, camisa de seda, sapatos branco, cabelo na brilhantina, perfume Lonergan no pescoço, pele cheirando a sabonete Myrugya. Relógio Tissot militar no braço, a moda de antanho. Todo nos trinque!
Zé Amorim, moralmente severo e inflexível por natureza andava ressabiado antevendo uma tragédia, com o seu amigo Dilo. Supunha-se a qualquer momento, um atentado à bala contra o barbeiro, um autentico pé de pano.
Numa manhã de sol, ao entrar na agência local do Banco do Brasil, Zé cruzou com o Dilo, já saindo. Logo mais na agência do Banco da Lavoura, novamente os seus caminhos se cruzaram. Mais um pouco, e já na agência do Banco Hipotecário, os dois novamente passaram um pelo outro.
Zé Amorim já com a pulga atrás da orelha, ressabiado e afobado como ele só, pensava em voltar para a empresa, evitando uma outra coincidência de cruzamento com aquele namorador aventureiro, uma vítima em potencial.
Uma duplicata com data de pagamento imediato o levou ao Banco Comércio de seu Calisto, e ao adentrar percebeu que Dilo lá vinha saindo coincidentemente. Zé mostrando a mão direita aberta em sinal de parada na direção do galã tupiniquim explodiu: mantenha distância de mim pé de anjo! Já é a quarta vez esta manhã! Marido traído sempre erra os tiros no ricardão! Não vou mais me arriscar cruzando com você. Tô pra levar um peteleco por sua causa! E arrematou concluindo: quero mais é assistir o seu concorrido enterro no Cemitério Bonfim!

Raphael Reys


21280
Por Raphael Reys - 22/2/2007 06:47:47
COBRA COM CAÇOTE

1980. Bilo Barbeiro, conhecido galã dos Montes Claros de antanho, dom Juan das gerais, estava no auge das suas conquistas amorosas. Elegantemente trajado, calça de tropical, camisa de cambraia de linho, sapatos brancos, bigodinho à Clark Cable, cabelo penteado e lustrado à brilhantina Glostora.
Sempre cheirando a sabonete Lifebuoy, incendiava corações suburbanos. Era um especialista em bagageiras e alcovas de bairros. Um consolador de mal amadas! Um autentico “pé de pano Tupiniquim”.
Sempre que encontrava o Zé Amorim, relatava ao mesmo, as suas conquistas e aventuras, fazendo o saudoso Zé dizer entre assustado e repreendedor; `toma cuidado pé de anjo!-Qualquer hora vou ao seu velório!-Você está correndo perigo de morte!-”Mantenha distância de mim, tô com medo de algum marido traído atirar em você e me acertar por tabela”.
Numa tarde, estando em frente ao Café Galo, braços no ombro do Zé, Bilo Barbeiro gabava-se que, um fazendeiro recém-mudado para a city, vendera as fazendas e estava construindo casas para negociá-las no mercado imobiliário, o que era excelente negócio na época. Informava ainda estar íntimo da casa do dito usufruindo, café da manhã, almoço, merenda da tarde, jantar, cachaçinha com tira-gosto tudo no 0800. De quebra, estava amando a filha mais velha do distraído. A junção acontecia no barracão dos fundos. Bem debaixo dos narizes dos proprietários.
““ É uma lapa de morena, Zé, uma potranca curraleira, uma verdadeira galinha caipira ““. Amorim inconformado, balançava a cabeça pela ousadia do conquistador das gerais. Vez por outra reparava: “você ainda vai morrer de bala negão! Vou ler a notícia no jornal”!”
Conversavam de costas para o fluxo de pedestres, quando o citado fazendeiro pai da galinha caipira, chegou de supetão cumprimentando os dois seus conhecidos. Ele era cliente da Cowan, sua fornecedora de tijolos onde Amorim era gerente geral.
Zé, um actors studio tomado pela inusitada aparição do enganado, afastou-se com seu jeitão e de braços abertos teatralmente disse, entre espantado e revelador, dirigindo-se ao velho: ”você esta criando cobra com caçote seu distraído!”. Bilo Barbeiro, sabedor de que o fazendeiro era meio-surdo, o afastou rapidamente puxando-o para uma loja próxima, solicitando uma sua sugestão numa suposta compra de materiais que faria, evitando que o mesmo permanecendo no local, fizesse a pergunta fatal e conclusiva. ”Como é mesmo que o senhor falou seu Zé Amorim?” A resposta seria um desastre para o “pé de anjo” cheirando a Lifebuoy.

Raphael Reys




21201
Por Raphael Reys - 18/2/2007 06:11:01

PAULO TIME, O HERÓI CAMPESINO


O nome do nosso herói foi dado pelo jornalista Felipe Gabrich, já que o personagem é cobra criada em laboratório pela Wath Mido Meditor Instruments Co. Só enfrenta quem agüenta!
Estou falando de Paulo G.Junior, o Paulim Relojoeiro. Ele é, ao mesmo tempo, relojoeiro, artesão, ourives, designer de jóias, compositor, instrumentista de teclados, navegador, caçador de jacarés, piloto de monomotores e ultraleves e, ainda, cantor de voz rouca e sensual.
É, foi e será o relojoeiro da alta sociedade da terra de Figueira! O homem é insubstituível! Quando jovem, consagrou-se como o maior pé de valsa das horas dançantes da boate da MCTC e do Clube Montes Claros.
Em 1965, durante uma viagem de teco-teco, tipo asa de lona, entre Votuporanda-SP e Maringá-PR, e tendo o piloto desmaiado, assumiu os controles. Muito embora as ações precisas, impulsionados pelo vento Norte, caíram numa lagoa próxima. Recobrado os sentidos, lá estava entre a fuselagem: duas capivaras e dois jacarés-Açu mortos.
A população que fora aplaudir o piloto, autor das manobras arriscadas e salvadoras, concluiu promovendo uma festa com tira-gosto das caças sinistradas. Rolou gole, arrasta-pé e banda de música por toda a noite.
Em uma pescaria no Mato Grosso do Sul fisgou no anzol uma capivara. Devolvida às águas, a mesma ainda presa à linha aflorou abraçada a um surubim de 40 quilos. O bitelo sacudiu, sacudiu, e terminou degustado como um petisco adorê.
Ele é o galã do Quarteirão do Povo, no centro comercial da City. Conhecido também como Senhor Bacon. Para os mais íntimos, o Homem da Órtose Capilar Fulva. Freqüenta a lanchonete Divina Gula, freguês numero um do Chico.
Para quem não sabe, projetou e montou o relógio do Congresso Nacional Brasília-DF, a pedido de JK. E olha que ele ainda era um moço.
Biótipo mignon campestre veio ao mundo sob o signo de Gêmeos: percepção plena, movimentos bruscos, porém sincronizados, linguajar mordaz e sofista.
Rápido na comunicação mente inventiva, alegre, versátil, lógico, fala fluente, sorriso magnético, olhar volteador. Um erístico! Dotado de afetividade dual, entretanto, conquista corações.
Em recentes férias, na praia de Itararé no litoral baiano, compôs a música Li,Li, Li (já na Internet), e também o seu mais recente sucesso Bem-te-vi Amarelo, que representará Montes Claros no festival nacional do Recife. Ele é o inventor da famosa técnica Kung Fu de vazante!
Agora diga se a parada é mole para o meu Vascão!

Raphael Reys



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Por Raphael Reys - 14/2/2007 08:53:51
A SANTADA

1955 Formávamos um bando de meninos, todos moradores da Rua Tiradentes e adjacências e descíamos para a exótica Rua XV, no centro dos nossos Montes Claros. O intuito era aprontar com o mestre santeiro Firmino Sacristão, entre outros.
Passávamos em frente á sua oficina, para fazer o reconhecimento. Estivesse ele sentado trabalhando nos reuníamos em frente ao bar de Tito dos Anjos, para planejar a traquinagem.
Os dois mais corajosos, eu e Waltin Coutinho, íamos à frente e parando na porta de entrada da oficina, o saudávamos: como vai seu Firmino? Em seguida batia-se na aroeira da soleira da porta, com o nó dos dedos, ou na tábua do piso para produzir o barulho paco paco, compondo o seu apelido.
Juntando o som de Firmino, com o som da madeira paco paco, o homem explodia e descarregava a verborréia nos pestinhas que o incomodavam.
Vítima da coincidência fui chamado pela minha avó paterna, Belarmina Pereira, que exercia o papel de depositária de encomendas vindas e idas para a sua terra natal Guanambí, para levar até o atelier do mestre santeiro a estátua de Santo Antonio, padroeiro daquela cidade baiana, para reformas urgentes.
A me ver entrar na sua oficina, o mestre me recebeu de cabelo eriçado e expressão de carrasco. Fui logo relatando as recomendações do prazo de entrega, visando à festa do padroeiro bem próximo, e solicitando o preço a ser pago pelo prefeito.
Fiz cara de santinho de olhar baixo. Ele me olhou nos olhos e informou a data da entrega e o valor a ser cobrado. Em seguida sentenciou: mande outra pessoa vir buscar! Você não serve! Em seguida arrematou: não volte nessa loja!
O destino me fez escolhido para o acerto final com o mestre santeiro. Chequei com cara de santo do pau oco, paguei a conta apanhei a estátua, já embrulhada e, ia me mandando quando ele vociferou: eu falei para você não voltar aqui!
Cutucou o cão com vara curta! Era à hora da vingança. Entreguei a encomenda com todo cuidado a minha avó, calcei o meu quedes para poder correr melhor, voltei entrando desafiadoramente no salão, e olhando de frente para a sua reação de espanto e incredulidade, falei alto e claro: bom dia, seu Firmino Paco Paco!
Ele me arremessou a primeira estátua de santo ao alcance da sua mão. Preparado, abaixei e o petardo bateu na aroeira do esquadro da porta de entrada, esfacelando-se em mil pedaços. Foi o dia mais feliz da minha vida de menino. Passei um ano sem voltar a Rua XV.
Entretanto, realizei a façanha que todo garoto gostaria de ter feito!

Raphael Reys


20850
Por Raphael Reys - 7/2/2007 17:44:56
PANO DE PRATO 1960, e o saudoso comerciante Zé Amorim, legítimo filho da terra de Figueira, descendente do notório Pedro Montes Claros, desfilava com a sua incrementada moto BSA. Conforme a moda de antanho, toda cromada. Enfeitada que nem charrete de lorde. Apressado como era, chegou à fábrica de Óleo Mariflor e deixou a moto ligada dado à sua costumeira afobação. Rumou ao interior da indústria em busca do empresário Oldemar Santos. Como era destrambelhado e distraído, caiu dentro de um tanque de óleo comestível, indevidamente instalado no pátio da empresa a nível do solo, desprovido de cerca e sem a protetora cúpula de cobertura. Com o Zé afundado no produto, os operários gritaram: “o Zé Amorim esta afogando no tanque pequeno”. Ney Mesquita, gerente da empresa acudiu com operários e retiraram a encharcada vítima, o colocando em pé no chão. Parcialmente recuperado do susto, e ainda cego pelo óleo escorrendo pelo rosto e por todo o corpo, o Zé falou: ”Êta Ney... Vou ficar uns trinta dias fedendo a pano de prato!” Ney mandou um motorista até a casa dos pais do Zé apanhar uma muda seca de roupa. Zé, entretanto, retrucou: “Não manda não, Ney! Se não mamãe assusta e pensa que eu estou morto. Ela sofre do coração, está tratando com doutor Mauricim! ‘. Ney segurando um cobertor trazido às pressas disse:” tira a roupa encharcada, Zé” Ele respondeu;” não dá não, minhas mãos estão que nem penca de bananas, escorregando e inchadas. Tô que nem gaivota na praia de Santos!” Getúlio, que a tudo assistia falou ao chefe da contabilidade: “emite uma duplicata simples com cobrança em carteira, no valor do óleo estancado! A essas alturas, o produto tá todo mijado e impróprio para o consumo humano. Desconta a dita no Banco Comércio do compadre Calisto! A empresa não pode tomar prejuízo!” Zé retrucou: “Você já reparou, cabloco, que na porta de entrada desse banco tem uma placa de metal com as iniciais B.C.I.M.G.S.A. Com a resposta positiva de Getúlio, Zé continuou: “Pois são as iniciais de: Brigadeiro Comeu a Irmã da Mulher de Getúlio Sem Autorização”!” E de traz pra frente é: “Assim Sendo Getúlio Mandou Imediatamente Capar Brigadeiro”! E ainda encharcado do produto finalizou: “Tá bom pro cê, animal!”
Cidade: MOC - MG


20617
Por Raphael Reys - 2/2/2007 08:05:53
Mensagem: MARIPOSA PELADA A loura era um mulherão sensual, uma potranca, estilo Ivete Sangalo, verdadeira capa de revista. Uma modelo de encher os olhos e dar água na boca. Fora contratada por Afrânio, para promover na sua boate, um show inaugural de strip-tease. Viera de Belo Horizonte, onde se exibia como atração maior na antiga boate Sagitarius. O “sistema” composto por empresários da noite promoveu um jantar reservado e bastante concorrido, para homenageá-la e para se entrosarem com ela, com o objetivo de, por seu intermédio e conhecimento, contatar novas modelos, para o mercado local. Naquela noite, a casa estava lotada. Convidaram-na para que ela praticasse uma terapia campesina passando uns dias a descansar na terra de Figueira, tudo por conta dos anfitriões. E para que fosse feita a escolha do seu ‘cicerone, ’ estavam presentes os Don Juan, os galãs, e os garanhões dos anos 70. O monumento de mulher, expressão máxima da criação humana estava sentada no centro do salão como a rainha do pedaço. Iria apontar o “sortudo”. Não me encontrava ali para tal mister, circulava pelo ambiente como um amigo da casa, e com passagem livre na noite e que tomando o meu Chivas, fora para aplaudir, e morrer de inveja do “ganhão”. Ela apontando para mim disse: “quero aquele gato de camisa de seda que parece Jean Paulo Belmondo. Só fico se ele aceitar!”. Foi o maior corre-corre! Rogaram que eu “aparasse o cavaco” representando a estirpe máscula dos montesclarinos. Era o dia da caça. Dia de a guerreira amazona escolher a vítima. Era o meu tempo de glória! Hora de fazer valer a drumoniana “semântica libidinosa de homem da roça” aliada a ‘ mística romântica dos currais e dos comedores de pequi’. Quarta-feira 10h00min horas, após três dias de paixão, regrados a Jack Daniel, tudo à mão, na suíte de João Comodoro velho e, como o telefone não funcionou para chamarmos um táxi, fui apanhar um lotação, num ponto em frente à entrada da Cowan, na avenida. Descemos escorregando pela escada irregular cavada no barranco da casa de Zinha indo parar suados, sob as vistas do Zé Amorim, cuja mesa de gerente ficava na sala de entrada do prédio. Em posição frontal aos dois pombinhos de olhos inchados. O nosso Zé, por sobre os óculos, a tudo já reparara! Uma loura daquelas àquela hora do dia, com o sol a pino, trajando vestido de noite, negro transparente, despertava suspeita. Entramos sala adentro e pedimos a ele que já nos recebera em pé, para tomarmos água gelada no bebedouro. Amorim cavalheiro e formal como sempre e, supondo se tratar a visitante de uma “dama” em visita a city mandou trazer e serviu com toda ênfase, água gelada e cafezinho numa bandeja de prata 20. Informado de que iríamos para o centro, Zé Amorim prontamente se dispôs a que o motorista nos conduzisse no carro da empresa, já que o ônibus costumeiramente “demoraria”, como observou elegantemente. Com toda finesse nos acompanhou até à porta. Ao embarcarmos, Zé chamou Wanderley e mostrou-lhe a cena dizendo: Veja que senhora maravilhosa Wanderley, e de braço dado com aquele animal horroroso. Conhecedor da noite, Wanderley respondeu: Aquilo não é uma senhora não, Zé, é uma dançarina que veio de BH, para ensinar as mariposas de Montes Claros a dançarem peladas. No dia seguinte, às 08h00min horas, chamaram-me à porta do meu escritório na Rua Visconde de Ouro Preto, ao lado do Hotel do Salvador. Era o Zé Amorim e o Wanderley, que me convidavam para tomar um cafezinho na lanchonete do Tonin. Ao ver-me, o Zé sentenciou: Cabloco! Você e aquela mariposa pelada tomaram café e água gelada servidos na bandeja de prata, dentro do meu gabinete! O dia que Walduk for eleito presidente da República e me nomear Ministro da Justiça; cidadão irresponsável do seu naipe, será executado em praça pública, com seis disparos de trinta e oito, no centro da caixa torácica! Pá... Pá... Pá... Pá... Pá...Pá... “Eu mesmo levarei a cabo a sua liquidação como exemplo para o mundo!” – Foi uma gargalhada geral.
Cidade: MOC-MG


20435
Por Raphael Reys - 28/1/2007 10:06:15
O LENDÁRIO PEDRIM DE ARAUJO

Corjesuense de primeira água, Pedrim de Araújo era de biótipo mignom, magrinho, bigode a Clark Cable, fala mansa e engraçada, como convém aos heróis campesinos. Olhar lateral e varredor, e nascido no tempo em que se amarrava cachorro com lingüiça.
Dotado de excelente capacidade inventiva, criava o seu próprio universo em tons colorido Transformava a realidade em fantasia.
No dedo indicador da mão esquerda usava um anel, cuja pedra caiu e sumiu. Pois durante anos, até morrer, Pedrim usou esse anel incompleto com, apenas as garras vazias da pedra... Como Don Quixote tinha o seu cavalo Ronciante.
O de Pedrim chamava-se Fenomenal e era personagem de muitas histórias por ele contadas. “A partir de coisas simples do cotidiano ou em episódios de puro mistério, ele narrava os causos.” “Fenomenal é fantástico”, dizia.
Pontencializava a alegria dos que o cercavam, dos que o procuravam para dois dedos de prosa, O resultado era sempre uma história engraçada.
Assim em 1960 o Fenomenal desaparecera. Na busca através de matas, rios e serras, ele penetrou tão longe no insólito sertão que foi parar na entrada do Inferno. Lá encontrou alguns corjesuenses já falecidos, com os quais conversou.
Asmondeu, capeta chefe e diretor executivo daquele lugar tenebroso e por pura inveja, se apossou do seu cavalo.
Sela de couro de dragão, presilhas e arremates de ouro puro, iniciais cravejadas de diamantes, arreios trançados com fios do cabelo de Messalina, e o freio de boca, feito do osso da tíbia de Adolfo Hitler!
Certa feita, quando se encontrava perdido na mata. Já noite alta, estando cansado, o nosso herói dependurou os punhos de sua rede de dormir em alguns galhos no escuro.
Ele mesmo sem nada ver os colocou nos chifres de dois bois carreiros de sua propriedade, que coincidentemente por lá pastavam. Os animais, o reconhecendo, o levaram de volta para casa, tomando o cuidado de manter a rede esticada durante o percurso, assegurando-lhe assim o sono tranqüilo.
Numa caçada, achou um pote de barro antigo cheio de pepitas de ouro e pedras preciosas.
Enquanto viveu, não mostrou a ninguém o achado, evitando a inveja. Em outra ocasião descobriu por dentro das roças um caminho entre Coração de Jesus e Montes Claros. Fazia o percurso no galope do Fenomenal em quarenta minutos, chegando à sua casa com os pães comprados na Padaria Santo Antônio, ainda quentes.
Sua criação mais notável se deu com um avião DC-3 “motor a toda” que parara em cima do seu telhado. O piloto colocou a cabeça para fora, e o reconhecendo falou: os instrumentos de bordo não estão funcionando! Pra que lado fica Diamantina, seu Pedrim? Ele apontando o rumo com a mão falou: É pra li!


20276
Por Raphael Reys - 23/1/2007 21:08:42
“ PITOMBADA”

Transcorria o ano de 1976 nos folclóricos Montes Claros. Terminada a construção da BR 135, ainda sem a camada asfáltica, e os acidentes se sucediam; dado à poeira que se fazia, provocado pelo trânsito constante de veículos, indo e vindo rumo à Capital. A imprudência imperava, na emoção em se usar o novo.
Walduk preparara uma viagem a Belo Horizonte em uma caminhonete importada. O motorista escolhido fora Lincol Mesquita, conhecido corredor e maluco por emoções. Na ocasião insistiram em levar o Zé Amorim, com o restante da turma para que a viagem e a estada na Capital fossem agradáveis e divertidas.
Zé recusava-se a ir, alegando que não viajava “com doido no volante”. A turma, entretanto já combinara em não ceder, e acabaram por levá-lo, mesmo contra a sua vontade, já que sabia do risco que se fazia numa viagem daquelas. Referindo-se a Lincão, disse: “Esse homem é um horror! Um perigo para a vida de um pai de família!” Amorim desconhecia que Lincol já houvera alterado o velocímetro do carro, para que na leitura, mostrasse uma velocidade superior a real, tudo no intuito de provocar medo no Zé, que temia por correrias em estradas de terra.
Logo que saíram da cidade, o velocímetro marcou cem quilômetros. Todos olhavam disfarçadamente, e notaram já os primeiros sinais de contração facial do Zé. - Cento e vinte - alguém falou, já provocando: “Olha, Walduk, a velocidade desse carro, é possível isto numa estrada desta?” . Os dedos do Zé já penetravam no estofamento do banco, se agarrando. Cento e quarenta – “Veja Walduk, que absurdo este rapaz correndo!’ – Walduk respondeu, - “Eu já botei mais do que isto, e não aconteceu nada.” O suor escorria pela testa do nosso saudoso Zé, ensopando a camisa. Os seus pés, torcidos. Mordia os lábios! Mas permanecia calado! – Cento e sessenta, disse alguém – “Este carro vai capotar”. Walduk respondeu – ‘Eu, já botei cento e oitenta, e o bicho agüentou!”
As provocações continuavam e o Zé, gélido de terror, suava as bicas, mas permanecia calado, evitando provocar os presentes, e os mesmos por inconseqüência, incentivarem ainda mais à correria.
Veio a provocação final! - Walduk falou... “Bota duzentos Lincão que eu garanto! Se tiver problemas, eu aparo o cavaco!” – O Zé explodiu!... – “Manda botar trezentos, carroceiro! Já estou vendo a manchete no Jornal do compadre Jair Oliveira. Empresário morre na estrada que ajudou a construir! . Corpo de comerciante é encontrado a cento e trinta metros do local do sinistro. Viúva reconhece o cadáver do marido, pela arcada dentária. . . Demais ocupantes, viram mingau.”
Logo a seguir, tiveram que parar o carro. Ninguém mais se agüentou de tanto rir. Zé jurou que daria o troco no Lincão, infame idealizador da gozação!
O resto da estada em Belo Horizonte foi uma tragicomédia. Não conseguiram fazer nada. Era só lembrar do Zé e rolar de rir...
A vingança veio em seguida. Lincão levou “um tiro de 45” nas costas quando trabalhava na ponte pênsil em Florianópolis, após várias cirurgias salvadoras, e passadas o perigo maior, Zé Amorim e Walduk foram visitá-lo no hospital.O encontraram já sentado no leito, com um pano alvo nas costas cobrindo discretamente o enorme ferimento feito pela bala “dundum”.
Era a hora do troco! “Zé Amorim falou para Walduk, apontando para o paciente:” “Carroceiro... levanta este pedaço de pano branco que para eu ver a ”pitombada” nas costas deste animal”


20199
Por Raphael Reys - 20/1/2007 06:47:28
TÁBUA DE PIRULITO

Transcorria o ano de 1956, e o saudoso comerciante, o popular Zé Amorim, o mais notável e elegante da estirpe Amorim, resolveu fazer parte da turma de rapazes que aquela época usava possantes e grandes motos importadas.
Da galera de então, Heber Rêgo e o próprio Zé, Carrim e Luiz Benhur, Sargento Moura do TG 87, José Maria Relojoeiro, Júlio e Waldim. Cavaleiros da terra de Figueira que usavam motos BSA, ROYAL, e JAWA,
Zé como era caprichoso, desmontou a sua moto e mandou niquelar as partes metálicas na niquelagem de João. Aproveitou e mandou cromar os puxadores e as esquadrias das janelas da sua casa paterna
Terminada a empreitada e estando tudo nos trinques, encomendou ao Baiano niquelador oxidar o seu Colt Cavalinho 38”, ficando, assim, como rezava a moda masculina da época do Romantismo.
Passado trinta dias e depois de seis idas e vindas à niquelagem de João, o Baiano, entregue ao doce ofício de tomar todas as cachaças Viriatinhas que encontrasse, enrolava o Zé, dizendo: ’ volta amanhã que está pronta e não enche o saco!”
Numa tarde ensolarada de um dia de cão, Zé entrou na niquelagem pisando alto, suando as bicas, com o colarinho ensopado e a jugular prestes a estourar e falou: ´volto amanhã às 16 horas seu gambá. Se o revólver não estiver pronto, você vai se ter comigo´. Após a sentença saiu batendo os pés no assoalho.
“No dia e hora marcados, o Zé entrou e, batendo com a mão no balcão de encomendas disse:” estou aqui caboclo! Cadê meu pau de fogo oxidado!” Baiano que naquele dia havia extrapolado nas doses de cachaça, já com o “pandú” cheio, respondeu: “espera um pouco, seu apressadinho!”
Sem que o Zé o visse, levou as seis balas 38’ no torno, extraiu as cabeças com um alicate, diminuiu consideravelmente a pólvora da munição, apertou a entrada com uma fita, remuniciou a arma e, em seguida saindo ao salão falou, já apontando a arma para o assustado Zé: “toma aqui seu apressadinho desaforado”!
Disparou os seis tiros de festim. O Zé caiu esticado no salão, e enquanto os presentes gritavam: “Baiano matou o Zé Amorim! ’ O Zé só conseguiu balbuciar: “Mamãe”... Mamãe... Me fizeram de tábua de pirulito!”.
Quando viu que ainda não havia morrido, saiu às pressas em direção à sua casa, entrou correndo e à vista da mãe, abriu a camisa teatralmente arrancando os botões de madrepérola e exclamou novamente: “me fizeram de tábua de pirulito mamãe, olhe só a bagaceira!”

Raphael Reys


20009
Por Raphael Reys - 14/1/2007 21:29:21
Estimados muralistas do montesclaros.com. Que tal relatar a historia daqueles que com suas presenças construíram a história da nossa urbe. Eles são “os ‘grandes almas” que deram colorido e alegria a nossa existência “feita de pequenos nadas”. São os personagens e os tipos populares. Para começar o primeiro, um campeãoem dinâmica expressiva: Dallas Amiguinho. O TORRADO Raphael Reys Ou poderíamos chamar tirar torrado de velho. Transcorria o pacato ano de 1997, na internacional terra de Figueira, também conhecida como os Montes Claros, onde só nos mesmos é que agüentamos. É nossa exclusividade, a aura rurícola, a bobeira política, a boçalidade campesina, e o pequi vitaminado. Somos-nos brega da roça, mas somos chiques! Nós saímos do mato, mas o mato não sai de nós! Por aqui, para quem chegou agora e não sabe, acontece de tudo, de tudo mesmo, no mínimo uma versão curraleira dos fatos, semelhantes aos acontecidos em qualquer outra parte do mundo. Numa tarde quente, “Amiguinho”, como era conhecido o homem de sociedade e de negócios do Norte de Minas, um Bon vivant dotado de uma aura alegre e contagiante, própria dele, e que animavam os todos, aprontou uma viagem comercial até Grão Mogol, município vizinho. Com ele um companheiro de estrada. Na saída da cidade pararam o veículo, atendendo ao aceno de um velhinho carregado de trouxas, e que pedia carona. Como iam para as mesmas bandas, ‘Amiguinho”, mandou o carona entrar e ocupar o banco de trás. Mal sabia que o ancião nada mais era do que “Saluzinho’, o lendário atirador de elite, e guerrilheiro Norte Mineiro, e que, já tocado pela idade, estava indo visitar parentes, em um povoado próximo”. Como se diria no Gurupí: Carregando uma onça molhada no banco traseiro Ao entrar no veículo, ‘Amiguinho” com aquele jeito brincalhão que lhe é próprio, tirou um “torrado” no velho, cheirando os dedos e dando em seguida alguns espirros. Pela viagem afora, outras tiradas de “torrado” e espirros dele, e do companheiro de banco, que recebia os dedos do “Amiguinho” para cheirar, e espirrar. Numa parada, em uma venda de beira de estrada, desceram para lanchar. “Amiguinho” pediu: baneston e Xis Eg. No que o dono da venda respondeu: só tem café, groselha, biscoito empacotado e bolacha. O proprietário da casa, vendo então o valente “Saluzinho”, saiu solícito e o recebeu, o encaminhando para dentro do estabelecimento, dando-lhe total assistência. Só então “Amiguinho” notou a mancada que cometera, ao tirar “torrado” nos baixos daquele velhote valente. Ao prepararem para prosseguir a viagem, e ao se adentrar ao veículo ‘Saluzinho”, “Amiguinho”, já manso e solícito, lhe falou: “Seu Salu tem uma garrafinha de café só do senhor aqui no canto do banco, um pacote de biscoito, bolacha, fumo de rolo, papel, fósforo e cigarro. Acaso dê vontade, me avise para parar, aonde o senhor quiser”! A notícia dos fatos chegou a Montes Claros, antes do retorno dos queridos participantes do incidente cômico. Já de volta à cidade, “Amiguinho” tomava uma cerveja gelada em um bar do centro, quando um conhecido lhe abordou e disse: “Amiguinho! Como é que pode... Um velhinho daquele lhe meter medo! Você, um homem de quase dois metros de altura”. No que o nosso conhecido habitante respondeu: “Medo não amiguinho! Respeito! A fera enfrentou sozinho um batalhão que estava armado até os dentes. Foi puro respeito”!


19937
Por Raphael Reys - 11/1/2007 16:45:56
MOLIN ROUGE CURRALEIRO

Transcorria o romântico ano de 1952, na tradicional e não ordeira Montes Claros, do coronelismo, da poeira e da lama.
As três maiores atracões da cidade, de então, eram a feira do Mercado Municipal, aos sábados, a zona boêmia, com mais de duas mil profissionais da noite, e o Cassino Minas Gerais, empreendimento modernista, tendo encerrado a jogatina por decreto federal do General Dutra, mantinha, entretanto, o glamour da casa, agora administrada pelo empresário João Pena.
A bem da verdade, a nossa cidade era a capital dos prostíbulos e do carteado. As atividades noturnas do chamado ‘Cassino “(Cabaré de João Pena), notadamente a prostituição no local, só encerrou as atividades em 1956, antes das comemorações do Centenário da cidade. A jogatina foi mantida na clandestinidade.
Crianças ainda, tinham notícias das festas do então “Cassino’, das damas da noite, das estrelas da cama, do luxo, do pano verde e, principalmente, de certo show de strip-tease, executado rusticamente por uma conhecida loura fogoió, que ao que constava, lá pelas tantas, tirava a roupa no palco.
Curiosos, reuníamos na Praça Coronel Ribeiro e, liderados por Walter Coutinho, o mais arrojado do grupo, formamos um comando para, de alguma forma, ter acesso ao que acontecia no interior do cassino no horário do show. Corríamos atrás dos momentos felizes da nossa infância que, no dizer de Rachel de Queiroz, é como catapora. Não dá duas vezes.
As cinco da matina estavam todos prontos para a Operação Voyeur. Descíamos na quietude da Rua Doutor Santos e, lá chegando, amontoávamos caixotes de madeira, fazendo uma plataforma para termos acesso à abertura de ventilação e, dali, vermos a loura dançando nua. Da turma faziam parte Zé Carlos e Paulinho Priquitin, o irmão de Odorico, Wagner e Chiquinho, Nano Cândido, e muitos outros que a lembrança me trai.
Chegávamos pela Rua Lafetá (onde hoje é a Padaria Globo), toda coberta de areia, cheia de seixos polidos, pequenas moitas, e um pequeno curso de água perene. Escondíamos atrás das moitas, enquanto os caixotes eram amontoados pelos mais velhos. Eles sempre subiam primeiro e, quando chegava a nossa vez, algum habituê do cassino passava e nos enxotava aos gritos. Era um tremendo corre-corres evitavam sermos identificados, o que, se acontecesse, seria lastimável, pois os pais não perdoariam aquela ousadia.
O que mais ficou marcado na minha lembrança foi à cena final da noitada, que às vezes íamos assistir, escondido atrás das moitas. O “Cassino”, ao ser lavado, com as mesas na rua, todos ainda bebendo, homens de terno, e as mulheres em vestidos e saias rodados, estilo garota do Alceu, feitos com tecidos Bangu de florzinhas e listrados Nova América, cintos largos de couro, com grandes fivelas, brincos argola gigante, tipo balangandã, pulseiras em coco e ouro, à moda da época, e apertados vestidos tomara-que-caia.
Voltávamos para casa ainda escuro e comentando a semelhança das mulheres noturnas com as atrizes e cantoras da época, as fortunas que se dilaceravam no pano verde, as triangulações amorosas entre cáftens, damas da noite, e clientes. Notícias dos crimes ali cometidos, os incidentes entre valentes da época. Era tudo uma grande aventura nas nossas cabeças de meninos.
Muitas vezes, ao irmos embora, sentíamos o cheiro de lança perfume Rodhia, usado pelos freqüentadores que tomavam porre no lenço de bolso, e a fragrância inebriante trazida pela aragem das cálidas manhãs de nossas infâncias.
Assistíamos, sem o saber, ao fim da era romântica...


19769
Por Raphael Reys - 7/1/2007 14:58:51
AINDA OS ROMÂNTICOS
Raphael Reys
A vida é feita de pequenos nada, e bem disse Laisse: As coisas deveriam ser inesquecíveis.
E falando em lembranças varo a blindagem do racional e mergulho em portais da minha infância campesina. Vejo-me tomando guaraná Brotinho com canudo de palha no bar de Nelson Vilas Boas, enquanto acompanhava as dissertações intelectuais do professor Pedro Santana, com cadeira cativa no estabelecimento saboreando a sua Pilsen casco verde. Meninos usavam quedes e tinham um relógio Tissot Militar. Caçávamos escondido usando uma Flaubert 22’, e soltávamos araras na Praça Coronel Ribeiro, enquanto Mundinho Atleta já discursava como General Armado da Inteligência Montesclarense, usando como palanque o beiral das Casas Ramos e Cia.
Quem mandava na cidade era o meu padrinho Deba de Freitas, com a sua grande pança, balançando ao caminhar, a calça de casimira bem larga.
Tomávamos banhos nus no rio do Melo, degustávamos sorvete em taça de alumínio, no Montanhês. Vestidos de terno branco batíamos retrato no estúdio de Coriolano Guedes. Fazíamos estilingue com tiras de borracha vermelha, extraída de câmara de ar de pneu de bicicleta sueca. Falávamos da morte de Carmem Miranda, da festa do Centenário, do crime de Sacopã, dos óculos modelo Ronaldo, das meias espuma de nylon, da transição da baquelita para o plástico, da passeata dos alunos do Instituto Norte Mineiro contra o governador Juscelino. O dândi professor Márcio, usava paletó de veludo e calçava sapatos Scatamachia de verniz.
Brincávamos de jogar finca na lama e de quilar bolofô. Dançávamos roda com as meninas de antanho cantando: Fui no Totoró beber água e não achei..
Comentávamos sobre os soberbos seios de Jane Mansefield, a voz de Sarita Montiel, a nudez de Luz Del Fuego, o cavalo branco de Roy Rogers, o tango de Gardel, a morte de Chico Viola, o grito de Tarzan e o florete do Zorro.
James Dean filmava Juventude Transviada e o anjo metafísico Aline Mendonça, bem magrinha e pequena, já mostrava a sua forca, brigando e enfrentando na mão qualquer menino que a desafiasse nas salas de aula, ou no recreio. Nariz empinado e mão aberta para o tapa conclusivo. Batia no meio das fuças.
Cantávamos Saçaricando no carnaval do Clube Montes Claros, fantasiados de Mandarim, com um calor de quarenta graus debaixo da fantasia de cetim, ou tafetá, e o vapor do lança perfume.
Bebia-se Cinzano Rossi, às margens dos rios da cidade. Dim canga cantava
Maria Helena no Cabaré de João Pena, enquanto Zé da Mata embriagado tomava a sua última dose de White Horse. Havia a briga das rainhas do rádio, e o maior sucesso era ouvir a novela Direito de Nascer, e os comentários sobre o crime de João Tijolo.
O luxo era ouvir o piano de Dulce Sarmento, e a felicidade lermos por empréstimo os clássicos da biblioteca Universal da advogada Juracy Felix. A Divina Comédia e os diálogos de Platão: Fedon e O Banquete em capa de couro e papel de bíblia.
Zim Bolão já fazia caçarola italiana e o chique era freqüentar a Leiteria Celeste e saborear os divinos salgados feitos por Dona Zení. A cidade polulava das turmas. A trinca do Gabilera, do Odorico, do Alto Severo, dos Sesé, da Malhada, a de Tatá.
Eram tempos da passarela de ilusão do Municipal, de confetes mágicos, de serpentinas coloridas, do Rodo de metal, de dona Afra Bechara, fantasiada de baiana e desfilando no carnaval de rua, do baticum da Boneca de Leonel, do petróleo é nosso (que fazia nascer cabelo) da penicilina que curava até defunto; dos amores calientes de Oscar Gabriel e de sua cadilac rabo de peixe, da vacina contra a gripe asiática. Estreptomicina PO.
Era o fim do romantismo!
Raphael Reys


19699
Por Raphael Reys - 5/1/2007 09:07:44
DE: Raphael Reys
PARA: Antonio(Toni)Carlos
Em resposta a sua mens. 196l5, tenho 59 anos andamos na mesma rota e ao mesmo tempo, nas mesmas penumbras, embora em turmas e em logísticas diferentes. Daí a não lembrança. A minha família era proprietária das Casas Boa Vontade, tecidos e confecções que encerrou atividades em 1967. O ph e o y no meu nome é criação do escritor Haroldo Lívio, o mesmo que me forneceu o seu apelido carinhoso. Como você, ele foi funcionário do BB. Ele é uma enciclopédia viva da nossa história. O nome literário que adotei, quando comecei a escrever crônicas foi Raphael de Alvarez e Bragança. Haroldo me asseverou que eu não tinha ainda porte literário, cacife e nem fhysique du role, para ostentar tamanha pompa em nome. Daí o Raphael Reys somente. Sem querer querendo, o amigo é personagem das minhas escritas. Grato e um abraço a todos os leitores que enobrecem este notável montesclaros.com.


19610
Por Raphael Reys - 3/1/2007 08:34:38
Para: Antonio (Toni) Carlos, em resposta a sua mensagem 1950, ofereço ao estimado amigo a crônica abaixo, na qual é personagem.

PARA TONICO SARGENTO, COM CARINHO.


Antonio Carlos Dias, dirigindo uma Sinca Chambord francesa azul-mar, e de primeira geração, passou na Boate Maracangálhia, apanhou a apetitosa Branca e Zoraide, sua amiga e fiel escudeira. Juntos rumaram para o Rio do Melo, num domingo de sol esfuziante. Mergulharem nas límpidas águas de antanho.
Transcorria o saudoso 1956, e os locais, esperavam com ansiedade os preparativos para as festas do Centenário da Cidade, sob a batuta do saudoso médico e historiador Hermes de Paula, o grande capitão da modernidade.
Lá o trio encontrou a Maria, um sósia da atriz Lana Turner, também personagem da noite, e que já preparava para retornar. Formaram o quarteto dos nus como o Criador os fez. Vadiavam a desbordar, entorpecidos pelo uísque Cavalo Branco, que tomaram e que fora previamente comprado no Armarinho Jabbur.
Logo, chegaram de jipe Simone e Maria, louras angelicais que se faziam acompanhar de outros noctívagos. Um pouco mais e um Aero Willis trazendo no bojo: Dío, Elisa, Maria Jardim, Pingo e Goiânia, também acompanhadas. Iniciaram então o saudoso exercício do dolce far niente, sob a tenda da amplidão. Logo o magote cantava... Boneca de trapo... Pedaço da vida...Que vive perdida...Pedaço de gente...Que inconsciente...Peca só por prazer...Vive para pecar.. Pecadores rasgados do lado de baixo do Equador!
Incentivados pelos vapores etílicos e sob as bênçãos de Baco rolavam na areia escaldante, e continuou o canto à latina... No puedo verte triste... Porque me matas... Que se hela de angustia me corazón...depues de muertos amaremos maís.
Dizem as Homéridas que, ao amor se chama de Eros, o deus alado, e de Pteros, pelo poder de fornecer asas.
Á noite, ao retornarem á boate de Anália, bebiam cerveja casco verde enquanto Dim Canga embriagado e, abraçado ao infante Raphael Reys, cantavam Conceição. Imitavam Cauby Peixoto, e a platéia sorria a bandeiras despregadas.
O efebo, naquela noite, dançou o seu primeiro tango, na pista sintecada da boate, sob os olhares das damas do prazer, escorregando nos passos alternados de uma melodia carregada de passionalidade.
A sua parceira de dança, a Ana, uma piscíana com pele em nácar e olhos de vaca pidona, dona de ancas monumentais, chorava com a cabeça apoiada nos ombros do mancebo. Tocada pela vida de pecados e de renúncia, falava agora em ter um amor exclusivo. Almejava viver na trivialidade da sociedade.
O choro nervoso fazia balançar os seus seios divinais à la Silvana Mangano, como no filme Arroz Amargo. Afetada pelo estímulo da paixão proibida desmaiou no salão, aos pés de Lauzinho, que enchia os ares da noite com os acordes de Perfume de Gardênia.
Bandeirolas suspensas tripudiavam impunes ao longo do ambiente. Escondiam os seus coloridos de papel crepom na penumbra da casa de prazeres.
Gritos pelos corredores anunciavam uma briga de amantes que disputavam à mesma estrela da noite. Engalfinhados, disparavam a esmo. Pura passionalidade!
Raphael Reys



19436
Por Raphael Reys - 26/12/2006 16:00:13
(...)
CINE TEATRO FÁTIMA

Pelas portas abertas á Rua D. Pedro II entro sorrateiramente e sinto um frio no coração. Aqui, neste mesmo lugar onde construí grande parte das minhas emoções, encontro reformas e um novo espaço, agora comercial, de um empreendimento modernista,
Reminiscências me falam de uma época de glamour para a comunidade Norte Mineira que dessas poltronas que aqui existiam assistir aos épicos do cinema mundial. Uma passarela de glamour e uma escola de arte cinematográfica!
Daqui, corremos de biga romana com Bem Hur; singramos corajosamente os mares com os Vickings. Conquistamos continentes, na briga de Esparta com Atenas na guerra do Peloponeso.
Assistimos os belos olhos de Elisabeth Taylor lacrimejar num telhado de zinco quente ao sol da tarde.
Daqui, com os sentimentos inflados pela paixão de homem da roça a nossa imaginação nos levou a amar as musas italianas e francesas. Construímos parte da nossa sexualidade dormindo e amando Brigitt Bardot na Riviera, quando de joelhos lhe suplicamos um momento de luxúria, para então sugarmos os seus lábios sensuais.
Gastamos bala em cima de bala em Sete homens e um Destino. Aprendemos arte cinematográfica em Blow Up e Modesty Blaise. Maravilhamos-nos ao assistir o Ac`tors Studio Steiger furar a mão interpretando O Homem do Prego. Vibramos com a perfeição em solo de bateria com Sinatra em O Homem do Braço de Ouro. Vimos Macunaíma, o épico da brasilidade. De malandragem tropical!
Viajamos dançando nas óperas, Pog and Best, e West Side History. Adentramos o universo dantesco de Felline e acompanhamos a Cinecittá, de onde ele projetou Oito e Meio, cujos rolos de fitas, levaram oito e meio anos para chegar aos Montes Claros de então.
Sentimos vibrar a nossa roupa com o efeito rebound sound da MGM traduzindo no ar, o estrepitar dos corcéis no deserto em Lawrence da Arábia.
Agora, vemos o progresso comercial, imposto pela falta de uma renda digna e sólida, feito sem a sensibilização da cultura, sem a preservação mantida pela devida vontade política, matar tudo o que apreendemos a amar. Destruir as doces recordações da nossa infância campesina e utópica.
No escuro do cinema com adrenalina correndo em nosso corpo pela possibilidade de roçar a mão, ou mesmo beijar o pescoço de pecado, daquela garota do vestido Bangu. Tocar a sua epiderme com os lábios, e sentir os fios de seu cabelo no escuro do salão, produzindo eletricidade estática e emoções inusitadas. Puro fogo de paixão infante! O meu coração, nobre leitor; pulsava em 1.6 na escala de Eros!
Tornamo-nos escravos de qualquer emprego, cada loja que abre as suas portas na comunidade representa a sobrevivência de muitas famílias e o recolhimento de impostos.
Violaram a nossa aldeia! Saudade é palavra que só existe no nosso dicionário e agora com a alma ferida, lembramos aquela época de altivez, de famílias desfilando impecavelmente trajadas pelos corredores deste cinema, nos domingos e feriados. Da mistura exótica de aromas de colônias e perfumes importados.
Naquelas confortáveis poltronas, iniciaram-se muitos romances de amor, que, culminaram na formação de muitas de nossas famílias. Vimos também amores que se desfizeram, e aqui nessas mesmas poltronas trazíamos durante a semana e no discreto escurinho da tarde, as mariposas da noite.
Filhas de Vênus, doces anjos do pecado tiradas das suas alcovas nos lupanares tropicais onde exerciam a arte do amor luxúria e, movidos pelo ´Amore Ânimo,´ assistirmos os épicos, sob os olhares críticos da nossa sociedade rurícola (entretanto, necessária).
Daqui desse mesmo saguão de entrada, vimos o empreendedor empresário Lezinho Lafetá que, solícito, respondia, ao telefone, aos que perguntavam se o filme do dia era bom: o filme é bom mesmo! É da “Vinte têaga Centurí Fêoxis”
Raphael Reys




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Avay Miranda
Iara Tribuzi
Iara Tribuzzi
Ivana Ferrante Rebello
Manoel Hygino
Afonso Cláudio
Alberto Sena
Augusto Vieira
Avay Miranda
Carmen Netto
Dário Cotrim
Dário Teixeira Cotrim
Davidson Caldeira
Edes Barbosa
Efemérides - Nelson Vianna
Enoque Alves
Flavio Pinto
Genival Tourinho
Gustavo Mameluque
Haroldo Lívio
Haroldo Santos
Haroldo Tourinho Filho
Hoje em Dia
Iara Tribuzzi
Isaías
Isaias Caldeira
Isaías Caldeira Brant
Isaías Caldeira Veloso
Ivana Rebello
João Carlos Sobreira
Jorge Silveira
José Ponciano Neto
José Prates
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Luiz de Paula
Manoel Hygino
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